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terça-feira, 17 de maio de 2016

SONHOS REAIS, ORÁCULOS FIÉIS

"Dormir, porventura sonhar", diz Hamlet na peça de Shakespeare, Hamlet, Príncipe da Dinamarca - uma tragédia na qual uma aparição do rei assassinado é vista por Hamlet numa visão, e prenúncios celestiais entram em jogo. No antigo Oriente Médio, os sonhos não eram considerados um assunto do acaso; constituíam, em vários graus, Encontros Divinos: no mínimo, presságios que apresentavam as coisas que viriam; pensamentos, canais para expressar vontade ou instruções divinas; em sua expressão máxima, epifanias cuidadosamente programadas e premeditadas.

Segundo as antigas escrituras, os sonhos têm acompanhado os habitantes da Terra desde o início da humanidade, começando com a Primeira Mãe, Eva, que teve um sonho-premonição a respeito da morte de Abel. Depois do Dilúvio, quando o reinado foi instituído para criar tanto uma barreira quanto uma ligação entre os Anunnaki e a massa de pessoas, foram os reis cujos sonhos acompanharam o curso dos negócios humanos. E então, quando os líderes humanos se cansavam, a Palavra Divina era passada por intermédio de so­nhos e visões dos profetas. No interior do longo registro de sonhos e visões, alguns, como vimos, se destacaram por participar de zonas Além da Imaginação, em que o irreal se toma real, um objeto meta­físico assume uma existência física, uma palavra não falada se toma uma voz eventualmente ouvida.

A Bíblia está repleta de registros de sonhos como a mais impor­tante forma de Encontro Divino, como canais para fazer saber a de­cisão ou escolha da divindade, uma promessa benevolente ou uma decisão. Em Números 12:6, Iavé é citado explicitamente afirmando (ao irmão e à irmã de Moisés) que "se existe um profeta entre vós" - uma pessoa escolhida para divulgar a palavra de Deus - "Eu, o Senhor, me farei conhecido numa visão e falarei a ele em sonho". O significado dessa afirmação é ressaltado pela precisão da escolha das palavras: Numa visão, Iavé se faz conhecido, reconhecível, visitável; num sonho, ele se faz ouvido, divulgando oráculos.

Uma história que ilustra esse ponto é I Samuel, capítulo 28. Saul, o rei israelita, enfrentou uma batalha crucial contra os filisteus. O profeta Samuel, que a mando de Iavé ungira o rei Saul e o iniciara na palavra divina, estava morto. Um Saul apreensivo tenta obter orientação divina por si só; embora tivesse "pedido a Iavé", "tanto por sonhos quanto por presságios quanto por profetas", Iavé não respondera. Nesse caso, os sonhos são a primeira ou mais impor­tante forma de comunicação divina; presságios - sinais celestiais ou ocorrências terrestres incomuns - e oráculos, palavras divinas por intermédio dos profetas, seguiam-se.

A forma pela qual o próprio Samuel fora escolhido para ser um profeta de Iavé também se apóia no uso do sonho para a comunicação divina. Foi uma seqüência de três "sonhos teofânicos" nos quais os estudiosos, como Robert K. Gnuse (O Sonho Teofânico de Samuel), encontram paralelos incríveis nos três sonhos-com-despertar de Gilgamesh.

Já mencionamos como a mãe de Samuel, incapaz de ter filhos, prometeu dedicar seu filho a Iavé se fosse abençoada com um. Man­tendo sua promessa, a mãe levou o menino a Shiloh, onde a Arca da Aliança era mantida num santuário temporário, sob a supervisão de Eli, o Sacerdote. Mas como os filhos de Eli eram lascivos e pro­míscuos, Iavé resolveu escolher o pio Samuel como sucessor de Eli. Era uma época, conforme podemos ler em I SamueI3:1, na qual a "palavra de Iavé raramente era ouvida e não havia visão manifesta".

Aconteceu, pois, em certo dia,
que Eli estava deitado no seu lugar,
e os olhos se tinham escurecido
e não podia ver.
Antes que se apagasse a lâmpada de Elohim,
dormia Samuel no templo de Iavé,
onde estava a Arca de Elohim.
Iavé chamou a Samuel;
Samuel respondeu, dizendo: "Eis-me aqui".
Foi correndo a Eli, dizendo:
"Aqui estou, pois tu me chamaste".

Mas Eli disse que não chamara Samuel, e falou ao menino para voltar a dormir. Mais uma vez Iavé chamou Samuel, e mais uma vez Samuel foi até Eli apenas para ouvir que o sacerdote não o cha­mara. Porém, quando aconteceu pela terceira vez, "Eli conheceu que era Iavé chamando pelo menino". Instruiu-o a responder, se aconte­cesse outra vez: "Pala, Senhor, porque o teu servo ouve". Uma artis­ta do século 13 d.C. fez seu melhor para representar a primeira teofania e o Encontro Divino entre Samuel e Iavé, numa ilustração medieval.

É bom lembrar o Espírito Divino que entregou o Tavnit ao rei Davi e as instruções para a construção do Templo de Jerusalém, o que aconteceu enquanto ele se sentava perante a Arca da Aliança. O chamado a Samuel também ocorreu quando ele" estava deitado no santuário de Iavé, onde se encontrava a Arca dos Elohim". A Arca, feita de acácia e recoberta de ouro no interior e no exterior, servia para guardar as duas Tábuas da Lei. Porém seu propósito principal, conforme afirmado na Bíblia pelo Livro do Êxodo, era servir como Dvir - literalmente, "o que fala". 

A Arca era encimada por dois Querubins feitos de ouro sólido, com as pontas das asas tocando-se. "E no tempo marcado estarei ali e falarei contigo de cima do tampo, de entre os dois Querubins que estão sobre a Arca" (Êxodo 25:22). A parte mais in­terna do santuário, o Santo dos Santos, era separada da frente por um véu que não podia ser aberto, a não ser por Moisés, depois por seu irmão, Aarão, indicado por Iavé para servir como sumo sacerdote, e os três filhos de Aarão, ungidos como sacerdotes. E eles podiam entrar no local sagrado apenas depois de realizar determina­dos ritos, usando roupas especiais. Além do mais, quando esses sacerdotes consagrados entravam no Santo dos Santos, tinham de queimar incenso (cuja composição é fornecida com precisão pelo Senhor), de forma que uma nuvem ocultasse a Arca; Iavé disse a Moisés: "É na nuvem que aparecerei, sobre a tampa da Arca". Quando dois dos filhos de Aarão "trouxeram um fogo estranho perante o Senhor", um (presumivelmente) falhou ao criar a fumaça adequada, e "um fogo brotou perante Iavé e os consumiu".

Tais forças "sobrenaturais", como o sonho-oráculo de Samuel e o sonho-visão de Davi, continuaram a permear o Tabernáculo, mes­mo depois que a própria Arca se foi, conforme evidenciado por um sonho-oráculo de Salomão. Pronto a iniciar a construção do Templo, ele foi até Gibeon, o último repouso da Tenda da Aliança (a parte da Residência onde estava o Santo dos Santos). A própria Arca já fora movida por Davi para Jerusalém, antecipando o local da per­manência no futuro Templo; porém a Tenda da Aliança permane­ceu em Gibeon, e Salomão foi até lá - talvez apenas para adorar, talvez para ver por si mesmo os detalhes da construção. Ele ofere­ceu sacrifícios a Iavé e foi dormir; em seguida:

E foi em Gibeon
que Iavé apareceu a Salomão
num sonho noturno.
E Elohim disse:
"Pede o que darei a ti".

A epifania inicia uma conversa de ambas as partes, na qual Salomão pede para ter "um coração compreensivo para julgar meu povo, que eu possa discernir entre o bem e o mal". Iavé gostou do pedido, pois Salomão não pedira riquezas ou vida longa nem a morte de seus inimigos. Portanto, afirma Iavé, concederia Sabedoria e En­tendimento, assim como riqueza e longa vida.

E Salomão despertou
e viu que era apenas um sonho!

Embora a ação relevante na Bíblia se inicie com a afirmação de que foi uma epifania no sonho, a visão e o diálogo pareceram tão reais a Salomão que ele ficou admirado por tratar-se apenas de um sonho; e compreendeu que o acontecido representava uma realidade com efeitos duradouros: portanto ele realmente fora dotado com Sabedoria e Entendimento extraordinários. Num verso que indica familiaridade com as civilizações egípcia e mesopotâmica, a Bíblia acrescenta que" a sabedoria de Salomão era maior do que a sabedoria de todos os Filhos do Leste e toda a sabedoria do Egito".

No episódio do Sinai, foi Iavé quem selecionou e instruiu dois artesãos para levar a cabo os detalhes arquitetônicos intrincados e artísticos: "e enchi do espírito de Elohim, em Sabedoria, Entendi­mento e Conhecimento", Betsalel, da tribo de Judá, "e pus ciência e sabedoria no coração" de Aholiab, da tribo de Dan. Salomão, por sua vez, dependia dos artesãos do rei fenício, em Tiro, para construir o Templo. Quando este foi completado, Salomão rezou ao Senhor Iavé para que Ele aceitasse a Casa como habitação eterna e como um lugar do qual as orações de Israel seriam ouvidas. Foi então que Salomão teve seu sua segunda epifania no sonho: "Iavé apareceu a Salomão pela segunda vez, na forma vista por ele em Gibeon".

Embora o Templo em Jerusalém fosse literalmente chamado de "casa" para o Senhor, ecoando o termo sumério "E" para um templo-habitação, fica evidente, pela oração de Salomão, que ele não partilhava o ponto de vista mesopotâmico dos templos como luga­res onde os deuses moravam, e sim como local sagrado para comu­nicação divina, um lugar onde homem e Deus pudessem escutar um ao outro, um substituto permanente para a divina presença na Tenda da Aliança.

Assim que os sacerdotes trouxeram a Arca da Aliança para seu lugar, no Santo dos Santos, "a seção Dvir do Templo", e a colocaram "sob as asas dos Querubins", tiveram de partir apressadamente "por­que a glória do Senhor tinha enchido a casa de Deus". Foi então que Salomão começou sua oração, dirigindo-se a Iavé: "O Senhor tinha prometido que Ele habitaria num nevoeiro". "Ouve, Senhor, da tua morada, que é o céu", disse Salomão. "É, pois, crível, que habite Deus entre os homens? Se os céus e os céus dos céus não te podem conter, quanto menos esta casa que eu edifiquei". Compreendendo isso, Salomão pediu apenas para que o Senhor escutasse as orações que emanassem do Templo; "Ouve, senhor, da tua morada, que é o céu, todos os que neste lugar orarem, e sê propício".

Foi então que "Iavé apareceu para Salomão por uma segunda vez, da forma que ele foi visto em Gibeon. E Iavé disse a ele: ouvi tua oração e as súplicas que fizeste perante mim, e tem santificado esta casa que construíste, para colocar meu Shem para sempre, de forma que meus olhos e meu coração estejam ali na perpetuidade".
O termo Shem é tradicionalmente traduzido como "nome" pelo qual alguém é conhecido ou lembrado. Porém, como demonstra­mos em O 12o. Planeta, citando fontes bíblicas, mesopotâmicas e egípcias, o termo MU, que ao longo do tempo veio a significar "aquilo pelo qual alguém é lembrado", originalmente se referia às câmaras celestes ou máquinas voadoras dos deuses mesopotâmicos. Assim, quando o povo da Babilônia (Bab-Ili, "Portal dos Deuses") resolveu fazer um Shem para si mesmo, estava construindo uma torre de lan­çamento, não para um "nome", mas para veículos voadores.

Na Mesopotâmia, foi sobre plataformas de templos que os locais especiais - alguns representados conforme o projeto para su­portar grandes impactos - foram construídos especificamente para servir às idas e vindas dessas câmaras celestes. Gudéia teve de pro­videnciar, no recinto sagrado, um local especial para o Divino Pás­saro Preto de Ninurta, e, quando a construção foi feita, expressou a esperança de que no novo templo o "MU abrace as terras de hori­zonte a horizonte". Um hino para Adad/Ishkur afirmava que seu "MU emissor de raios pode chegar ao zênite do céu", e um hino para Inana/Ishtar descrevia como, depois de colocar o traje de pilo­to "ela voa em seu MU". Em todos esses casos, a tradução comum para MU é "nome", lendo para Adad um "nome" que abraça as terras e atinge os céus mais altos, e para Inana/Ishtar a afirmação de que "ela voa sobre todas as terras habitadas em seu MU". Na verdade, a referência era às máquinas voadoras dos deuses e aos seus campos de pouso no interior dos terrenos sagrados. Uma representação de tais veículos aéreos, descoberta por escavações do Vaticano em Tell Ghassul, no rio Jordão, na margem oposta a Jericó, lembra as carruagens descritas por Ezequiel.

Em suas instruções para a construção do templo-zigurate na Ba­bilônia, a E.SAG.IL ("Casa do Grande Deus"), Marduk especificou os requerimentos para a câmara celeste:

Construa o Portal dos Deuses...
Deixe que os tijolos sejam fabricados.
Seu Shem deve ficar no local designado.

Em intervalos regulares, os templos precisavam de reconstru­ção e reformas, porque a deterioração atingia as torres construídas de tijolos, além da destruição deliberada por atacantes inimigos. Uma ocorrência em relação ao Esagil, registrada nos anais do rei assírio Asaradão (680-669 a.C.), contém vários outros elementos dos sonhos reais registrados na Bíblia em relação ao Templo em Jerusalém. Tais elementos que se repetem incluem a Sabedoria garantida a Salomão, as instruções arquitetônicas e a necessidade de artesãos a ser divi­namente inspirados ou instruídos para compreender tais instruções.
Asaradão, aqui representado nessa estela, na qual aparecem os doze membros do Sistema Solar, representados por seus símbolos, reverteu a política anterior de confronto e guerra com a Babilônia e não viu mal algum em reverenciar Marduk (o deus nacional da Babilônia), além de adorar Asur (deus da Assíria). "Tanto Asur como Marduk me deram sabedoria", escreveu Asaradão, a quem foi concedido" o magnífico Entendimento de Enki" sobre a "tarefa da civilização" - conquistar e subjugar - em outras na­ções. Também foi instruído pelos oráculos e presságios a iniciar um programa de restauração dos templos, começando com o de Marduk, na Babilônia. Porém o rei não sabia como.

Foi quando Shamash e Adad apareceram a Asaradão num so­nho no qual eles mostraram ao rei os projetos arquitetônicos e os detalhes da construção. Em resposta ao espanto dele, disseram para que reunisse todos os pedreiros, carpinteiros e outros profissionais necessários e os levasse à "Casa da Sabedoria", em Asur (a capital Assíria). Também lhe disseram para consultar um vidente em rela­ção ao mês correto para iniciar o trabalho de construção. Agindo sobre o que "Shamash e Adad me mostraram durante o sonho", Asaradão montou a força de trabalho e marchou à frente deles para o "Lugar do Saber". Consultou um vidente, e, no dia auspicioso, o rei carregou sobre a cabeça a pedra fundamental e a colocou no local preciso. Com um molde feito de marfim, ele fabricou o primeiro tijolo. À medida que a reconstrução se completava, ele instalou por­tas de cipreste, ornadas de incrustações de ouro, prata e bronze; mandou fazer recipientes de ouro para os ritos sagrados. E quando tudo foi completado, os sacerdotes foram chamados, ofereceram sacrifícios, e o templo foi renovado.

A linguagem empregada na Bíblia para descrever a compreen­são de Salomão, acordado repentinamente, de que a visão e os sons experimentados eram apenas um sonho, foi eco de uma situação parecida e mais antiga - a de um faraó:

E o faraó acordou,
e eis que... era um sonho!

Essa é a série de sonhos descrita no capítulo 41 do Gênesis, que começa com o sonho das sete vacas do faraó - algumas traduções preferem o termo, mais arcaico, "kine", usado antigamente em lu­gar de "gado" - "formosas à vista e gordas de carnes" que subiam do Nilo para pastar. Eram seguidas por sete vacas "feias à vista e magras de carne", que comiam as primeiras. Num sonho seguinte, o faraó viu sete espigas de milho que subiam numa só "haste, gorda e boa", seguidas por sete espigas miúdas e batidas pelo vento; as últimas engoliram as primeiras. "E o faraó acordou, e eis que... era um sonho!" A dupla cena parecia tão real que o faraó, ao acordar, ficou surpreso ao constatar que era apenas um sonho. Perturbado pela qualidade real do sonho, convocou seus sábios e os mágicos do Egito para que interpretassem o sonho; nenhum deles conseguiu.

Assim começou a proeminência, no Egito, do jovem hebreu José, que, aprisionado injustamente, interpretou corretamente o sonhos de dois dos subordinados do faraó, que também estavam na prisão. Um deles, o chefe dos copeiros, contou o fato ao faraó, sugerindo que chamasse José para ajudar a interpretar os sonhos reais. José disse ao faraó que os dois sonhos na realidade eram apenas um; "O que Elohim fará foi revelado". Em outras palavras, foi um sonho­presságio, uma revelação divina sobre o que acontecerá no futuro pelo plano de Deus. Trata-se de uma previsão sobre sete anos de abundância, suplantados por sete anos de carência e fome, explicou ele. "O que Elohim resolveu fazer está revelando ao faraó", e o sonho foi repetido, o que significa "que a coisa é certa por parte de Elohim, e que Elohim se apressa em fazê-la".

Percebendo então que José estava possuído pelo "Espírito dos Elohim", o faraó nomeou-o Mestre do Rei para toda a terra do Egito, a fim de evitar a fome. E José encontrou formas de dobrar e triplicar as colheitas durante os sete anos de fartura, e estocou a comida. Quando veio a fome, "afetando todas as terras", havia alimento no Egito.

Embora a Bíblia não identifique o faraó da época de José pelo nome, outros dados bíblicos e cronológicos permitiram que o iden­tificássemos como Amenemés III, da XII dinastia, que reinou no Egito de 1850 a 1800 a.C. Sua estátua de granito está exposta no Museu do Cairo.

A história bíblica do sonho das sete vacas desse faraó certamen­te ecoava a crença egípcia de que as sete vacas, chamadas de Sete Hátoras (por causa da deusa Hátor, que, como mencionamos, era representada como vaca), podiam predizer o futuro - precursoras das sibilas, as pitonisas do oráculo de Delfos, para os gregos. Nem a própria noção dos sete anos é uma invenção bíblica, pois tais ciclos de sete anos das águas do NUa - a única fonte de água no Egito sem chuva -, continuam até os nossos dias. Existe ainda um regis­tro anterior de tal ciclo de sete anos de fartura seguido por sete anos ruins. Trata-se de um texto hieroglífico (transcrito por E. A. W. Budge em Lendas dos Deuses), registrando que o faraó Zoser por volta de 2650 a.C.) recebeu um despacho do governador do Alto Egito, ao sul, relatando uma grave onda de fome, porque "o Nilo não veio pelo espaço de sete anos".

Portanto o rei" estendeu seu coração de volta ao início" e perguntou ao Camareiro dos Deuses, o deus Tot com a cabeça de Íbis: "Qual o local de nascimento do Nilo? Existe um deus lá? E quem é esse deus?". E Tot respondeu a ele que de fato existia um deus que regulava as águas do Nilo das duas cavernas e que esse deus era seu pai, Khnum (aliás Ptah, aliás Enki), o deus que fizera a humanidade.

Como exatamente Zoser conseguiu falar com Tot e receber a resposta não fica claro no texto hieroglífico. O texto afirma que uma vez que Zoser soube que o deus em cujas mãos estava o destino do Nilo e o sustento do Egito era Khnum, que residia longe, na ilha Elefantina, no Alto Egito, o rei soube exatamente o que fazer: ele foi dormir... esperando uma epifania.

Enquanto eu dormia,
com vida e satisfação,
descobri o deus
em pé à minha frente!

Em seu sono - sonho-visão -, Zoser afirma: "Eu o agradei com elogios; rezei para ele na presença dele". Pedi a restauração das águas do Nilo e a fertilidade da terra. E o deus:

Revelou-se a mim.

Encarou-me com rosto amigável

e proferiu tais palavras:
"Sou Khnum, o que te fez".

O deus anunciou que iria atender às reivindicações do rei se o rei resolvesse "reconstruir templos, restaurar o que está arruinado e erigir novos templos" para a divindade. Para isso, disse o deus, ele daria ao rei novas pedras, assim como "pedras duras que existem desde o início dos tempos".

Então o deus prometeu que em troca ele abriria as comportas em duas cavernas abaixo de sua câmara rochosa, e que, como resul­tado, as águas do Nilo iriam começar a fluir outra vez. No espaço de um ano, disse ele, as margens do rio seriam verdes de novo, as plan­tas cresceriam e a fome desapareceria. Quando o deus terminou de falar e sua imagem desapareceu, Zoser "acordou refrescado, o coração aliviado de peso" e decretou ritos permanentes de oferendas a Khnum, em gratidão eterna.

O deus Ptah e uma visão dele são o tema central de duas outras epifanias de sonhos egípcios: uma delas traz à mente as histórias bí­blicas da mulher que não consegue um herdeiro homem para o trono.

A primeira, descrevendo como um Encontro Divino virou a maré da guerra, está contida numa longa inscrição pelo faraó Merenptah (por volta de 1230 a.C.), no quarto pilar do grande templo em Karnak. Embora fosse o filho do faraó Ramsés II, Merenptah descobriu que estava além de suas capacidades proteger o Egito de uma maré cres­cente de invasores, tanto por terra (os líbios, a oeste) quanto por mar ("piratas" se encontravam posicionados para atacar Mênfis, a antiga capital do Egito. Merenptah, desgostoso, estava mal prepa­rado para enfrentar os atacantes. Então, na noite anterior à batalha decisiva, ele teve um sonho. Nesse sonho, o deus Ptah aparecia; pro­metendo a vitória ao rei, o deus disse: "Apanhe isto agora!", e, com essas palavras, passou a Merenptah uma espada, acrescentando: "E mande embora de você esse coração perturbado".

O texto hieroglífico está parcialmente danificado nesse ponto, tornando indefinido o que aconteceu a seguir. Infere-se que Merenptah acordou e encontrou a espada divina, fisicamente em suas mãos. Com a confiança restaurada pelas palavras do deus, Merenptah liderou seus exércitos na batalha; o resultado foi uma vitória completa para os egípcios.

A outra ocorrência em que Ptah pareceu foi num sonho por uma princesa (Taimhotep), esposa do sumo sacerdote. Ela teve três fi­lhas e nenhum herdeiro homem, portanto "rezava para a majestade do deus augusto, que realizava maravilhas e era capaz de conceder um filho a quem não tivesse nenhum". Certa noite, enquanto o sumo sacerdote dormia, Ptah "veio a ele em revelação" e disse ao sumo sacerdote que por realizar determinados trabalhos de construção, "farei para você, em troca, um filho homem".

Com isso o sumo sacerdote acordou
e beijou o chão de seu deus augusto.

Convocou os profetas, os chefes de

mistérios, os sacerdotes e os escultores
da Casa de Ouro para realizar mais uma
vez o trabalho benevolente.

O trabalho de construção foi executado de acordo com os desejos de Ptah; depois disso, a princesa afirma na inscrição que ela ficou grávida e teve, de fato, um filho homem.

Embora não nos detalhes, mas no tema essencial, a história egípcia (dos tempos ptolomaicos) traz uma semelhança com narrativas bíblicas muito anteriores da aparição do Senhor, acompanhado de dois outros seres divinos, a Abraão e predizendo que sua esposa idosa e sem filhos, Sara, daria à luz um herdeiro homem.

Entre outros exemplos de sonhos reais de oráculo, encontrados entre os registros egípcios, o mais famoso é aquele pelo príncipe que mais tarde subiu ao trono para ser coroado Tutmés IV. O sonho é bem conhecido porque está descrito numa estela que ele erigiu entre as patas da grande esfinge de Gizé - onde ainda permanece para que todos a vejam.

Conforme está gravado na estela, o príncipe era "acos­tumado a ocupar-se com esportes nas profundezas do deserto, em Mênfis". Um dia ele se deitou para descansar próximo à necrópole de Gizé, perto do "caminho divino dos deuses no horizonte... o local sagrado de templos primitivos". Isso, diz a inscrição, foi onde "a própria estátua da Esfinge repousa, grande em fama, grande em majestade". Era meio-dia, o sol estava forte; portanto o príncipe re­solveu se deitar à sombra da Esfinge e acabou adormecendo.

Enquanto dormia, ele ouviu a Esfinge falar" com sua própria boca, dizendo":

Olhe para mim, meu filho Tutmósis...
Contemple, meu estado é o de alguém em necessidade,
meu corpo inteiro está se desfazendo em pedaços.
As areias do deserto, acima das quais sempre fiquei,
fecharam-se sobre mim...

O que a Esfinge estava dizendo ao príncipe adormecido era um pedido para que as areias do deserto que cobriram a maior parte do corpo dela - uma situação provável, encontrada pelos homens de Napoleão no século 19 - fossem removidas para que recu­perasse sua antiga majestade. Em troca, a Esfinge - representando o deus Harmakhis - prometeu ao príncipe que ele seria o sucessor no trono do Egito. "Quando a Esfinge terminou tais palavras, o fi­lho do rei acordou", continua a inscrição. Embora fosse um sonho, o conteúdo e o significado foram claros como cristal para o príncipe. Ele "compreendeu a fala desse deus". À primeira oportunidade, realizou o pedido divino, limpando a Esfinge da areia que a ocultava quase completamente; de fato, em 1421 a.C., o príncipe subiu ao trono do Egito para se tomar Tutmés IV.

Tal denominação divina de realeza não era única nos anais do Egito. Na verdade, fora registrado em relação a um predecessor, Tutmés ID. A história de acontecimentos miraculosos e de uma vi­são da "Glória do Senhor" foi inscrita por esse rei nas paredes do templo, em Karnak. Nesse caso, o deus não falou; em vez disso, ele indicou sua escolha do futuro monarca por intermédio da "realização de milagres".

Como o próprio Tutmés relatou, quando ele ainda era jovem e se preparava para ser sacerdote, estava em pé sobre a parte colunada do templo. Repentinamente, o deus Amon-Rá apareceu em sua glória sobre o horizonte. "Ele tomou o céu e a terra festivos com sua beleza; então começou a realizar uma grande maravilha: dirigiu seus raios para os olhos de Hórus-do-Horizonte (A Esfinge)." O rei ofe­receu incenso, sacrifícios e oblações ao deus que chegava, e levou o deus para o templo numa procissão. E o deus caminhou ao lado do jovem príncipe, relatou Tutmés.

Ele realmente me reconheceu e me parou.
Eu toquei o chão; me curvei
na presença dele.
Ele me colocou em pé, me arrumou perante o rei.

Então, como indicação de que aquele príncipe era o escolhido di­vino para a sucessão, o deus "operou uma maravilha" sobre o príncipe. O que se seguiu, escreveu Tutmés li, por incrível que pareça, e por misteriosas que sejam essas coisas, aconteceu de verdade:

Ele abriu para mim as portas do Céu;
ele abriu para mim os portais de seu horizonte.
Eu voei para o céu como um Falcão Divino,
capaz de enxergar sua forma misteriosa
que está no Céu.
Que eu possa adorar a sua majestade.
(E) vi a forma-ser do Deus do Horizonte
em seus misteriosos Caminhos do Céu.

Nesse vôo celestial, Tutmés III escreveu em seus registros que ele" se tornou um com a Compreensão dos Deuses". A experiência e seus detalhes certamente trazem à mente as ascensões celestiais de Enoque e Enmeduranki, e a "Glória de Iavé", vista pelo profeta Ezequiel.

A convicção de que os sonhos são oráculos divinos, que predi­zem as coisas que estão por vir, era uma crença firmemente aceita no antigo Oriente Médio. Os reis etíopes também acreditavam no poder dos sonhos como guias para a ação a ser tomada (ou evitada) e dos acontecimentos iminentes.

Um aspecto, registrado numa estela pelo rei etíope Tanutamun, relata que no primeiro ano do reinado, "sua majestade teve um so­nho na noite". No sonho, o rei viu "duas serpentes, uma à sua direi­ta, uma à sua esquerda". A visão foi tão real que, quando o rei acordou, ficou surpreso ao não encontrar as serpentes ao seu lado. Chamou os sacerdotes e videntes para interpretar o sonho, e eles disse­ram que as duas serpentes representavam duas deusas, o Alto e o Baixo Egito. O sonho, disseram, significava que ele poderia conquis­tar todo o Egito" em seu comprimento e na largura; não havia ne­nhum outro para dividir". Então o rei "foi adiante e 100 mil o segui­ram" e conquistou o Egito. Portanto, ele escreveu na estela comemorando o sonho e o período que se seguiu: "Verdadeiro foi o sonho".

Uma profecia divina feita pelo deus Amon, embora à luz do dia, e não num sonho noturno, está registrada na inscrição de uma estela encontrada no Alto Egito, próximo à fronteira com a Núbia. Conta que um rei etíope estava liderando seu exército pelo Egito quando repentinamente morreu. Seus comandados ficaram" como uma manada sem pastor". Sabiam que o novo rei teria de ser escolhido entre os irmãos do rei, mas qual deles? Foram ao templo de Amon para escutar uma profecia do oráculo. Depois que os "profetas e sacerdotes importantes" realizaram os ritos necessários, os coman­dantes apresentaram um dos irmãos do rei ao deus, mas só o silêncio respondeu. Depois apresentaram o segundo irmão, filho da irmã do rei. Dessa vez o deus falou: "Este é vosso rei... vosso dirigente". Então os comandantes coroaram esse irmão, que assumiu a coroa depois que a divindade o apoiou por meio de conselho divino.

Essa história da seleção de um sucessor do rei etíope inclui um detalhe que geralmente não é percebido - o fato de que o escolhido pela divindade era o filho nascido do rei com sua irmã. Encontra­mos um paralelo na história bíblica de Abraão e sua bela Sara, de quem Abimelec, o rei filisteu de Gerara, se agradou. Uma vez antes, ao visitarem a Corte do faraó no Egito, quando o faraó desejou tirar Sara de Abraão, Abraão pediu que ela dissesse que era sua irmã (não esposa), de forma que a vida lhe fosse poupada. Prevenido por sua experiência, Abraão mais uma vez pediu a Sara para dizer que era apenas sua irmã. Mas quando Abimelec continuou com seu pla­no, o Senhor interveio:

E Elohim apareceu em sonho
a Abimelec e lhe disse:
"Sabe que serás punido de morte
por causa dessa mulher,
porque ela tem marido".

"Abimelec não a tinha tocado" e explica ao Senhor que era inocente, pois Abraão "disse para mim: 'Ela é minha irmã', e ela também disse: 'Ele é meu irmão"'. Então "Elohim disse a ele, no sonho" que ele não seria punido, desde que devolvesse Sara a Abraão, intocada. Depois, quando Abimelec exigiu uma explicação de Abraão, este explicou que temendo por sua vida, disse a verdade, mas não toda a verdade. "De fato, ela é verdadeiramente minha irmã, como filha que é de meu pai, ainda que não filha de minha mãe, e pude recebê-la como mulher." Sendo meia-irmã de Abraão, Sara assegurava que seu filho (Isaac), mesmo não sendo primogênito, seria o sucessor. Essas regras de sucessão, imitando os costumes dos Anunnaki, prevaleceram no antigo Oriente Médio (e chegaram a ser copiadas pelos incas, no Peru).

Os filisteus chamavam sua divindade principal de Dágon, um nome ou epíteto que pode ser traduzido como "Ele dos Peixes" – o deus da Pesca, um atributo de Ea/Enki. Tal identificação, entretan­to, não é tão óbvia e certa, porque quando essa divindade aparece em outros lugares do antigo Oriente Médio, seu nome é soletrado Dagan, que poderia significar "Ele dos Grãos" - um deus da Agri­cultura. Qualquer que seja sua identidade verdadeira, esse deus aparece em vários sonhos-presságios, registrados nos arquivos es­tatais do reinado de Mari, uma cidade-estado que floresceu no iní­cio do II milênio a.C., até sua destruição pelo rei babilônio Hamurábi, em 1759 a.C.

Um registro de Mari pertence a um sonho cujo conteúdo foi jul­gado tão significativo que foi levado por mensageiro à atenção de Zimri-Lim, o último rei de Mari. No sonho, um homem viu a si mes­mo viajando com outros. Ao chegar a um lugar chamado Terga, ele entrou no templo de Dagan e prostrou-se. Naquele instante, o deus "abriu sua boca" e perguntou ao viajante se uma trégua fora decla­rada entre as forças de Zimri-Lin e aquelas dos iaminitas. Quando o viajante respondeu com uma negativa, o deus reclamou que não foi mantido a par dos acontecimentos e instruiu o sonhador para mandar uma mensagem ao rei, exigindo que ele enviasse mensageiros para atualizar o deus sobre a situação. "Isso foi o que esse homem viu em seu sonho", afirmava o relatório urgente enviado ao rei, adi­cionando que "aquele homem era digno de confiança".

Outro sonho relativo a Dagan e às guerras nas quais Zimri-Lim estava envolvido foi registrado por uma sacerdotisa do templo. No sonho, afirmou ela, "Entrei no templo da deusa Belet-ekallim ("Se­nhora dos Templos"), mas a deusa não estava, nem vi as estátuas dedicadas a ela. Quando vi aquilo, comecei a chorar". Então escutei "uma voz lúgubre chorando, repetindo: 'Volte, ó Dagan... volte, ó Dagan'. Isso continuou sem parar". Então a voz tomou-se mais alte­rada, enchendo o templo da deusa e dizendo: " Ó Zimri-Lim, não saia em expedição. Fique em Marl, e eu tomarei a responsabilidade".

A deusa que falou nesse sonho, oferecendo-se para lutar pelo rei cercado, é referida pelo nome no relatório Annunitum, uma refe­rência semítica a Inana/Ishtar. A boa vontade em lutar por Zimri-­Lim faz sentido histórico, pois tinha sido ela quem ungira Zimri-­Lim como rei de Marl - um ato divino, comemorado no magnífico mural encontrado no palácio de Mar quando foi desenter­rado por arqueólogos franceses.

A sacerdotisa que relatou o sonho, de nome Addu-duri, era uma sacerdotisa do oráculo. Em seu relatório, ela lembrou que enquanto suas previsões eram baseadas em "sinais" no passado, aquela fora a primeira vez que ela tivera um sonho premonitório. Seu nome é mencionado em outro relatório de sonho, mas dessa vez um sonho de um sacerdote no qual ele viu a Deusa dos Oráculos falando-lhe sobre o rei ser "negligente ao proteger a si mesmo". (Em outras oca­siões, as sacerdotisas do oráculo levaram ao rei mensagens divinas obtidas quando estavam em transe auto-induzido, em vez de por sonhos.)

Mari ficava na margem do rio Eufrates, onde, nos dias de hoje, a Síria e o Iraque se encontram, e servia como base entre a Mesopotâ­mia e a costa do Mediterrâneo (portanto para o Egito), numa rota que cruzava o deserto da Síria até a Montanha dos Cedros, no Líba­no. (Uma rota mais longa, que passava pelo Crescente Fértil, incluía Harran, no Eufrates superior.) Não é de espantar, pois, que os povos da costa, como vizinhos dos filisteus, acreditassem (e registras­sem) em sonhos como uma forma de Encontro Divino. Embora seus escritos (dos quais sabemos apenas por achados em Ras Shamra, a antiga Ugarit, na costa mediterrânea da Síria) lidassem principal­mente com as lendas ou "mitos" do deus Baal, de sua companheira, a deusa Anat, e do pai deles, o deus idoso El, mencionam sonhos de presságio de heróis patriarcais. Assim, na História de Aqhat, um pa­triarca de nome Danel, sem herdeiro do sexo masculino, escuta de El, num sonho-presságio, que ele teria um filho no espaço de um ano - assim como Abraão recebeu a mensagem de Iavé a respeito do nascimento de Isaac. (Quando o menino Aqhat cresce, Anat tem desejos por ele, e assim como fizera com Gilgamesh, promete longe­vidade se Aqhat se tomar seu amante. Diante da recusa, ela causa a morte dele.)

Os sonhos são uma forma venerada de comunicação divina, e foram registra dos das terras do Alto Eufrates até a Ásia Menor. As costas onde atualmente se localizam Israel, Líbano e Síria serviam tanto de ponte quanto de campo de batalha entre os faraós egípcios e os reis da Mesopotâmia - cada um dizendo agir por ordens divi­nas. Não é de estranhar que nessa reunião e miscigenação os sonhos premonitórios também refletissem o choque entre culturas e a mis­tura de presságios.

Registros egípcios de sonhos premonitórios da realeza incluem um texto conhecido dos estudiosos como a Lenda da Princesa Pos­suída - um dos registros mais antigos sobre exorcismo. Escrito na estela que agora se encontra no Museu do Louvre, em Paris, narra como o príncipe de Bekhten (Bactria, no Eufrates superior), que casara com uma princesa egípcia, buscou a ajuda do faraó Ramsés II para curar a princesa dos" espíritos que a possuíam". O faraó enviou um de seus mágicos, mas não adiantou. Então o príncipe de Bekhten pediu que um deus egípcio "fosse trazido para lutar com aquele espírito".

Recebendo o pedido em Tebas, sua capital, durante um festival religioso, o faraó foi ao templo do deus Khensu, descrito como filho de Rá e geralmente representado com uma cabeça de falcão na qual a Lua repousa com seu Crescente. Lá o rei contou ao deus, "o grande deus que expele os demônios da doença", qual era o problema e pediu a ajuda divina. Enquanto ele falava, "havia muita concordân­cia da cabeça de Khensu", indicando uma atitude favorável. Então o rei montou uma grande caravana que foi para Bekhten acompa­nhando o deus (ou seu "profeta, o que executava os planos", ou a estátua do deus - conforme sugerem alguns estudiosos). Por meio dos poderes mágicos divinos, o "mau espírito" foi exorcizado.

Testemunhando os poderes mágicos de Khensu, o príncipe de Bekhten planejou em seu coração, dizendo: "Vou fazer com que esse deus fique aqui em Bekhten". Tendo, porém, causado um adiamen­to no retomo do deus para o Egito, o príncipe teve um sonho enquanto "dormia em sua cama". No sonho, viu "esse deus vindo até ele do santuário. Era um falcão de ouro que voou pelo céu na direção do Egito". O príncipe" acordou em pânico" e percebeu que o sonho era um presságio divino, instruindo-o a deixar que o deus voltasse ao Egito. Portanto o príncipe" deixou que esse deus voltas­se ao Egito, depois de ter dado a ele muitos presentes entre todas as coisas boas".

Mais ao norte de Bactria, na Terra dos Hititas, na Ásia Menor, a convicção de que os sonhos reais constituíam revelações divinas tam­bém era sustentada. Um dos mais longos textos que refletem tais convicções é chamado pelos estudiosos de Os Rezadores da Praga de Mursilis, um rei hitita que reinou de 1334 até 1306 a.C. Conforme confirmado por textos históricos, uma praga afligiu as terras e co­meçou a dizimar a população; Mursilis não podia entender o que zangara os deuses. Ele mesmo fora piedoso e muito religioso, "cele­brou todos os festivais, nunca preferindo um texto a outro". O que, então, estava errado? Desesperado, ele incluiu as seguintes pala­vras em sua oração:

Ouvi-me deuses, meus senhores!
Mandai para longe a praga da terra hitita!
Deixai que o motivo para as pessoas estarem morrendo
seja descoberto - ou por uma profecia,
ou me deixai ver no sonho,
ou deixai que um profeta o declare.

Deve ser notado que os três métodos mencionados de obter orientação divina - um sonho de oráculo, uma profecia ou comu­nicação por intermédio de profeta - são exatamente os mesmos três métodos listados pelo rei Saul quando tentou obter a orientação de Iavé. E também, como no caso do rei israelita que não recebeu resposta, também os apelos do rei hitita: "Os deuses não escutaram; a praga não melhorou; a terra dos hititas continuará a ser afligida".

"Os assuntos estão ficando muito grandes para mim", escreveu Mursilis em seus anais, e redobrou seus apelos ao deus Teshub ("O Soprador do Vento" ou "Deus Tempestade", a quem os sumérios chamavam de Ishkur e os povos semitas, de Adad). Por fim ele conseguiu receber um presságio; uma vez que não era uma pro­fecia ou adivinhação, deve ter sido um sonho premonitório, o ter­ceiro método de comunicação divina com o rei. Foi assim que Mursilis ficou sabendo que seu pai, Shupiliumans, em cujo tempo a praga começou, transgredira de duas formas: ele quebrou algumas oferendas aos deuses e também seu juramento num tratado com os egípcios para manter a paz, e levou os cativos egípcios de volta à Terra dos Hititas; foi nessa época que a praga se instalou entre os hititas.

Se assim fosse, disse o rei a Teshub em suas súplicas, ele iria oferecer restituição "em compensação pelos pecados do pai", e acei­tar toda a responsabilidade. Se o aumento da praga ou restituições fossem exigidas, ele pediu ao deus que "deixai-me ver num sonho, ou deixai que encontre num presságio, ou deixai que um profeta o diga a mim".

Assim, ele listou outra vez os três métodos aceitos ou esperados de comunicação com os deuses. Já que o texto, quando encontrado, finaliza aqui, é preciso assumir que a raiva de Teshub terminou, assim como a praga.

Outras inscrições hititas que registram Encontros Divinos por meio de sonhos e visões foram achadas. Algumas estão relaciona­das à deusa Ishtar, a suméria Inana, cuja elevação continuou bem depois dos tempos dos sumérios.

Em uma dessas inscrições, o príncipe hitita que era herdeiro ao trono afirmou que a deusa aparecera a seu pai num sonho, dizendo a ele que o jovem príncipe tinha apenas alguns anos para viver; mas que, se resolvesse dedicar-se a Ishtar como sacerdote, "então ele deve viver". O rei, então, seguiu o sonho/premonição, o príncipe viveu, e seu irmão (Muvatalis) herdou o trono em seu lugar.

O mesmo Muvatalis e Ishtar são os mais importantes num so­nho relatado por Hatusilis ill (1275-1250 a.C.), também um irmão de Muvatalis. Afirma que Muvatalis, aparentemente por algum motivo ruim, ordenou que seu irmão Hatusilis fosse submetido a um julgamento "pela roda sagrada" (um procedimento ou tortura cuja natureza é incerta). "Entretanto", a vítima declarou num rela­tório, "minha senhora Ishtar me apareceu em um sonho. No sonho, ela me disse o seguinte: 'Devo abandonar você para uma divindade hostil? Não tema!'. Com a ajuda da deusa fui agraciado; porque a deusa, minha Senhora, me segurou pela mão; ela jamais me aban­donou a uma divindade hostil ou julgamento ruim."

Segundo os vários anais reais hititas da época, a deusa Ishtar anunciou seu apoio a Hatusilis III, em sua luta pelo trono com seu irmão Muvatalis, em sete sonhos-oráculos. Num deles, o pedido foi que a deusa prometera o trono hitita a Hatusilis num sonho da es­posa dele - esposa, segundo outro sonho, casada "segundo o co­mando da deusa Ishtar; a deusa me confiou num sonho". Num registro de um terceiro sonho, conta-se que Ishtar apareceu a Urhi-­Teshub, herdeiro indicado de Muvatalis, e disse a ele num sonho que todos os esforços para afastar Hatusilis eram em vão: "Sem propósito vocês se cansaram, pois eu, Ishtar, entreguei todas as terras dos hititas para Hatusilis".

Registros de sonhos hititas, pelo menos os que têm sido encon­trados, refletem a importância que foi ligada ali à própria observân­cia dos ritos e requisitos de adoração. Num texto descoberto, "um sonho de sua majestade o rei" é relatado assim: no sonho, a Senhora Hebat que Julga (a esposa de Teshub) repete sempre em sua majes­tade: "Quando o Deus da Tempestade vem do céu, ele não deve achar você avarento". Sonhando, o rei respondeu que fizera um objeto ritual de ouro para o deus. Mas a deusa disse: "Não é o sufi­ciente!". Depois outro rei, o de Hakmish, entrou na conversa-sonho, dizendo a sua majestade: "Por que não deu os instrumentos Huhupal e as pedras de lápis-lazúli que prometeu a Teshub?".

Quando o rei hitita acordou desse sonho em "trílogo", relatou-o à sacerdotisa Hebatsum. E ela disse que o significado do sonho era "Você precisa dar os instrumentos Huhupal e as pedras lápis-Iazúli ao grande deus".

De forma não característica pelas narrativas de sonhos da reale­za no antigo Oriente Médio, alguns deles pertencem aos sonhos de rainhas, membros femininos da realeza. Tal registro, que inicia com a afirmação "Um sonho da rainha", declara que "a rainha fez um voto em sonho à deusa Hebat". Nesse sonho votivo, a rainha disse à divindade: "Se vós, minha Senhora, divina Hebat, irá deixar o rei bem e não o entregará ao mal, farei para a divina Hebat uma estátua de ouro e uma roseta de ouro, e para o regaço, farei também um peitoral de ouro".

Em outra oportunidade, o evento registrado foi a aparição de um deus não identificado no sonho da rainha - talvez a mesma rainha que procurou a intervenção de Hebat para curar seu marido doente. No sonho, esse deus diz à rainha "em relação ao assunto que pesa sobre seu coração, sobre seu marido: ele vai viver; darei a ele 100 anos". Ao ouvir isso, "a rainha fez um voto em seu sonho: "Se vós fizerdes isso para mim e meu marido continuar vivo, darei aos deuses três vasos Harshialli, um com óleo, outro com mel e outro com frutas".
A doença do rei deve ter pesado muito no coração da rainha, pois num terceiro registro de sonho a rainha diz que alguém a quem ela não pôde ver repetia, no sonho: "Faça uma promessa à deusa Ningal" (esposa de Nanar/Sin), prometendo a ela objetos rituais de ouro, decorados com lápis-lazúli, se o rei se recuperar. Ali a doença era descrita como "fogo dos pés".

Em outra parte da Ásia Menor, na Lídia, onde as cidades gregas prosperaram, um rei chamado Giges teve - segundo seu adversá­rio, o rei assírio Assurbanipal - um sonho premonitório. Nele, o rei adormecido viu uma inscrição que continha o nome de Assurbanipal. O mensageiro divino disse: "Curve-se perante os pés de Assurbanipal, o rei da Assíria; depois você conquistará seus ini­migos apenas mencionando o nome dele".

De acordo com a inscrição do rei assírio, o rei Giges, "no mesmo dia em que ele teve o sonho, me enviou um cavaleiro para me desejar boa saúde e contar-me o sonho; e desde o dia em que ele se cur­vou perante meus pés reais, conquistou os Cimérios, que vinham ameaçando os habitantes de seu país".

O interesse do rei assírio no registro de um rei estrangeiro não era senão um reflexo das crenças assírias no poder dos sonhos como uma forma poderosa de Encontro Divino. As epifanias e oráculos dos sonhos reais eram um fenômeno procurado com ansiedade e registrado pelos reis da Assíria; o mesmo era verdadeiro para os reis da vizinha e rival Babilônia.

O próprio Assurbanipal, que mantinha anais extensos em pris­mas de argila cozida (como a que se encontra no Museu do Louvre), relata numerosas experiências com sonhos; várias vezes eram de outros que não ele mesmo, como no caso do rei Giges.

Numa ocasião, era o registro de um sacerdote que, no meio da noite, "teve um sonho como se segue: havia um escrito sobre o pe­destal do deus Sin; o deus Nabu, escriba do mundo, estava lendo a inscrição repetidamente: sobre aqueles que planejam o mal contra Assurbanipal, rei da Assíria, e recorrem às hostilidades, trarei morte sofrida, terminarei suas vidas com uma rápida espada de ferro, conflagração, fome e doença". Um pós-escrito por Assurbanipal nesse relatório afirma: "Esse sonho eu escutei e coloquei minha con­fiança na palavra de meu Senhor Sin".

Em outra oportunidade ficou registrado que um só e o mesmo sonho - talvez "visão" fosse um termo melhor - foi experimenta­do por um exército inteiro. Nesse relevante texto, Assurbanipal conta que quando seu exército alcançou o rio Idide, este era uma corrente­za poderosa, e os soldados ficaram com medo de atravessar. "Mas a deusa Ishtar, que mora em Arbela, fez com que meu exército tivesse um sonho no meio da noite." Nesse sonho em massa ou visão, Ishtar dizia: "Vou à frente de Assurbanipal, o rei que eu mesma fiz". O exército, acrescenta Assurbanipal num pós-escrito, "apoiou-se nes­se sonho e atravessou o rio Idide em segurança". (Dados históricos confirmam a travessia desse rio pelo exército de Assurbanipal por volta de 648 a.C.)

Na introdução de outro sonho em relação ao seu reinado, Assurbanipal argumenta que o sonho de um sacerdote da deusa Ishtar resulta de uma comunicação anterior da deusa diretamente com o rei. "A deusa Ishtar escutou meus suspiros ansiosos e disse para mim: 'Não tema... visto que ergueu as mãos em oração e seus olhos estão cheios de lágrimas. Tenho piedade de você'."   .

Foi durante a mesma noite da epifania acima que "um sacerdo­te-vidente foi para a cama e teve um sonho: quando acordou, assus­tado, Ishtar fez com que ele tivesse uma visão noturna". Conforme relatado pelo sacerdote a Assurbanipal, o que ele viu foi isso: "A deusa Ishtar, que vive em Arbela, veio. Aljavas pendiam à sua direi­ta e à sua esquerda; ela manteve o arco em sua mão; sua espada afiada estava desembainhada para a batalha. Vós estáveis perante ela, e ela falava a vós como uma mãe verdadeira". Então, disse, o sacerdote escutou em sua visão Ishtar dizer ao rei: "Espere em seu ataque; aonde quer que vá, eu irei à frente... Fique aqui, coma, tome vinho, alegre-se e louve minha divindade, enquanto avanço e reali­zo a tarefa pela qual me pediu". Então o sacerdote continuou a des­crever sua visão: A deusa abraçou o rei e o envolveu em sua aura protetora; "suas feições brilhavam como fogo, e ela saiu da sala". A visão, contou o sacerdote-vidente ao rei, significava que Ishtar esta­rá ao lado do rei quando ele marchar contra o inimigo. A visão de Ishtar armada como uma deusa guerreira emitindo raios está regis­trada em várias estelas.

Os anais de Assurbanipal, que se gabava de que entre seu grande conhecimento constava a habilidade de interpretar sonhos, estão repletos de referências a oráculos - provavelmente por meio de sonhos, embora isso não esteja especificado - dados a ele por este ou aquele dos" grandes deuses, meus senhores", ligados às suas campanhas militares. O interesse dele em sonhos e suas interpretações o levou também a ter os arquivos estatais examinados à procura de registros de oráculos do passado. Assim ficou-se sabendo que um arquivista de nome Marduk-shum-usur contou a Assurbanipal que seu avô, Senaqueribe, tivera um sonho no qual o deus Asur, o deus nacional da Assíria, apareceu a ele e disse: "Ó sábio rei, rei dos reis: és filho do sábio Adapa, ultrapassas todos os ho­mens no conhecimento de Apsu (o domínio de Enki)".

No mesmo relatório, o arquivista, evidentemente treinado como um sacerdote de oráculo, também relatou a Assurbanipal as circuns­tâncias que fizeram seu pai, Asaradão, invadir o Egito. Foi quando "teu pai, Asaradão, se encontrava na região de Haran que ele viu um templo de cedro e entrou e viu no interior o deus Sin apoiado num cajado, segurando duas coroas". O deus Nusku, o Divino Men­sageiro dos deuses, "estava em pé perante ele; quando o pai do rei entrou, o deus colocou uma coroa sobre sua cabeça dizendo: 'Você vai para outros países, onde será o conquistador'. Teu pai partiu e conquistou o Egito".

Embora o texto não diga nada explicitamente, presume-se que o incidente no templo em Haran também tenha sido um sonho, uma visão-sonho de Asaradão. Na verdade, textos históricos e religiosos daquele época indicam que Nanar/Sin deixou a Mesopotâmia de­pois que a Suméria foi destruída e Marduk voltou à Babilônia para reclamar supremacia "na Terra e nos Céus" (em 2024 a.C., por nos­sos cálculos). Haran, onde Asaradão recebeu o oráculo permissivo do deus ausente, era um lugar de dois cultos de Nanar/Sin, imitando o centro principal de Nanar/Sin na Suméria - a cidade de Ur. Foi para Haran que o pai de Abraão, o sacerdote Terah, levou sua família ao deixar Dr. Conforme veremos, Haran entrou em desta­que quando os sonhos-profecias e os eventos reais mais uma vez mudaram o curso da história.

Conforme profetizado pelos profetas bíblicos, a poderosa Assíria, o flagelo das nações, prostrou-se perante os invasores aquemênidas (da Pérsia), que conquistaram Nínive em 612 a.C. Na Babilônia, Na­bucodonosor, livre da pressão dos assírios, avançou nas terras va­zias próximas e distantes e destruiu o templo em Jerusalém. Mas os dias da Babilônia também estavam contados e o final foi previsto para o rei numa série de sonhos. Conforme registrado pela Bíblia, (Daniel, capítulo 2) Nabucodonosor teve um sonho perturbador. Chamou os "mágicos, videntes, feiticeiros e caldeus" (astrólogos) e pediu-lhes para interpretar o sonho - sem contar, entretanto, qual fora o sonho. Como não puderam atender ao seu pedido, ordenou a execução deles. Porém Daniel foi levado perante o rei e invocou os poderes do "Deus no céu que revela mistérios". O carrasco recebeu a ordem de esperar, e Daniel primeiro adivinhou o sonho, explicou seu significado. "Em sua visão, apareceu uma estátua muito gran­de", disse ele ao rei. "Tal estátua era de tamanho extraordinário e tinha em pé diante de ti." A cabeça da estátua era de ouro puro, o peito e os braços, de prata, o ventre e as coxas, de bronze, as pernas eram de ferro, os pés parte ferro e parte barro. Então uma pedra que nenhuma mão segurou apareceu e reduziu a estátua em pedaços; os pedaços se tomaram palha, que foi carregada pelo vento para desa­parecer de todo lugar; e a pedra tomou-se uma grande montanha.

       "Esse foi o sonho", afirmou Daniel, e aqui está o significado: A estátua representa a grande Babilônia; a cabeça de ouro é Nabuco­donosor; depois dele existirão mais três reis menores; no final, tudo será varrido como palha e um novo rei de outro lugar se elevará.
Nabucodonosor teve um segundo sonho, depois disso. Chamou os videntes, incluindo Daniel. Em "visões enquanto estava deitado na cama", o rei disse que viu uma árvore alta que continuava cres­cendo até atingir os céus; era uma árvore frutífera que fornecia som­bra. De repente:

A visão da minha cabeça, estando eu na minha cama,
é esta: eis que um Vigia, um Santo, desceu dos céus.
Clamou com uma voz forte e disse:

"Deitai abaixo pelo pé esta árvore, cortai-Ihe os

ramos e espalhe seus frutos, mas deixai na terra
o tronco com suas raízes.

E Daniel disse ao rei que a árvore era ele, Nabucodonosor; e a visão era um oráculo das coisas que viriam a acontecer - o final de Nabucodonosor, condenado a perder o juízo, a vagar pelos campos como folha soprada pelo vento e a comer como os animais. A tradi­ção sustenta que Nabucodonosor realmente enlouqueceu, morrendo sete anos depois daquele sonho premonitório (562 a.C.).

Conforme o previsto, os três sucessores foram reis de vida cur­ta, depostos e mortos numa série de rebeliões. Nesse espaço entrou a alta sacerdotisa do templo de Sin, em Haran, a qual numa série de preces a seu deus o convence a voltar para Haran e abençoar a elevação de seu filho, Nabunaid (embora ele fosse apenas remotamen­te associado à linha real assíria). Como resultado disso, o último rei efetivo da Babilônia e seus sonhos ligaram o final da civilização mesopotâmica a Haran. A época era 555 a.C.

Para que um não-babilônio seguidor de Sin fosse o dirigente da Babilônia, era necessária a aprovação de Marduk e a reaproximação entre esse filho de Enki e o filho de Enlil (Sin). A dupla bênção e o entendimento foram confirmados - talvez conseguidos - pelos vários sonhos de Nabunaid. Eram tão importantes que ele os gravou em estelas, para que todos os conhecessem.

Os sonhos premonitórios de Nabunaid possuem alguns aspec­tos incomuns. Em pelo menos dois deles, planetas representando divindades fazem sua aparição. Em outro, a presença de um rei morto toma parte nos acontecimentos, e foi dividido em duas partes como forma de relatar um sonho no interior de outro sonho.

No primeiro dos três sonhos registrados, Nabunaid viu "o pla­neta Vênus, o planeta Saturno, o planeta Ab-Hal, o Planeta Brilhan­te e a Grande Estrela, as grandes testemunhas que vivem no céu". Ele (no sonho) erigiu altares para eles e rezou por uma vida dura­doura, reinado longo e uma resposta favorável de Marduk. Nabunaid, então - no mesmo sonho ou numa seqüência -, "dei­tou-se e contemplou, em visão noturna, a Grande Deusa que restaura a saúde e concede a vida aos mortos". Rezou para ela, também, por vida longa e "pedi que ela voltasse seu rosto para mim". E...

Ela se voltou realmente
e olhou diretamente para mim
com seu rosto brilhante,
indicando assim sua piedade.

No preâmbulo do relatório de outro sonho, Nabunaid afirma que ele "se tomou apreensivo em relação à conjunção da Grande Estrela e da Lua", os equivalentes celestes de Marduk e Nanar/Sin. Então dispôs-se a contar o sonho:

No sonho, de repente apareceu um homem a meu lado. Ele me disse: "Não existem aspectos ruins na conjunção".
No mesmo sonho, Nabucodonosor, meu antecessor no trono, apareceu perante mim. Ele estava em pé sobre um carro, com um cocheiro. O cocheiro disse a Nabucodonosor: "Fale com Nabunaid para que ele possa contar o sonho que teve!".
Nabucodonosor escutou-o e disse para mim: "Conte-me os bons augúrios que viu".
Respondi: "Em meu sonho, vi com alegria a Grande Estre­la e a Lua. E o planeta de Marduk, alto no céu, me chamou pelo nome".

A conjunção dos equivalentes celestes de Marduk e Sin significava, assim, a concordância de ambos na ascensão de Nabunaid ao trono. Nabucodonosor parecia, numa espécie de retrospectiva, aprovar sua sucessão.

O terceiro sonho mostrava a reaproximação de Marduk e Sin ainda mais. Nele, os "grandes deuses" Marduk e Sin estavam em pé juntos, e Marduk repreendeu o rei por ainda não ter começado a reconstrução do templo de Sin, em Haran. Na conversa, Nabunaid explicou que não podia fazer aquilo porque os medos estavam sitiando a cidade. Marduk, então" previu a derrota do inimigo pela mão de Ciro, o rei aquemênida. Isso realmente acontece mais tarde, relata Nabunaid num pós-escrito do registro desse sonho.

Ao lutar para manter o império unido, Nabunaid indicou seu filho Baltasar como regente da Babilônia. Lá, porém, no meio de um banquete destinado a fazer esquecer o torvelinho que o cercava, apareceu a Escrita-na-parede. Mene, Tekel, Fares eram as palavras -  ­os dias da Babilônia estão contados, o reino será dividido e entregue aos medos e persas. Em 539 a.C. a cidade caiu perante o rei aquemênida Ciro. Um de seus primeiros atos foi permitir o retomo dos exilados para a sua terra de origem e restituir-lhes a liberdade de cultuar nos templos de sua escolha - um edito gravado no Ci­lindro de Ciro, agora no Museu Britânico, em Londres. Para os exilados judeus, ele escreve uma proclamação especial permitindo sua volta para a Judéia e a reconstrução do Templo de Jerusalém; ele fez isso, afirma a Bíblia, porque foi "encarregado de agir assim" por Iavé, o Deus do Céu.


Fonte: Cap. 10 - Encontros Divinos - Zecharia Sitchin