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terça-feira, 31 de dezembro de 2019

LAMPIÃO: Um tiro no pé (dos historiadores)

Em São José do Belmonte, existe um platô na serra do Catolé, com um conjunto de cavernas em que Virgulino Lampião, rei dos cangaceiros, recorreu como esconderijo natural para se recuperar do balaço que levou no pé, precisamente no calcanhar, que discute-se até hoje, se foi o direito ou o esquerdo. Isso se dera no ano 1924 em refrega com soldados. A história é implacável com quem escreve sobre ela. Nesse episódio temos algumas versões, isso só para mostrar o quanto é confuso diversos casos envolvendo Lampião.

Irei citar aqui nesse artiguete algumas que li em livros de historiadores. Iniciando com "SERROTE PRETO, LAMPIÃO  seus sequazes" escrito por Rodrigues de Carvalho,  onde na página 224 da segunda edição diz textualmente:

"...estava a quadrilha encafuada havia mais ou menos um mês. Esconderam-se a fim de tratar do ferimento que Lampião recebera no pé esquerdo, em tiroteio travado com elementos da familia Gomes Jurubeba. Ou mais precisamente com Odilon Flor, o seu inimigo mais acirrado dentre os membros da aguerrida familía." 

Este episódio, vem sendo descrito pelo autor, a respeito do cerco feito pelo famoso Sargento Quelé, sob as ordens do comandante da volante, o tenente Chico de Oliveira. Mais detalhes os amigos poderão consultar a partir da página 222 da referida edição. Um relato bem contado, pois o informante tinha sido o famigerado e perverso cangaceiro do bando de Lampião chamado Marcos Passarinho. Marcos esclareceu detalhes muito importantes em que o próprio Clementino ignorava completamente. Como por exemplo o fato de Lampião esteve na iminência de ser preso por se entregar ao sargento.

O tenente Oliveira era homem destemido, porém sem nenhuma experiência do que eram os  cangaceiros e sua periculosidade. E além desse desconhecimento de causa, a impetuosidade e a imprudência nele apontava para um desastre à vista, o que reclamou o sargento Quelé quando de retorno à cidade de Princesa, quando ao caudilho José Pereira, prefeito e organizador da campanha de repressão ao banditismo, pediu-lhe que não o designasse mais para servir em uma volante com o tenente impetuoso e suicida, em diligências daquela natureza. O relato vai até a página 232.

Esse meu primeiro relato, deixo bem registrado, fala da recuperação do tiro levado no calcanhar e que tal tiro fora desferido por Odilon Flor, em outra ocasião, tratado como autor genérico.

VAMOS AGORA ao segundo relato encontrado. Este refere-se ao tiro no calcanhar de Lampião. Lembre-se que no primeiro relato, o tiro foi desferido por Odilon ou um dos nazarenos e na serra do Catolé, Lampião estava se recuperando do tiro e quando fugiu do ataque do sargento Quelé, na fuga, não suportou e a ferida veio abrir-se com o esforço:

Nos relata o livro RAPOSA DAS CAATINGAS, do Confrade José Bezerra Lima Irmão, na página 144 sob o título "Lampião é ferido na lagoa do Vieira e escapa por pouco na serra das panelas" que o mesmo se encontra com quatro membros que estavam desgarrados da volante de Teophanes Ferraz, que fizera um chamamento geral para todas as volantes perseguidoras de Lampião fossem lhe dar apoio, pois este se encontrava na região. O relato do livro diz:

"O major Teófanes Ferraz Torres, que vinha no rastro do bando, desconfiou que Lampião estivesse acoitado por ali, Despachou mensageiros para Vila Bela e outras cidades, solicitando reforços. Logo acorreram as volantes dos tenentes Alencar e Ibraim e do sargento Clementino Quelé.

No dia 23 de março de 1924, enquanto aguardava a volta de Livino, Lampião, acompanhado dos cabras Moitinha e Juriti, foi pegar uns mantimentos encomendados a um coiteiro nas proximidades da Lagoa do Vieira, no lado paraibano, ao leste da Pedra do Reino. No caminho, por volta das 10 horas, toparam com quatro integrantes da volante de Teófanes Torres que tinham se desgarrado
da tropa - o anspeçada Manoel Amaro de Sousa e os soldados Manoel Gomes de Sá (Sinhozinho), Antônio Brás do Nascimento (Antônio Pequeno) e João Demétrio Soares. Na troca de tiros, uma bala acertou a cabeça do burro em que Lampião estava montado e o animal ao cair prendeu a perna direita de Lampião sob o seu corpo. O anspeçada Manoel Amaro foi atingido por um tiro no
rosto. Os outros, vendo que Lampião estava com uma pema presa sob o cavalo, rodearam pelo mato a fim de matá-lo. Percebendo a manobra, Juriti mandou que Moitinha ficasse atirando para lhe dar cobertura e foi correndo socorrer Lampião. Moitinha, atirando de ponto, feriu gravemente dois soldados, pondo os três para correr. Juriti chegou sem perigo aonde Lampião se encontrava, pegou o burro pelo pescoço e virou-o para o outro lado.
Quando os outros cangaceiros escutaram os tiros, vieram em socorro e, tomando todas as precauções para não deixar pistas, levaram Lampião para um esconderijo à distância de uma légua, num trecho da Serra das Panelas, ao lado do Barro, no lado pernambucano, município de Vila Bela. O local foi escolhido pelo cangaceiro Cicero Costa, que era daquela região, assegurando que ali não havia risco de serem descobertos. O coito ficava num lugar onde há vários "caldeirões" de pedras acompanhando uma grota que separa a Serra das Panelas da Serra do Caldeirão.
Como Lampiảo não podia correr, pois a perna estava ferida, Juriti saiu arrastando-o... O lugar é conhecido como Grota do Caldeirão.
Cicero Costa de Lacerda tinha prática na aplicação de primeiros socorros, sendo considerado o "médico" do bando - sabia até extrair bala e costurar ferimentos. Com uma faca, rasgou a calça de Lampião, para descobrir a perna ferida, e fez uma avaliação preliminar.
- Esse horrô de sangue na perma não é nada, foi só um arranhão O qui me preocupa mermo é o firimento no carcanhá. Isso foi bala de fuzi. E eu acho qui o pé tá turcido..."

CONCLUSÃO: Alguns historiadores afirmam que o tiro teria sido dado peio sargento Quelé ou pelo major Teófanes Torres. Porém a participação de Quelé foi no tiroteio, alguns dias depois, na Serra das Panelas, onde Lampião se recuperava de ferimento recebido na Lagoa do Vieira (Lampião não foi ferido na Serra das Panelas - nesta apenas houve agravamento do referido ferimento. Quanto ao major Teófanes Torres, este sequer se encontrava na área por ocasião dos dois tiroteios - chegou depois.
Escrever sobre o cangaço é um desafio. Quando cruzamos informações dos diversos livros, vemos nesse caldo de informações, imprecisões. Recentemente em pesquisas comparatórias* dos escritos, verificamos inconsistências gritantes que são repetidas por diversos autores, levando sem maldade, ao erro, estudantes da história do cangaço.

* Vejam meu ebook 
LAMPIÃO NA JARAMATAIA E BORDA DA MATA, que pode ser copiado gratuitamente no Grupo Ebook Cangaço e Nordeste
https://www.facebook.com/groups/443128926284815/
Eis um "ebook brochura" com poucas páginas, sobre as famosas fotos de Eronides de Carvalho onde exploro nos intrincados labirintos da história do cangaço, com cruzamento de informações que temos à nossa disposição. Desta vez, além de argumentações básicas, procurei usar uma das ferramentas mais poderosas da história, a cronologia. Para isso usei os documentos oficiais, livros e blogs, conforme bibliografia no final da brochura virtual, que pode ser lida em 20 minutos.

Vejam também meu artigo 

LAMPIÃO - SANGUE EM BELMONTE (Em 3 versões)

http://meneleu.blogspot.com/2016/09/lampiao-sangue-em-belmonte-em-3-versoes.html?m=1

sexta-feira, 29 de novembro de 2019

Engenho Camaçari e Batalhão de Bacamarteiros

Engenho Camaçari e Batalhão de Bacamarteiros foram tombados pelo Patrimônio Cultural

bacamarteiro2Sergipe ganhou dois novos patrimônios culturais com o tombamento do antigo Engenho Camaçari, em Itaporanga D’Ajuda, e do Grupo Folclórico Batalhão de Bacamarteiros de Aguada, de Carmópolis.


Os dois pedidos encaminhados ao Governo do Estado, através da Secretaria de Estado da Cultura (Secult), foram aprovados pelo Conselho Estadual de Cultura (CEC) no final de julho e inscritos no Livro de Tombo, na última quarta-feira, pela Diretoria do Patrimônio Histórico, Artístico e Cultural (DPHAC).

fa970530086cc7cd2deaa6e22d63e75eCasa da Fazenda Camaçari

A fazenda onde funcionou o antigo Engenho Camaçari, tombada através do Decreto 30.280, de 29 de julho de 2016, detém referências sobre a história política, econômica e cultural de Sergipe. O local remete ao período colonial, de formação territorial e cultural do Estado, compondo ainda a rede de propriedades voltadas para a produção açucareira do Nordeste, preservando tradições, usos e costumes de várias gerações. Nomes da nobiliarquia e da política sergipana, do período imperial ao republicano, estão ligados à propriedade, a exemplo de Domingos Dias Coelho e Mello, Barão de Itaporanga, Antônio Dias Coelho e Mello, Barão de Estância, e Arnaldo Rollemberg Garcez.

506a773397574c34c789350e5c1316d5Capela da Fazenda - Sec. XVIII

Os familiares remanescentes preservam no interior da sede, na capela, um rico acervo envolvendo documentação fotográfica, mobiliário e objetos decorativos de épocas distintas, bem como um acervo de arte sacra expressivo. A casa da sede é uma edificação que ao longo dos anos passou por reformas, caracteriza-se como construção da primeira metade do Século XX, modelo de residência da fazenda destinada à criação de gado. Já a capela, que está localizada em um ponto elevado da propriedade, é a edificação mais antiga do conjunto, e sua construção remete ao Século XVIII.

bacamarteiro1Bacamarteiro de Aguada

Também aprovado pelo CEC, através do Decreto nº 30.281, de 29 de julho de 2016, o Governo de Sergipe passa a reconhecer o Grupo Folclórico Batalhão de Bacamarteiros de Aguada, do Povoado Aguada, Município de Carmópolis, como Patrimônio Cultural de Natureza Imaterial do Estado. O grupo surgiu por volta de 1780 nos engenhos de cana-de-açúcar do Vale do Cotinguiba, onde os negros brincavam samba de roda e atiravam bacamarte, arma artesanal fabricada pelos próprios negros. O Batalhão de Bacamarteiros é a maior manifestação cultural do Município de Carmópolis e uma das principais expressões culturais de Sergipe. Até hoje, todos os instrumentos musicais, os bacamartes e a pólvora são fabricados pelo próprio grupo. Para a confecção dos instrumentos musicais é usada madeira do jenipapo, árvore frutífera da região, couro de animais e sementes. O Batalhão de Bacamarteiros do Povoado Aguada é herança africana deixada na região do Vale do Cotinguiba.

quinta-feira, 21 de novembro de 2019

CANGACEIRISMO E FOLCLORE

CANGACEIRISMO E FOLCLORE


Nesse artigo, enfoco as circunstâncias que levaram homens antes pacatos e religiosos, a tornarem-se cruéis assassinos e tornarem-se cangaceiros. Inicio com comentários sobre a entrevista concedida pelo Professor e Catedrático de Medicina Legal das Faculdades de Direito e de Medicina da Universidade da Bahia, Estácio de Lima, Diretor do Instituto Nina Rodrigues ao Jornal do Estado, de São Paulo, em 10 de junho de 1956. Foi nesse Instituto que cometeu-se um dos grandes crimes com os auspícios do Estado. Ali foram retidas as cabeças de Virgulino Ferreira o Lampião, sua mulher, Maria Bonita, Cristino Gomes o Corisco, entre outros. Também trago apreciações a respeito do folclore, especificamente os que os escravos africanos trouxeram para o Brasil.

Em agosto de 1938, o Instituto Guilherme II, de Berlim, chegou a enviar telegrama solicitando a cabeça de Lampião para a sua coleção de “criminosos célebres”, mas o destino de todos os cangaceiros trucidados em Angico seria o Museu de Antropologia Criminal do Instituto Nina Rodrigues, em Salvador, mesmo local que abrigou, até um incêndio em 1905, as cabeças de Antônio Conselheiro e Lucas da Feira.

As cabeças foram analisadas para comprovar que eram provenientes de pessoas consideradas degeneradas. Essa análise tinha origem nas teses positivistas defendidas pelo criminologista italiano Cesare Lombroso, segundo as quais as pessoas ligadas à criminalidade tinham uma predisposição biológica à prática de crimes e a comportamentos antissociais, perceptíveis através da análise das feições das pessoas e do formato de seus crânios.

Não acreditavam que eram condições sociais que levavam à prática de crimes, mas sim a formação biológica. As teses inseriam-se em uma ideologia racista desenvolvida principalmente na Europa, em fins do século XIX e início do século XX.

As cabeças ficaram expostas no museu do Instituto entre 1938 e 1969, quando foram entregues aos familiares.

Entre esses estudiosos, estava o Professor Estácio Luiz Valente de Lima, que nesse artigo encontro suas palavras ao repórter do jornal que o entrevistou, dizer:

"estar absolutamente provado que o cangaceirismo é um problema de ordem social e não policial, donde é forçoso concluir-se que não se deve tentar resolvê-lo pela repressão policio-judicial. Removidas as causas de ordem mesológico-social resolve-se o problema" disse ele. E continuando falou que “A experiência demonstrou que todos os cangaceiros são indivíduos readaptáveis e de fato, readaptam-se facilmente a vida social.”

Com tais palavras o Emérito Professor, mostrava que a teoria de Cesário Lombroso estava errada, sendo Ele próprio a contradizer a teoria abraçada por Nina Rodrigues, Ele próprio e mais alguns acadêmicos ilustres de sua época.

CAUSAS D0 CANGACO

Entrando no tema da conferencia do Professor EL Ele novamente adentra na teoria Lombrosiana para nossa decepção. Sabemos que são várias as causas do cangaço, mas não podemos de forma nenhuma concordar com essa teoria que pessoas ligadas à criminalidade tinham uma predisposição biológica à prática de crimes e a comportamentos antissociais,

Nas regiões do nordeste do Brasil a primeira cаusa é a de natureza social e está provado pela ciência, que a genética  
é a ciência que estuda a transmissão das características hereditárias ao longo das gerações. Por volta de 1986, Gregor Mendel postulou duas Leis que serviriam como ponto de partida e até hoje são a base do estudo da hereditariedade. A molécula de ácido desoxirribonucleico (DNA) carrega todas as informações e características genéticas dos seres vivos. Os cromossomos são constituídos por uma longa fita de DNA que se enovelam com uma proteína, denominada histona. Os cromossomos estão organizados aos pares no interior do núcleo das células diploides e cada par é denominado cromossomo homólogo. O conjunto de cromossomos de uma célula forma o cariótipo, onde em seres humanos, 22 pares correspondem aos cromossomos autossomos e 1 par aos cromossomos sexuais.

Os fragmentos de DNA em um cromossomo são denominados genes, responsáveis pela síntese de uma proteína específica que condiciona por exemplo, a cor dos olhos, dos cabelos, podem também trazer doenças hereditárias. Mas nunca trará o pensamento, a mente, o que se pensa, pois estas características são adquiridas no meio em que o indivíduo é formado.

Interessante é que no trabalho da Professora de Biologia Roberta das Neves, ela traz para a sala de aula, uma experiência feita pelos cientistas: “Durante muito tempo, os cientistas acreditaram que variações anatômicas entre os animais fossem consequência de diferenças significativas entre seus genomas. Porém, os projetos de sequenciamento de genoma revelaram o contrário. Hoje, sabe-se que 99% do genoma de um camundongo é igual ao do homem, apesar das notáveis diferenças entre eles. Sabe-se também que os genes ocupam apenas cerca de 1,5% do DNA e que menos de 10% dos genes codificam proteínas que atuam na construção e na definição das formas do corpo.

Algumas moléculas de DNA não codificantes regulam atividade de regiões codificantes. Assim, podem interferir no fenótipo dos seres vivos e cita um exemplo formidável para nosso entendimento.

Mas o que é fenótipo?

A compreensão do que é fenótipo possibilita entender melhor as diferenças apresentadas entre os organismos e suas mudanças ao longo do tempo.

Fenótipo é um importante conceito adotado em Genética e costuma ser definido como o conjunto de características observáveis de um organismo. Nesse sentido, incluem-se nesse conjunto as características morfológicas e fisiológicas de um indivíduo.

O que determina o fenótipo?

Como dito anteriormente, o fenótipo nada mais é que a totalidade das características observáveis de um indivíduo, as quais são determinadas pelo conjunto de nossos genes. Diante disso, podemos dizer que o fenótipo é a expressão do genótipo. Entretanto, é importante salientar que o fenótipo não é determinado apenas pelos genes, sofrendo influência também do meio no qual esteja inserido um indivíduo.

Costuma-se resumir a relação entre genótipo e fenótipo da seguinte forma:

Genótipo + Ambiente Fenótipo

Um exemplo fácil de ser compreendido em relação ao fenótipo é a cor da nossa pele. Imagine que uma pessoa apresente pele clara, mas, após alguns dias na praia, verifica-se o seu escurecimento por causa da produção de melanina. A cor de pele clara foi determinada geneticamente, entretanto, seu tom é influenciado pelo meio, nesse caso, pela exposição ao sol na praia.


O CANGACEIRO

Com o que vimos acima, onde foi descoberto pelos cientistas, que 99% do genoma de um camundongo é igual ao do homem e nem o camundongo é humano e nem o humano é camundongo, podemos concluir que seres vivos têm características quase iguais, diferenciando o corpo físico mas indicando a genética parecida.

O CANGACEIRO tornou-se cangaceiro, sofrendo a influência do meio, assim como um pessoa de cor branca pode escurecer sua pele por se expor ao sol.

Quando os seguidores de Cesare Lombroso dizerem que é o fator genotípico, lembremos desse exemplo da pele exposta ao sol.

Infelizmente o Professor AL e Nina Rodrigues, mesmo sendo pessoas com inteligência elevada, estavam acreditando em uma teoria que à época foi abraçada por parte da comunidade científica mundial, se vivos fossem, por certo estariam agora convencidos do erro desta teoria.

Mas ai vemos nessa entrevista, uma frase do nobre Professor, onde nos indica que ele estaria no caminho certo para reformular a compreensão Lombrosiana quando disse: "Algo de anormal осогre com os filhos de cangaceiros. Há uma espécie de marca de hereditariedade sobre os descendentes dos "lampiões” Essa "marca" decorre do fator genético mais o meio". Hoje Ele veria que não há até hoje correlação clara entre morfologia e alterações genéticas. Assim que o espermatozoide penetra no óvulo, as chances de fertilização já são grandes. No entanto, já sabemos que algumas alterações de morfologia são resultado de alterações genéticas e que os descendentes meninos poderão herdar as mesmas alterações de morfologia por serem propensos à por exemplo, doenças hereditárias.

Eureka Professor! Acabei de descobrir que o Senhor se vivo estivesse, iria abandonar essa teoria de Cesário Lombroso! E se Nina Rodrigues também estivesse vivo, iria se curvar à ciência atual!

Apenas seria corrigido a formulação; “Essa "marca" decorre do fator genético mais (+) o meio" pois a genética  como vimos, é a ciência que estuda a transmissão das características hereditárias ao longo das gerações e o comportamento é estudado como sendo o procedimento de alguém face a estímulos sociais ou a sentimentos e necessidades íntimos ou uma combinação de ambos, nada tendo efeitos sobre a matéria.

As causas principais, todavia, do cangaço são de cunho social, afirmou o conferencista, mostrando-nos seu entendimento, faltando apenas se livrar de Lombroso. O homem que se tornou cangaceiro, desde muito cedo, foi obrigado a lutar, em seus locais de nascimento, contra uma Justiça e uma Polícia mal orientadas, defeituosas.
Sua família, vítima de violências, de desrespeito, de atos de verdadeiro barbarismo e tanto a Justiça quanto a Policia nada fez para punir os malfeitores, principalmente quando havia interesses em acoberta-los.
Isso gerou no homem trabalhador, ordeiro e religioso, o espírito de revolta, de ódio que se notava em todos os cangaceiros. Eram seres humanos descontentes com a Justiça e com a Polícia. Lampião foi um desses casos. Vítima de injustiças da Justiça. O recurso foi bandear-se para o cangaço.

TERRA E AGUA

Afirmou o professor El em sua entrevista, desta vez ao Diário de São Paulo de 10 de junho de 1956, que outro fator determinante do cangaço tem caráter econômico. “Sempre foi comuns os despejos pela força. Dos simples lavradores que por longos anos se dedicavam a cuidar de suas terras.
Quando as colheitas se anunciavam fartas, vinham pessoas mais poderosas e os desalojavam violentamente, atirando-as à mais absoluta miséria.” Estas perseguições, estas Injustiças contra eles praticadas foram também uma das causas decisivas do cangaço, que é, no fundo, um sentimento de vingança.

“O arame farpado é outro problema muito sério a considerar” disse o conferencista. As melhores terras e águas, estiveram protegidas por trás das cercas de arame farpado, que assinalavam os limites das propriedades de senhores semifeudais”.

O arame farpado também motivou conflitos nos EUA nos anos pós 1876 quando este foi inventado. Os novos colonos não hesitaram em demarcar terras que pertenciam a tribos indígenas. E não é surpreendente que os índios tenham apelidado o arame farpado de "corda do diabo". Os cowboys também o odiavam. Antes acostumados a ver os animais pastando livremente, agora tinham que lidar com feridas e infecções. E milhares de animais morriam enganchados nas cercas durante tempestades de neve. "Me irrita", escreveu um vaqueiro em 1883, "quando penso nas cebolas e batatas crescendo onde cavalos deveriam estar se exercitando". Se os cowboys estavam furiosos, imaginem os indígenas.

A grande maioria das economias modernas se baseiam na propriedade privada - o conceito legal de que quase tudo tem dono. Sendo assim, a forma como o arame farpado transformou o Velho Oeste é também a história de como os direitos de propriedade mudaram no mundo. Aqui no Brasil não foi diferente.





O professor Estácio de Lima, diretor do Instituto Nina Rodrigues e catedrático de Medicina Legal das Faculdades de Direito e de Medicina da Universidade da Bahia, quando foi convidado pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, Capital, para integrar a banca examinadora do concurso para provimento da cadeira de Medicina Legal daquele estabelecimento, concedeu entrevista ao Jornal do Estado, de 10 de junho de 1956 onde abordou sucintamente, os estudos e pesquisas que foram desenvolvidos no Instituto Nina Rodrigues da Bahia sobre o problema do cangaceirismo.

Lembrou, inicialmente, que o Instituto Oscar Freire, SP tem como núcleo a cadeira de Medicina Legal da Faculdade de Medicina, criado a  semelhança do Instituto Nina Rodrigues, pois Oscar Freire, encarregado da sua organização, fora assistente no instituto baiano, mas que no entanto, as atividades do instituto de Salvador seriam mais amplas. Assim, disse ele "no terreno da Medicina Legal e pericial que estão intimamente associados, os assistentes do catedráticos de Medicina Legal das Faculdades de Medicina e de Direito da Bahia, também são os médicos-legistas do Estado, o que não ocorre em São Paulo, onde coexistem o Instituto Oscar Freire e o Serviço Médico-legal do Estado, este encaminhando àquele, para perícia, somente os casos mais raros, que demandem estudo. Em consequência, as atividades médico-legais, do ponto de vista do ensino prático, são mais amplas no
Instituto Nina Rodrigues do que no Oscar Freire." 

Segundo o professor Estácio de Lima, o sistema de poder realizar no Nina Rodrigues todas as pericias teria bem melhores resultados, não se verificando, caso de quebra do sigilo profissional, por parte dos estudantes, que estão a par de todos os casos de natureza médico-legal ocorridos na capital baiana.
Por outro lado, disse ele, que mantendo a tradição do cientista cujo nome ostenta, o Instituto Nina Rodrigues continua sendo importante centro de estudos de criminologia, de etnologia e de folclore.

No campo da criminologia, preocupam-se especialmente o professor Estácio de Lima e seus assistentes, com o problema do cangaceirismo; no campo da etnologia, com o estudo do tipo nordestino, e no do folclore, com sobrevivência brasileiras, sobretudo, com os candomblés de origem sudanesa.

Interessantes observações fez o professor baiano acerca do cangaceirismo, durante a entrevista, discorrendo, com erudição em fatos e dados colhidos pessoalmente, sobre esse problema, onde ressaltou inicialmente, "estar absolutamente provado que o cangaceirismo é um problema de ordem social e não policial, donde é forçoso concluir-se que não se deve tentar resolvê-lo pela repressão policio-judicial. Removidas as causas de ordem mesológico-social resolve-se o problema" disse ele. E continuando falo que “A experiência demonstrou que todos os cangaceiros são indivíduos readaptáveis e de fato, readaptam-se facilmente a vida social.”

Segundo o professor Estácio de Lima, “foram recuperados e reintegrados na comunhão social todos e os antigos companheiros de Lampião, verificando-se entre eles somente um caso de reincidência: um antigo cangaceiro, que cumpria pena em uma prisão de Pernambuco que ao ser esbofeteado, revidou matando seu agressor. Neste caso, ainda, se não se tratasse de legitima defesa, circunstancia que exclui a criminalidade, poder-se-ia falar na atenuante da violenta emoção provocada por ato injusto da vítima”.

Como membro do Conselho Penitenciário da Bahia, o professor Estácio de Lima tinha como seu auxiliar, entre outros, Ângelo Roque, que sob o nome de guerra "Labareda", era um dos mais famosos cangaceiros do bando de Lampião, que gozava de liberdade condicional e que tinha se reintegrado perfeitamente na sociedade, da mesma forma que seus antigos companheiros. Segundo o professor Estácio de Lima, muitos destes cangaceiros do bando de Lampião eram pacatos motoristas profissionais, que conduziam, principalmente, os caminhões conhecidos por "paus-de-arara" e que trafegavam entre São Paulo e os Estados do Nordeste.

Outro fato interessante segundo a reportagem, conforme dito pelo professor EL (doravante me referirei ao Professor Estácio de Lima usando as iniciais de seu nome) é que entre eles subsistia a solidariedade do grupo e os membros do bando ainda continuavam a respeitar seus antigos chefes. Como se sabe, o bando de Lampião dividia-se em pequenos subgrupos de 10 a 12 homens, cada um com seu chefe. Jamais operavam juntos e somente no celebre ataque a Mossoró se empenhou o bando todo; juntos.
Divididos em pequenos grupos os cangaceiros não só se locomoviam mais rapidamente como também podiam defender-se melhor, obrigando as forças policiais a se subdividirem também. Pois bem, o professor EL disse para demostrar esse respeito: “ainda hoje, os antigos subordinados de "Labareda" não deixam de prestar-lhe conta de seus atos, apresentando-lhe conta de seus atos, apresentando-se a ele regularmente e dando as notícias dos outros companheiros, porventura ausentes. Só que não o chamam mais pelo apelido de "Labareda" pois passou a ser "seu" Roque, o que é um indicio de sua reintegração na vida social.”

Em sua origem, o cangaceirismo é resultante de fatores de ordem mesológico-social disse o professor EL.   Esta ciência dedicada ao estudo das relações recíprocas entre o ambiente e os seres que nele vivem, também pode ser entendida como sendo a "influência do meio" sobre o indivíduo. Portanto é fácil de entender o porquê da irritação de homens que se tornaram cangaceiros pela injustiça social, que se pode apresentar sob vários aspectos agindo de acordo com o punitivo código de honra do sertão, onde o sertanejo cometia seu primeiro crime. Daí o professor EL dizer que tratava-se de “um criminoso ocasional, perseguido, muitos abrigando-se à sombra dos "coronéis", deixando de ser um criminoso ocasional, para entrar no grupo dos habituais.”
Esta portanto é a fase do bando armado e organizado, é a fase do cangaço.

Fator de importância fundamental na gênese do cangaceiro nordestino, é também, o fator econômico, pois impotente para se fixar no meio hostil que era o sertão, uma vez que as melhores terras e as aguadas estavam nas mãos dos grandes proprietários, o sertanejo é obrigado a emigrar, o que contribui ou determina, inicialmente, seu desajustamento.
O arame farpado é, segundo as palavras do professor EL, um dos grandes inimigos do sertanejo, impedindo a sua fixação no meio em que nasceu.

Prosseguindo, o professor EL, a sede do cangaço se deslocou das regiões do Nordeste para a zona do cacau, espraiando-se na fronteira entre os Estados de Minas Gerais e Bahia. Aliás, é sabido que os cangaceiros, como medida de defesa, jamais se internam profundamente em território de um Estado, agindo sempre na periferia, ao longo das fronteiras, para escapar à ação das polícias
Militares estaduais, que não podem ir além dos limites de sua circunscrição.

Batidos pela seca, impotentes para se fixar na terra natal, esse nordestinos procuram o sul. São Paulo sobretudo. Porém, muitos e muitos deixam a viagem em meio, localizando-se na zona cacaueira. Pelas suas condições, esta é uma zona favorável ao desenvolvimento do cangaceirismo, assemelhando-se, na opinião do professor EL, às zonas pioneiras do oeste Norte-americano, ao tempo de seu devassamento.

“Os nordestinos, de passagem, recebem propostas interessantes dos donos das terras do cacau. Com seu trabalho, valorizam o solo, plantam cacau, para afinal, serem despejados, sumariamente. Nesse conflito de interesses nasce o cangaceiro, Posteriormente, então, intervém o "coronel" e o processo caminha até o estágio final, do bando armado do cangaço. Evidentemente, é esse um esquema simplista, a grosso modo serve para compreensão do fenômeno.” Acentuou o professor EL.

“A necessidade de os poderes públicos volverem sua atenção para os bandos de cangaceiros que se estão definindo na zona cacaueira, para resolver desde logo o problema, não em termos de repressão policial, mas sim levando em conta os fatores de ordem social, econômica e mesológica que estão na sua origem. Os estudos etnológicos constituem uma das preocupações dos alunos, de professores, assistentes e do Instituto Nina Rodrigues.”

Mais abaixo comento a respeito dos cinco grupos apontados pelo diretor do Instituto Nina Rodrigues em que textualmente “julga ser o nordestino o mais definido, do ponto de vista étnico.”

Para o professor EL outrossim, continua verdadeira a afirmação de Euclides da Cunha: "O sertanejo é, antes de tudo, um forte".
De fato só dois animais suportam e conseguem sobreviver às longas caminhadas na zona semiárida do polígono das secas: o sertanejo é a cobra cascavel. E a prova de que o sertanejo é um forte é dada, segundo o professor EL pelo biótipo do cangaceiro. Não se conhecem cangaceiros do tipo chamado pícnico, tipo gordo, na classificação de Kretschmer. Todos são longilíneos, tipos secos apenas, perfeitamente adaptados ao meio.

A biotipologia faz uma relação entre corpo e caráter+temperamento. Kretschmer fez um trabalho com tratamento estatístico e dividiu os seres humanos em três tipos, quanto ao caráter (acrescento que aí também está o temperamento):
1. o magro e alto: esquizotímico (tipo Don Quixote);
2. o baixo e gordo: ciclotímico (tipo Sancho Pança);
3. o que tem suas medidas em equilíbrio: ixotímico (tipo "sarado");
4. o que tem suas medidas em grande desarmonia: não há tipo específico.

O tipo 1 ele chamou de leptossomático.
O tipo 2 ele chamou de pícnico.
O tipo 3 ele chamou de atlético.
O tipo 4 ele chamou de displásico.

Para o professor de Medicina Legal da Bahia, exageraram e não levaram em conta os fatos, aqueles que consideram o sertanejo um fraco. Se ele sobrevive em um meio hostil como o do Nordeste, na região batida pela seca, alimentando-se mesmo não eficientemente, é porque se trata mesmo, antes de tudo, de um forte. Mas sabemos que na zona de caatingas, a sobrevivência é difícil, e discordando um pouco do nobre Professor EL, muitos sofrem fome e grandes necessidades, faltando uma política governamental de convivência com a seca. Realmente o professor de Medicina Legal da Bahia não exagerou e não levou em conta alguns acharem que o sertanejo fosse fraco, mas perdura até nossos dias o sofrimento do sertanejo que reside nessas áreas e em minhas incursões pelo nordeste, vejo poucas famílias residindo na zona seca das caatingas, preferindo as cercanias das cidades, em casebres, pois poderão sobreviver, mesmo sem nenhuma dignidade.



TIPOS ETNICOS BRASILEIROS

“Os estudos etnológicos constituem uma das preocupações dos alunos e de professores, assistentes e do Instituto Nina Rodrigues.” - Disse o Professor EL. De acordo com ele, estariam se definindo no Brasil, cinco grupos étnicos, perfeitamente distintos:

a) o amazônico;
b) o gaúcho;
c) o caipira mineiro;
d) o paulista;
e) o nordestino.

Quanto ao paulista,  o Professor EL, expôs que “resulta de uma fusão de numerosos grupos estrangeiros e nacionais”, pelo que concordamos plenamente. A propósito, ele disse que São Paulo é a maior forja etnológica da América do Sul. E realmente diversas culturas e biótipos se misturam em uma nova raça que ainda não está, mesmo em nossos dias, plenamente estabelecida.

Desses cinco grupos apontados, pelo diretor do Instituto Nina Rodrigues, julgamos ser o nordestino o mais definido, do ponto de vista étnico. Para o professor EL na ocasião da entrevista, continuava verdadeira a afirmação de Euclides da Cunha: "O sertanejo é, antes de tudo, um forte".

E disse: “De fato só dois animais suportam e conseguem sobreviver às longas caminhadas na zona semiárida do polígono das secas: o sertanejo e a cobra cascavel.” E a prova de que o sertanejo é um forte é dada, segundo o professor EL, pelo biótipo do cangaceiro. Não se tem e nem se conheceu cangaceiros gordos. Todos são longilíneos, tipos secos, perfeitamente adaptados ao meio.

Portanto em qual grupo podemos indicar os cangaceiros? Creio que podemos escolher o tipo 3 sem sombra de dúvidas.








CANDOMBLÉS é FOLCLORE

Por folclore entendemos as manifestações da cultura popular que caracterizam a identidade social de um povo. O folclore pode ser manifestado tanto de forma coletiva quanto individual e reproduz os costumes e tradições de um povo transmitidos de geração para geração. Sendo assim, todos os elementos que são parte da cultura popular e que estão enraizados na tradição desse povo são parte do folclore.

As manifestações do folclore dão-se por meio de mitos, lendas, canções, danças, artesanatos, festas populares, brincadeiras, jogos etc. O folclore é parte integrante da cultura de um povo e, por isso, é considerado pela Unesco como Patrimônio Cultural Imaterial, sendo imprescindível a realização de esforços para a sua preservação.

Passando a falar dos candomblés baianos, o Professor EL lembrou, de início, que no Brasil as religiões afro-brasileiras podem ser abrangidas em 3 grupos:

1) norte africano, grupo dos negros muçulmanos, entre os quais, por exemplo, se podem citar os fulas; nada ou quase nada nos resta da cultura desses negros, a não ser na filologia e na arte culinária;

Os fulas singularizavam-se pela cor opaca, tendendo para o pálido, e o gentílico em pouco tempo se tornou um qualificativo comum para todo negro com a mesma compleição (fulo, negro fulo, negrinha fula) e, mais tarde, por extensão, passou a aplicar-se à ausência momentânea de cor nas faces da pessoas, negros ou brancos (fulo de raiva).

2) grupo centro-africano, sudanês, cuja religião se conservava, em relativo grau de pureza, não obstante os sincretismos;

Nina Rodrigues percebeu pela primeira vez a predominância sudanesa na Bahia, no que foi confirmado por Artur Ramos.  Este destacou no grande grupo a predominância dos iorubas, também chamados nagôs (embora esse nome seja normalmente estendido a outras etnias) da Nigéria, dos gegés (ewes) do Daomé, dos minas da costa norte-guineana, além dos tapas, bornus e galinhas; identificou a presença importante dos hauçás do noroeste da Nigéria, de influência muçulmana, a qual marcou também os fulas (mais claros, de origem berbere-etiópica) e os malês (ou mandingas, de tradição guerreira, considerados altivos e perigosos pelos lusos, que lhes atribuíam feitiçarias).

Entre os sudaneses originários da costa da Guiné, amplamente predominantes como vimos, a presença comum da língua pertencente ao grupo linguístico ioruba talvez explique a predominância dos elementos dessa cultura em nosso candomblé e nas influências negras de nossa linguagem.

3) grupo sul-africano ou banto (angola, congo), cujas sobrevivências estão profundamente mescladas, pelo fenômeno de sincretismo.

A designação Bantu nunca se refere a uma unidade racial. A sua formação e expansão migratória originaram uma enorme variedade de cruzamentos. Há aproximadamente 500 povos Bantu. Assim não se pode falar de raça Bantu mas de povos Bantu, isto é, comunidades culturais com civilização comum e línguas aparentadas.

De acordo com a tradição de Nina Rodrigues, e do Professor EL e seus assistentes, estudaram principalmente o grupo sudanês.

Na entrevista ao jornal, perguntado se não achava procedente a crítica que Gilberto Freire fizera a Nina Rodrigues, o professor EL evitou totalmente a pergunta direta pois, se era a favor ou contra a tese de Nina Rodrigues
no seu livro “Os Africanos no Brasil”, onde Nina Rodrigues destaca logo no primeiro capítulo a diferença entre a condição da população negra na América latina e as condições dessas populações nos Estados Unidos. “Se nos Estados Unidos o cruzamento entre negros e brancos é evitado, no Brasil ele “[...] incorporou-se à população local no mais amplo e franca mestiçagem.”

Para Nina Rodrigues “o problema brasileiro” seria a mestiçagem. A mistura entre negros e brancos constituiria um povo degenerado, isso porque Rodrigues acreditava que o negro estava em um estágio evolutivo inferior ao do homem branco, sendo impossível que o encontro dessas duas “raças” pudesse formar uma sociedade mais homogênea.

Assim, como Rodrigues, médicos da época e intelectuais de outros segmentos que atuavam nas academias e por vezes na vida social e política do país, recebiam fortemente na segunda metade do século XIX as teorias importadas da Europa como o darwinismo social, bem como a influência da antropologia criminal, está última desenvolvida pelo médico italiano Cesare Lombroso, figura muito influente na constituição e no desenvolvimento das pesquisas de Nina Rodrigues no Brasil.

Sua admiração pelos principais teóricos do grupo da antropologia criminal italiana e pelos da escola médico-legal francesa permaneceu inalterada, ainda que se considere discutível a aplicação de alguns de seus postulados no cenário brasileiro, e não há dúvidas de que o trabalho deles serviu de exemplo a atividade que desenvolveu na Bahia. Com todas essas referências, Nina Rodrigues desenvolveu sua pesquisa sobre um minucioso trabalho de campo, construindo um método etnográfico e dando sentido a uma nova ciência no Brasil, a antropologia urbana.

Se para Nina Rodrigues a mestiçagem era um problema para Gilberto Freyre era a “solução”.
A obra de Nina Rodrigues e a de Gilberto Freyre estavam separadas por um curto espaço de tempo. Apesar disso, suas análises tinham bases em escolas distintas que lhes permitiram trabalhar com determinado viés sobre as questões que envolviam a mestiçagem.

Em 1930 o debate sobre a miscigenação continuava presente, no entanto nesse período muitas das questões levantadas por teóricos do final do século XIX começavam a “cair por terra”, com as descobertas científicas mais recentes abria-se um leque maior para se pensar a miscigenação na sociedade brasileira.
Gilberto Freyre não deixa de reconhecer as contribuições que Nina Rodrigues trouxe para o campo da ciência, principalmente sobre os povos Africanos que foram traficados para o Brasil. No entanto, suas experiências com a antropologia americana de Franz Boas, antropólogo teuto-americano um dos pioneiros da antropologia moderna que foi chamado de "Pai da Antropologia Americana", possibilitaram ao sociólogo a pensar as questões que envolvem o negro através do culturalismo. Em outras palavras, as noções de raça ligadas à biologia não eram o enfoque de Gilberto Freyre sobre negros e mestiços.
O autor observa a miscigenação por uma ótica que difere da maioria dos intelectuais de sua época, sendo a miscigenação a característica que nos dá unidade.

Longe do segregacionismo em que se encontravam as populações negras nos Estados Unidos, Nina Rodrigues já havia observado no Brasil, pois a mistura entre brancos, negros e indígenas havia ido além da herança genética. Todo brasileiro, mesmo o alvo, de cabelo loiro, traz na alma, quando não na alma e no corpo – a muita gente de jenipapo ou mancha mongólica pelo Brasil – a sombra, ou pelo menos a pinta, do indígena ou do negro. No litoral do Maranhão ao Rio Grande do Sul, e em Minas Gerais, principalmente do negro. A influência direta, ou vaga e remota, do Africano.
Para a historiadora Lilia Schwarcz e André Botelho, Gilberto Freyre ao declarar no clássico Casa Grande & Senzala a forte influência africana no Brasil, não teria negado os antagonismos que se constituíram no interior da sociedade brasileira. Todavia, acreditava que a relação entre negros e brancos convergia para uma convivência menos conflituosa, se comparadas às dos Estados Unidos, por exemplo.

Longe de ter se tornado uma sociedade mais igualitária, muitas das bases racistas continuam presentes na sociedade brasileira, claro que com um novo verniz no contexto em que Gilberto Freyre escreve. Sob uma nova ótica, o autor pernambucano acreditava que seríamos um país mestiço desde o início da colonização, pois a gênesis da nossa sociedade já seria um encontro.

A singular pré-disposição do português para colonização híbrida e escravocrata dos trópicos explica-a em grande parte seu passado étnico, ou antes cultural, de povo indefinido entre a Europa e a África. Nem
Intransigentemente de uma nem da outra, mas das duas.
Diversamente das proposições sobre a mestiçagem propagadas no final do século XIX - de que a mistura de raças teria sido um verdadeiro atraso para a construção da sociedade brasileira – Gilberto Freyre acreditava que a mestiçagem foi o que fez os portugueses triunfar sobre a colonização em detrimento de outros colonizadores europeus.
A mistura das raças não seria como Nina Rodrigues dizia, degenerativa, mas ao contrário a miscigenação “[...] foi para os portugueses vantagem na sua obra de conquista de colonização dos trópicos. Vantagem para sua melhor adaptação, se não biológica, social.” - Casa Grande & Senzala (FREYRE).

Voltando à reportagem do Jornal do Estado, São Paulo, em 10 de junho de 1956, o Professor após ser perguntado sobre a “miscigenação” ou mistura das raças, passou a discorrer:

Fato que declarou que, por motivos ainda não bem esclarecidos, na Bahia, mesmo o sudanês, enquanto em outros Estados do Brasil domina o elemento sul-africano. Destarte, em esse respeito a Nina Rodrigues e seu grupo predomina mesmo o sudanês para estudo, enquanto em outros Estados do Brasil domina o elemento sul-africano. Destarte, em se tratando da Bahia, justifica-se a preocupação, por assim dizer exclusiva, dos etnólogos, com relação ao grupo centro-africano.

Além do que, enquanto os bantos não conseguiram fugir ao sincretismo, nem preservar seu patrimônio cultural, os sudaneses o conseguiram. Isto, evidentemente, não significa que estes tenham escapado ao processo de sincretismo, mas sim que conseguiram preservar muito melhor seus traços culturais próprios, entre os quais sua religião. Para o professor EL a explicação disso reside, provavelmente, na diferença biotipológica entre "nagôs", "geges", "ketos". De um lado, e angolas e congos, de outro, ou seja, entre sudaneses bantos, autistas, com possibilidades maiores, pois, de conservar sua cultura.

Os candomblés, pelo seu valor folclórico, devem, na opinião do professor EL, ser preservados. Não obstante, terem sofrido perseguições policiais, sobretudo por parte de autoridades ignorantes, e creio eu, que estavam por certo sendo incentivados por religiosos. Assim é que nos primeiros dias da ditadura do "Estado Novo", a polícia baiana iniciando severa campanha contra os candomblés, varejou e depredou vários centros, destruindo peças de inestimável valor, dignas de museu.

Na ilha de ltaparica, por exemplo, em um candomblé de velha tradição, foram despedaçadas a facão 12 preciosas e antigas cadeiras de jacarandá trabalhadas a mão, em que se sentavam os "ogãs". Em outro candomblé, também a facão os policiais quebraram um "Exú", imagem de mais de 250 anos de idade, pelo qual, na época, haviam recebido ofertas de dezenas de contos de réis.

Nessas ocasiões e em outras, disse o Professor EL que o Instituto Nina Rodrigues, pela voz de seus diretores, professores e assistentes, sempre tem protestado, contra os atentados ao nosso patrimônio folclórico, objetivando impedir tais atentados.

Ainda nessa ordem prosseguiu o professor EL falando da defesa do patrimônio musical dos candomblés. Disse o Professor, que os norte-americanos já “descobriram a Bahia" e, os motivos musicais dos candomblés, os quais, convenientemente tratados e estilizados, geraram mais de 250 rumbas, que se ouve por ai. Segundo o professor EL há cerca de mais de dois mil temas ou motivos musicais usados nos candomblés, que deveriam estar registrados em, disco, pelos órgãos governamentais de caráter cultural, para que se pudessem adotar, na esfera legal, as necessárias medidas de proteção. E esse é um filão rico, mas que escapará de nossas mãos se não forem adotadas as providencias que se impõem, disse o eminente Professor.

Aqui eu gostaria de tecer comentário em que nos EUA na época da escravidão, não foi o governo americano quem apoiou a coleta das músicas populares que surgiam entre os negros e brancos empobrecidos que moravam fora das cidades. Essa coleta foi feita por abnegados cidadãos. Assim como nós, os estudiosos da história do Nordeste, com o cangaceirismo, os movimentos religiosos, as músicas populares e instrumentais e etc. Gastamos do nosso bolso para deixar registrado para a posteridade os eventos marcantes dessa grande matriz cultural com seu caudal gigantesco de acontecimentos.

Aliás, a mesma coisa diz, em livro recentemente publicado sobre religiões, Sincretismo Religioso Afro-brasileiro do Professor Waldemar Valente, da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Recife, o qual, à custa, registrou em disco e em fotografia muita coisa dos "xangôs" de Pernambuco. Pelos recursos financeiros que exige, essa é obra que deveria sim, o Ministério da Educação incentivar. Infelizmente a Cultura só é levada a sério por abnegados.

Aqui em Sergipe, desenvolvi alguns trabalhos em Candomblés para registrar detalhes da língua, da música e dança. Trabalho praticamente interrompido devido a raridade desses cultos na atualidade.

Realmente urge seja iniciada pesquisas apuradas na Bahia. Pois apenas para sentirmos a problemática, em 1956, ano da entrevista do Professor EL, a língua falada nos candomblés sudaneses da Bahia falava-se 8 idiomas, dos quais 5 não têm verbos, sendo o sentido das orações completado pela mimica. Não é preocupante não ter-se estudos aprofundados?

No Instituto Nina Rodrigues, o professor EL conta nessa entrevista há mais de sessenta anos atrás que no que concerne à língua dos candomblés, com o auxílio de um negro, Hilário, que domina perfeitamente os idiomas "gege", "keto" e "nagô", e com a baiana Raimunda, que conhece, profundamente, os aspectos musicais do culto dos orixás, Aliás, por coincidência, disse ele, “tivemos oportunidade de conhecer Raimunda, durante a festa da Lavagem do Bonfim, em janeiro último, em Salvador, fotografando-a juntamente com outras baianas.” Eu quando lembro que esse povo dessa época quase todos já faleceram me pergunto; o que se fez? Alguém, fora o professor EL e seus alunos, registraram para a posteridade? A resposta eu obtenho positivamente e isso me acalma.

O CURRICULUM VITAE
Estácio Luiz Valente de Lima (Marechal Deodoro – AL 11 de junho de 1897 — Salvador, 29 de maio de 1984) foi um médico e professor brasileiro.

Filho de Luiz Monteiro de Amorim Lima e Maria de Jesus Valente Lima, graduou-se em Direito, pela Faculdade de Direito do Recife em 1915. Doutorou-se pela Faculdade de Medicina da Bahia (1921), com a tese Agonia. Fixou-se em Salvador e conquistou, em 1926, por concurso, a cátedra de Medicina Legal da Faculdade de Medicina da Bahia, com as teses Capacidade Civil e Seus Problemas Médicos Legais e Indagação Sanguínea da Ascendência. Dirigiu por longo período o Instituto Médico Legal Nina Rodrigues. Em 1953, por concurso, tornou-se catedrático da Faculdade de Direito da UFBA, com a tese Infanticídio na Legislação Brasileira. Foi, ainda, catedrático da Escola Baiana de Medicina e Saúde Pública (então ligada à Universidade Católica de Salvador). Presidiu, durante 40 anos, o Conselho Penitenciário do Estado da Bahia.

Em 1968, foi-lhe conferido o título de professor emérito da UFBA (das Faculdades de Medicina, Direito e Odontologia) e da Universidade Católica do Salvador.
Foi também presidente da Academia de Letras da Bahia, da Academia de Medicina da Bahia e do Conselho Penitenciário do Estado da Bahia. Também dirigiu o Instituto Médico Legal Nina Rodrigues.

Escreveu várias obras teóricas e científicas. Também foi autor de ensaios, publicados em revistas especializadas, na área de folclore. Dentre seus livros mais conhecidos, destacam-se O mundo estranho dos cangaceiros (1965) e O mundo místico dos negros (1975).*

* Dados fornecidos pela Wikipédia – Enciclopédia Livre




BIBLIOGRAFIA e Créditos
·        Desenho da capa Lampião e Maria Bonita: Vavá Salviano
·        Wikipédia – Enciclopédia Livre
·        Jornal do Estado, SP de 10 de junho de 1956
·        Perfil do Negro Brasileiro - Édison Carneiro
·        História do Negro Brasileiro - Clóvis Moura
·        Blogue Raízes Bantu
·        Casa Grande & Senzala (Gilberto Freire).
·        Vanessa Florêncio de OLIVEIRA – TRÊS PERSPECTIVAS DISTINTAS SOBRE A MISCIGENAÇÃO
·        Conceitos básicos da genética - Roberta das Neves
·        Brasil Escola - Vanessa Sardinha
·        Diário de São Paulo de 10 de junho de 1956
·        Como o arame farpado mudou a propriedade privada - Tim Harford

sábado, 12 de outubro de 2019

ERONIDES FERREIRA DE CARVALHO

Nome: CARVALHO, Erônides de

Nome Completo: ERONIDES FERREIRA DE CARVALHO

Tipo: BIOGRAFICO

Texto Completo:

CARVALHO, Erônides de

*militar; rev. 1930; gov. prov. SE 1930; gov. SE 1935-1937; interv. SE 1937-1941; juiz TSN 1942-1943.

Erônides Ferreira de Carvalho nasceu em Canhoba, então povoado do município de Propriá (SE), no dia 25 de abril de 1895, filho de Antônio Ferreira de Carvalho e de Balbina Mendonça de Carvalho.

Realizou seus estudos básicos em Maceió, no Colégio 11 de Janeiro e no Liceu Alagoano, onde concluiu o secundário em 1910. No ano seguinte, matriculou-se na Faculdade de Medicina da Bahia e, pouco tempo depois, começou a trabalhar em atividades ligadas ao curso que freqüentava. Foi auxiliar de laboratório da cadeira de terapêutica, estagiário do Hospício São João de Deus, diretor da Beneficência Acadêmica e auxiliar de clínica hospitalar do cirurgião Antônio Borja, seu professor. Diplomou-se em 1917, defendendo a tese intitulada Do ópio em terapêutica mental, aprovada com distinção, tornando-se assim membro da Sociedade Médica dos Hospitais da Bahia.

Em novembro de 1918 foi nomeado diretor-geral interino de Higiene e Saúde Pública de Sergipe, dirigindo os trabalhos de profilaxia da epidemia que ficou conhecida como “gripe espanhola”. Diretor interino do posto de assistência pública do estado durante o ano de 1919, Erônides exerceu as funções de inspetor médico do sistema escolar entre fevereiro e outubro do ano seguinte, quando foi comissionado para representar seu estado natal no Congresso de Proteção à Infância que seria realizado no Rio de Janeiro, então Distrito Federal. Em virtude do adiamento desse conclave, Erônides recebeu a missão de estudar o funcionamento do Serviço de Inspeção Médica Escolar do estado de São Paulo.

Em agosto de 1921, foi nomeado para o corpo de veterinários do Serviço de Indústria Pastoril, ligado ao Ministério da Agricultura Indústria e Comércio, passando a exercer essas funções em seu estado natal. Aprovado em concurso para o Corpo de Saúde do Exército em fevereiro de 1923, foi classificado como segundo-tenente no 1º Regimento de Cavalaria Independente, localizado em Bela Vista (MT). Dois meses depois, foi transferido para o 28º Batalhão de Caçadores, em Aracaju, e, no ano seguinte, tornou-se primeiro-tenente. Nessa patente, acompanhou as tropas que, em 1926, perseguiram a Coluna Prestes em sua passagem pelo Nordeste.

Ingresso na política

A Revolução de 1930, no Nordeste, teve início na Paraíba, onde se encontrava o capitão Juarez Távora, seu principal articulador na região, e um importante grupo de oficiais ligados ao movimento tenentista. Depois da ocupação da capital paraibana, as colunas rebeldes marcharam para o sul, conseguindo adesões e depondo, sucessivamente, os governos de Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Bahia. A unidade em que Erônides de Carvalho servia colocou-se ao lado dos revolucionários e, em 17 de outubro, com a deposição de Maurício Graco Cardoso, presidente de Sergipe, Erônides assumiu o governo estadual, entregando-o três dias depois ao general José de Calasans, conforme critério adotado por Juarez Távora.

No dia 24 de outubro, consolidou-se a vitória da revolução com a deposição, no Rio, do presidente Washington Luís, e em 16 de novembro Augusto Maynard Gomes — líder de duas sublevações militares em Sergipe na década de 1920 — foi nomeado interventor federal no estado.

Nos anos seguintes, descontente com a administração estadual, Erônides de Carvalho passou a fazer oposição ao interventor, consolidando essa opção quando, em fins de 1932, o Governo Provisório chefiado por Getúlio Vargas convocou eleições para a formação de uma Assembléia Nacional Constituinte. Nessa época, Erônides, Gonçalo Rollemberg do Prado e Augusto César Leite foram os principais articuladores da União Republicana de Sergipe, fundada em 5 de março de 1933, enquanto Maynard Gomes apoiou a criação do Partido Republicano de Sergipe, que indicou candidatos à Constituinte pela lista “Liberdade e Civismo”. Nas eleições, realizadas em maio de 1933, Erônides de Carvalho, promovido a capitão no mês anterior, tornou-se suplente de Augusto César Leite, único deputado eleito na legenda de seu partido para a bancada sergipana na Constituinte, composta de oito membros.

Entretanto, em outubro de 1934 a União Republicana de Sergipe obteve a maioria das cadeiras da Assembléia Constituinte estadual que, em março do ano seguinte, encerrou seus trabalhos elegendo Erônides de Carvalho para governador. Inconformado com esse resultado, Maynard Gomes, a princípio, recusou-se a transmitir o cargo para seu sucessor, sem contudo conseguir impedir sua posse.

No governo do estado

No início de sua gestão, Erônides de Carvalho procurou saldar o débito do estado para com o Banco do Brasil, herdado da administração anterior, cujos atos foram sistematicamente desfeitos pelo novo governo. Baseado em pareceres do ex-presidente Epitácio Pessoa e dos juristas Heráclito Sobral Pinto e Mendes Pimentel, o governador anulou os decretos de criação do Tribunal de Contas e de alteração do funcionamento do Tribunal de Justiça, então chamado de Corte de Apelação do Estado, aumentando o número de desembargadores. Realizou também melhorias na Biblioteca Pública e reaparelhou a imprensa oficial, além de construir escolas, estradas, pontes, a cidade de menores “Getúlio Vargas” e o quartel do Corpo de Bombeiros. Vinculado profissionalmente à área de saúde pública, Erônides de Carvalho ampliou significativamente a capacidade da rede hospitalar do estado e realizou uma reforma geral no sistema de esgotos da capital. Conseguiu também uma verba de trezentos contos de réis da Câmara Federal para aumentar o combate ao banditismo que agia no interior do estado, especialmente o bando de Lampião.

Em novembro de 1935, ofereceu ao presidente da República tropas da Polícia Militar de Sergipe para colaborarem na repressão ao levante comunista deflagrado nesse mês em Natal, Recife e Rio de Janeiro. Rapidamente dominada, a rebelião deu lugar a uma das maiores ondas de repressão até então havidas no país submetido ao estado de sítio e, depois, ao estado de guerra até junho de 1937. Erônides determinou a realização de diligências policiais para descobrir possíveis ramificações da sublevação em Sergipe, concluindo que elementos ligados ao ex-interventor Maynard Gomes, seu adversário político, estavam envolvidos com os comunistas. Baseado nessas considerações, escreveu ao presidente Getúlio Vargas, solicitando a transferência de alguns oficiais que não gozavam de sua confiança. J. Pires Wynne, em seu livro História de Sergipe, nega a existência de qualquer vínculo entre Maynard Gomes e os comunistas, lembrando que, mais tarde, ele integrou o Tribunal de Segurança Nacional, encarregado de julgar os envolvidos no levante de 1935.

Em março de 1936, Erônides de Carvalho viajou para o Rio de Janeiro a fim de obter auxílio para o combate aos efeitos das secas e enchentes que assolavam regiões do estado, bem como para a realização de obras na barra de Aracaju, conseguindo a quantia de seiscentos contos para iniciar a dragagem. Em 1937, posicionou-se a favor da candidatura de José Américo de Almeida às eleições presidenciais previstas para o ano seguinte. Apesar de apoiar oficiosamente esse candidato, Vargas já articulava um golpe de Estado de caráter continuísta e, no início de outubro desse ano, conseguiu autorização do Congresso para decretar novamente o estado de guerra sob a alegação de que havia sido descoberto o chamado Plano Cohen, pretensamente elaborado pelos comunistas visando à tomada violenta do poder. Conforme comprovação posterior, tratava-se de um documento forjado, utilizado pelo governo e sua alta cúpula militar para favorecer a concretização do projeto golpista.

Erônides de Carvalho foi nomeado executor, em Sergipe, dos poderes excepcionais conferidos ao Executivo durante a vigência do estado de guerra, o mesmo acontecendo com todos os outros governadores estaduais, à exceção dos de São Paulo, Rio Grande do Sul e do prefeito do Distrito Federal. Em fins desse mês, o deputado Francisco Negrão de Lima, secretário-geral do comitê diretor da campanha eleitoral de José Américo, visitou vários estados do Norte e Nordeste, inclusive Sergipe, em missão secreta com o objetivo de arregimentar, em nome do governo federal, o apoio dos governadores ao golpe de Estado que, em 10 de novembro, implantou o Estado Novo, decretando a suspensão das eleições e o fechamento do Legislativo e dos partidos políticos.

Partidário do novo regime, Erônides foi confirmado no posto, convertido em interventor federal em Sergipe. Na nova fase de sua gestão, vários estudantes foram presos e condenados pelo Tribunal de Segurança Nacional, encarregado do julgamento dos opositores do Estado Novo.

Substituído pelo capitão Mílton Pereira de Azevedo em junho de 1941, Erônides de Carvalho declinou do convite para se tornar adido comercial brasileiro em um país africano, sendo então nomeado, em março de 1942, para a vaga de Maynard Gomes no Tribunal de Segurança Nacional, representando o Exército. Integrou o corpo de juízes desse tribunal até agosto de 1943, ano em que foi promovido a major médico, transferido para a reserva e nomeado tabelião do 14º Ofício de Notas da Justiça, no Rio de Janeiro.

Em 1945, com a reorganização da vida política nacional, tornou-se presidente do diretório regional de Sergipe e membro do diretório nacional do Partido Social Democrático (PSD).

Em fevereiro de 1952, foi promovido a tenente-coronel na reserva.

Faleceu no Rio de Janeiro em 19 de março de 1969.

Foi casado com Ivete de Melo Góis.

Publicou discursos e relatórios técnicos sobre saúde pública. Seu correligionário Augusto César Leite escreveu Em defesa do governador Erônides de Carvalho (1937).

Robert Pechman

FONTES: ARQ. GETÚLIO VARGAS; ARQ. MIN. EXÉRC.; ARQ. PÚBL. EST. SE; ASSEMB. NAC. CONST. 1934. Anais; CABRAL, O. História; Correio da Manhã (15/6/39); Diário do Congresso Nacional; Encic. Mirador; GUARANÁ, M. Dic.; INST. NAC. LIVRO. Índice; PEIXOTO, A. Getúlio; POPPINO, R. Federal; SILVA, H. 1937; WYNNE, J. História.