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segunda-feira, 12 de agosto de 2024

Reminiscências de Maria Bonita

Reminiscências de Maria Bonita

Por Raul Meneleu


Dia 28 de julho de 2020 fez 82 anos da morte de Maria Bonita. Muito de sua história, desde o seu nascimento até o dia de sua morte, a única certeza que tínhamos era esta data de 28 de julho de 1938, o dia de  sua morte.

E mesmo assim ainda paira dúvidas para alguns, aquele acontecimento da fuzilaria do Angico onde ela e Lampião, com mais nove companheiros foram mortos pelas volantes comandadas pelo tenente João Bezerra.

O título desse artigo diz bem com a imagem lembrada do passado dela, pois o que se conserva na memória são lembranças vagas ou incompletas fornecidas por parentes e escassas fontes da Igreja Católica, material este carcomido por traças e descasos de conservação. Infelizmente as autoridades religiosas não conservaram a tais, não por má fé, mas por talvez faltarem a tais uma consciência histórica por não enxergarem o futuro, talvez por não perceberem tais documentos como história de sua própria igreja, paróquia  e rebanho.

Os escritores da Saga Cangaço foram ao campo, investindo seus recursos de tempo e dinheiro do próprio bolso pois faltavam-lhes patrocínios de entidades de cultura, tanto as  particulares como as governamentais, como aliás aconteceu na história do homem sobre a face da terra, sendo que apenas poucos destes pesquisadores foram amparados oficialmente. Imaginem agora no nosso Brasil onde a cultura sempre foi posta em patamar inferior.

Centremos então nossa atenção para o nicho esquecido por muitos mas lembrado por poucos: A História de Maria Bonita.

Iniciemos com o histórico de pesquisadores que debruçaram sobre o assunto.

Em livro mais recente temos o do pesquisador Voldi de Moura Ribeiro, que trata do nascimento de Maria Bonita.

Na página 79 sob o título "UMA ANÁLISE ACERCA DO DIA 08 DE MARÇO DE 1911" data defendida sem comprovação documental por alguns escritores, Voldi analisa em síntese crítica, os registros de tais, que a partir do ano de 1997 passaram a defender esta data, isto sem comprovação documental e que simplesmente se basearam em relatos verbais familiares que também não foram comprovados. 

Antes as datas defendidas por autores mais antigos, variava de ano, desde 1906 a 1912.

Na análise crítica da tabela da pg 79 Voldi apenas indica os autores e as obras referenciadas estão explícitas nas pgs 70-79 (tópico 10).

Voldi traz o resultado de sua pesquisa com documentos comprobatórios encontrados nas Paróquias de Santo Antônio da Glória e São João Batista de Jeremoabo, em sua busca, juntamente com o Pesquisador, Teólogo e Comunicador Social, Padre Celso Anunciação. Em conversa de mais de uma hora por telefone, entrevistei o autor dias 26 e 28 de julho de 2020, que me informou está sendo elaborada uma segunda edição,  ampliada.

Estive com Voldi em diversos encontros do Cariri Cangaço, onde ele compartilhava comigo o assunto e ano passado estivemos em Juazeiro do Norte, onde o autor entregou-me em mão sua obra com uma dedicatória amável que agradeço imensamente. Nesta obra, ele traz fotografias de tais documentos, onde não pode existir mais dúvidas de data de nascimento de Maria Bonita. Abaixo exponho as fotos e procuro fazer argumentações extra-livro.

 

Transcrição do trecho da página: "Aos sete dias do mês de setembro de mil nove centos e dez, baptisei solenemente a Maria, nascida a desessete de janeiro de mil nove centos e dez filha natural de Maria Joaquina da Conceição. Foram padrinhos Agripino Gomes Baptista e Maria Joaquina da Conceição. E para constar fiz este assento que me assigno.

Vigário Euthymio José de Carvalho”

Que dúvida pode persistir se a evidência maior é o Batistério de Maria? E por que duvidar de um atestado de Batismo (conforme foto abaixo) emitida pela Paróquia de São João Batista e assinada pelo Pároco e Padre José Ramos Neves?


Alguém pode dizer: Por que os pesquisadores de renome não encontraram esse Batistério da mulher mais famosa do cangaço?
 

Respondo com um talvez: Talvez porque faltou-lhe um amparo maior que o Pesquisador Voldi Moura obteve, ao aliar-se com um Pesquisador entendido no assunto religioso dos batismos da Igreja Católica e conhecedor dos meandros e aceito por seus pares de religião, onde pode escarafunchar as documentações que estavam por assim dizer, aguardando o momento propício para ser revelada ao público. O escolhido e abençoado foi Voldi Moura Ribeiro.

Mas vamos além e foquemos nas demais documentações que nunca tinham sido acessadas por pesquisadores mais afamados. Temos o Batistério de uma das irmãs de Maria Bonita, que se chamava Antônia.

O nome completo de Antônia era Antonia Maria da Conceição. (foto abaixo)

Essa certidão de Batismo traz também apenas o primeiro nome, como era o costume da época, pois o batizando automaticamente levaria o nome dos pais. Vejam que esta certidão traz o nome do pai. A de Maria Bonita não. Por certo o pai não estava presente ou Maria Bonita “poderia” ser filha de outro homem. Mas vou deixar essa tese para em outra ocasião dissertar sobre ela.

Em vista desse “achado” os próximos livros que forem escritos sobre o assunto com certeza irão trazer essa data de 17 de janeiro de 1910 mesmo que não queiram dar o crédito ao autor da descoberta, Sr. Voldi Moura Ribeiro.

Na internet existem diversos blogs e páginas com a data não comprovada de 8 de março, seguindo escritores que não pesquisaram e basearam suas afirmativas pelos livros lidos. Coincidentemente o Dia Internacional da Mulher é 8 de março. Claro que gostaríamos de ter essa data internacional como sendo a do nascimento de Maria Bonita, mas infelizmente não é.

Frederico Pernambucano de Melo, historiador e membro da Academia Pernambucana de Letras, veio a reconhecer a descoberta de Voldi Moura, quando em palestra no Museu do Estado de Pernambuco, Recife, em 14 de dezembro de 2011, transcrita no próprio livro LAMPIÃO E O NASCIMENTO DE MARIA BONITA quando disse:

“... o Brasil, a quem a história acendeu uma vela no dia 8 de marco útimo, julgando assinalar os cem anos de seu nascimento. Acendeu por engano, ao que se constata no momento, a data festejada parecendo não ser a verdadeira.

No vazio de registro escrito, que persistiu até meses atrás, esse 8 de março teria prosperado com base no testemunho de parentes, fonte reconhecidamente precária quando se trata de datas. Para não falar do caráter confuso e pouco explicado desse testemunho. Contra o qual se insurge agora o resultado de levantamento feito há pouco no arquivo da Diocese de Jeremoabo, Bahia, pelo sociólogo Voldi Ribeiro, auxiliado pelo padre Celso Anunciação, que deu como resultado a descoberta do batistério da cangaceira-mor. Documento que a torna mais velha em pouco mais de um ano, vez que nascida aos 17 de janeiro de 1910, ao que reza o papel da sacristia amarelecido pelo tempo. Teria morrido, assim, com 28 anos e seis meses de idade, naquele 28 de julho de 1938, para os que apreciam as exatidões. E conseguido negar um pouquinho de idade para o marido famoso, como toda mulher que se preza...”

Não sabemos como o grandioso pesquisador Antônio Amaury Correia de Araújo veio a obter essa data refutada de 8 de março, mas se corrige ao referenciar a descoberta do Sociólogo Voldi Moura, quando em seu livro “Lampião - As Mulheres e o Cangaço” segunda edição, de 2012, página 162 faz constar uma devida correção:

"Maria veio ao mundo em 8 de março de 1911*

*Data invalidada após o amigo pesquisador Voldi de Moura Ribeiro, haver encontrado uma carta enviada por mim em 16 de março de 1971, buscando informações sobre documentos de Maria Bonita. Essa carta foi encontrada por Voldi em 22 de agosta de 2011. ”

Reconhece então o nobre Escritor e Pesquisador, a declaração de Certidão de Nascimento feita pelo Padre José Ramos Neves em que atesta o nascimento de Maria Bonita em 17 de janeiro de 2010. (veja foto acima)

Na enciclopédia Wikipedia no link   abaixo  

( https://pt.wikipedia.org/wiki/Maria_Bonita), 

encontramos ainda a falsa data de 8 de março de 1911 onde foi posta uma pequena nota que pode ser aberta ao teclar nesse um [1] que diz: “Segundo o Antônio Amaury, a certidão de batismo em nome de Maria Bonita não pode ser localizada. Maria deve ter nascido por volta do ano de 1908 (ARAÚJO 1984, fls. 168) e creio que os administradores da página, já deveriam ter mudado a data para 17 de janeiro de 1910 o ano de seu nascimento.

Aqui encerro minhas considerações a respeito da data de nascimento de Maria Bonita.

sexta-feira, 13 de janeiro de 2017

Maria Bonita - Bela, recatada e 'não do lar'

A polêmica frase "Bela, recatada e 'do lar' nos diz que "...são palavras muito específicas e que objetificam as mulheres." 

A autora (1) dessa frase faz comentários e diz que BELA, simbolicamente, toda mulher tem de ser bonita. Esse valor é algo muito forte tanto na sociedade ocidental quanto na oriental. Não importa o que aconteça, mesmo que a mulher tenha acabado de ter um filho, tem de estar com a barriga sarada duas semanas depois. 

O recatada e o 'do lar' vêm de encontro ao 'bela' para formar a imagem de mulher perfeita, que sabe se colocar no lugar dela e é submissa ao marido. É aquela velha história de que atrás de um grande homem sempre há uma mulher. Essa escolha de palavras segundo ela, foi muito infeliz. "Não me espanta a repercussão negativa que o perfil teve, embora no Brasil, ainda exista aquela imagem de que uma mulher foi estuprada porque estava de roupa curta", arremata.

No feminismo, o que se prega é que cada mulher pode fazer o que quiser. Se quer parar de trabalhar para cuidar dos filhos? Ok. Se quer casar com um homem mais velho? Ok. 

"Ela tem direito de ser quem quiser, mas não se pode criar uma simbologia de que a mulher perfeita deve seguir esses parâmetros."

Em uma sociedade escravagista como a nossa sempre foi perfil da mulher ser uma senhora de engenho, bonita, escolhida para casar, recatada, pois era preciso ser do lar, pois era onde as mulheres ficavam limitadas nessa época.

O livro Bonita Maria do Capitão (2) conta a história de mais uma mulher que se viu coagida por uma sociedade impositiva que fazia as mulheres serem "Belas, recatadas e preparadas para lar." - Maria Bonita preferiu sair do lar imposto pela sociedade, para fazer de seu lar, o mundo encantado do sertão.

Maria Bonita, mesmo sendo uma mulher pobre, não muito culta, e como quase todas as mulheres sertanejas daquela época, estava sendo preparada por seus pais para serem recatadas donas de casa, cuidar do marido e dos filhos. Mas algo aconteceu em sua vida que a retirou desse marasmo imposto por uma sociedade que olhava para as mulheres serem exclusivamente 'do lar'.


Mas essa Maria não se deixou dominar por isso e sem saber que passaria a ser famosa, "...abandona o anonimato para pertencer à história do mundo."


"No caso de Maria Bonita é diferente. Essa "Maria fez de si a própria entrega para a história. Ela deixa de ser uma promessa e concretiza-se em senhora de seu destino ao tomar a decisão de abandonar sua família para viver ao lado do mítico cangaceiro Lampião. Essa Maria é a do Capitão."

Não sei por que Joaquim Góis, ex-volante em seu livro intitulado Lampião: O último cangaceiro, que teve a oportunidade de conhecer Maria Bonita em sua casa, onde morava com seu primeiro marido, resolveu descrever a aparência física dela antes dela ser a companheira de Lampião! 

Lógico que devemos entender que aqui se aplica o velho ditado que diz que “não existe gente feia” pois a beleza ou feiura estão nos “olhos” daquele que ver.

Mas segundo ele, ao entrar na tenda do sapateiro Zé de Nenê, com o propósito de fazer algumas encomendas, notou uma mulher acabrunhada e sem beleza e escreveu que "... ao seu lado uma cabocla apagada, rosto de linhas inseguras, olhar vago e fugidio, corpo solto no desalinho e no mau gosto de 
um vestido barato, de chita ordinária, marcado de cores berrantes, costurado à moda de como costuram as mulheres de fim de rua das cidades pequenas. Pés grandes, esparramados dentro de duas sandálias grosseiras, e rosto comprido, moles, desbotadas; mãos de unhas sujas, mãos pequenas, descuidadas; duas argolas vermelhas de ouro duvidoso caíam-lhe das orelhas; cabelo de um castanho fosco, penteados em um volumoso cocó, bem aprumado, um pouco acima da 
nuca; pescoço curto, queixo atrevido, boca carnuda escondendo desejos; lábios corados como uma fruta entreaberta, pedindo caricias; seios bambos, caídos; quadris batidos; pernas fortes, semblante sem a beleza de um sorriso meigo, quase duro na sua expressão [...]. De mulheres vulgares como Maria de Déa, está cheio este sertãozão de meu Deus" 
(GÓES, 1966, p. 212). 

O que fez Góes mostrar uma pessoa que todos tinham como sendo uma bela mulher, dessa forma?
Lembremos-nos que “não existe gente feia” e que talvez naquele momento em que Góis entrou no recinto, Maria estivesse abatida talvez por uma situação de constrangimento e cansada pela vivência com o sapateiro, em constantes discussões, tivesse relaxado na indumentária e no semblante.

Vemos e podemos assimilar, que essa palavras, talvez até um pouco desconfortáveis, foi a visão momentânea do autor. Tudo bem que as sertanejas se arrumavam bem melhor aos domingos de Missa ou festinhas de largo ou algum outro evento. Mas se me permitem eu digo que foi uma maldade muito grande de Góes, retratar Maria Déa dessa forma.

Em reportagem do Correio da Manhã, do Rio de Janeiro, edição de 8 de abril de 1967 o jornalista Luis Carlos Rollemberg Dantas em reportagem sobre o livro de Góis, diz que além de "liquidar com as intenções de determinadas publicações que procuram mostrar Lampião como herói" também mostra "... Maria Bonita, figura transfigurada pela lenda, e restabelecida convincentemente na realidade" como se Góis retratasse Maria Bonita convincentemente como feia e desengonçada, e isso fosse a realidade.

Para contrapor essa ideia vejam essa foto tirada enquanto Maria estava "no lar" - antes de entrar no cangaço.

Uma bonita sertaneja com penteado simples e vestido comum, mas que realçava a beleza dessa mulher. Uma beleza que talvez não aparecesse em instantes de desconforto com a vida sem atrativos que levava.

Segundo as autoras do livro Bonita Maria do Capitão, o "... que se pode crer é que ela apresentava uma aparência comum, sem atrativos físicos que a colocassem em algum patamar de beleza."

Agora vejam essa foto feita no cangaço, mostrando o seu eu interior, livre e liberta dos dogmas criados pela falsa e puritana sociedade. Maria do Capitão em seu sorriso de alegria, cativou não só a Lampião, como a outros cangaceiros, que testemunharam sua índole. Essa morena realmente era uma Rainha de seu Rei. Ela era "Bela e Recatada" e seu Lar, a Caatinga do Sertão Nordestino! Seu "crime" foi querer viver livremente e podemos afirmar que ela encontrou a liberdade que almejava, nos braços de "uma fera perigosa" - mulher nova bonita e carinhosa... faz o homem gemer sem sentir dor!



NOTAS:

1 - Helena Jacob, coordenadora do curso de jornalismo da Faculdade Cásper Líbero e doutora em comunicação e semiótica pela PUC (Pontifícia Universidade Católica) de São Paulo

2 - Autoras: Vera Ferreira e Germana Gonçalves - Parte 1 Vida e Modos de Maria

Todas as frases em aspas estão nos livros e citações jornalísticas.