Rainha
do Maracatu Az de Espadas
A Grande e Mais Famosa Rainha de Maracatus, chamava-se Benedito Wanderlan Custódio da Silva, ou simplesmente como o chamávamos, Benoit. Vice diretor do Ginásio Aluno João Nogueira Jucá, no bairro Mucuripe em Fortaleza, capital alencarina, no carnaval de ruas da década de 60, transformava-se.
Segundo José Orestes Cavalcante, primeiro presidente do Maracatu Az de Espada, treze vezes campeão geral do carnaval de rua, falando sobre Benedito Wanderlan Custódio da Silva, o Benoit, professor de matemática, "alto e bonito, como a mais famosa rainha dos maracatus de Fortaleza. Era disputado por todos."
Mas seu passe era exclusivo. Sempre foi Maracatu Az de Espadas, seu reino de glória tão passageira, apenas nos dias de carnaval, não importava, era rainha bonita e faceira, disputada pelos maracatus. Nesses dias, era aplaudido em sua passagem, com seu leque de rendas brancas contrastando com sua pele enegrecida pela tintura de falso negrume e o batom vermelho, acentuando a linha de seus lábios, gingando na cadência do ritmo lento e triste, abanava-se e sorria para todos, mostrando seus dente alvos num sorriso mais cativante e inocente de uma rainha escrava dos contos de fadas do panteão de deuses africanos. Era linda!
´Rainha preta do maracatu, nesse teu rosto de falso negrume/ morre de gozo na renda do sol/ no pano feito pelo fio d´água / desse véu de noiva: bica do Ipu...´
Em seu disco ´Cauim´, gravado em 1978, o compositor e músico Ednardo, fez-se rainha de Maracatu cearense, pelo menos na capa de seu disco, com o rosto pintado de preto, exaltando as Rainhas de Maracatus, e as exaltando com esses versos. E entre elas estava a rainha de Maracatu mais famosa de Fortaleza, Benoit, negro duas vezes; pela cor natural de sua pele original e pelo negrume falso da tinta preta. Na vida real um Príncipe e na imaginária, uma Rainha.
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Calé Alencar |
As rainhas de Maracatus sempre foram exaltadas. Quem não ouviu ´Dora, rainha do frevo e do maracatu / Dora rainha cafuza de um maracatu/..´ de Dorival Caymmi.
No Ceará, podemos citar, dentre
outros, Calé Alencar, que canta sobre o Maracatu com suas
melodias, apresentando loas e estimulando os brincantes a cantar.
Vixe Maria... quando de longe eu via as Balizas abrindo o desfile, marcando o passo ao lado do porta-estandarte e carregando as balizas entre os dedos, girando-as graciosamente, vestidos com coletes, turbantes, saiotes e com suas fantasias com as cores preta e branca de meu maracatu, ia ao delírio. Vendo o Porta-Estandarte marcando o passo e anunciando a presença do maracatu, meus olhos brilhavam, vendo aquele pano de veludo, com franjas cor de ouro e rendas brancas nas bordas, trazendo no centro, o símbolo bordado de um Az de Espadas, que identificava o meu maracatu, sim... exultava e aplaudia.
Como admirador dos índios, os via desfilando em filas indianas e ladeando o estandarte, com seus saiotes de penas de avestruz, brandindo seus tacapes, lanças e flechas. Me sentia um guerreiro. E aquelas negras baianas que desfilavam marcando o cortejo real, protegendo a corte e respondendo em coro as loas cantadas pelo macumbeiro, que tirava loas e incitava a massa de gente que aplaudia e gritava de alegria, sim, eu ia ao delírio, com meus olhos e mente fértil de menino.
E aquela negra Calunga? Trazendo aquela boneca fetiche em seus braços, acalentando aquela criança negra? Figura mais significativa do Maracatu, representando um ser supremo que possui o poder de evocar antepassados. Segundo a tradição africana, é dedicada ao Orixá Omulu.
Era emocionante!
E atrás vinham as negras do incenso, defumando para que os deuses africanos abrissem os caminhos daquelas balaieiras, conduzindo na cabeça seus balaios carregados de frutas e entre elas alguns dos símbolos do sertão cearense, a Pitomba e a Macaúba, lembrando as antigas escravas que vendiam nas ruas com seus cestos de palhas.
'Eu vou eu vou e você não vai... apanhar macaúba no meu balai... Eu vou eu vou e você não vai... apanhar macaúba no meu balai... apanhar macaúba no meu balai, eu vou eu vou e você não vai, apanhar macaúba no meu balai, eu vou eu vou e você não vai...' E eu escutava, maravilhado, aquelas baianas dizendo 'balai' e eu já tinha em mente o modo de falar dos negros escravos e sua simplicidade em falar o português.
Os pretos-velhos, simbolizando a sabedoria e a experiência dos anciãos das tribos africanas, passavam com seus cachimbos de fumo. Até que o desfile chegasse para nós meninos ávidos para apreciar o mais importante do desfile; a Corte, representada pelo Príncipe, a Princesa, o Rei e a Rainha, figuras principais, em honra de quem o cortejo se apresentava com suas damas de honra.
Então vinha a Rainha do Maracatu Az de Espadas, o professor Benoit, do Ginásio Aluno João Nogueira Jucá, carregando seu cetro e o leque enorme, feito de penas de aves raras, seguro pelas mãos de um vassalo, que reverenciando a Corte, pairava seu abanar em torno de sua Rainha.
E lá atrás, o som emanava dos tocadores de surdos, bumbos, caixas e ferros tipo chocalhos, triângulos e ganzás, executando a marcação para o canto e a evolução do maracatu. E nossa querida Rainha do Maracatu Az de Espadas, passava sorrindo para nós meninos e adultos, com aquele sorriso cativante, entreabrindo levemente seus lábios vermelhos, pintados juntamente com seu rosto em um ritual africano, de deuses negros de sua cultura.
Esse cenário não me sai da mente, ainda menino sou...
Nota: As imagens não são do Maracatu Az de Espadas (são raras) - estão na internet e através delas saúdo todos os maracatus de Fortaleza.