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segunda-feira, 3 de novembro de 2014

MEMÓRIAS DE UM SOBREVIVENTE DA REVOLUÇÃO DE 1935


 
FRANCISCO MENELEU DOS SANTOS

MEMÓRIAS DE UM SOBREVIVENTE DA REVOLUÇÃO DE 1935

 
 
 LIVRO 'COISA JULGADA E CARTAS DE AMIGOS'
Meneleu tinha 18 anos quando foi preso pela primeira vez, na noite de 27 de novembro de 1935, no quartel do Batalhão da Polícia Militar, na “Salgadeira” (hoje Rua das Laranjeiras, Cidade Alta, Natal/RN), onde centenas de presos políticos estava trancafiados. Naquela noite, no meio de dezenas de presos (“gente fina”), vestidos de paletó e gravata, ele passou pelo “corredor polonês” formado por policiais armados de “rabo de galo”(uma espécie de facão que era usado pelos PMs para dar no povo), mas não sofreu nenhuma bordoada, por causa do seu corpo franzino.
Luiz Gonzaga Cortez (O Poti, 06.10.1985)
 

 
 O Guerreiro do Tempo

Ao ser preso juntamente com vários companheiros, foram recebidos por um "Corredor Polonês" onde a soldadesca brandia os famosos sabres "Rabo de Galo" e batiam com sadismo nos presos que corriam em direção ao "tintureiro" que os aguardava no fim da fila, para levá-los à Escola de Artífices de Natal.
Foi assim que começava aos 18 anos o jovem Francisco Meneleu, gráfico que participara da impressão de "A Liberdade", o jornal que divulgou o ideário do Levante Comunista de 23 de novembro de 1935, sua odisseia nas masmorras da ditadura Vargas. A data era 27 de novembro 1935, foi preso na modesta pensão em que residia e junto com ele, agora na cadeia, centenas de revolucionários civis e militares.
Ao ser transferido para a cadeia pública de Mossoró, ali nos Paredões, continuou a desenvolver trabalhos de conscientização para si e para os que ali estavam com ele, revolucionários também.
O trabalho continuava, era uma pequena célula organizada que deu outra feição pelo modelo operário de organização que passou a ter naquele local. O movimento organizado por ele dentro desta prisão gerou inclusive empregos para detentos comuns. Tinha o respeito dos companheiros que ali estavam, bem como dos administradores do presídio.
Esse livro de memórias lembra-me rascunhos seus que passou a mim, onde iniciava com a frase: "Hoje eu acordei revoltado e com vontade de falar!" Falava das injustiças dos homens. Mas também falava dos companheiros com boas lembranças e lembrava as lutas pela liberdade; lembrava os momentos em que encarcerado passou a conhecer e a ter respeito pelos que estavam à frente do ideário do Levante Comunista.
Lembrar e falar para ninguém esquecer desses Revolucionários Potiguares que já caíram vencidos pelo tempo. Lembrar também que teria de continuar com coragem para resistir. Hoje, aos 88 anos, está resistindo contra mais esse carrasco que o quer levar às masmorras do Hades. Francisco Meneleu, um guerreiro do tempo. Faz-me lembrar um "Hilander" Só resta um. Sim, só Ele vivo, dos que participaram no Rio Grande do Norte da Revolução Comunista de 1935.
A Ele dedico respeito, consideração e amor.
Raul Meneleu

 
O lançamento desse livro COISA JULGADA e Cartas de Amigos, deu-se no dia 07 de abril de 2006 na cidade de Mossoró-RN com a presença de autoridades políticas e religiosas, cidadãos da cidade, seus amigos e familiares. O prefácio do livro foi feito pelo seu saudoso amigo Raimundo Soares de Brito, escritor, pesquisador e Presidente da Academia Mossoroense de Letras.


 
 

 FOTOS DO LANÇAMENTO DO LIVRO “COISA JULGADA


Francisco Meneleu dos Santos, potiguar de Areia Branca/RN nasceu em  22 de julho de 1917 filho de Antônio Caetano dos Santos e Aureliana Leonísia dos Santos, abaixo seu depoimento vívido pelo que passou:

MEMÓRIAS DE UM SOBREVIVENTE DA REVOLUÇÃO DE 1935

Hoje, senti vontade de falar sobre as injustiças contra mim cometidas pelos algozes mandantes do governo do Rio Grande do Norte e do Brasil no ano de 1935. Na época com 17 anos, sem ser político e nem tampouco entender, fui jogado numa masmorra juntamente com vários colegas operários como eu, pelo simples motivo de ter composto e impresso um jornal da revolução comunista deflagrada naquele ano.
Acusaram-me de tudo para conseguir uma penalidade de seis anos e seis meses que foi cumprida integralmente, apenas aliviada de vez em quando por pessoas bondosas que ainda existiam naquela época, como o Cap. Carvalho, Cap. José Medeiros, Cap. Severino Elias, Tenente José Bastos e outros que me falha a memória.
Entre os civis, destaco em primeiro plano, o meu grande amigo Dr. Raul Caldas que fez tudo para me proteger contra os perseguidores de então, que não eram poucos. Esses perseguidores nada tinham contra mim, mas quando perseguia um elemento, eu entrava no meio, "de tabela".
Voltando a falar sobre o meu "crime", fui preso, primeiramente, por elementos da revolução, conduzido para o quartel do 21 BC. Lá chegando, entregaram-me um fuzil, não sei porque, pois naquele tempo nunca tinha pegado em arma, fazendo ver ao elemento que não sabia manejar fuzil, fui designado, depois de me identificar como gráfico para trabalhar na confecção do jornal A Liberdade, onde fiz de tudo, composição, paginação etc., não tendo obrigado ninguém a colaborar comigo na feitura do órgão como me acusaram no processo julgado pelo famigerado Tribunal de Segurança Nacional, tribunal fascista da época nefanda do governo Vargas.
Não tive direito a defesa por me encontrar fora da capital, em Mossoró, para onde fui, logo que me deram liberdade no início do processo, talvez por ser menor de idade. Quando completei 21 anos, fui condenado e preso, em seguida, pela policia do governo Rafael Fernandes, fabricante de comunista, para esconder a má administração, mostrando que perseguindo comunistas e prendendo inocentes, ficava com as simpatias do Ditador.
No período compreendido entre dezembro de 1935 até meados de 1938, fiquei em minha cidade, Mossoró, quando servi o Exército, no T.G.42, quando então aprendi a manejar um fuzil. Fui para Natal a convite do jornalista Café Filho, para trabalhar em seu jornal, no começo do ano de 1935. Trabalhei poucos meses, o bastante para ser considerado comunista; quem era cafeísta ou trabalhava no jornal, assim era pechado.
A minha política era ganhar o meu sustento, que, naquela época, já era difícil. Para completar o meu orçamento, era obrigado a fazer serões na A República ou na A Ordem. Quando estourou a revolução, eu me encontrava fazendo serão na A Ordem, isso no dia 23 de novembro de 1935, Sábado. Não sabíamos do que se tratava.
Passamos a noite compondo o jornal e pela manhã fomos todos intimados a comparecer ao quartel do 21° BC. Ali chegando, todos nós recebemos fuzis e todos disseram que não sabiam manejar aquela arma. Fomos, então, designados, depois de nos identificarmos como tipógrafos, para confeccionar o jornal oficial da revolução, A Liberdade.
Fomos conduzidos às oficinas de A República, onde encontramos vários elementos do órgão oficial do governo, compondo o jornal revolucionário, tendo nos agregado aos mesmos, dando a nossa colaboração.
Soube, mais tarde, que esses colegas, para se defenderem perante o famigerado Tribunal de Segurança Nacional, tribunal de exceção, criado pelo então ditador Vargas, acusaram-me de tudo, para salvar a pele que era igual à minha. Fui condenado à revelia, porque nunca pensei que existisse tanta maldade nos pronunciamentos dos meus ex-colegas.
Acusaram-me de Ter dado guarda aos tipógrafos. Como poderia dar guarda, compor e paginar um jornal ao mesmo tempo? Seria muito cômodo de minha parte dizer que eles fizeram tudo e eu nada. Entretanto, nunca neguei a minha participação, embora sem ter nenhuma convicção política.
Era apenas um operário que trabalhava para qualquer jornal. Como disse, anteriormente, fiz biscates em A República e A Ordem como compositor, onde desempenhava, com muita habilidade, a minha profissão de tipógrafo.
No livro de autoria do Dr. João Medeiros Filho, 82 Horas de Subversão®, encontrava-se, nas páginas 136 e 168, uma contradição. Na primeira, dou guarda, armado juntamente com outros, e na página 168, diz que participei da impressão do jornal; a segunda é verdade, mas a primeira não podia ser, pois estava ocupado na Segunda.
Todos os tipógrafos trabalharam na confecção do jornal, 4t4se na hora da onça beber água, fugiram das responsabilidades. Terminada a composição e impressão do jornal, todos nós fomos para as nossas casas; isso no dia 26 de novembro, no dia 27 fui preso por uma patrulha e conduzido ao Quartel do 21°BC, onde se encontravam vários elementos detidos.
Num interrogatório feito por um oficial do Exército não neguei a minha participação como tipógrafo, dizendo mais que era empregado da Tipografia Comercial, de propriedade do Major José Pinto, pai do Des. Lauro; Adamastor e José Pinto, localizada na Av. Tavares de Lira; o citado oficial era o então Capitão Aloisio Moura, genro do Major, conforme soube depois, que mandou me soltar, dizendo que eu fosse para casa, isto feito fui diretamente para a minha "república" que ficava na Frei Miguelinho.
Por volta das 18 horas, apareceu uma patrulha da polícia que invadiu os meus aposentos e, na busca que fez nos meus pertences, roubaram-me cerca de 30 mil reis, calças e camisas novas que tinha comprado há pouco tempo.
Conduziram-me até o quartel da Polícia, onde fiquei até às 22 horas, quando em companhia de vários presos, saí em coluna por um, passando por um "corredor polonês" de vários soldados da Polícia, todos de "rabo-de-galo" na mão, espancando na passagem até o "tintureiro" (carro que conduzia presos) que estava estacionado no portão de entrada do quartel, todas aquelas criaturas que tiveram a infelicidade de cair em sua malha.
Quando chegou a minha vez, trinquei os dentes para aguentar a bordoada, mas tive melhor sorte do que os meus companheiros que passaram na frente, não fui tocado nem de leve, não sei se por piedade dos algozes (se é que algozes têm piedade), vendo um jovem de pouca idade, ou se foi no ato de subir o sabre para descer nas minhas costas eu já estava longe deles.
Embarquei no "tintureiro", sem saber o destino, quando parou depois de vários minutos, estava na frente da Detenção, onde dei entrada, ficando vários dias ali, quando fui transferido para a Escola de Artífice, na Rio Branco, prédio que serviu de presídio por vários dias; ali, o ambiente era bom, e não sei porque me botaram no meio de médicos, dentistas, engenheiros, funcionários de alta categoria e outros bons elementos, onde fiquei detido por quase um mês; dei meu depoimento a um juiz, contando tudo o que tinha sido passado comigo e, poucos dias após, fui posto em liberdade e seguido para minha cidade, Mossoró.
Meses depois que cheguei a Mossoró, alistei-me no TG 42, onde aprendi a manejar e atirar de fuzil, coisa que não aprendi em Natal com a revolução de 35. Passados alguns anos, já com 21 anos de idade, fui surpreendido com a condenação, à revelia, por parte do famigerado Tribunal de Segurança Nacional, órgão repressor do governo daquela época, fabricante de comunista e torturador de pessoas que nunca entenderam o que era comunismo.
Já sabendo que me encontrava condenado a seis anos e seis meses de reclusão, não tentei fugir, sendo apoiado pelo meu melhor amigo, Raul Caldas, que me deu coragem para suportar a injustiça da pena aplicada sem nenhuma defesa por aquele Tribunal de Exceção da ditadura getulista.
Os meus companheiros que trabalharam comigo, fazendo as mesmas tarefas foram absolvidos, mesmo que tenha para isso me acusado sabendo que eu não estava ali em Natal, para me defender. Graças ao Cap. Severino Elias que era muito amigo do Dr. Raul Caldas, fui poupado de ser detido por vários meses até que não pode mais devido ordem da Chefatura de Polícia para me recolher, o que foi feito e 30 dias depois, tive liberdade por conta e risco do Capitão Severino para trabalhar fora do presídio, no escritório da Empresa de Óleos Brasileiros Ltda. (EDOB) com o Dr. Raul Caldas, meu gerente naquela empresa de extração de óleos vegetais.
Trabalhei com o Dr. Raul Caldas até 1939, quando o mesmo foi substituído pelo Sr. Miguel Arcanjo de Arantes Nogueira, de Minas Gerais, que me denunciou à matriz, que mandou me demitir por me encontrar condenado pela justiça (?). Voltei, então, ao presídio em Mossoró e numa denuncia feita a outros sentenciados políticos, entrei de "tabela" no meio, tendo sido transferido para Natal em 1941, onde fiquei passando as piores privações além da falta de liberdade.
Na Detenção da Capital procurei me adaptar ao ambiente tendo angariado entre presos políticos e autoridades policiais boas amizades. Fui datilógrafo da Diretoria do presídio na gestão do Cap. Carvalho, um militar digno dos melhores encômios. Na prisão, conheci vários elementos que não eram como diziam fora das prisões, maus elementos; todos eram pessoas de responsabilidades, bons pais de família que tiveram a infelicidade de participar de um movimento derrotado.
As autoridades da época tiveram o cuidado de reunir presos políticos e presos comuns (assassinos, ladrões e outros malfeitores) em um mesmo ambiente para facilitar talvez a eliminação de alguns elementos considerados "vermelhos" demais.
Como a cultura de vários elementos suplantava a dos "carcereiros" não foi difícil angariar a simpatia e confiança dos detentos que encontramos na Detenção de Petrópolis, para insatisfação dos "heróis" que "lutaram" "bravamente" para derrubar as "82 Horas de Subversão".
Foi muito difícil tirar esses seis anos e seis meses de minha existência que até hoje fazem falta em minha vida, pena aplicada por tiranos fantasiados de anjinhos de procissão. Na prisão não encontrei nenhum tipógrafo que trabalhou comigo na feitura do jornal revolucionário, parecendo até que eu fui o único a compor, paginar e imprimir o órgão.
Todos os meus colegas foram uns covardes que não suportaram o peso da repressão policial e se acovardaram, empurrando para mim, que estava em Mossoró sem saber o que estava acontecendo, todo o peso, aliviando os seus costados, deixando correr à revelia uma sentença injusta bem aos moldes fascistas que já existia na época.
FÁBRICA DE COMUNISTAS
O Rio Grande do Norte serviu de palco para a maior fábrica de comunistas do Brasil, com a política de João Café, ilustre norte-rio-grandense para quem trabalhei como operário na composição de seu jornal O Jornal e todo elemento que o seguia era taxado de comunista e perseguido como tal, basta lembrar os "comunistas" de Mossoró, cidadãos como Raimundo Jovino, Amâncio Leite, Marfins de Vasconcelos, Pedro Leite e outros para se ter uma ideia do que foi a perseguição política comandada por elementos do governo de 1935 que imperava com sua ditadura mirim para satisfazer os instintos malfazejos do governo pró-nazista de Getúlio.
Como trabalhador gráfico que era e trabalhando em um jornal que não era bem visto pela situação, naturalmente pesou corara mim a pecha de comunista, mais um produto da fábrica montada. Não viram o outro lado das minhas atividades que era a de trabalhador avulso de A Ordem, onde fazia serões para completar o orçamento que naquela época já era de fome.
No dia 23 de novembro de 1935, Sábado, estava trabalhando, puxando linha a 20 reis quando fui surpreendido, juntamente com os meus colegas por um tiroteio na Cidade Alta, deixando-nos acordados durante toda a noite e, pela manhã, surpreendidos por soldados do 21°BC que nos deram voz de prisão, conduzindo-nos para o quartel daquela unidade do Exército para receber armas para combater o quartel da Polícia.
Como não sabíamos manejar um fuzil, deixamos aquelas armas de lado e fizemos ver que só trabalhávamos no ramo gráfico. Logo fomos designados para as oficinas de A República para compor e imprimir o jornal A Liberdade, órgão oficial da Revolução.
Como profissional que era, fui logo arregaçando as mangas e me dedicando com ardor na feitura do jornal, não porque fosse jornal comunista e sim porque gostava de minha profissão, dando tudo de mim para que ficasse um jornal tipograficamente bem feito.
Encontrei, logo que cheguei às oficinas de A República os meus colegas de arte Paulo Melo, Loiola Barata, Rodolfo, Pacífico e outros já nas caixetas, não sendo verdade que os tinha conduzido à força para as oficinas, nem dado guarda aos mesmos, porque eu não podia trabalhar e dar guarda ao mesmo tempo, mas para salvar a pele tudo valia, principalmente para acusar um "vermelho" que era muito bem aceita qualquer acusação.
Hoje, seria muito fácil dizer tudo que fiz de errado contra os meus colegas e nada me aconteceria, pois faz mais de 60 anos (precisamente 63 anos) da revolução comunista e nosso regime atual (1998) é democrático, sem nenhum "ato institucional" para me prender; meus ex-colegas foram muito fracos quando me deduraram, juntamente com outros colegas que fugiram de Natal para várias cidades, para não serem presos nem torturados, como aconteceu a vários elementos "comunistas, fabricados para servirem de saco-de-pancadas para satisfação dos governantes da época e satisfazer o desejo de vingança por terem passado "82 Horas..." acovardados, com medo de meia dúzia de elementos que se apoderam do poder.
Nenhum elemento do governo morreu na revolução a não ser um pobre louco que se meteu no meio do tiroteio do Quartel de Polícia, tendo sido, mais tarde, considerado da corporação e como tal promovido a "cabo" e herói combatente (?)
Minha odisseia começou em 1934. No começo, deste ano fui considerado por intermédio do meu amigo Chico Assis (já falecido), para dirigir uma gráfica de propriedade do Sr. Antunes em Macau, para minha ida mandaram 200 mil reis por intermédio de Dix-neuf Rosado para meu transporte àquela cidade.
Trabalhei somente seis meses, tendo voltado a Mossoró, poucos dias fiquei sem emprego quando recebi convite do jornalista João Café para trabalhar em seu jornal. Segui para Natal em ônibus até Angicos, onde apanhei o trem da Great Western, tendo chegado àquela capital onde me esperava, a mando de João Café, o meu amigo Gumercindo Saraiva que, nesse tempo, trabalhava como gráfico do jornal. Gumercindo me apresentou a todos os gráficos, repórteres e outros elementos que constituíam a família jornalística de O Jornal.
Logo fiquei conhecido no meio gráfico da cidade, não faltando biscates para complementar nas minhas despesas e também conhecido como gráfico do jornal que não era bem visto pela classe poderosa do governo de então. Trabalhei de 1934 a 1935, junho, me desliguei do jornal, tendo ingressado na Tipografia Comercial, por meio de teste onde obtive o 1° lugar, ficando logo trabalhando no corpo gráfico daquele estabelecimento de propriedade do Major José Pinto, localizado na Tavares de Lira.
O major logo ficou meu amigo, apesar de sua aparência carrancuda, era uma criatura boníssima, nada me faltava, pois sempre procurei zelar pelo bom nome da Gráfica, apresentado bons serviços à sua clientela. Apesar de minha pouca idade, 17 anos na época, tudo era resolvido por mim, espécie de gerente na tipografia.
Quando se dirigiam a ele, mandava que falassem com o Sr. Francisco, que era eu. E eu resolvia mesmo, porque sempre gostava do meu trabalho. Trabalhei alguns meses, com o major na parte gráfica durante o dia; à noite, fazia serões em A República e, às vezes, no jornal A Ordem, onde tive a infelicidade de estar trabalhando no dia 23 de dezembro de 1935, em um Sábado, dia de receber dinheiro, pela composição de matérias até aquele dia.
A redação não teve nenhuma culpa em não fazer o pagamento aos seus operários, porque foram todos presos por elementos do 21BC e conduzidos ao quartel daquele Batalhão, inclusive eu.
No quartel foi fornecido armamento para todos, inclusive para mim, não tendo nenhuma instrução de como funcionava a arma, fez ver aos mandantes que minha profissão era outra, no que fui atendido e designado para a confecção do jornal A Liberdade onde desempenhei como profissional que era todo o meu esforço para a tiragem do jornal.
Concluída a minha tarefa, fiquei logo conhecido por outros gráficos o que me causou mais tarde sérias acusações contra mim para se livrarem perante as autoridades do que fizeram juntamente comigo, acovardando-se para salvar a pele, jogando as suas culpas para os que estavam fora de Natal, não podendo se defender.
Bando de safados! Todos já tiveram o seu castigo não determinado por mim e sim pela justiça Divina. Deles todos o único sobrevivente sou eu, poupado talvez por não ter ofendido a nenhum deles.
Custou muito caro o que fiz, mas serviu de experiência e ainda serve hoje o que aprendi na convivência com elementos bons e ruins durante minha prisão, com políticos, médicos, advogados, dentistas, jornalistas, sapateiros, religiosos, funcionários públicos e outras profissões que me escapam a memória.
Até com assassinos e ladrões tive minha convivência, uns bons outros menos, mas todas as pessoas humanas que tinham o que contar de suas vidas, uns presos injustamente, outros por culpa da sociedade em que viviam.
Fiz boas amizades, tanto na delegacia em Natal como na cadeia pública em Mossoró. Na detenção de Natal, passei por muitos sofrimentos morais, sem poder sustentar minha companheira que ficara em Mossoró com meus familiares.
O pouco que ganhava mal dava para complementar a alimentação que era dada pelo governo em dinheiro e pouco. Vivíamos na detenção juntos com presos comuns, apesar de sermos considerados presos políticos, entretanto sabíamos nos respeitar sem atritos.
A ociosidade tomava mais tempo entre os detentos. Para preencher o tempo tive que aprender a movimentar peças de xadrez. Não digo que aprendi a jogar, mas sei movimentar todas as peças e meu "professor" foi o advogado rábula Miguel Moreira, famoso guerrilheiro, companheiro de Manoel Torquato, Feliciano (assassino de Manoel Torquato).
Raimundo Tavares, Herculano e outros. Miguel Moreira era um homem culto, bom companheiro, amigo de todos nós que, como ele participávamos dos mesmos sofrimentos. Passávamos o dia jogando xadrez para esquecer as injustiças contra nós, que, para o governo da época, era justiça.
Lembrando outro amigo que, como eu, foi preso como comunista, entretanto sofreu apenas perseguições porque era um oficial brilhante, invejado por suas atitudes de líder em seu batalhão, Mário Cabral soube, com dignidade, suportar as atrocidades de elementos que se diziam democratas, e que de democrata não tinham nada, apenas fascistas tupiniquins impregnados de baba virulenta. Mário, antes de ser absolvido pelo famigerado Tribunal de Segurança Nacional, aprendeu o oficio de barbeiro, para ajudar com o pequeno ganho de despesas de sua família. Bom companheiro, já falecido na cidade de Natal.
Outro colega de cela era Zé Paulo, muito míope, protestante da Igreja Batista, passava o dia lendo a Bíblia e pregando, ao seu modo, a religião que abraçou. Tapava os ouvidos com as mãos, deixando a maior parte fora para ouvir as anedotas pornográficas, contadas por seus amigos, dando-nos a impressão de ser um puritano. Figura alegre e bondosa.
Coutinho era outro "jovem" de 70 anos que foi preso injustamente, talvez por falar demais. Malcriado, no bom sentido, e, talvez por isso, prenderam o pobre velho, castigando-lhe com uma pena injusta, encomendada pelos inimigos do jornalista Café Filho.
Outro amigo, Israel Pedrosa, colega de profissão, sofreu tanto que ficou tuberculoso, vindo a falecer depois da minha vinda para Mossoró. Trabalhara comigo na confecção do A Liberdade e fora condenado a seis anos e seis meses de reclusão, a mesma pena que me deram, sem apelo, tendo sido cumprida integralmente por nós.
Deixo de falar nos meus opressores, perseguidores baratos do Governo de então, para não ferir suscetibilidades de seus familiares que ainda vivem e que são completamente diferentes, tanto nos pensamentos como nas atitudes, frutos que são de uma época mais civilizada.
MATÉRIAS JORNALÍSTICAS COM FRANCISCO MENELEU

 





 


 

 
EVENTOS QUE MENELEU PARTICIPOU







 
Os jornais, colunistas, jornalistas e blogs trazendo as notícias sobre a morte de Francisco Meneleu




Este artigo foi publicado em 17/01/08 às 13:56
Francisco Meneleu dos Santos, último remanescente do Levante Comunista de 1935, morreu quarta-feira em Fortaleza. Tipógrafo do jornal “A Liberdade”, que divulgava a ideologia da Intentona, Meneleu era natural do município de Areia Branca e chegou a ficar preso por seis anos. Seu corpo será cremado e suas cinzas será depositada no cemitério Parque da Paz, na capital cearense. Ele tinha 18 anos quando foi preso pela primeira vez, na noite de 27 de novembro de 1935. Ficou detido no Batalhão da Polícia Militar, na antiga  rua da ‘‘Salgadeira’’ (atual Laranjeiras, Centro). O Rio Grande do Norte foi o único estado onde se instalou um governo revolucionário provisório, de 23 a 27 de novembro de 1935.
 
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"Dirijo, inicialmente, minha saudação, meu abraço fraterno a essa iniciativa gloriosa, do Governo do Estado, das entidades já mencionadas e ao compromisso de Isaura Amélia Rosado Maia com a cultura e com a história. Compromisso com a preservação da memória histórica e cultural do nosso Estado. Isto é muito raro e difícil nos dias de hoje.
Quero também dirigir minha saudação a Meneleu uma figura terna e doce que eu conheci há quatro anos, quando fizemos uma homenagem aos 66 anos da Insurreição Comunista. Hoje, Meneleu diz carinhosamente e eu me orgulho disso, que eu sou um dos amigos que ele tem, porque os amigos de 1935 desapareceram.
Falarei mais coloquialmente, deixando um pouco de lado aspectos históricos, explicitados tão bem por Cortez, Ivis Bezerra e pela professora Brasília Carlos Ferreira. Quero falar mais sobre o humano e o humanismo dos homens envolvidos nesses episódios.
Começo por Meneleu, um homem que foi condenado durante seis anos a trabalhos forçados, cumpriu sua pena imposta pelo famigerado Tribunal de Segurança Nacional, casou-se na prisão. Episódio inédito no Brasil inteiro, preso político, casa-se com uma pessoa que era da sociedade. Apesar dessa história, Meneleu tem a grandeza e a simplicidade de ser alegre, de ser fraterno, reconstruiu sua família. Um homem que têm alegria de viver. O maior bem de Meneleu é a estima aos amigos. Comportamento raro nessa sociedade, cosmopolita e capitalista de hoje. Quero render a Meneleu, meu amigo fraterno, nosso amigo fraterno, esta homenagem e este reconhecimento na grandeza do ser humano." Mery Medeiros - Cronista, líder sindical e pesquisador