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sexta-feira, 14 de agosto de 2020

Pão de Açúcar - Celeiro do Cangaço

Pão de Açúcar - Celeiro do Cangaço

Por Raul Meneleu

Estive recentemente na cidade alagoana de Pão de Açúcar nas barrancas do Velho Chico onde muitas histórias de Coronéis e Cangaceiros se misturaram com autoridades policiais.

Fui especialmente para acompanhar o lançamento de um livro do escritor Antônio Pinto, que fala sobre um dos antigos residentes da cidade e que este era Lampião.

O livro "Lampião - A sua verdadeira morte" narra a história do Senhor João Novato, que chegou à cidade no início dos anos 60 e fixou residência. Vinha acompanhado de sua esposa, que se chamava Maria Rita.

Mas fora desta história entrevistei algumas pessoas (link) e existem outras que precisam ser expostas (link).

Fico imaginando por que essa região foi praticamente esquecida pela maioria dos pesquisadores da grande saga que desenrolou-se no Nordeste brasileiro e mais ainda nesta região. Podemos citar a Professora Luitgarde de Oliveira Cavalcanti Barros, nascida nessa região alagoana como um destaque em falar sobre a saga e o jornalista Melchiades da Rocha.

Vamos elencar aqui alguns vultos representativos destas três vertentes: coronelismo, autoridades policiais e cangaceiros, e no bojo destas três vertentes, pistoleiros e capangas.

Coronéis:

A conversa do Coronel Joaquim Rezende com Lampião

Joaquim Rezende (à esquerda) conversa com Melchiades da Rocha. Foto: Maurício Moura – Jornal A Noite.

No dia 30 de julho de 1938 em Santana do Ipanema, Alagoas, onde as cabeças iriam ser expostas, estava o prefeito recém-eleito de Pão de Açúcar, Joaquim Rezende, identificado por alguns como sendo coiteiro e amigo de Lampião.

O Coronel Joaquim Rezende foi prefeito de Pão de Açúcar entre 1938 e 1941. Este Morreu assassinado em 1954, quando ocupava o cargo de delegado de Polícia. Os assassinos formam os irmãos Elísio e Luiz Maia. Elísio era então prefeito do município.

Melchiades da Rocha, em seu livro Bandoleiros das Catingas, lançado em 1942, recorda do encontro que teve com Joaquim Rezende em Santana do Ipanema.

Ele se refere ao prefeito de Pão de Açúcar como sendo “um abastado proprietário em seu município” e que ele estava em Santana também “à espera da cabeça de Lampião, pois desejava certificar-se se de fato ele havia morrido”.

A condição de amigo de Lampião ostentada por Joaquim Rezende aguçou os instintos do repórter, que começou a se perguntar o que teria levado um rico cidadão a “se tornar um afeiçoado do Rei do Cangaço”, quando era prefeito de uma cidade que poderia ser alvo das ações do bandido.

A narrativa a seguir é um valioso documento de como se davam as relações de Lampião com o poder político e econômico das regiões sertanejas vítimas do cangaço.

Com a palavra Melchiades da Rocha:

“Sem quaisquer etiquetas, pois nós sertanejos não somos, apenas, iguais perante a lei, apresentei-me ao Cel. Rezende e lhe disse à moda da terra:

— “Seu” Rezende, eu queria uma palavrinha do senhor!

— Pois não! — respondeu-me, amavelmente, o prefeito de Pão de Açúcar.

Momentos depois o Sr. Rezende e eu nos achávamos na sede da Prefeitura de Santana. Em poucas palavras relatei os meus propósitos ao cavalheiro que me fora apontado como sendo grande amigo de Lampião.

Após ter-me oferecido uma cadeira, o Sr. Rezende sentou-se e narrou, pormenorizadamente, como e por que se tornara amigo do Rei do Cangaço, amigo ocasional, bem entendido, pois não poderia ter sido de outro modo.”

O Coronel Rezende então fala ao repórter:

"Conheci Lampião em 1935, época em que me escreveu ele, pedindo mandasse-lhe a importância de quatro contos de réis, prometendo-me, ao mesmo tempo, tornar-se meu amigo se fosse atendido.

Em resposta à carta do terrível bandoleiro, mandei dizer-lhe pelo mesmo portador que lhe daria de muito bom grado o dinheiro, mas que só o faria pessoalmente.

Três dias depois Lampião mandou-me outro bilhete do seu próprio punho, dizendo-me que me esperava às 10 horas da noite na fazenda Floresta, município de Porto da Folha, em Sergipe, recomendando-me que fosse até ali, mas não deixasse de levar o dinheiro.

Não obstante os naturais receios que tive, à hora aprazada cheguei ao local do encontro, onde permaneci até uma hora da manhã, quando surgiu um cangaceiro que, ao ver-me, perguntou-me se eu era o moço que desejava falar ao capitão. Respondi que sim.

Dentro de poucos minutos, então, o Rei do Cangaço ali se apresentava acompanhado de quatro homens, “Juriti”, “Zabelê”, “Passarinho” e “Nevoeiro”. Ao ver o grupo aproximar-se, identifiquei logo Virgulino e a ele me dirigi, cumprimentando-o.

O famoso bandoleiro, ao contrário do que eu esperava, recebeu-me amavelmente e foi logo perguntando sobre o que lhe havia levado. Sabendo que o Rei do Cangaço gostava de beber, eu, que levava comigo três litros de conhaque, lhos ofereci.

A fim de que desaparecesse logo qualquer suspeita do bandoleiro, prontifiquei-me a ser o primeiro a provar a bebida. Encarando-me com olhar firme, Lampião me disse em tom natural: “Concordo em que o senhor beba primeiro, mas não é por suspeita e sim porque o senhor é um moço decente e eu sou apenas um cangaceiro”.

Tomamos, então, o conhaque e, em seguida, abordei o Rei do Cangaço sobre o dinheiro que ele me havia pedido. Como resposta, disse-me ele: “O senhor dá o que quiser, pois eu dou mais por um amigo do que pelo dinheiro”.

— Esse fato — disse o conceituado comerciante de Pão de Açúcar — teve lugar no mês de agosto de 1935, e a minha palestra com Lampião durou três horas, tendo ele me falado de vários assuntos, entre os quais o relativo à perseguição de que era alvo, acrescentando que, de todas as forças que andavam em seu encalço, a que mais o procurava era a do então Major Lucena, dada a velha inimizade que o separava desse oficial da polícia alagoana, a quem reconhecia como homem de fato e dos mais corajosos.

Quanto às forças dos outros Estados, disse-me Lampião que se arranjava “a seu gosto…”, fazendo nessa ocasião graves acusações a vários oficiais dos que andavam em sua perseguição.

— Aí está como foi o meu primeiro encontro com o Rei do Cangaço. — Depois — acrescentou o prefeito de Pão de Açúcar — Lampião mandou pedir-me bebidas, charutos e também objetos de uso doméstico. Mais tarde, porém, fui informado de que ele estava empregando esforços no sentido de matar o Sr. José Alves Feitosa, ex-prefeito de minha terra que, como eu, o esperara muitas vezes ali, a fim de fazer-lhe frente, pois foi das mais terríveis a ação de Virgulino em nosso município.

Tratando-se de um amigo meu o homem que estava destinado a morrer às mãos de Lampião, procurei um pretexto para me avistar com este e não me foi difícil encontrá-lo. Todavia, após uma série de considerações, em que fui até exigente demais, Lampião, dizendo ao mesmo tempo que só fazia tal “sacrifício” para me satisfazer, prometeu-me sustar a realização de sua sanguinária intenção, declarando-me naquele momento que já tinha em campo dois homens para fazer o “serviço” lá mesmo na cidade de Pão de Açúcar, já que o visado andava resguardado, não saindo para parte alguma.

Tal conhecimento com Lampião, deixou-me, aliás, em situação crítica, pois inimigos meus denunciaram ao Coronel Lucena que eu era um dos coiteiros do celerado cangaceiro.

Ao ter ciência de tal acusação, dirigi-me ao referido oficial e lhe expus as razões que me levaram a ter contato com o Rei do Cangaço, após ter andado prevenido contra ele, longo tempo. Jamais faria isso se não fosse a situação em que, como muitos outros sertanejos, me encontrei durante longo tempo.

Intercedi, depois disso, em favor de várias firmas comerciais de Maceió e Penedo, cujos representantes teriam caído às garras do bando sinistro se não fora a minha intervenção junto a Lampião. Há dois meses passados, fui forçado, do que não guardei reserva ao Coronel Lucena, a intervir novamente em defesa de algumas vidas preciosas, no que fui feliz, conseguindo que Virgulino desistisse dos seus sinistros propósitos.”

Após este depoimento, Joaquim Rezende continuou a conversar informalmente com o repórter e revelou que Lampião confessara a ele que tinha uma filha fruto da relação com Maria Bonita. A menina, então com 12 anos, estava sob a guarda de um vaqueiro no município de Porto da Folha, que a adotara.

Lampião também disse a ele que entrou para o cangaço aos 16 anos de idade, aderindo ao grupo do bandoleiro Antônio Porcino. Tinha a intenção de vingar a morte do pai e de um irmão, que tombaram num choque com a Polícia alagoana.

Joaquim Rezende contou ainda que Lampião tinha vontade de abandonar o cangaço para se dedicar à pecuária, pois gostava da vida no campo. O cangaceiro disse ainda que havia adquirido duas fazendas no município de Porto da Folha pela quantia de nove contos de réis e comprado dois belos cavalos em Xorroxó, na Bahia, arreando-os luxuosamente.

Diante da possibilidade apresentada pelo prefeito de Pão de Açúcar de negociar a sua rendição às autoridades de Alagoas, poupando-lhe a vida, Lampião achou boa a ideia, mas argumentou que seria impossível isso acontecer por considerar que os governos da Bahia e de Pernambuco fariam tudo para eliminá-lo.

“Não tenho dúvidas de que Lampião, se tivesse podido, havia mudado de meio de vida, pois sei que nestes últimos tempos ele não atacava senão quando se via forçado a assim proceder”, concluiu Joaquim Rezende.

A filha de Lampião citada por Joaquim Rezende era Expedita Ferreira Nunes, que foi criada em Porto da Folha pelo casal Manoel Severo e Aurora, que também tomavam conta de duas fazendas — provavelmente as que Lampião citou como suas, mas que são citadas como de Juca Tavares, padrinho de Expedita.

Quando Lampião morreu, Expedita tinha cinco anos e nove meses. Isso indica que a informação de Joaquim Rezende sobre a idade da filha, 12 anos, estava errada. é possível que tenha Lampião tenha falado 2 anos e não 12.

Expedita, depois dos 8 anos, foi viver com seu tio João Ferreira da Silva, o Joca Ferreira.

CANGACEIROS

Também entrevistei a Sra. Enalva Soares Pinto, filha do cangaceiro Cristino Cleto o Corisco e dona Maria  Francisca e que foi entregue ao Padre Soares Pinto, que a deixou com seu tio, o fazendeiro Antônio Soares Pinto para cria-la. Veja a entrevista nesse link

A filha de Corisco que reside em Pão de açúcar/AL, que foi criada pela tradicional família SOARES PINTO chama-se ENALVA SOARES PINTO, é filha de um relacionamento amoroso que Corisco manteve com Francisca Alves, natural de Águas Belas/PE. Está lúcida com 84 anos. No mês ter a criança o próprio Corisco trouxe a jovem Francisca para Pão de açúcar, assim que a criança nasceu foi entregue ao padre José Soares Pinto que no momento encontrava-se em Maceió, foi chamado às pressas por Telegrama para vir a pão de açúcar receber um presente. O padre José Soares Pinto (1884-1939) ainda faleceu jovem no Rio de Janeiro, com a morte do padre , a criança ENALVA passa para os cuidados do irmão do padre o fazendeiro totonho Soares Pinto.

A senhora Enalva, teve 12 filhos, inclusive um deles é Padre em São Paulo, o Padre Enubio. Conheci desta prole apenas dois deles, o senhor Antônio Pinto, Escritor e Artista Plástico, que nesta minha visita a Pão de Açucar fez o lançamento do livro "Lampião - A sua verdadeira morte" e que fez uma caminhada tipo procissão para instalar um Cruzeiro no túmulo do Senhor João Novato, acreditado por parte da comunidade como sendo Lampião. (Link) e o Senhor Heitor Pinto, proprietário de uma Academia de Ginástica e de um Restaurante tipo Museu a Céu aberto que conta a história da cidade com seus personagens mais importantes. (Link) Esse museu a céu aberto, está instalado na periferia da cidade de Pão de Açúcar no Estado de Alagoas, banhada pelo Rio São Francisco. Também é restaurante e tem um bar temático. Tudo rústico como era o sertão no século 19. O proprietário é o Professor Heitor Soares Pinto, Neto do famoso cangaceiro Corisco.

Desde menino conviveu com o Sr. João Novato, que para algumas pessoas era o famoso cangaceiro Lampião, que depois de fugir baleado do combate do Angico, depois de andar escondido por muitos anos, aportou novamente na cidade de Pão de Açúcar-AL no início dos anos 60.

Por conta da pandemia do COVID-19 ainda não voltei a Pão de Açúcar para prosseguir com minhas pesquisas, que inclui a vida de Expedita Ferreira, a filha de Lampião quando menininha criada na região, as fazendas que provavelmente Lampião era proprietário, uma pesquisa de outro filho de Corisco, criado por um membro proeminente da cidade, o relato de um cangaceiro que fugiu baleado do Fogo do Angico e que foi tratado no hospital da cidade sergipana de Nossa Senhora da Glória, onde chegou a escrever na parede do ambulatório suas iniciais e também entrevistar alguns membros do bloco carnavalesco Os Cangaceiros, fundado por um filho de cangaceiro juntamente com João Novato. (Link)

João Novato (seta) e Dona Maria Rita

sexta-feira, 3 de novembro de 2017

Virgulino Torna-se o Cangaceiro Lampião

Lampião, senhor do sertão: vidas e morte de um cangaceiro*

Um artigo do Diário de Pernambuco de 18 de dezembro de 1931 relata que, tendo assumido a direção do grupo de Sinhô Pereira, Lampião passou imediatamente a devastar o sertão do Nordeste, principalmente o de Pernambuco, de onde era natural. 

Não esquecera tampouco sua inimizade com os nazarenos os quais enfrentou já em 1923, logo após sua entronização. Lampião decidira assassinar Antônio Gomes Jurubeba, o patriarca e chefe da numerosa família dos Jurubeba, mas se deparou com uma resistência "colossal": a comunidade inteira, incluindo as mulheres, envolveu-se num combate de mais de três horas que transformou o território dos nazarenos em "verdadeiro inferno". 

Lampião teve de bater em retirada. A resistência daqueles valentes sertanejos foi seguida da incorporação de uma parte dos nazarenos às Forças Volantes, o que marca o início de uma luta sem trégua entre Lampião e os nazarenos. 

Segundo o jornalista, em 1928 a família Jurubeba contava com vinte de seus membros incorporados à Força Volante do tenente José Belarmino Higino. O mesmo jornalista, que acompanhou de perto a luta entre os nazarenos e Lampião desde 1923, reencontrou o velho Gomes Jurubeba em 1931 que, cercado de seus dezesseis filhos e netos, declarava-se "sempre preparado a dar festiva recepção aos bandoleiros, a qualquer circunstâncias'. ("Sobre a ação do Bando de Lampião através dos Sertões Nordestinos, Narra ao Diário da Noite, do Rio, o Senhor Cícero Rodrigues de Carvalho", Diário de Pernambuco. 18/12/1931.)

A resistência dos sertanejos foi posta em destaque pela imprensa com muita frequência a partir dos anos de 1930, deixando bem claro que a população não estava incondicionalmente submetida a Lampião.

Na visão dos jornalistas do litoral, o sertão é uma região caracterizada por uma cultura violenta da qual o cangaceiro é o herdeiro natural, porém Lampião continua sendo, aos olhos dos sertanejos, não a figura tradicional do cangaceiro valoroso, mas um criminoso sanguinário. 

Se um bom número de cenas de tortura, humilhações e violências descritas com pormenores escabrosos e cores carregadas na imprensa da época, nem sempre parece verídico, é certo que Lampião sempre se distinguiu por sua crueldade e pela extrema violência dos seus atos. 

Eis o testemunho de Cícero Rodrigues de Carvalho, reproduzido na imprensa, que tem por objeto os começos de Lampião no cangaço à frente de um grupo em 1924:

Seguiu-se um período de horripilantes chacinas praticadas pelo bando lampionico contra indefesos agricultores. Foram, barbaramente, assassinados os srs. José Martins, João Cocô, José Capote, Belisário Zuza e José Calixto. 

A ultima dessas vitima sofreu atrozmente. Sangraram-no lentamente, cortaram-lhe as orelhas. Sua esposa padeceu os maltratos mais vis, sendo obrigada a salgar as orelhas do marido, já morto para entrega-las, depois em mãos de Lampião. Cena das mais infames que registra a historia do cangaço. 
Em fins de maio, em plena rua comercial da vila de Betânia, a legião da morte havia assassinado quatro pessoas, inclusive dois soldados pertencentes ao destacamento local. As vitimas foram friamente degoladas com facas de lamina larga, tendo os vampiros, para gáudio de suas taras abomináveis, introduzido, a coice de armas, um cartucho em cada olho das mesmas. ("Como Lampeão se Fez Chefe de Bando", Diario de Pernambuco, 18/12/1931)

Ressalte-se que Lampião pode ser visto de maneira negativa mesmo no sertão. Os versos de cordel de João Martins de Athayde, escritos quando Lampião ainda estava vivo, apresentam-no não somente como um indivíduo perverso e sanguinário mas, também como aquele que traiu certos princípios fundamentais próprios da cultura do sertão, a saber, o sentido de honra e o respeito a Deus: 

Lampião é um bandido 
De muita perversidade 
No logar onde elle passa 
Vai deixando a orfandade 

E não pode ter conceito 
Os crimes que ele tem feito 
Fora e dentro da cidade
É ladrão assassino 

E tambem deflorador 
Fez do rifle um seu amigo 
Consagrando grande amor 
E desgraçado e perjuro 
E mais sujo que o monturo 
Que nada tem valor. *

*(Carlos Alberto Doria, O Cangaço, 1981. p. 59 (transcrição do cordel de João Martins de Athayde, Novas Proezas de Lampeão).

Pg 93 do livro Por Elise Grunspan-Jasmin

domingo, 14 de agosto de 2016

CANGACEIROS: Perversidades e Violências

Comecei a ler e marcou-me a narrativa do autor, que conta-nos um acontecido que se deu nas entranhas da caatinga dos cardeiros espinhentos, do sertão das almas que pedem chuva e quando essa não vem, choram. Choro esse para molhar o chão ressequido que recebe aquela secreção de cor do sofrimento suspirado e salgado e salgado fica cada vem mais, o chão. 

Certo dia, conta-nos José Lins do Rego, apareceu na cidadezinha que estava perdida na caatinga do sertão pernambucano um homem com uma viola nas costas, um saco nas mãos e atravessado em seu peito uma rede de dormir servindo de colete. Era um cantador desses que o sertão já vira por diversas vezes perambulando pelas feiras populares.

O cantador chamava-se Deocleciano e em cada cidadezinha que passava, as pessoas conheciam sua força expressiva pois contava estórias que faziam aquela gente chorar, rir e admirar sua desenvoltura e que deixavam marcadas nas mentes como um ferro de marcar gado aqueles que o escutavam. "Fora amigo de cangaceiros. Não dizia nada para não ser tomado como espia. Deus o livrasse de cair na mão de uma volante, de tenente de polícia. Conhecia cangaceiro de verdade. Nem era bom falar."

Antônio Bento, que ajudava na igreja, como coroinha, se tornara seu amigo por admirar a vida de liberdade daquele menestrel vagabundo e ouvia atento suas narrativas. Só dizia tais para Bentinho (como todos o chamavam) para que ele pudesse avaliar sua força mostrada aos cangaceiros, cabras que gostavam de ouvir viola nas noites de lua, nos ermos da caatinga. Cantava para eles com paixão. 

"Lá para as bandas de Princesa estava aparecendo agora um Ferreira, que era um bicho danado. Diziam que ele estava vingando a morte do pai. E que não respeitava nem os coronéis do cangaço! - Menino, não queira ver cangaceiro com raiva. Dê por visto um demônio armado de rifle e punhal. Eu estava uma vez numa fazenda perto de Sousa. Chegara lá depois de dez léguas tiradas a pé. O homem me deu pousada. Dormi no copiar da casa, na minha rede.
No outro dia, mais ou menos por volta das duas da tarde, nós estávamos na mesa, na janta, quando vimos os cangaceiros na porta. A família correu para as camarinhas e eu e o velho ficamos mais mortos do que vivos, estatelados. Era Luís Padre com o bando dele. "Velho safado!", foi ele gritando logo, "se prepare para morrer." O homem se levantou e foi duro como o diabo: "Estou pronto bandido, faça o que quiser". 
Luís Padre perguntou pelas moças. Queria comer. O pessoal estava fome. E foi andando para o interior da casa. O velho pulou em cima dele como uma cobra. Nisto os cabras se pegaram ele. "Amarre esta égua", gritou Luís Padre. As moças e a velha correram para a sala de janta, fazendo um berreiro como se fosse para defunto. "Meninas", disse o chefe do bando, "nós queremos é de comer. Deixa a velha na cozinha. Nós queremos é conversar com vocês." 
Nisso a velha caiu nos pés de Luis Padre: "Capitão, respeite as meninas! Não ofenda as minhas filhas, capitão!" - "Ninguém vai ofender as meninas, velha cagona!" E foi uma desgraça que eu nem tenho coragem de contar. Os cabras estragaram as moças. Ouvi o choro das pobres, os cabras gemendo no gozo, o velho urrando como um boi ferrado. Foi o dia mais desgraçado de minha vida.
No começo eles quiseram me dar. Contei que não era dali. O homem me dera uma pousada. Eu era um cantador. Então botaram as moças quase nuas no meio da casa. Tinham que dançar. Nunca na minha vida vi cara de gente como a cara das moças. Estavam de pernas abertas até grudadas nos cabras. Toquei viola e cantei até de madrugada. Fiquei rouco, com fala de tísico. Depois eles deram uns tiros no velho e meteram o pau na na mulher. Tive que sair com o grupo até longe. Me disseram horrores. Se a polícia chegasse no Espojeiro, tinha sido coisa minha. Quando me vi solto na caatinga, estava como um defunto, nem podia dar dois passos. Era de noite. O céu do sertão era um lençol de algodão com a lua. Não tive mais coragem de andar. Estendi minha rede debaixo de um pé de umbú e dormi. Dormi tanto que acordei com sol na cara. A minha goela queimava como se eu, tivesse comido um punhado de pimenta. O meu corpo estava podre. E nem quis mais pensar na noite da desgraça. Menino, dois meses depois, ainda tinha na cabeça o velho esticado no chão, as meninas dançando, a velha chorando. Tive até medo de ficar doido. Foi ai que pus a história no verso. E na feira de Campina Grande, quando cantei a coisa pela primeira vez, vi gente chorando e mulher se benzendo. O dono do hotel mandou botar no jornal da Paraíba a cantiga que eu tinha feito. Um sujeito do Ceará mandou um recado. Queria que eu dissesse as coisas para ele passar no papel. O velho Batista da Paraíba fez umas loazinhas parecidas, igualzinhas aos versos que ele tirava para Antônio Silvino, e botou para vender nas feiras."

Essa narrativa, de José Lins do Rego, grande escritor da moderna literatura brasileira, é ficção das boas. Mas quem duvida que essas coisas aconteceram de verdade? Devem ter ocorrido diversas vezes, pois raça mais miserável e perversa que a de cangaceiros não existiu no sertão nordestino. 

sábado, 9 de julho de 2016

CANGACEIRO SABINO DAS ABÓBORAS

Leiam o que três autores de livros, registraram sobre esse perigoso cangaceiro. Existem desencontro de informações. Qual deles aproxima-se mais da vida real de Sabino?


Nas páginas 56-58 do livro ENSAIO CONTRA VERSÕES ROMANESCAS – CEL. JOSÉ PEREIRA de Roberto Sávio de Carvalho Soares ele nos diz:

"Há livros afirmando que Sabino das Abóboras, conhecido cangaceiro, nasceu nas Abóboras, zona rural de Serra Talhada/PE, enquanto outras obras informam que foi na cidade de Princesa Isabel. Disseram ainda que ele era filho do Cel. Marçal Fiorentino Diniz, fora do casamento, e que tinha sido o seu vaqueiro. O certo, porém, é que o cangaceiro Sabino era natural de Olho D'água, Estado da Paraíba, região do Piancó. Era da família Gore. Na cidade natal, morava com o pai, a mãe e os irmãos. Tinha dois tios que trabalhavam como vaqueiros do Cel. Marçal, na Fazenda "Abóboras", sendo que um deles era muito conhecido por causa da surdez. Assim, com aproximadamente 11 anos de idade Sabino foi acolhido por esses tios na citada propriedade e, em especial, pelo Cel. Marçal, sua mulher e filhos. Chegando lá, a esposa de Marçal observou que ele era bastante inteligente e resolveu colocá-lo na escola. 

Já rapaz, tornou-se uma espécie de homem de confiança, gerente e contador de Marçal, mas nunca foi seu vaqueiro. Era o responsável pelas contas, pagamento do gado e negócios. Posteriormente, foi trabalhar com Marcolino, filho de Marçal e sobrinho de José Pereira, no primeiro Jornal de Cajazeiras/PB, "a cidade que ensinou a Paraíba a ler", frase divulgada pela população. Ressalte-se: o aludido jornal era editado por Praxedes Pitanga, um dos maiores advogados da Paraíba que, fora promotor, deputado estadual e federal. Em Cajazeiras, na condição de administrador do jornal, era bem relacionado na sociedade, chegando a jogar baralho com pessoas importantes da cidade. No entanto, impressionado com as histórias de Lampião que lhe eram contadas por Marcolino, resolveu engajar-se a esse bando de cangaceiros, tornando-se um dos mais esclarecidos do grupo. No entanto, sem sombra de dúvida, essa versão autêntica não vai alterar a trajetória de Sabino das Abóboras no cangaço. Dois registros: havia uma ligação do Major Floro Diniz (sogro de Marcolino e pai de Xanduzinha da música) com "Senhor Pereira". O Cel. Marçal também se relacionava com esse antigo cangaceiro. Certamente daí surgiu o elo de Lampião com o Cel. Marcolino Diniz, filho de Marçal. Certo dia, o Cel. Marçal teve uma refrega com Marcolino, pelo fato de o seu filho ter destratado José Pereira, quando este o criticara pela estreita ligação com cangaceiros."

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Já na página 138 do livro “Lampião a Raposa das Caatingas” de José Bezerra Lima Irmão, ele registra:

SABINO DAS ABÓBORAS

"Fazenda Abóboras, covil de jagunços Não há como contar a história do cangaço sem falir na formidável fazenda Abóboras, do coronel Marçal Florentino Diniz, um dos maiores latifúndios do sertão pernambucano daquela época. Muitos autores do cangaço dizem que essa fazenda ficaria na Paraíba, mas na verdade ela fica em Pernambuco, embora a poucos quilômetros da divisa. Situa-se no município de Serra Talhada. antiga Vila Bela, à esquerda da estrada que vai para Triunfo, antes de Jatiúca. No passado, o coronel Marçal, homem corpulento e simpático, amigo da família Pereira, acolhia em sua fazenda os cabras de Sinhô Pereira. Quando menos se esperava, chegava a cabroeira para comer, descansar, cuidar de feridos. O próprio Marçal encarregava-se de ir buscar médicos em Triunfo e Princesa para tratar dos casos graves. Foi assim que Marçal conheceu Lampião — como simples cabra de Sinhô Pereira. Depois que Lampião se mudou para a Bahia, Marçal pensou que estava livre de cangaceiros em sua propriedade. Mas foi então que seu genro, José Pereira Lima, inventou aquela rr aluquice sem fim — a Guerra de Princesa. Em suma, a fazenda Abóboras parecia predestinada a acoitar valentões. 448

O filho bastardo do coronel Marçal

Foi justamente ali que nasceu e viveu sua infância o terrível Sabino Gomes de Melo, um dos mais destacados nomes da história cangaceira, mais audacioso do que o próprio Lampião. Por ser da família dos Gregório, palavra dificil de pronunciar, quando menino era chamado de Sabino Gore, o que levou alguns autores a supor que ele se chamava "Sabino Góis". Tendo trabalhado algum tempo como ajudante de vaqueiro na fazenda Goa, na Paraíba, era por isto também conhecido como Sabino Goa, a mesma razão pela qual era igualmente chamado de Sabino das Abóboras. 449

Frederico Pernambucano de Mello faz uma revelação assombrosa, que não consta nos textos dos autores da época: Sabino era filho natural do coronel Marçal com uma negra cozinheira de sua casa. Sabino, mal completou 18 anos, tornou-se autoridade, ao ser nomeado comissário das Abóboras. Em uma festa que houve num daqueles pés de serra, ele se envolveu numa briga, e em virtude disso se mudou para o município paraibano de Princesa, sob o amparo de seu meio-irmão Marcolino Pereira Diniz, filho legítimo de Marçal. Quando se iniciou a construção do açude Boqueirão de Piranhas, em Cajazeiras, Marcolino, que era homem influente ali, onde era presidente do Clube Centenário, empregou o irmão nas obras da barragem, executadas pela empreiteira norte-americana Dwight P. Robinson & Co. Inc. Depois, aí pelo ano de 1921, como Marcolino precisasse de um sujeito de confiança para sua proteção pessoal, Sabino passou a ser seu guarda-costas.

Na companhia de Marcolino, o futuro cangaceiro teve oportunidade de conhecer as mais destacadas figuras da sociedade de Cajazeiras e da própria capital paraibana. Foi por esse tempo que, em alguns casos por conta própria e noutros instigado por Marcolino a fim de perseguir seus desafetos, Sabino começou a fazer certos "trabalhos" nas horas vagas: à frente de um grupo de malfeitores, passou a pilhar pequenas localidades das vizinhanças de Cajazeiras. Andava pelas ruas equipado com duas cartucheiras peitorais cruzadas em "X" e outra na cintura, um rifle Winchester, uma pistola Colt e dois punhais embainhados, com um lenço ao pescoço e chapéu de couro quebrado na frente e atrás. 450

Rodrigues de Carvalho traz uma versão diferente. Diz ele que Sabino Gore era natural de Pedra do Fumo, município de Misericórdia (atual Itaporanga), na Paraíba. Na grande seca de 1915, Sabino e seus irmãos, Gregório e Elói, mudaram-se para Pernambuco. Ao passarem pela fazenda Abóboras, os retirantes encontraram guarida e ficaram trabalhando para o coronel Marçal. Gregório e Elói trabalhavam na lavoura, enquanto que Sabino era vaqueiro, mas na calada da noite fazia roubos nas redondezas. Quando foi descoberto, assumiu abertamente a profissão de cangaceiro, mas os irmãos não o acompanharam. Sabino já era cangaceiro famoso — o temido Sabino das Abóboras — quando seus irmãos, aí por volta de 1925 ou 1926, foram assassinados de forma misteriosa: Gregário viajava sozinho por uma estrada e foi encontrado morto com uma bala na cabeça; Elói foi morto por uma bala "perdida" em um tiroteio num dia de feira em Afogados da Ingazeira. Comentou-se que ambos foram mortos por engano — como os três irmãos eram muito parecidos, quem os matou pensou que estava matando Sabino 451

Esse autor, que é da região e foi contemporâneo desses fatos, descreve Sabino como sendo um sujeito de "estatura acima de mediana, compleição robusta, pele sarará pulverizada de sardas, cabelos foveiros e agastados". No convívio com os companheiros, Sabino Gomes era um sujeito muito falante. Como cangaceiro, era um dos mais perversos do bando. Não provocava ninguém, e quando tinha de discutir alguma coisa baixava tanto a voz que parecia humilhar-se, como se pedisse ao outro para não lhe bater, chegando a parecer covarde, mas ninguém se enganasse: como uma cobra que se enrodilha para atacar, quanto mais Sabino se encolhia, maior era o bote. 452

Erico de Almeida diz que o conheceu antes de ele se tornar cangaceiro, dispondo de crédito bastante em Princesa e Triunfo como vaqueiro e agricultor de escala média. 453 

Até 1923, Sabino Gore, ou Sabino das Abóboras, atuou como "cangaceiro manso" com seu próprio bando nas serras que separam Pernambuco da Paraíba. Sempre que preciso, agia como o braço armado da família Diniz. No fim daquele ano, conheceu Lampião e fez amizade com ele, mas continuou com seu grupo independente. Depois do ataque à cidade de Sousa, em julho de ano seguinte, Sabino passou a fazer parte do bando de Virgulino, como o quarto homem na hierarquia do grupo, abaixo de Antônio e Livino."

NOTAS do RAPOSA DAS CAATINGAS:
448 Coordenadas geográficas da casa-grande da fazenda Abóboras: 07° 52' 41.80" S, 38° 14' 51.70" W. - A fazenda Abóboras fazia parte das terras arrendadas da Casa da Torre por Agostinho Nunes de Magalhães sob a denominação de fazenda Serra Talhada, da qual foram desmembradas depois as fazendas Saco e Abóboras, por força de sucessão hereditária. A fazenda Abóboras foi fundada por seu neto, Braz Nunes de Magalhães. Depois a herdade foi vendida a Marçal Florentino Diniz, de Princesa Isabel. Com a morte de Marçal, a fazenda ficou para sua filha Alexandrina (Xandu), casada com o coronel José Pereira Lima, de Princesa. 
449 Alguns autores se referem a ele como Sabino Barbosa de Melo ou Sabino Gomes de Góis. 
453 Erico de Almeida, ob. cit.,, p. 95/97.
450 Frederico Pernambucano de Mello, Guerreiros do Sol, p. 125-126, 243/246 e 363-364. 451 Rodrigues de Carvalho, Serrote Preto, p. 1561167. 452 Idem, ob. cit., p. 156-157.

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Nas páginas 289-291 do Dicionário Biográfico CANGACEIROS & Jagunços de Renato Luís Bandeira

Sabino - Sabino Gomes de Góes

Nasceu no lugar Serra do Fumo, município de Misericórdia (PB), mudando-se para Triunfo (PE) em 1915, onde se tornou afilhado do poderoso coronel Marçal Florentino Diniz, chefe político da Fazenda Abóbora no Pajeú pernambucano. Era chefe dos jagunços de Marcolino Pereira Diniz, rico coronel e comerciante em Triunfo. Passou muitos anos tendo vida dupla: durante o dia era vaqueiro e trabalhador, mas na calada da noite salteador e cangaceiro, dando apoio ao bando de Lampião, a partir de 1923. Tem Sabino, extensa ficha criminal em dezenas de investidas na prática criminosa (...). De 1923 a 1927, cometeu as mais importantes ações deliquentes no bando de Lampião (...). Fonte: Bismarck Martins de Oliveira. (Nota do autor): Bismarck informa que Sabino Gomes de Góes também era conhecido por Sabino Goré, Sabino Goa ou Sabino das Abóboras. Este cangaceiro estava com Lampião e mais de 100 companheiros, no ataque à cidade de Mossoró, Rio Grande do Norte. Sabino fez parte do grupo de Lampião, composto de 70 cangaceiros, que visitou o padre Cícero Romão Batista em 12 de abril de 1926. Entre outros estavam: Sabino, Luis Pedro, Jararaca, Ponto Fino, Juriti, Zé Baiano, Mormaço, Jurema, Andorinha, Pintado, Criança, Trovão, Gato Brabo, Fogueira, Vicente Marinho, Beija-Flor, Delicadeza, Lavandeira, Cícero Costa, Cajueiro, Cigano, José Marinho, Antônio Marinheiro, Arvoredo, Cambaio, Moreno, Português, Moita Braba, Algodão, Lagartixa, Cavanhaque, Ângelo Roque, Beleza, Cravo Roxo, Fidalgo, Damião, Zé Venâncio, Linguarudo, Sete Léguas, Ananias, Porqueira e Zé Baião. Fonte: Luiz Luna. (Nota do autor): Possivelmente este Sabíno seja o citado a seguir.

Sabino das Abóboras

Era vaqueiro e agricultor. Contava 35 anos de idade quando acompanhou Lampião. De estatura média, gordo cabelos crespos e era bastante supersticioso. Nasceu em Vila Bela, Estado de Pernambuco. Chefiou subgrupo de Lampião. Ocupou, por vários anos, posto de destaque no bando. No seu fardamento via-se um galão. Era 29 tenente promovido em Juazeiro, em 1926. Fez parte do grupo, quando da visita do Rei do Cangaço ao Padre Cícero Romão Batista, em 9 de abril de 1926, na cidade de Juazeiro, Ceará. Sabino teve morte horrível na Piçarra. Ferido, ocultou-se nos matos e faleceu devorado pelos bichos, dentro de um valado. Gostava de viver cantando. Tinha ótima voz. Fonte: Aglae Lima de Oliveira. (Nota do autor): Muitas vezes citado simplesmente, Sabíno. Cangaceiro do bando de Lampião. Esteve em Limoeiro do Norte, Ceará. Aparece na foto com todo o grupo do Rei do Cangaço. Fonte: Ricardo Albuquerque, apud Iconografia do Cangaço. Sabino Goré ou Sabino Goa. Seu nome Sabino Gomes de Góis, era pernambucano da localidade Abóboras, município de Serra Talhada. Era chefe dos jagunços de Marculino Pereira Diniz, rico coronel comerciante em Triunfo, Pernambuco que era casado com a filha do coronel Zé Pereira, de Princesa Isabel. Era vaqueiro e cangaceiro e dava apoio a Lampião quando passava por lá. Há uma versão que Sabino saiu ferido gravemente num tiroteio em Piçarra, ficando definitivamente imprestável para empunhar armas, assim teria fugido para um estado longínquo, para viver as custa da fortuna que acumulou no tempo do cangaço. Fonte: Bismarck Martins de Oliveira. Sabino das Abóboras morreu em combate a noite, ao pé da Serra do Araripe, perto de Porteiras, quando o bando de Lampião foi surpreendido pela Força comandada pelo sargento Manoel Noto e David Jurubeba. Fonte: Optato Gueíros. Sabino. Gomes de Melo ou Goré, Goa ou ainda Sabino Gomes de Góes é o mesmo sabino das Abóboras, chefe do subgrupo que atacou Cajazeiras na Paraíba em 28 de setembro de 1926. Fonte: Diversas obras copiladas por Kydelmir Dantas.

Sabino Gomes

Cangaceiro de Lampião morto em combate na Fazenda Piçarra, em março de 1928. Fonte: Alcino Alves Costa. Sabino Gomes. Este afamado cangaceiro chamava-se Sabino Gomes de Melo. Fonte: João Gomes de Lira. Numa refrega com a polícia durante a noite chuvosa, Lampião e os cabras fugiram agachados. O esgotamento da munição forçou a retirada. Sabino Gomes foi baleado. Ocultou-se. Dias depois foi encontrado morto num valado. Fonte: Aglae Lima de Oliveira. (Nota do autor): É provável que se trate do precedente.

Sabino Goré

Do bando de Lampião. O famigerado Sabino, no dia 6 de junho de 1926, assaltou com seu grupo a cidade de Triunfo, matando um policial e incendiando diversos estabelecimentos comerciais. Fonte: Érico de Almeida. (Nota do autor): É provável que este, seja os mesmos acima descritos. Vale ressaltar, que Sabino Goré até 1921, era um agricultor honesto e bem conhecido nas praças de Princesa e Triunfo.

FONTE: Página do personagem fictício ZÉ CANGAÇO 
de minha autoria.

quinta-feira, 28 de abril de 2016

A Serpente Localizando a Vítima


Foto da Revista A Noite Ilustrada 09.08.1938
Quanto mais lemos a respeito da Saga Cangaço, onde encontramos diversos relatos, descobrimos acontecimentos mais que marcantes, que travestem-se de marcos significantes na vida e na morte do maior cangaceiro caudilho que já existiu no nordeste brasileiro. Comandante de forças irregulares que lhe eram fiéis e que possuía nessa força para-militar guerrilheira, sua sobrevivência.

Foto da Revista A Noite Ilustrada 09.08.1938
Começou a decair seu semblante, quando depois de quase duas décadas combatendo forças legais nas caatingas, passou a relevar suas desconfianças e estratégias, isso aliado à sua auto-confiança, o que gera descaso, também ao cansaço e seu potencial bélico ultrapassado, perdeu a última batalha.

Detalhes Foto da Revista A Noite Ilustrada 09.08.1938


Em sua obra-testemunho "Lampião, o Último Cangaceiro", 1966. pp. 239-242, Joaquim Góis lembra-se muitos anos depois, de sua chegada ao local do drama e pouco tempo depois da batalha. 
Fora encarregado para identificar o que restara dos cadáveres decapitados dos cangaceiros.

Góis evoca o horror que lhe inspirou o espetáculo de Angico: "Um vendaval parecia haver destroçado Angicos. Lascas de pedras, cápsulas de balas, cartas de baralho, peças de vestuários, páginas de livros, escritas em latim, o que nos deixou admirados, lenços e tantos outros pertences do uso dos cangaceiros. Tudo do revolvido, tão escalavrado como se uma chuva de raios tivesse fulminado aquele pedaço solitário do São Francisco. Corpos sem cabeças, espalhados em várias posições, poças de sangue coalhado, como se as veias de granito das pedras tivessem se rompido numa hemorragia em borbotões. Pedro de Cândida inicia a identificação fúnebre, o reconhecimento de cada um dos cadáveres. Lívido, o medo ascendendo-lhe nas pupilas a covardia, assustado, nervoso. incontrolado nos gestos, o coiteiro era um feixe de fibras prestes a se romperem numa crise de pranto ou de remorso. O menor ruido o espantava na rapidez reflexa dos arrancos de quem quer fugir de um fantasma invisível, mas que existe na sua imaginação. Aquele é Lampião, ou melhor é a sobra do que foi a majestade do Rei das caatingas. Nu da cintura para baixo, as pernas picadas pelos urubus, a pele era de um roxo negro e pelos cantos das unhas escorria um liquido viscoso da cor de cobre. O tronco sem cabeça, vestido numa túnica de mescla azul com três ligas de sutache branco nas ombreiras. Três galões que o ridículo decreto do maior coiteiro de batina deste país com função impune em Juazeiro do Ceará, o promoveu ao posto de capitão do crime e do roubo. Ali estava ele enrodilhado na sua própria carniça, exposta ao tempo como uma gangrena na infecção da paisagem. O dedo trêmulo de Pedro de Cândida o espeta num reconhecimento pronto: 

— Este é o Capitão. 

A serpente localizando a vítima que mordeu. 
Joaquim Góis - Lampião, o Último Cangaceiro", 1966. pp. 239-242 

Feito o reconhecimento dos cadáveres, o médico-legista que acompanhava a expedição ordenou que se abrisse uma fossa para enterrar o que restava dos corpos decapitados de Lampião, Maria Bonita e três outros dos seus companheiros. Os demais foram deixados insepultos, à mercê dos urubus e de outras aves de rapina... como fundo do quadro trágico, na moldura de pedras do grotão fatídico. Ás tontas, enjoados, deixamos o palco enlameado de podridão em que ficaram para nunca mais sair Virgulino Ferreira e seus comparsas. 

Um fato esporádico merece registro pelo sentido do nada a que se reduz o homem quando arrebatado pela morte. Em cima do montão fofo de terra que cobria os cadáveres, um dos soldados escreveu com a ponta do dedo, na terra ensanguentada, este epitáfio cruelmente verdadeiro: 

"Aqui jaz Virgulino Ferreira da Silva Lampião o ultimo Cangaceiro". 

Uma legenda de morte que o vento varreu e espalhou no vazio da caatinga, no nada da vida, na contingência do tempo e na passagem da história por uma das pedreiras das margens do velho São Francisco. 

"Que os afeiçoados ao cangaço não esqueçam a lição brutal de Angicos." Joaquim Góis 

Em seu livro Lampião, senhor do sertão : vidas e mortes de um cangaceiro, Elise Grunspan-Jasmin citando a reportagem de Melchiades da Rocha, sobre a batalha de Angico para a revista A Noite Ilustrada e que tinha chegado ao local pouco depois de Joaquim Góis, achava que "os cadáveres decapitados de Lampião e Maria Bonita foram atados um ao outro em Angico para expressar que o amor os unira e reunira até na morte e que era preciso levar isso em conta. Doravante, Lampião e Maria Bonita tornavam-se heróis lendários, entrando definitivamente no imaginário coletivo: Foi-nos difícil descobrir os corpos de Virgulino Ferreira e Maria Bonita. Onde estarão eles? Perguntei ao Tenente Ferreira de Melo, oficial que nos acompanhava e nos prestara excelente e inestimável serviço. Amável, solícito, o bravo oficial da Policia alagoana esforçou-se quanto pôde por atender á nossa curiosidade. Conhecedor que era do local, pois foi a sua volante a que primeiro ali penetrou na manhã do dia 28, o Tenente Ferreira, entretanto, só após investigar conosco o leito do riacho, desencantou os cadáveres de Lampião e Maria Déa. Ambos estavam semi-cobertos de uma ligeira camada de areia. E que, antes, alguém que nos precedera — soubemos depois por um morador da vizinhança que haviam estado lá autoridades sergipanas — compadecido do trágico destino do terror das catingas, pusera, em gesto louvável e piedoso, um pouco de areia sobre os cadáveres do "Rei do Cangaço" e de sua amante, tendo tido também a lembrança de juntar-lhes os corpos. Unidos na vida e na morte como estiveram era justo que depois desta, unidos continuassem. Por bastante tempo estivemos contemplando em silêncio os restos mortais daquele bandoleiro que durante tantos anos trouxera o sertão em polvorosa. Dormia ele ali, ao lado de sua enfeitiçada companheira. o sono eterno." 
                       Melchiades da Rocha - Bandoleiros das Caatingas - 1940 pg 89 

quarta-feira, 6 de abril de 2016

"Como dei cabo de Lampião" - Capitão João Bezerra

Na leitura do livro "Como dei cabo de Lampião" de João Bezerra, o militar que comandou as volantes no fogo do Angico, e que me foi presenteado com uma dedicatória de punho, pelo filho dele, o pesquisador Paulo Britto, nos mostra que tal, foi iniciado por seu pai logo após o combate de Angico, com anotações que a mente lhe trazia, para passar às pessoas, segundo ele, que estudam a sociologia do cangaço terem o conhecimento de sua visão para avaliarem juntamente com outros escritos sobre o cangaço que se abatia pelo sertão nordestino, e tirarem conclusões.

Qual o filho não teria orgulho de seu pai? E em razão mais que aceita por todos os filhos, que sentiriam-se também orgulhosos, mesmo sem o histórico de matador de onça e exterminador do ícone da violência daquela época, como foi o Coronel João Bezerra. Logo no introdutório feito por ninguém menos que um dos maiores pesquisadores da saga nordestina do cangaço, o ilustre historiador Frederico Pernambucano de Mello, autor de clássicos sobre o cangaço, hoje com mais de quarenta e cinco anos de estudos e pesquisas, abordando com segura exposição, a vida desse militar alagoano.

Mostra-nos que, desde cedo, esse personagem entrou na história brasileira e porque não dizer mundial, pois o cangaço é estudado sociologicamente em muitas universidades no mundo. Como bem disse Frederico Pernambucano, num bovarismo explicável pelo impacto da fatalidade de um destino aventureiro que desde jovem o dominava e como em uma corrida tipo "steeaple-chase" tenha vencido todos os obstáculos de sua vida até então e ter-lhe caído às mãos o aniquilamento do Rei do Cangaço.

Maktub, é uma palavra em árabe que significa "já estava escrito" ou "tinha que acontecer" - essa palavra, considerada como sinônimo de "destino", expressa alguma coisa que estava predestinada ou um acontecimento que já estava "escrito nas estrelas". Neste caso, apesar de possuirmos o livre arbítrio, as coisas que acontecem já estavam destinadas a acontecer. Coisa que não acredito muito.

Tal expressão "tinha de acontecer", poderia ter sido considerada com qualquer daqueles comandantes de volantes que perseguiam Lampião. Mas fez a ocasião que João Bezerra estivesse ali naquele cenário onde tudo conspirou contra o chefe cangaceiro. Os fatos que contribuíram para o êxito daquela investida fulminante todos sabem. Não tem necessidade d'eu entrar em detalhes.

A conspiração podemos dizer, não foi planejada por homens. Foi consequência de diversos fatores que contribuíram para o acontecimento; e todos esses atos conspiratórios foram aproveitados pelo então Tenente João Bezerra e por aqueles que comandara e participaram na mais ousada campanha militar daquela época. Alguns autores da Saga Cangaceira procuraram mostrar, os desvios da tropa, pois bebiam muito, e até mesmo a conduta do Tenente João Bezerra sobre ser amigo do cangaceiro chefe e por isso existir a versão de ter sido usado veneno para acabar com Lampião. As dúvidas se abatem até os dias de hoje. Mas pergunto: e daí? Se tivesse sido usado, diminuiria em alguma coisa aquele grandioso ato em livrar a sociedade dos tantos males trazidos pelo cangaço e por Lampião? Não seria tido como estratégia?

O Mestre Frederico Pernambucano de Mello magistralmente nesse livro que não tinha lido ainda para ter um entendimento melhor da grande questão do Angico, mostra como se diz "tin-tin-por-tintin" as causas que contribuíram para a derrota de Lampião e que incluo também as técnicas rudimentares, vamos dizer assim, da força bruta, aplicadas pelo Tenente Bezerra e seus comandados ao investigarem junto a coiteiros, onde se encontrava Lampião e seu bando.

O mais importante levantado nesse livro é que temos de reconhecer: João Bezerra obedeceu as ordens de seus superiores e cumpriu as ordens passadas. No momento que o destino "maktub" o teve "como seu agente e ponta de lança, dando-lhe a chance de virar uma das páginas mais expressivas da história do Nordeste rural" ele deu o seu voto de garantia e foi para a guerra.

Já li diversos livros tais como "Lampião, o rei dos cangaceiros" de Billy Jaynes Chandler, onde na página 249 diz que João Bezerra propôs retardar a investida contra os cangaceiros, mas o oficial Francisco Ferreira de Melo lhe disse que mesmo se Bezerra desistisse ele iria com seus homens efetuar o ataque, fazendo que o Tenente João Bezerra voltasse a concordar com o plano estabelecido, assim não tirando seu valor.

Li também os livros de homens e mulheres que saíram à cata de estabelecer um juízo mais próximo da verdade dos fatos, como por exemplo Billy Jaynes, Oleone Coelho, Luitgarde Oliveira, entre outros, que atestam o conluio de autoridades em proteger e fornecer armas e munições aos bandidos, fora aqueles que participaram no combate a Lampião, como Optato Gueiros que contou os milagres mas não disse quem eram os santos.

Luitgard que entrevistou testemunhas vivas dessa história, afirma em seu livro "A Derradeira Gesta" pg 244-245 sobre o relato do coiteiro Bié das Emendadas, fazendeiro da beira do São Francisco que foi intimado pelo então Major Lucena porque fora denunciado como coiteiro. 

Manoel Aquino, que estava com a volante de Lucena e entrevistado pela autora, fornece depoimento, coincidindo com outro depoimento, o do senhor Wilson Lucena Maranhão, sobre o mesmo acontecimento testemunhado pelo Padre Bulhões e sua mãe dona Sofia que hospedaram Bié e depois chamaram o major Lucena que repetiu o que lhes tinha sido contado, que "muitas noites Lampião e o Tenente João Bezerra, se esqueciam do mundo jogando carteado até altas horas." e que tinha amizade com Lampião ao ponto de jogarem cartas a noite inteira, apostando dinheiro. 

Nesses relatos identificam as pessoas que lhes testemunharam. Infelizmente encontramos esses relatos atestados por comprovantes testemunhais como o relatado por essa historiadora. E também tem as entrevistas dela com o senhor Francisco Rodrigues em Piranhas, que ajudou a desvelar o intricado relacionamento da família Brito de Propriá-SE com os cangaceiros.

Muitas estórias, e muitas mais iremos ouvir, mas "no trilho da causalidade histórica implacável foi ter no Angico" conforme nos diz Frederico; velhice e doença juntamente com armas bélicas modernas e o cansaço de Lampião fazendo-o mais indolente, e auxiliados pelas forças da natureza, fizeram que bastasse apenas quinze minutos de tiroteio. Pra que mais?

O livro de João Bezerra traz para nós, alguns fatores que ficam como sendo sua história e sua defesa, desses tempos em que imperava Lampião e os Coronéis. Serve também para cruzarmos informações valiosas para termos um retrato mental dos acontecimentos que levaram João Bezerra ser o escolhido dessa grande conspiração aleatória a vontades humanas, para terminar com a vida de Lampião. Valeu a pena ler o livro.






terça-feira, 29 de março de 2016

ORAÇÕES que Lampião rezava

Quando foi morto foram encontradas com ele algumas orações (rezas) e quero destacar e assentar por escrito ipsis litteris a da Pedra Cristalina, cuja origem é desconhecida e que hoje em dia está mudada um pouco. Todas essas das fotos, estão no Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas, em Maceió.


Oração da Pedra Cristalina

“Minha pedra christalina, que no mar fostes achada, entre o Cálice Bento e a Hóstia Consagrada. Treme a terra, mas não treme nosso senhor Jesus Christo no alta assim tremem os corações dos meus inimigos quando olharem para mim eu te benzo em cruz i não tu a mim entre o sol a lua i as estrelas e as três pessoas distintas da Santíssima Trindade meu Deus na Travessia avistei meus inimigos meu Deus o que fasso com elles i com o manto da Virgem sou cuberto e com o sangue de meu Senhor Jesus Christo sou valido tem vontade de atirar porem não atira si mi atirar água pelo cano da espingarda correrar se estiver vontade de mi fura a faca da mão cahira se me amarrar os nós se dizatarão e si mi trancar as portas si abrirão
Offiricimento
salvo fui salvo sou e salvo serei com a Chave do sacrario Eu me fecho.
1 P. ...: 3 Ave Maria i 3 Gloria a... i offereci a 5 Chagas de Nosso Senhor Jesus Chisto.”

O Poder e Seus Símbolos


Em seu livro "Lampião, senhor do sertão : vidas e mortes de um cangaceiro"muito raro, e apenas nas mãos de colecionadores e amantes da literatura de cangaço,  Elise Grunspan-Jasmin  em um dos capítulos sob o tema "O Poder e Seus Símbolos" diz que ao soarem as doze badaladas do meio dia, Lampião apeava do seu cavalo, ajoelhava-se, transfigurava-se, e erguia o único olho bom que possuía, olhava bem para o céu e exclamava suplicante: 

— Meu Deus! Quando terminará a missão que me destes na terra? Já é tempo de ter concluído o meu trabalho! 

Os bandidos criam naquela força e um terror mistico se apoderava deles, tornando maior o respeito que nutriam por ele. Afirma Elise Grunspan que nenhum deles desconfiava que aquilo "tudo não passava de uma artimanha usada para faze-los acompanhar sempre o chefe e respeita-lo cada vez mais".

Pessoalmente não acredito nessa afirmativa da escritora; ela não tinha o sentimento do sertanejo e nem chegou a conviver por tempo suficiente para ler a alma sertaneja. No nordeste brasileiro temos uma força religiosa muito grande, aliada à supersticiosas 
crendices. Vimos naquela época beatos saírem perambulando pelas cidades, vilas e povoados, pregando ao povo a salvação. Conhecemos a história de Antonio Conselheiro, de Padre Cícero, de Padre Ibiapina, a de José Lourenço e seus companheiro no Caldeirão.

Nesse seu livro, Elise Grunspan continua, "Os cangaceiros acreditam na "força" de Lampião e, diz-nos Vitor de Espirito Santo (N.A. Jornalista), "um terror mistico deles se apodera, reforçando o respeito que nutrem por seu chefe". Segundo ele, nenhum deles jamais duvidou de que se tratava  de um estratagema destinado a fazer que o acompanhem "eternamente" e o respeitem sempre mais. 

O misticismo de Lampião seria, para esse jornalista, um simulacro ao qual a comunidade sertaneja e alguns de seus padres deram sua caução. Essa imagem messiânica do bandido leva o jornalista a denunciar o abismo que separa dois mundos estranhos: o litoral civilizado e o sertão bárbaro, prisioneiro de um catolicismo ancestral e de um paganismo primitivo." 

Ranulfo Prata em seu livro "LAMPIÃO", Segundo relatos, foi lido pelo próprio Lampião, que jurou mata-lo, fala que "sua religiosidade é feita de um fetichismo bárbaro e abusões católicas, que se condensam em um misticismo extravagante e selvagem." 

Continua, "Traz pendentes do pescoço, saquinhos encardidos contendo rezas salvadoras, bentinhos milagrosos, medalhas protetoras... Não esquece a oração do meio dia, hora má, como a da meia noite, em que o diabo se solta para perder as criaturas."

Todos os escritores da saga cangaço, escrevem e dão testemunho da grande religiosidade de Lampião. Ranulfo Prata nos diz que - "Quando o sol se empina e lhe cai em raios verticais sobre a cabeça, a sombra minguada aos pés, nos pousos, nas estradas, nos combates, ele verga os joelhos, genuflexo, no chão duro, pende a cabeça humilhada, e, contrito, com a grande mão ossuda e escura a bater no peito, reza com fervor. Os companheiros, em torno, fitam-no cheios de estranho respeito. Faz encenações que o revelam homem de mandigas. No povoado Novo Amparo almoçou em uma casa pobre com quatro velas acesas nos cantos da sala, fazendo a sua hospedeira acreditar que era senhor de rezas fortes que o protegiam. Jamais desrespeitou um padre. Trata-os como pessoas sagradas. intocáveis, merecedoras de respeito e garantias. Quando os topa pelos caminhos apeia-se, pressuroso, e humildemente lhes beija as mãos" (pg 30 sem data e editado pela Traço Editora)


Também tenho dúvidas nesse relato de Ranulfo Prata pois mesmo sendo ele nascido na cidade de Lagarto-SE. em 1896, foi estudar medicina em salvador e concluiu no Rio de Janeiro em 1919. Clinicou em algumas cidades do interior de São Paulo e Minas, até fixar-se em Santos-SP onde dirigiu o Centro de Radiologia da Santa Casa e Beneficência Portuguesa, mostrando por esse breve histórico, que não tinha muita vivência dos melindres religiosos dos sertanejos e se bem que em Sergipe, não temos casos de figuras beatas aos moldes que se deu nas demais partes do nordeste.

O que leio e pesquiso em livros e em conversas com confrades, nesse pouco tempo de devoto à saga Cangaço, e pelas estórias contadas por minha avó dona 'Santa', mãe de meu pai, que visitou Jararaca na prisão da cadeia dos Paredões, que viu tarde da noite, a passagem da polícia com Jararaca para ser morto por traz do cemitério, e pelas contadas por minha mãe, que fugiu quando menina, de Lampião, junto com a inteira população de Mossoró, quando seu pai 'Chico Santeiro' ficou guardando a casa da mãe do Prefeito de Mossoró, é que ele era muito religioso e se tivesse sabido que a Padroeira da Cidade era Santa Luzia, jamais a teria atacado.