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segunda-feira, 20 de junho de 2016

Firmes, sempre. Violentos, nunca!

Um dos maiores desafios da Segurança Publica desde sempre é a abordagem praticada em ações efetuadas. Não há como considerar normal a violência gratuita por vezes praticada. Mas, também não é possível entender essa atividade crucial para que a tranquilidade da população esteja garantida sem que haja firmeza na forma de atuar das polícias.

Por isso, que uma morte ocorrida em uma abordagem policial tem que ser investigada de forma séria, impassível, inabalável. Porque se isso não ocorrer e os eventuais culpados não forem condenados pelo uso excessivo de força que resulta na perda de uma vida, todo o trabalho sério praticado pelo restante da força de segurança poderá ser contestado. 

E aí viveremos o pior dos mundos, já que dados comprovam que os casos em que os policiais se excedem são em menor número do que as atuações corretas. Mas, se os desequilíbrios das polícias não forem exemplarmente punidos, os que trabalham de forma correta serão, esses sim, condenados pela sociedade. 

Em um caso reportado nesta edição do Cinform, essa dubiedade é exposta de forma cruel: em uma blitz, uma motocicleta com dois jovens não obedece a ordem de parada. Um policial saca sua arma, atira e atinge o carona. Segundo todos os indícios, esse jovem, que faleceu devido ao tiro recebido, era trabalhador, do bem e inocente. Já o jovem que conduzia a moto era um infrator contumaz, que veio a óbito algum tempo depois. 

Fica claro que houve despreparo na conduta do policial ou da equipe que realizava a blitz. Porque se a abordagem fosse de outra forma, com perseguição e apreensão dos dois, seria possível identificar que, dentre eles, "devia" algo a ponto de não parar o veículo, e o outro seria encaminhado para a sua família, são e salvo, ainda que merecesse uma chamada de atenção por andar em companhia de um jovem infrator. 

Mas, a atitude foi impensada, gerando uma tragédia familiar que, seguramente, não cicatrizará jamais, nem mesmo no caso da Justiça ser feita, já que o jovem não voltará para casa mesmo com a prisão do policial acusado do crime. Só que, nessa possibilidade, do culpado ser efetivamente punido, haverá a sensação de que a Justiça foi feita. E isso é muito importante não só para a família, para quem um julgamento justo servirá de alento. Mas, também para a sociedade, que perceberá que as forças policiais não estão acima do bem e do mal. 

E, finalmente, um julgamento que puna quem errou, servirá também para as forças policiais atentarem ainda mais para a sua forma de atuação. Porque ninguém quer ou precisa de uma polícia insossa, sem firmeza e determinação. Mas, a ninguém interessa também uma polícia que primeiro mate e só depois busque as respostas para a elucidação de possíveis crimes.

Se os desequilíbrios das polícias não forem exemplarmente punidos, os que trabalham de forma correta serão, esses sim, condenados pela sociedade.

Editorial do jorna CINFORM ano 33 edição 1732 - 20 a 26 de junho de 2016

quinta-feira, 12 de maio de 2016

Brasil, país dos contrastes

A afirmação de que o Brasil é o país da impunidade é uma falsificação da realidade. Um dado já bastante conhecido precisa ser enfatizado: contamos atualmente com mais de 711 mil pessoas presas, segundo o CNJ. 

Quando a Abolição foi assinada, em 1888, provavelmente a mais relevante transformação da nossa formação social, havia no Brasil 710 mil pessoas escravizadas.

Mas a tragédia não se restringe aos números – que muitos insistem em relativizar. A questão pode ser vista por outros ângulos: impossível não constatar a imoralidade das penas cerceadoras de liberdade para um vastíssimo rol de condutas de baixíssimo potencial ofensivo (uma pessoa pode ficar oito anos em um presídio por furtar um botijão de gás do quintal de alguém, ou quinze anos trancafiada por plantar um pé de maconha), assim como não se pode fechar os olhos para a notória desumanidade à qual as pessoas encarceradas são submetidas.

As prisões brasileiras não são melhores do que as masmorras medievais. Além dos assassinatos, dos estupros, das torturas e de todos os outros tipos de violência física, incluindo o regime de fome e a ausência de material higiênico, as celas mal ventiladas, imundas e superlotadas são ambiente no qual proliferam as mais variadas doenças, da sarna à AIDS (cerca de 20% da população carcerária está infectada com HIV, contra 0,4% da população em geral).

Também é ilusória a ideia de que o inferno ao qual condenamos os presos fica restrito aos muros da prisão. A violência do encarceramento, que atinge preferencialmente homens negros, pobres e jovens, moradores de áreas periféricas, também é o estopim de um processo que piora as tensões das nossas profundas desigualdades, agravando a pobreza de um crescente número de famílias, cujos filhos logo se veem desamparados e à mercê de um círculo vicioso cujas consequências não deixam de atingir toda a sociedade. O encarceramento em massa, estrutura construída historicamente, é o principal problema político do Brasil de hoje. Enfrentá-lo é uma obrigação ética. 


Licença para matar

Milhares de homicídios praticados pela polícia do Rio são legitimados como “autos de resistência”

Michel Misse, Carolina C. Grillo, Cesar P. Teixeira e Natasha Néri
1/10/2015 
  • Nenhuma polícia de país civilizado mata mais que a do estado do Rio de Janeiro. Entre 2001 e 2011, mais de 10 mil pessoas foram mortas em confronto com a polícia fluminense em casos registrados como “autos de resistência”. Embora sejam homicídios, essas mortes são classificadas separadamente por se tratar de casos com “exclusão de ilicitude”, ou seja, teriam sido supostamente cometidas em legítima defesa ou com o objetivo de “vencer a resistência” de suspeitos de crime. 
    Desde o início do século XX e durante toda a República Velha, a atividade policial no Rio de Janeiro estava voltada para o controle arbitrário das populações pobres. Seu foco, entretanto, não era ainda propriamente a repressão à criminalidade: atendia a demandas de ordem moral, como as numerosas prisões por “vadiagem”. Somente na década de 1950, em face do crescimento dos crimes contra a propriedade, surgiram os chamados “grupos de extermínio”, inicialmente no interior das instituições policiais. 
    A partir dos anos 1980, o tráfico de drogas passou a ocupar lugar de destaque na agenda da segurança pública. Após a popularização do comércio de cocaína, fortaleceram-se também as redes do varejo da maconha. Com o advento em escala mundial da “guerra contra as drogas”, aumentou a demanda pelo combate ao tráfico e à criminalidade de modo geral, ainda que isto implicasse o emprego de práticas arbitrárias pelas autoridades. A opinião pública parece concordar que a solução para o problema precisa passar pela suspensão dos direitos civis de uma série de indivíduos. 
    Tal postura aparece de forma ainda mais contundente no Rio de Janeiro, tendo em vista a gravidade e a complexidade da questão criminal que se configurou em torno do domínio territorial de favelas por grupos de traficantes armados. Apesar de o problema da insegurança em muito ultrapassar a sua relação com o tráfico de drogas, este passou a ser visto como o foco central e a origem da questão da chamada violência urbana.
    Foi nesse contexto que o governo do estado do Rio começou a investir cada vez mais em recursos materiais e humanos para a Polícia Militar. Ao longo da década de 90, os esforços resultaram na aquisição de armas de alto potencial letal, na contratação de membros para a corporação e na expansão considerável de sua frota de viaturas, incluindo veículos blindados, apelidados de “caveirões”. Também houve investimento na capacitação dos policiais para atuarem em contextos de “guerrilha urbana”. Todo esse aparato de guerra foi empregado em operações cada vez mais constantes em favelas, com o objetivo de fazer frente ao poder local dos traficantes.
    Se, por um lado, foram passos importantes na consolidação da superioridade bélica do estado em relação às facções do tráfico, por outro, desencadearam um aumento considerável na letalidade da ação policial. Foi então que o dispositivo do “auto de resistência” ganhou destaque. Presente desde a época da ditadura militar, esta classificação administrativa passou a ser empregada com maior frequência para designar as mortes resultantes das operações policiais. Durante o governo Marcelo Alencar (1995-1999), seu uso chegou a ser estimulado por uma remuneração concedida a policiais – intitulada “premiação por bravura”, que ficou conhecida como “gratificação faroeste”. 
    No ano de 2007, os autos de resistência atingiram seu ápice: foram contabilizados 1.330 casos no estado do Rio, sendo 902 só na capital. Alguns dados surpreendem, como o alto número de “menores”, ou seja, crianças e adolescentes que supostamente resistiram à ação policial e foram mortos. O número pode ser até muito mais elevado que o oficial, já que a polícia não sabe determinar a idade de grande parte das vítimas. Também salta aos olhos a frequência relativamente baixa de vítimas policiais em relação à de criminosos ou suspeitos, se considerarmos a dinâmica de confronto com criminosos fortemente armados. Não há como não estranhar o resultado dessa comparação: no ano de 2008, por exemplo, houve 1.137 vítimas civis de “autos de resistência”, para 26 policiais mortos no estado. Isto significa que, para cada policial, 43,7 civis acabaram mortos. A versão oficial é de que as vítimas resistiram e colocaram em risco a vida de policiais que pretendiam prendê-las em nome da lei. 
    A frequência dos “autos de resistência” começa a cair a partir de 2008, em parte pela implantação de Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), pelo enfraquecimento de grupos que dominam a venda de drogas em favelas e pela diminuição dos confrontos armados entre traficantes e policiais. No entanto, é preciso considerar o número de mortes de supostos criminosos que foram atribuídas à atividade de milícias ilegais, formadas por policiais e outros agentes de segurança. Esses homicídios mantêm-se em alta na zona oeste da capital, substituindo ilegalmente os “autos de resistência” e contrabalançando sua queda. O aumento continuado dos registros policiais de “pessoas desaparecidas” no mesmo período pode também ocultar um percentual de vítimas de execução, o que está a exigir uma investigação isenta de todos os casos de pessoas que não reapareceram. 
    Na região metropolitana, os autos de resistência são muito mais frequentes nos bairros mais pobres e distantes do centro. E quando esses casos chegam à justiça criminal, o número de inquéritos arquivados por “exclusão de ilicitude”, a partir de 2005, alcança a cifra de 99,2%.
    O procedimento administrativo chamado “auto de resistência” foi criado em 1969 pela Superintendência da Polícia do então Estado da Guanabara. Utilizou-se, como base legal, o artigo 292 do Código de Processo Penal (1941), que autoriza o uso de meios necessários para “defender-se ou para vencer a resistência” à prisão em flagrante. Com a instituição do auto de resistência, dispensava-se a necessidade de prisão em flagrante dos policiais ou mesmo de abertura de inquérito sobre o caso. A criação desse procedimento coincide com a entrada da Polícia Militar, antes uma força auxiliar aquartelada, no policiamento ostensivo e cotidiano da cidade, em substituição à antiga guarda civil.
    No Registro de Ocorrência, no item denominado “Envolvidos”, são listadas todas as pessoas que participaram do episódio, como autores, testemunhas e vítimas. Em geral, as testemunhas dos autos de resistência tendem a ser apenas os próprios policiais envolvidos no homicídio. Caso sejam incluídos os crimes imputados ao morto, este aparecerá tanto como “vítima” (do homicídio proveniente de auto de resistência) quanto como “autor” (dos demais crimes, como roubo, resistência ou tentativa de homicídio contra os policiais). Os policiais também podem aparecer como “vítimas” de tentativa de homicídio. Esta formalização da culpabilidade das pessoas mortas é o primeiro passo do processo – quase sistêmico – de incriminação das vítimas, dando início à narrativa que justifica o seu óbito.
    Os policiais envolvidos também fornecem seus Termos de Declaração. Os depoimentos costumam ser praticamente idênticos, indicando terem sido copiados entre si, alterando-se apenas os nomes dos autores e suas participações específicas. Os textos produzidos nos “termos” não são uma transcrição fiel das palavras usadas pelos PMs: resultam de uma negociação e de uma mistura do que foi dito por eles e do que o policial civil considera pertinente incluir no documento. Compõem uma espécie de narrativa-padrão, que visa legitimar a ação policial em legítima defesa: a declaração do policial militar passa a ser uma versão formulada pela Polícia Civil, ganhando o status de “fato”.
    No contexto carioca, em que grupos de traficantes armados dominam territórios de moradias de baixa renda, a troca de tiros entre bandidos e policiais é interpretada pelos atores institucionais como uma situação rotineira que permeia o cotidiano do trabalho policial. Na maioria dos casos, os Termos de Declaração afirmam que os agentes de segurança estavam em patrulhamento de rotina ou em operação, perto ou em localidade dominada por grupos armados de traficantes, quando foram alvejados por tiros e, então, revidaram à “injusta agressão”. Após cessarem os disparos, teriam encontrado um ou mais “elementos” baleados no chão, geralmente com armas e drogas por perto, conduzindo-os imediatamente ao hospital. Em quase todos os autos de resistência é relatado que as vítimas morreram no caminho para a unidade de saúde, o que reforçaria a legalidade das condutas do agente do estado. No entanto, ao desfazer a cena do crime, o “socorro” às vítimas na prática impede a perícia local.
    Na narrativa-padrão, a vítima é descrita com os termos “elemento”, “opositor”, “facínora” ou “meliante”, o que coopera para a sua classificação como criminoso, mesmo antes de se buscarem seus antecedentes ou de se apurarem as circunstâncias de sua morte. Como se baseia na “fé pública” depositada nos policiais enquanto servidores do estado, o Termo é considerado uma “evidência” testemunhal que permite formular a primeira explicação oficial sobre o que teria acontecido. 
    Assim que toma conhecimento de ocorrências de morte não natural, o delegado instaura um inquérito, que resume o caso com base nas informações contidas no Registro de Ocorrência e enumera as diligências a serem realizadas para a apuração dos fatos. Nas ocorrências de auto de resistência, a narrativa dos inquéritos já parte do pressuposto da legítima defesa, ou seja, de uma versão que esclarece as circunstâncias da morte.
    Nos casos em que outras testemunhas, além dos policiais, prestam depoimentos na delegacia, as perguntas que lhes são dirigidas costumam centrar-se na caracterização moral da vítima, com o objetivo de saber se ele usava ou não drogas, se trabalhava ou estudava e, principalmente, se era ou não “bandido”. Como os parentes da vítima normalmente não presenciaram os fatos, tendem a informar somente sobre o seu comportamento e “caráter” em vida, como o envolvimento ou não com o uso de drogas ou o tráfico. Dificilmente esses depoimentos são usados para buscar outras testemunhas que possam ter presenciado os fatos. Caso o depoente afirme que o morto tinha conduta suspeita ou criminosa, isto endossa a argumentação oficial de que houve legítima defesa.
    É comum entre policiais civis e militares a visão de que bandidos “merecem morrer” e de que a ação letal da polícia é justificável se o morto tiver tido, em algum momento de sua vida, envolvimento com práticas criminosas. Apesar de se conhecer a autoria do crime, não há indiciamento nem prisão em flagrante do autor, pois parte-se do princípio de que ele atuou legalmente, evitando-se, assim, possíveis sanções disciplinares. Até porque um indiciamento o impediria de obter promoções em sua carreira durante o andamento do inquérito, que pode se arrastar por mais de cinco anos, além de constar em sua folha de antecedentes criminais.
    Há um senso comum generalizado, não apenas entre policiais, mas entre atores das demais instituições da Justiça Criminal e na opinião pública como um todo, de que matar um criminoso não constitui crime. A crença na impunidade vinculada ao fantasma da violência urbana e ao descrédito na capacidade punitiva do estado fundamenta o apoio de significativa parcela da população à prática do extermínio de criminosos, expresso no lema “bandido bom é bandido morto”. O estereótipo deste sujeito seria o “bandido pobre”, envolvido com o comércio ilegal de drogas em áreas pobres. Até mesmo os movimentos sociais que pressionam pela incriminação de policiais em casos de “autos de resistência” costumam atuar apenas em relação às vítimas consideradas inocentes.
    Para além de um imperativo moral, “matar bandido” aparece como uma obrigação funcional do agente de segurança pública enquanto “cidadão cumpridor de suas atribuições”, operando certa manutenção de posições de poder. Nos inquéritos dos autos de resistência, a folha de antecedentes criminais do morto é sempre solicitada, mas não a do policial. Interessa mais saber sobre o passado da vítima do que ter acesso à vida pregressa do autor do fato ou à quantidade de homicídios que ele já cometeu em serviço.
    Ao longo de sua circulação entre a delegacia e o Ministério Público, o inquérito desses casos geralmente não é visto como prioridade, por envolverem, em sua maioria, pessoas de baixa renda, moradoras de favelas e, sobretudo, por terem como autores policiais militares ou civis que trabalham na área, com quem os investigadores não desejam se indispor. 
    Dentre os poucos laudos periciais presentes nesses inquéritos, estão aqueles que versam sobre o material apreendido com o morto, como armas, munições e drogas. Diversos policiais e promotores comentam que estes objetos podem ser falsamente arrecadados por policiais para se forjar um auto de resistência, constituindo um conjunto apelidado de “kit bandido”. Ele é composto principalmente pela “vela”, arma supostamente “plantada” junto ao cadáver. A existência do objeto em posse da vítima configura grande indício de que houve resistência, mesmo que não se comprove disparo.
    Os escassos elementos probatórios reunidos nos “autos” são listados e referenciados ao longo de uma narrativa que encerra o trabalho de investigação da polícia, no chamado Relatório Final de Inquérito, redigido por um delegado. Nesta conclusão, quase invariavelmente fica provada a legalidade da conduta policial, que teria agido em legítima defesa. 
    O arquivamento é a tendência natural nos casos de auto de resistência, e a homologação final da legitimidade da morte. Confirma que a versão policial é a verdadeira: sua narrativa ganha, enfim, o status de “verdade jurídica”. Diante disso, os agentes de segurança pública não são considerados autores de um crime. Já a vítima, esta sim, é cristalizada como responsável por uma resistência que levou o policial a matá-la. Materializado nos volumes do inquérito, o morto terá, nesse processo, o mesmo destino de outros milhares de indivíduos arrebatados pela polícia: uma caixa engavetada no arquivo do Estado.
    Michel Misse é coordenador do Núcleo de Estudos da Cidadania, Conflito e Violência Urbana (NECVU), da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Carolina C. GrilloCesar P. Teixeira e Natasha Néri são pesquisadores associados do NECVU-UFRJ. Todos são autores de Quando a Polícia Mata. Homicídios por “autos de resistência” no Rio de Janeiro (2001-2011), (Booklink/CNPq/NECVU-UFRJ, 2013).
    Saiba Mais
    MISSE, Michel. Crime e violência no Brasil contemporâneo. Estudos de sociologia do crime e da violência urbana. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2011.
    VERANI, Sérgio. Assassinatos em nome da Lei. Uma prática ideológica do direito penal. Rio de Janeiro: Editora Aldebarã, 1996.
    ZACCONE, Orlando. Indignos da Vida. A desconstrução do Poder Punitivo. Rio de Janeiro: Editora Revan, 2015.

Fonte da matéria: http://www.revistadehistoria.com.br/

terça-feira, 29 de março de 2016

Abuso brutal de menino na prisão, em 1926, estabeleceu a maioridade penal em 18 anos

Publicado em: 09/07/2015 08:59 
Atualizado em: 09/07/2015 09:28
Com o Código de Menores de 1927, a prisão de crianças e adolescentes ficou proibida. 
Em seu lugar, teriam de ser aplicadas medidas socioeducativas. Na foto crianças trabalham em fábrica de sapatos no início do século 20. Em 1927, a atividade dos menores de 12 anos ficou proibida. (Foto: Museu da Justiça do Estado do Rio de Janeiro) 

Em 12 de outubro de 1927, no Palácio do Catete, o presidente Washington Luiz assinava uma lei que ficaria conhecida como Código de Menores. Hoje, passados quase 90 anos, a canetada do último presidente da República do Café com Leite é alvo das mais exaltadas discussões no governo, no Congresso e na sociedade.

Foi o Código de Menores que estabeleceu que o jovem é penalmente inimputável até os 17 anos e que somente a partir dos 18 responde por seus crimes e pode ser condenado à prisão. O que agora está em debate no país é a redução da maioridade penal para 16 anos.


O código de 1927 foi a primeira lei do Brasil dedicada à proteção da infância e da adolescência. Ele foi anulado na década de 70, mas seu artigo que prevê que os menores de 18 anos não podem ser processados criminalmente resistiu à mudança dos tempos.

É justamente a mesma idade de corte que hoje consta da Constituição e do Código Penal, além do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) — uma espécie de filhote do Código de Menores que nasceu em 1990 e completou 25 anos na segunda-feira (13/07/2015).


A pioneira lei, que foi construída com a colaboração do Senado, marcou uma inflexão no país. Até então, a Justiça era inclemente com os pequenos infratores. Pelo Código Penal de 1890, criado após a queda do Império, crianças podiam ser levadas aos tribunais a partir dos 9 anos da mesma forma que os criminosos adultos.

Notícias criminais protagonizadas por crianças e adolescentes eram corriqueiras na imprensa. Em julho de 1915, o jornal carioca A Noite noticiou: “O juiz da 4ª Vara Criminal condenou a um ano e sete meses de prisão um pivete de 12 anos de idade que penetrou na casa número 103 da Rua Barão de Ubá, às 13h, e da lá furtou dinheiro e objeto no valor de 400”.

A mão policial também era pesada. Até o surgimento do Código de Menores, os pequenos delinquentes recebiam o mesmo tratamento dispensado a bandidos, capoeiras, vadios e mendigos. Uma vez capturados, todos eram atirados indiscriminadamente na cadeia.


Em março de 1926, o Jornal do Brasil revelou a estarrecedora história do menino Bernardino, de 12 anos, que ganhava a vida nas ruas do Rio como engraxate. Ele foi preso por ter atirado tinta num cliente que se recusara a pagar pelo polimento das botinas. Nas quatro semanas que passou trancafiado numa cela com 20 adultos, Bernardino sofreu todo tipo de violência. Os repórteres do jornal encontraram o garoto na Santa Casa “em lastimável estado” e “no meio da mais viva indignação dos seus médicos”.

Em 1922, uma reforma do Código Penal elevou a maioridade de 9 para 14 anos. Com o Código de Menores de 1927, chegou-se aos 18 e a prisão de crianças e adolescentes ficou proibida. Em seu lugar, teriam de ser aplicadas medidas socioeducativas, como se chamam hoje.

No caso dos delinquentes com idade entre 14 e 17 anos, o destino seria uma escola de reforma (ou reformatório), onde receberiam educação e aprenderiam um trabalho. Os menores de 14 anos que não tivessem família seriam mandados para a escola de preservação, uma versão abrandada do reformatório. Os mais novos com família poderiam voltar para casa, desde que os pais prometessem às autoridades não permitir que os filhos reincidissem.


Extenso e minucioso, o código se dividia em mais de 200 artigos, que iam além da punição dos pequenos infratores. Normatizavam desde a repressão do trabalho infantil e dos castigos físicos exagerados até a perda do pátrio poder e a criação de tribunais dedicados exclusivamente aos menores de 18 anos.

No Brasil da virada do século 19 para o 20, uma parcela considerável da população vivia na miséria. Com o fim da escravidão, em 1888, os negros e suas famílias se viram abandonados de uma hora para a outra, elevando as estatísticas da pobreza. A ainda tímida industrialização atraía gente do campo, mas não conseguia absorver toda a mão de obra disponível. As cidades inchavam, e o desemprego e a criminalidade disparavam.

Às crianças e aos adolescentes restavam dois caminhos. Ou trabalhavam, submetidos a serviços pesados ou perigosos, jornadas exaustivas e pagamentos irrisórios. Trabalhadores imberbes eram vistos operando máquinas nas indústrias, vendendo bilhetes de loteria nas ruas e participando das colheitas nas fazendas.

Ou então perambulavam pelas ruas das cidades grandes, como Rio e São Paulo, agrupados em “maltas”, como se dizia, cometendo roubos, aplicando golpes, pedindo esmolas ou simplesmente vadiando. Naquela altura, as escolas públicas eram raras e estavam reservadas para os filhos das classes abastadas.

A Gazeta de Notícias, numa reportagem de fevereiro de 1929, explicou o problema das ruas para as crianças: “Aí aprendem coisas que não deveriam ou não precisariam saber: encontram más companhias que os desencaminham, adquirem vícios e maus costumes, deslizam para a vadiagem, a mendicidade, a libidinagem, a gatunagem e outras formas de delinquência”.

Documentos preservados no Arquivo do Senado, em Brasília, revelam que os senadores foram protagonistas no longo processo que culminou na criação do Código de Menores de 1927.

Um dos pioneiros da causa infantil foi o senador Lopes Trovão (DF). Ainda no final do século 19, ele subiu à tribuna do Palácio Conde dos Arcos, a sede do Senado, no Rio (que tinha o status de Distrito Federal), para dizer que era inaceitável a apatia do poder público diante das crianças abandonadas e delinquentes.

"Ao Estado se impõe lançar olhos protetores, empregar cuidados corretivos para a salvação dos pobres menores que vagueiam a granel, provando nas palavras que proferem e nos atos que praticam não ter família. Se a têm, esta não lhes edifica o coração com os princípios e os exemplos da moral", discursou ele em setembro de 1896.

Patriarcalismo
Para o senador, o Estado precisava ter poder para retirar de casa e internar em escolas especiais as crianças que não recebessem dos pais a devida educação moral. Segundo ele, vários países avançados já subtraíam o pátrio poder das famílias negligentes, como os Estados Unidos, a França e a Inglaterra.

Lopes Trovão acreditava que os cidadãos de sua geração já estavam corrompidos e não seriam capazes de tirar o Brasil do atraso social e conduzi-lo à civilidade. Para ele, a solução seria apostar todas as fichas nas crianças.

"Temos uma pátria a reconstituir, uma nação a formar, um povo a fazer. Para empreender essa tarefa, que elemento mais dúctil e moldável a trabalhar do que a infância? São chegados os tempos de trabalharmos na infância a célula de uma mocidade melhor, a gênese de uma humanidade menos imperfeita. Preparemos na criança o futuro cidadão capaz de efetuar a grandeza da pátria dentro da verdade do regime republicano".

Muito embora o senador Lopes Trovão já fosse uma figura respeitada por ter militado na linha de frente dos movimentos abolicionista e republicano, o projeto de Código de Menores que ele apresentou em 1902 terminou engavetado.

O senador Alcindo Guanabara (DF) foi outro expoente na defesa da “infância desvalida”. Em agosto de 1917, ele fez um enfático pronunciamento em que buscou convencer os colegas da necessidade urgente de um Código de Menores:

"São milhares de indivíduos que não recebem senão o mal e que não podem produzir senão o mal. Basta de hesitações! Precisamos salvar a infância abandonada e preservar ou regenerar a adolescência, que é delinquente por culpa da sociedade, para transformar essas vítimas do vício e do crime em elementos úteis à sociedade, em cidadãos prestantes, capazes de servi-la com o seu trabalho e de defendê-la com a sua vida".

O projeto que o senador redigiu em 1917 também acabou sendo arquivado. Em 1906, como deputado federal, Alcindo Guanabara já havia apresentado uma proposta semelhante, que tampouco avançou. Outra tentativa de criação do Código de Menores foi feita em 1912, pelo deputado João Chaves (PA).

Desde o discurso de Lopes Trovão, passaram-se mais de 30 anos até que o Código de Menores fosse aprovado. Foram vários os motivos da demora. Um deles, segundo estudiosos do tema, foi a 1ª Guerra Mundial (1914–1918), que reduziu a mera frivolidade qualquer discussão em torno da infância. Outro entrave foi o patriarcalismo.

"Os senadores e deputados faziam parte daquela sociedade patriarcal e não queriam perder o poder absoluto que tinham sobre suas famílias até então. O Código de Menores mudava essa realidade, permitindo que o Estado interviesse nas relações familiares e até tomasse o pátrio poder — explica a historiadora Sônia Camara, autora do livro Sob a Guarda da República (Quartet Editora), que trata das crianças da década de 1920".

O historiador Eduardo Silveira Netto Nunes, estudioso da evolução das leis da infância, vê um terceiro motivo. De acordo com ele, uma parcela dos parlamentares tinha aversão às propostas de Código de Menores porque a construção dos reformatórios, escolas e tribunais previstos na nova lei exigiriam o aumento dos impostos.

"Até então, o governo estava ausente das políticas sociais. Sua atuação se resumia à repressão policial. O Código de Menores apareceu como o prenúncio do que viria a partir dos anos 30, com Getúlio Vargas, que transformaria o governo no grande administrador da sociedade e colocaria as políticas sociais como prioridade. Vargas, por exemplo, trouxe uma série de direitos trabalhistas".


Na entrada da década de 20, os obstáculos começaram a cair. No governo Epitácio Pessoa, o advogado e ex-deputado José Cândido Mello Mattos foi encarregado de reformular o projeto do senador Alcindo Guanabara e passou a conduzir o movimento. Por influência dele, o Congresso aprovou uma série de leis relativas à infância que abririam caminho para a criação do Código de Menores. Na época, a lei ficou conhecida como Código Mello Mattos.

Dia da Criança
A data da assinatura do Código de Menores, em 12 de outubro de 1927, havia sido escolhida pelo presidente Washington Luiz a dedo, para coincidir com os festejos do Dia da Criança, criado por decreto pouco antes por seu antecessor, Artur Bernardes.

A nova lei, em resumo, determinava ao governo, à sociedade e à família que cuidassem bem dos menores de 18 anos.


Um dos artigos proibiu a chamada roda dos expostos, a medieval roleta embutida na parede externa de instituições de caridade que permitiam à mulher — solteira, quase sempre — abandonar anonimamente o filho recém-nascido. Com o código, a mãe teria que primeiro providenciar a certidão de nascimento do bebê para depois poder entregá-lo aos funcionários do orfanato, onde se lavraria um registro, que poderia ser secreto se fosse esse o desejo da mulher.

O trabalho infantil era fartamente explorado. Ainda que pouco produtiva, era uma mão de obra abundante e barata. A partir de 1927, as crianças de até 11 anos não puderam mais trabalhar. A atividade dos adolescentes entre 12 e 17 anos ficou autorizada, porém com uma série de restrições. Eles, por exemplo, não poderiam trabalhar durante a noite nem ser admitidos em locais perigosos, como minas e pedreiras.

De acordo com a historiadora Maria Luiza Marcilio, autora do livro História Social da Criança Abandonada (Editora Hucitec), o Código de Menores foi revolucionário por pela primeira vez obrigar o Estado a cuidar dos abandonados e reabilitar os delinquentes. Ela, porém, faz uma ressalva:

"Como sempre acontece no Brasil, há uma distância muito grande entre a lei e a prática. O Código de Menores trouxe avanços, mas não conseguiu garantir que as crianças sob a tutela do Estado fossem efetivamente tratadas com dignidade, protegidas, recuperadas".

O sucessor da lei de 1927 foi o Código de Menores de 1979, criado pela ditadura militar. Depois, em 1990, veio o Estatuto da Criança e do Adolescente.

Os dois primeiros códigos, grosso modo, dirigiam-se apenas aos marginais. O ECA, por sua vez, vale para todas as crianças e adolescentes, independentemente da classe social. Antes, o foco das leis estava nas punições. Agora, nos direitos. Nos velhos códigos, o infrator capturado era punido automaticamente. Hoje, ele tem direito a ampla defesa e, para isso, conta com o trabalho dos defensores públicos.

O termo 'menor', que se popularizou na época do código de 1927, agora é abominado pelo meio jurídico. O ECA, em seus mais de 250 artigos, não o utiliza nenhuma vez. No lugar de 'menor', adota a expressão 'criança ou adolescente'.


Explica o historiador Vinicius Bandera, autor de um estudo sobre a construção do primeiro código: "'Menor' é um termo pejorativo, estigmatizante, que indica anormalidade e marginalidade. 'Criança ou adolescente' é condizente com os novos tempos. Remete à ideia de um cidadão que está em desenvolvimento e merece cuidados especiais".

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sábado, 27 de junho de 2015

A República esfacelada

Cada vez mais os que fazem oposição ao governo trabalhista e popular do Partido dos Trabalhadores passam o atestado de conduta sectária aos moldes da ditadura militar que mandou prender e esfolar. Na república do dr. Moro não existe um STF e se existe está com mêdo de enfrentar um rapazinho que queria está em seu meio se Aécio tivesse ganho a eleição. Como perdeu, está agora ensandecido.
Se a sociedade brasileira, falo da dígna e não da golpista (leia-se Orgs. Globo, Estadão, Veja, Folha de São Paulo e todos aqueles que os apoiam em suas invencionices e que acreditam nelas), não atentar para esses "recados" que são diariamente transmitidos como o início de um "golpe paraguaio" que a oposição por não ter força para ir às armas querem tirar o governo de 54 milhões de brasileiros que votaram em Dilma.
Factóides como o da visita de Aécio e comitiva de puxas-saco, as delações "premiadas" que são segredo de justiça chegando seletivamente à imprensa golpista, um juiz que se arvora em justiceiro (o Barbosa correu!), delegados da PF com preferência eleitoral misturando com lei, Procuradores usando também suas preferências eleitorais, tudo chafurdando na lama da incompetência.
Se essa advogada da Construtora levar o caso para a Corte Internacional, constituirá na maior vergonha que o STF passará depois da vergonhosa ação contra o "mensalão" em que condenou sem provas homens que no passado lutaram contra essa mesma direita golpista e militares usados, para acabar com a República Democrática do Brasil a partir de 1964.
Não podemos aceitar essas barbaridades sob pena de estarmos fadados a nunca sermos uma sociedade democrática onde todos estão debaixo da lei, que infelizmente está sendo pisada por não termos um STF republicano.