Segundo as antigas escrituras, os sonhos têm acompanhado os habitantes da
Terra desde o início da humanidade, começando com a Primeira Mãe, Eva, que teve
um sonho-premonição a respeito da morte de Abel. Depois do Dilúvio, quando o
reinado foi instituído para criar tanto uma barreira quanto uma ligação entre
os Anunnaki e a massa de pessoas, foram os reis cujos sonhos acompanharam o
curso dos negócios humanos. E então, quando os líderes humanos se cansavam, a
Palavra Divina era passada por intermédio de sonhos e visões dos profetas. No
interior do longo registro de sonhos e visões, alguns, como vimos, se
destacaram por participar de zonas Além da Imaginação, em que o irreal se toma
real, um objeto metafísico assume uma existência física, uma palavra não
falada se toma uma voz eventualmente ouvida.
A Bíblia está repleta de registros de sonhos como a mais importante
forma de Encontro Divino, como canais para fazer saber a decisão ou escolha da
divindade, uma promessa benevolente ou uma decisão. Em Números 12:6, Iavé é
citado explicitamente afirmando (ao irmão e à irmã de Moisés) que "se
existe um profeta entre vós" - uma pessoa escolhida para divulgar a
palavra de Deus - "Eu, o Senhor, me farei conhecido numa visão e falarei a
ele em sonho". O significado dessa afirmação é ressaltado pela precisão da
escolha das palavras: Numa visão, Iavé se faz conhecido, reconhecível,
visitável; num sonho, ele se faz ouvido, divulgando oráculos.
Uma história que ilustra esse ponto é I Samuel, capítulo 28. Saul, o rei
israelita, enfrentou uma batalha crucial contra os filisteus. O profeta Samuel,
que a mando de Iavé ungira o rei Saul e o iniciara na palavra divina, estava
morto. Um Saul apreensivo tenta obter orientação divina por si só; embora
tivesse "pedido a Iavé", "tanto por sonhos quanto por presságios
quanto por profetas", Iavé não respondera. Nesse caso, os sonhos são a
primeira ou mais importante forma de comunicação divina; presságios - sinais
celestiais ou ocorrências terrestres incomuns - e oráculos, palavras divinas
por intermédio dos profetas, seguiam-se.
A forma pela qual o próprio Samuel fora escolhido para ser um profeta de
Iavé também se apóia no uso do sonho para a comunicação divina. Foi uma
seqüência de três "sonhos teofânicos" nos quais os estudiosos, como
Robert K. Gnuse (O Sonho Teofânico de Samuel), encontram paralelos
incríveis nos três sonhos-com-despertar de Gilgamesh.
Já mencionamos como a mãe de Samuel, incapaz de ter filhos, prometeu
dedicar seu filho a Iavé se fosse abençoada com um. Mantendo sua promessa, a
mãe levou o menino a Shiloh, onde a Arca da Aliança era mantida num santuário
temporário, sob a supervisão de Eli, o Sacerdote. Mas como os filhos de Eli
eram lascivos e promíscuos, Iavé resolveu escolher o pio Samuel como sucessor
de Eli. Era uma época, conforme podemos ler em I SamueI3:1, na qual a
"palavra de Iavé raramente era ouvida e não havia visão manifesta".
Aconteceu, pois, em certo
dia,
que Eli estava deitado no
seu lugar,
e os olhos se tinham
escurecido
e não podia ver.
Antes que se apagasse a lâmpada
de Elohim,
dormia Samuel no templo de
Iavé,
onde estava a Arca de Elohim.
Iavé chamou a Samuel;
Samuel respondeu, dizendo:
"Eis-me aqui".
Foi correndo a Eli, dizendo:
"Aqui estou, pois tu me
chamaste".
Mas Eli disse que não chamara Samuel, e falou ao menino para
voltar a dormir. Mais uma vez Iavé chamou Samuel, e mais uma vez Samuel foi até
Eli apenas para ouvir que o sacerdote não o chamara. Porém, quando
aconteceu pela terceira vez, "Eli conheceu que era Iavé chamando pelo
menino". Instruiu-o a responder, se acontecesse outra vez: "Pala,
Senhor, porque o teu servo ouve". Uma artista do século 13 d.C. fez seu
melhor para representar a primeira teofania e o Encontro Divino entre Samuel e
Iavé, numa ilustração medieval.
É bom lembrar o Espírito Divino que entregou o Tavnit ao rei Davi
e as instruções para a construção do Templo de Jerusalém, o que aconteceu
enquanto ele se sentava perante a Arca da Aliança. O chamado a Samuel também
ocorreu quando ele" estava deitado no santuário de Iavé, onde se encontrava
a Arca dos Elohim". A Arca, feita de acácia e recoberta de ouro no
interior e no exterior, servia para guardar as duas Tábuas da Lei. Porém seu
propósito principal, conforme afirmado na Bíblia pelo Livro do Êxodo, era
servir como Dvir - literalmente, "o que fala".
A Arca era encimada por dois Querubins feitos de ouro sólido, com as pontas das asas tocando-se. "E no tempo marcado estarei ali e falarei contigo de cima do tampo, de entre os dois Querubins que estão sobre a Arca" (Êxodo 25:22). A parte mais interna do santuário, o Santo dos Santos, era separada da frente por um véu que não podia ser aberto, a não ser por Moisés, depois por seu irmão, Aarão, indicado por Iavé para servir como sumo sacerdote, e os três filhos de Aarão, ungidos como sacerdotes. E eles podiam entrar no local sagrado apenas depois de realizar determinados ritos, usando roupas especiais. Além do mais, quando esses sacerdotes consagrados entravam no Santo dos Santos, tinham de queimar incenso (cuja composição é fornecida com precisão pelo Senhor), de forma que uma nuvem ocultasse a Arca; Iavé disse a Moisés: "É na nuvem que aparecerei, sobre a tampa da Arca". Quando dois dos filhos de Aarão "trouxeram um fogo estranho perante o Senhor", um (presumivelmente) falhou ao criar a fumaça adequada, e "um fogo brotou perante Iavé e os consumiu".
A Arca era encimada por dois Querubins feitos de ouro sólido, com as pontas das asas tocando-se. "E no tempo marcado estarei ali e falarei contigo de cima do tampo, de entre os dois Querubins que estão sobre a Arca" (Êxodo 25:22). A parte mais interna do santuário, o Santo dos Santos, era separada da frente por um véu que não podia ser aberto, a não ser por Moisés, depois por seu irmão, Aarão, indicado por Iavé para servir como sumo sacerdote, e os três filhos de Aarão, ungidos como sacerdotes. E eles podiam entrar no local sagrado apenas depois de realizar determinados ritos, usando roupas especiais. Além do mais, quando esses sacerdotes consagrados entravam no Santo dos Santos, tinham de queimar incenso (cuja composição é fornecida com precisão pelo Senhor), de forma que uma nuvem ocultasse a Arca; Iavé disse a Moisés: "É na nuvem que aparecerei, sobre a tampa da Arca". Quando dois dos filhos de Aarão "trouxeram um fogo estranho perante o Senhor", um (presumivelmente) falhou ao criar a fumaça adequada, e "um fogo brotou perante Iavé e os consumiu".
Tais forças "sobrenaturais", como o sonho-oráculo de Samuel e o
sonho-visão de Davi, continuaram a permear o Tabernáculo, mesmo depois que a
própria Arca se foi, conforme evidenciado por um sonho-oráculo de Salomão.
Pronto a iniciar a construção do Templo, ele foi até Gibeon, o último repouso
da Tenda da Aliança (a parte da Residência onde estava o Santo dos Santos). A
própria Arca já fora movida por Davi para Jerusalém, antecipando o local da permanência
no futuro Templo; porém a Tenda da Aliança permaneceu em Gibeon, e Salomão foi
até lá - talvez apenas para adorar, talvez para ver por si mesmo os detalhes da
construção. Ele ofereceu sacrifícios a Iavé e foi dormir; em seguida:
E foi em Gibeon
que Iavé apareceu a Salomão
num sonho noturno.
E Elohim disse:
"Pede o que
darei a ti".
A epifania inicia uma conversa de ambas as partes, na qual Salomão pede
para ter "um coração compreensivo para julgar meu povo, que eu possa
discernir entre o bem e o mal". Iavé gostou do pedido, pois Salomão não
pedira riquezas ou vida longa nem a morte de seus inimigos. Portanto, afirma
Iavé, concederia Sabedoria e Entendimento, assim como riqueza e longa vida.
E Salomão despertou
e viu que era apenas um
sonho!
Embora a ação relevante na Bíblia se inicie com a afirmação de que foi
uma epifania no sonho, a visão e o diálogo pareceram tão reais a Salomão que
ele ficou admirado por tratar-se apenas de um sonho; e compreendeu que o
acontecido representava uma realidade com efeitos duradouros: portanto ele
realmente fora dotado com Sabedoria e Entendimento extraordinários. Num verso
que indica familiaridade com as civilizações egípcia e mesopotâmica, a Bíblia
acrescenta que" a sabedoria de Salomão era maior do que a sabedoria de
todos os Filhos do Leste e toda a sabedoria do Egito".
No episódio do Sinai, foi Iavé quem selecionou e instruiu dois artesãos
para levar a cabo os detalhes arquitetônicos intrincados e artísticos: "e
enchi do espírito de Elohim, em Sabedoria, Entendimento e
Conhecimento", Betsalel, da tribo de Judá, "e pus ciência e sabedoria
no coração" de Aholiab, da tribo de Dan. Salomão, por sua vez, dependia
dos artesãos do rei fenício, em Tiro, para construir o Templo. Quando este foi
completado, Salomão rezou ao Senhor Iavé para que Ele aceitasse a Casa como
habitação eterna e como um lugar do qual as orações de Israel seriam ouvidas.
Foi então que Salomão teve seu sua segunda epifania no sonho: "Iavé
apareceu a Salomão pela segunda vez, na forma vista por ele em Gibeon".
Embora o Templo em Jerusalém fosse literalmente chamado de
"casa" para o Senhor, ecoando o termo sumério "E" para um
templo-habitação, fica evidente, pela oração de Salomão, que ele não partilhava
o ponto de vista mesopotâmico dos templos como lugares onde os deuses moravam,
e sim como local sagrado para comunicação divina, um lugar onde homem e Deus
pudessem escutar um ao outro, um substituto permanente para a divina presença
na Tenda da Aliança.
Assim que os sacerdotes trouxeram a Arca da Aliança para seu lugar, no
Santo dos Santos, "a seção Dvir do Templo", e a colocaram
"sob as asas dos Querubins", tiveram de partir apressadamente
"porque a glória do Senhor tinha enchido a casa de Deus". Foi então
que Salomão começou sua oração, dirigindo-se a Iavé: "O Senhor tinha
prometido que Ele habitaria num nevoeiro". "Ouve, Senhor, da tua
morada, que é o céu", disse Salomão. "É, pois, crível, que habite
Deus entre os homens? Se os céus e os céus dos céus não te podem conter, quanto
menos esta casa que eu edifiquei". Compreendendo isso, Salomão pediu
apenas para que o Senhor escutasse as orações que emanassem do Templo;
"Ouve, senhor, da tua morada, que é o céu, todos os que neste lugar
orarem, e sê propício".
Foi então que "Iavé apareceu para Salomão por uma segunda vez, da
forma que ele foi visto em Gibeon. E Iavé disse a ele: ouvi tua oração e as
súplicas que fizeste perante mim, e tem santificado esta casa que construíste,
para colocar meu Shem para sempre, de forma que meus olhos e meu coração
estejam ali na perpetuidade".
O termo Shem é tradicionalmente traduzido como
"nome" pelo qual alguém é conhecido ou lembrado. Porém, como
demonstramos em O 12o. Planeta, citando fontes bíblicas,
mesopotâmicas e egípcias, o termo MU, que ao longo do tempo veio a significar
"aquilo pelo qual alguém é lembrado", originalmente se referia às
câmaras celestes ou máquinas voadoras dos deuses mesopotâmicos. Assim, quando o
povo da Babilônia (Bab-Ili, "Portal dos Deuses") resolveu
fazer um Shem para si mesmo, estava construindo uma torre de lançamento,
não para um "nome", mas para veículos voadores.
Na Mesopotâmia, foi sobre plataformas de templos que os locais especiais
- alguns representados conforme o projeto para suportar grandes impactos -
foram construídos especificamente para servir às idas e vindas dessas câmaras
celestes. Gudéia teve de providenciar, no recinto sagrado, um local especial
para o Divino Pássaro Preto de Ninurta, e, quando a construção foi feita,
expressou a esperança de que no novo templo o "MU abrace as terras de horizonte
a horizonte". Um hino para Adad/Ishkur afirmava que seu "MU emissor
de raios pode chegar ao zênite do céu", e um hino para Inana/Ishtar
descrevia como, depois de colocar o traje de piloto "ela voa em seu
MU". Em todos esses casos, a tradução comum para MU é "nome",
lendo para Adad um "nome" que abraça as terras e atinge os céus mais
altos, e para Inana/Ishtar a afirmação de que "ela voa sobre todas as
terras habitadas em seu MU". Na verdade, a referência era às máquinas
voadoras dos deuses e aos seus campos de pouso no interior dos terrenos
sagrados. Uma representação de tais veículos aéreos, descoberta por escavações
do Vaticano em Tell Ghassul, no rio Jordão, na margem oposta a Jericó, lembra
as carruagens descritas por Ezequiel.
Em suas instruções para a construção do templo-zigurate na Babilônia, a
E.SAG.IL ("Casa do Grande Deus"), Marduk especificou os requerimentos
para a câmara celeste:
Construa o Portal dos
Deuses...
Deixe que os tijolos
sejam fabricados.
Seu Shem deve ficar
no local designado.
Em intervalos regulares, os templos precisavam de reconstrução e
reformas, porque a deterioração atingia as torres construídas de tijolos, além
da destruição deliberada por atacantes inimigos. Uma ocorrência em relação ao
Esagil, registrada nos anais do rei assírio Asaradão (680-669 a.C.), contém
vários outros elementos dos sonhos reais registrados na Bíblia em relação ao
Templo em Jerusalém. Tais elementos que se repetem incluem a Sabedoria
garantida a Salomão, as instruções arquitetônicas e a necessidade de artesãos a
ser divinamente inspirados ou instruídos para compreender tais instruções.
Asaradão, aqui representado nessa estela, na qual aparecem os doze
membros do Sistema Solar, representados por seus símbolos, reverteu a política
anterior de confronto e guerra com a Babilônia e não viu mal algum em
reverenciar Marduk (o deus nacional da Babilônia), além de adorar Asur (deus da
Assíria). "Tanto Asur como Marduk me deram sabedoria", escreveu
Asaradão, a quem foi concedido" o magnífico Entendimento de Enki"
sobre a "tarefa da civilização" - conquistar e subjugar - em outras
nações. Também foi instruído pelos oráculos e presságios a iniciar um programa
de restauração dos templos, começando com o de Marduk, na Babilônia. Porém o
rei não sabia como.
Foi quando Shamash e Adad apareceram a Asaradão num sonho no qual eles
mostraram ao rei os projetos arquitetônicos e os detalhes da construção. Em
resposta ao espanto dele, disseram para que reunisse todos os pedreiros, carpinteiros
e outros profissionais necessários e os levasse à "Casa da
Sabedoria", em Asur (a capital Assíria). Também lhe disseram para
consultar um vidente em relação ao mês correto para iniciar o trabalho de
construção. Agindo sobre o que "Shamash e Adad me mostraram durante o
sonho", Asaradão montou a força de trabalho e marchou à frente deles para
o "Lugar do Saber". Consultou um vidente, e, no dia auspicioso, o rei
carregou sobre a cabeça a pedra fundamental e a colocou no local preciso. Com
um molde feito de marfim, ele fabricou o primeiro tijolo. À medida que a
reconstrução se completava, ele instalou portas de cipreste, ornadas de
incrustações de ouro, prata e bronze; mandou fazer recipientes de ouro para os
ritos sagrados. E quando tudo foi completado, os sacerdotes foram chamados,
ofereceram sacrifícios, e o templo foi renovado.
A linguagem empregada na Bíblia para descrever a compreensão de Salomão,
acordado repentinamente, de que a visão e os sons experimentados eram apenas um
sonho, foi eco de uma situação parecida e mais antiga - a de um faraó:
E o faraó acordou,
e eis que... era um sonho!
Essa é a série de sonhos descrita no capítulo 41 do Gênesis, que começa
com o sonho das sete vacas do faraó - algumas traduções preferem o termo, mais
arcaico, "kine", usado antigamente em lugar de "gado" -
"formosas à vista e gordas de carnes" que subiam do Nilo para pastar.
Eram seguidas por sete vacas "feias à vista e magras de carne", que
comiam as primeiras. Num sonho seguinte, o faraó viu sete espigas de milho que
subiam numa só "haste, gorda e boa", seguidas por sete espigas miúdas
e batidas pelo vento; as últimas engoliram as primeiras. "E o faraó
acordou, e eis que... era um sonho!" A dupla cena parecia tão real que o
faraó, ao acordar, ficou surpreso ao constatar que era apenas um sonho.
Perturbado pela qualidade real do sonho, convocou seus sábios e os mágicos do
Egito para que interpretassem o sonho; nenhum deles conseguiu.
Assim começou a proeminência, no Egito, do jovem hebreu José, que,
aprisionado injustamente, interpretou corretamente o sonhos de dois dos
subordinados do faraó, que também estavam na prisão. Um deles, o chefe dos
copeiros, contou o fato ao faraó, sugerindo que chamasse José para ajudar a
interpretar os sonhos reais. José disse ao faraó que os dois sonhos na
realidade eram apenas um; "O que Elohim fará foi revelado". Em
outras palavras, foi um sonhopresságio, uma revelação divina sobre o que
acontecerá no futuro pelo plano de Deus. Trata-se de uma previsão sobre sete
anos de abundância, suplantados por sete anos de carência e fome, explicou ele.
"O que Elohim resolveu fazer está revelando ao faraó", e o
sonho foi repetido, o que significa "que a coisa é certa por parte de Elohim,
e que Elohim se apressa em fazê-la".
Percebendo então que José estava possuído pelo "Espírito dos Elohim",
o faraó nomeou-o Mestre do Rei para toda a terra do Egito, a fim de evitar
a fome. E José encontrou formas de dobrar e triplicar as colheitas durante os
sete anos de fartura, e estocou a comida. Quando veio a fome, "afetando
todas as terras", havia alimento no Egito.
Embora a Bíblia não identifique o faraó da época de José pelo nome,
outros dados bíblicos e cronológicos permitiram que o identificássemos como
Amenemés III, da XII dinastia, que reinou no Egito de 1850 a 1800 a.C. Sua
estátua de granito está exposta no Museu do Cairo.
A história
bíblica do sonho das sete vacas desse faraó certamente ecoava a crença egípcia
de que as sete vacas, chamadas de Sete Hátoras (por causa da deusa Hátor, que,
como mencionamos, era representada como vaca), podiam predizer o futuro -
precursoras das sibilas, as pitonisas do oráculo de Delfos, para os gregos. Nem
a própria noção dos sete anos é uma invenção bíblica, pois tais ciclos de sete
anos das águas do NUa - a única fonte de água no Egito sem chuva -, continuam
até os nossos dias. Existe ainda um registro anterior de tal ciclo de sete
anos de fartura seguido por sete anos ruins. Trata-se de um texto hieroglífico
(transcrito por E. A. W. Budge em Lendas dos Deuses), registrando que o
faraó Zoser por volta de 2650 a.C.) recebeu um despacho do governador do
Alto Egito, ao sul, relatando uma grave onda de fome, porque "o Nilo não
veio pelo espaço de sete anos".
Portanto o rei" estendeu seu coração de volta ao início" e
perguntou ao Camareiro dos Deuses, o deus Tot com a cabeça de Íbis: "Qual
o local de nascimento do Nilo? Existe um deus lá? E quem é esse deus?". E
Tot respondeu a ele que de fato existia um deus que regulava as águas do Nilo
das duas cavernas e que esse deus era seu pai, Khnum (aliás Ptah, aliás Enki),
o deus que fizera a humanidade.
Como exatamente Zoser conseguiu falar com Tot e receber a resposta não
fica claro no texto hieroglífico. O texto afirma que uma vez que Zoser soube
que o deus em cujas mãos estava o destino do Nilo e o sustento do Egito era
Khnum, que residia longe, na ilha Elefantina, no Alto Egito, o rei soube
exatamente o que fazer: ele foi dormir... esperando uma epifania.
Enquanto eu dormia,
com vida e satisfação,
descobri o deus
em pé à minha frente!
Em seu sono - sonho-visão -, Zoser afirma: "Eu o agradei com
elogios; rezei para ele na presença dele". Pedi a restauração das águas do
Nilo e a fertilidade da terra. E o deus:
Revelou-se a mim.
Encarou-me com rosto
amigável
e proferiu tais palavras:
"Sou Khnum, o que te
fez".
O deus anunciou que iria atender às reivindicações do rei se o rei
resolvesse "reconstruir templos, restaurar o que está arruinado e erigir
novos templos" para a divindade. Para isso, disse o deus, ele daria ao rei
novas pedras, assim como "pedras duras que existem desde o início dos
tempos".
Então o deus prometeu que em troca ele abriria as comportas em duas
cavernas abaixo de sua câmara rochosa, e que, como resultado, as águas do Nilo
iriam começar a fluir outra vez. No espaço de um ano, disse ele, as margens do
rio seriam verdes de novo, as plantas cresceriam e a fome desapareceria.
Quando o deus terminou de falar e sua imagem desapareceu, Zoser "acordou
refrescado, o coração aliviado de peso" e decretou ritos permanentes de
oferendas a Khnum, em gratidão eterna.
O deus Ptah e uma visão dele são o tema central de duas outras epifanias
de sonhos egípcios: uma delas traz à mente as histórias bíblicas da mulher que
não consegue um herdeiro homem para o trono.
A primeira, descrevendo como um Encontro Divino virou a maré da guerra,
está contida numa longa inscrição pelo faraó Merenptah (por volta de 1230
a.C.), no quarto pilar do grande templo em Karnak. Embora fosse o filho do
faraó Ramsés II, Merenptah descobriu que estava além de suas capacidades
proteger o Egito de uma maré crescente de invasores, tanto por terra (os
líbios, a oeste) quanto por mar ("piratas" se encontravam
posicionados para atacar Mênfis, a antiga capital do Egito. Merenptah,
desgostoso, estava mal preparado para enfrentar os atacantes. Então, na noite
anterior à batalha decisiva, ele teve um sonho. Nesse sonho, o deus Ptah
aparecia; prometendo a vitória ao rei, o deus disse: "Apanhe isto
agora!", e, com essas palavras, passou a Merenptah uma espada,
acrescentando: "E mande embora de você esse coração perturbado".
O texto hieroglífico está parcialmente danificado nesse ponto, tornando
indefinido o que aconteceu a seguir. Infere-se que Merenptah acordou e
encontrou a espada divina, fisicamente em suas mãos. Com a confiança restaurada
pelas palavras do deus, Merenptah liderou seus exércitos na batalha; o
resultado foi uma vitória completa para os egípcios.
A outra ocorrência em que Ptah pareceu foi num sonho por uma princesa
(Taimhotep), esposa do sumo sacerdote. Ela teve três filhas e nenhum herdeiro
homem, portanto "rezava para a majestade do deus augusto, que realizava
maravilhas e era capaz de conceder um filho a quem não tivesse nenhum".
Certa noite, enquanto o sumo sacerdote dormia, Ptah "veio a ele em
revelação" e disse ao sumo sacerdote que por realizar determinados
trabalhos de construção, "farei para você, em troca, um filho homem".
Com isso o sumo sacerdote
acordou
e beijou o chão de seu deus
augusto.
Convocou os profetas,
os chefes de
mistérios, os sacerdotes e
os escultores
da Casa de Ouro para
realizar mais uma
vez o trabalho benevolente.
O trabalho de construção foi executado de acordo com os desejos de Ptah;
depois disso, a princesa afirma na inscrição que ela ficou grávida e teve, de
fato, um filho homem.
Embora não nos detalhes, mas no tema essencial, a história egípcia (dos
tempos ptolomaicos) traz uma semelhança com narrativas bíblicas muito
anteriores da aparição do Senhor, acompanhado de dois outros seres divinos, a
Abraão e predizendo que sua esposa idosa e sem filhos, Sara, daria à luz um
herdeiro homem.
Entre outros exemplos de sonhos reais de oráculo, encontrados entre os
registros egípcios, o mais famoso é aquele pelo príncipe que mais tarde subiu
ao trono para ser coroado Tutmés IV. O sonho é bem conhecido porque está
descrito numa estela que ele erigiu entre as patas da grande esfinge de Gizé -
onde ainda permanece para que todos a vejam.
Conforme está gravado na estela, o príncipe era
"acostumado a ocupar-se com esportes nas profundezas do deserto, em
Mênfis". Um dia ele se deitou para descansar próximo à necrópole de Gizé,
perto do "caminho divino dos deuses no horizonte... o local sagrado de
templos primitivos". Isso, diz a inscrição, foi onde "a própria
estátua da Esfinge repousa, grande em fama, grande em majestade". Era
meio-dia, o sol estava forte; portanto o príncipe resolveu se deitar à sombra
da Esfinge e acabou adormecendo.
Enquanto dormia, ele ouviu a Esfinge falar" com sua própria boca,
dizendo":
Olhe para mim, meu filho
Tutmósis...
Contemple, meu estado é o
de alguém em necessidade,
meu corpo inteiro está se
desfazendo em pedaços.
As areias do deserto, acima
das quais sempre fiquei,
fecharam-se sobre mim...
O que a Esfinge estava dizendo ao príncipe adormecido era um pedido para
que as areias do deserto que cobriram a maior parte do corpo dela - uma
situação provável, encontrada pelos homens de Napoleão no século 19 - fossem
removidas para que recuperasse sua antiga majestade. Em troca, a Esfinge -
representando o deus Harmakhis - prometeu ao príncipe que ele seria o sucessor
no trono do Egito. "Quando a Esfinge terminou tais palavras, o filho do
rei acordou", continua a inscrição. Embora fosse um sonho, o conteúdo e o
significado foram claros como cristal para o príncipe. Ele "compreendeu a
fala desse deus". À primeira oportunidade, realizou o pedido divino,
limpando a Esfinge da areia que a ocultava quase completamente; de fato, em
1421 a.C., o príncipe subiu ao trono do Egito para se tomar Tutmés IV.
Tal denominação divina de realeza não era única nos anais do Egito. Na
verdade, fora registrado em relação a um predecessor, Tutmés ID. A história de
acontecimentos miraculosos e de uma visão da "Glória do Senhor" foi
inscrita por esse rei nas paredes do templo, em Karnak. Nesse caso, o deus não
falou; em vez disso, ele indicou sua escolha do futuro monarca por intermédio
da "realização de milagres".
Como o próprio Tutmés relatou, quando ele ainda era jovem e se preparava
para ser sacerdote, estava em pé sobre a parte colunada do templo.
Repentinamente, o deus Amon-Rá apareceu em sua glória sobre o horizonte.
"Ele tomou o céu e a terra festivos com sua beleza; então começou a
realizar uma grande maravilha: dirigiu seus raios para os olhos de
Hórus-do-Horizonte (A Esfinge)." O rei ofereceu incenso, sacrifícios e
oblações ao deus que chegava, e levou o deus para o templo numa procissão. E o
deus caminhou ao lado do jovem príncipe, relatou Tutmés.
Ele realmente me reconheceu
e me parou.
Eu toquei o chão; me
curvei
na presença dele.
Ele me colocou em pé, me
arrumou perante o rei.
Então, como indicação de que aquele príncipe era o escolhido divino para
a sucessão, o deus "operou uma maravilha" sobre o príncipe. O que se
seguiu, escreveu Tutmés li, por incrível que pareça, e por misteriosas que
sejam essas coisas, aconteceu de verdade:
Ele abriu para mim as portas
do Céu;
ele abriu para mim os portais
de seu horizonte.
Eu voei para o céu
como um Falcão Divino,
capaz de enxergar sua forma
misteriosa
que está no Céu.
Que eu possa adorar a sua
majestade.
(E) vi a forma-ser do Deus
do Horizonte
em seus misteriosos Caminhos
do Céu.
Nesse vôo celestial, Tutmés III escreveu em seus registros que ele"
se tornou um com a Compreensão dos Deuses". A experiência e seus detalhes
certamente trazem à mente as ascensões celestiais de Enoque e Enmeduranki, e a
"Glória de Iavé", vista pelo profeta Ezequiel.
A convicção de que os sonhos são oráculos divinos, que predizem as
coisas que estão por vir, era uma crença firmemente aceita no antigo Oriente
Médio. Os reis etíopes também acreditavam no poder dos sonhos como guias para a
ação a ser tomada (ou evitada) e dos acontecimentos iminentes.
Um aspecto, registrado numa estela pelo rei etíope Tanutamun, relata que
no primeiro ano do reinado, "sua majestade teve um sonho na noite".
No sonho, o rei viu "duas serpentes, uma à sua direita, uma à sua esquerda".
A visão foi tão real que, quando o rei acordou, ficou surpreso ao não encontrar
as serpentes ao seu lado. Chamou os sacerdotes e videntes para interpretar o
sonho, e eles disseram que as duas serpentes representavam duas deusas, o Alto
e o Baixo Egito. O sonho, disseram, significava que ele poderia conquistar
todo o Egito" em seu comprimento e na largura; não havia nenhum outro
para dividir". Então o rei "foi adiante e 100 mil o seguiram" e
conquistou o Egito. Portanto, ele escreveu na estela comemorando o sonho e o
período que se seguiu: "Verdadeiro foi o sonho".
Uma profecia divina feita pelo deus Amon, embora à luz do dia, e não num
sonho noturno, está registrada na inscrição de uma estela encontrada no Alto
Egito, próximo à fronteira com a Núbia. Conta que um rei etíope estava
liderando seu exército pelo Egito quando repentinamente morreu. Seus comandados
ficaram" como uma manada sem pastor". Sabiam que o novo rei teria de
ser escolhido entre os irmãos do rei, mas qual deles? Foram ao templo de Amon
para escutar uma profecia do oráculo. Depois que os "profetas e sacerdotes
importantes" realizaram os ritos necessários, os comandantes apresentaram
um dos irmãos do rei ao deus, mas só o silêncio respondeu. Depois apresentaram
o segundo irmão, filho da irmã do rei. Dessa vez o deus falou: "Este é
vosso rei... vosso dirigente". Então os comandantes coroaram esse irmão,
que assumiu a coroa depois que a divindade o apoiou por meio de conselho
divino.
Essa história da seleção de um sucessor do rei etíope inclui um detalhe
que geralmente não é percebido - o fato de que o escolhido pela divindade era o
filho nascido do rei com sua irmã. Encontramos um paralelo na história bíblica
de Abraão e sua bela Sara, de quem Abimelec, o rei filisteu de Gerara, se agradou.
Uma vez antes, ao visitarem a Corte do faraó no Egito, quando o faraó desejou
tirar Sara de Abraão, Abraão pediu que ela dissesse que era sua irmã (não
esposa), de forma que a vida lhe fosse poupada. Prevenido por sua experiência,
Abraão mais uma vez pediu a Sara para dizer que era apenas sua irmã. Mas quando
Abimelec continuou com seu plano, o Senhor interveio:
E Elohim apareceu em sonho
a Abimelec e lhe disse:
"Sabe que serás punido
de morte
por causa dessa mulher,
porque ela tem marido".
"Abimelec não a tinha tocado" e explica ao Senhor que era
inocente, pois Abraão "disse para mim: 'Ela é minha irmã', e ela também
disse: 'Ele é meu irmão"'. Então "Elohim disse a ele, no sonho"
que ele não seria punido, desde que devolvesse Sara a Abraão, intocada. Depois,
quando Abimelec exigiu uma explicação de Abraão, este explicou que temendo por
sua vida, disse a verdade, mas não toda a verdade. "De fato, ela é
verdadeiramente minha irmã, como filha que é de meu pai, ainda que não filha de
minha mãe, e pude recebê-la como mulher." Sendo meia-irmã de Abraão, Sara
assegurava que seu filho (Isaac), mesmo não sendo primogênito, seria o
sucessor. Essas regras de sucessão, imitando os costumes dos Anunnaki,
prevaleceram no antigo Oriente Médio (e chegaram a ser copiadas pelos incas, no
Peru).
Os filisteus chamavam sua divindade principal de Dágon, um nome ou
epíteto que pode ser traduzido como "Ele dos Peixes" – o deus da
Pesca, um atributo de Ea/Enki. Tal identificação, entretanto, não é tão óbvia
e certa, porque quando essa divindade aparece em outros lugares do antigo
Oriente Médio, seu nome é soletrado Dagan, que poderia significar
"Ele dos Grãos" - um deus da Agricultura. Qualquer que seja sua
identidade verdadeira, esse deus aparece em vários sonhos-presságios,
registrados nos arquivos estatais do reinado de Mari, uma cidade-estado que
floresceu no início do II milênio a.C., até sua destruição pelo rei babilônio
Hamurábi, em 1759 a.C.
Um registro de Mari pertence a um sonho cujo conteúdo foi julgado tão significativo
que foi levado por mensageiro à atenção de Zimri-Lim, o último rei de Mari. No
sonho, um homem viu a si mesmo viajando com outros. Ao chegar a um lugar
chamado Terga, ele entrou no templo de Dagan e prostrou-se. Naquele instante, o
deus "abriu sua boca" e perguntou ao viajante se uma trégua fora
declarada entre as forças de Zimri-Lin e aquelas dos iaminitas. Quando o
viajante respondeu com uma negativa, o deus reclamou que não foi mantido a par
dos acontecimentos e instruiu o sonhador para mandar uma mensagem ao rei,
exigindo que ele enviasse mensageiros para atualizar o deus sobre a situação.
"Isso foi o que esse homem viu em seu sonho", afirmava o relatório
urgente enviado ao rei, adicionando que "aquele homem era digno de
confiança".
Outro sonho relativo a Dagan e às guerras nas quais Zimri-Lim estava
envolvido foi registrado por uma sacerdotisa do templo. No sonho, afirmou ela,
"Entrei no templo da deusa Belet-ekallim ("Senhora dos
Templos"), mas a deusa não estava, nem vi as estátuas dedicadas a ela.
Quando vi aquilo, comecei a chorar". Então escutei "uma voz lúgubre
chorando, repetindo: 'Volte, ó Dagan... volte, ó Dagan'. Isso continuou sem
parar". Então a voz tomou-se mais alterada, enchendo o templo da deusa e
dizendo: " Ó Zimri-Lim, não saia em expedição. Fique em Marl, e eu tomarei
a responsabilidade".
A deusa que falou nesse sonho, oferecendo-se para lutar pelo rei cercado,
é referida pelo nome no relatório Annunitum, uma referência semítica a
Inana/Ishtar. A boa vontade em lutar por Zimri-Lim faz sentido histórico, pois
tinha sido ela quem ungira Zimri-Lim como rei de Marl - um ato divino,
comemorado no magnífico mural encontrado no palácio de Mar quando foi desenterrado
por arqueólogos franceses.
A sacerdotisa que relatou o sonho, de nome Addu-duri, era uma sacerdotisa
do oráculo. Em seu relatório, ela lembrou que enquanto suas previsões eram
baseadas em "sinais" no passado, aquela fora a primeira vez que ela
tivera um sonho premonitório. Seu nome é mencionado em outro relatório de
sonho, mas dessa vez um sonho de um sacerdote no qual ele viu a Deusa dos
Oráculos falando-lhe sobre o rei ser "negligente ao proteger a si
mesmo". (Em outras ocasiões, as sacerdotisas do oráculo levaram ao rei
mensagens divinas obtidas quando estavam em transe auto-induzido, em vez de por
sonhos.)
Mari ficava na margem do rio Eufrates, onde, nos dias de hoje, a Síria e
o Iraque se encontram, e servia como base entre a Mesopotâmia e a costa do
Mediterrâneo (portanto para o Egito), numa rota que cruzava o deserto da Síria
até a Montanha dos Cedros, no Líbano. (Uma rota mais longa, que passava pelo
Crescente Fértil, incluía Harran, no Eufrates superior.) Não é de espantar,
pois, que os povos da costa, como vizinhos dos filisteus, acreditassem (e
registrassem) em sonhos como uma forma de Encontro Divino. Embora seus
escritos (dos quais sabemos apenas por achados em Ras Shamra, a antiga Ugarit,
na costa mediterrânea da Síria) lidassem principalmente com as lendas ou
"mitos" do deus Baal, de sua companheira, a deusa Anat, e do pai
deles, o deus idoso El, mencionam sonhos de presságio de heróis patriarcais.
Assim, na História de Aqhat, um patriarca de nome Danel, sem herdeiro
do sexo masculino, escuta de El, num sonho-presságio, que ele teria um filho no
espaço de um ano - assim como Abraão recebeu a mensagem de Iavé a respeito do
nascimento de Isaac. (Quando o menino Aqhat cresce, Anat tem desejos por ele, e
assim como fizera com Gilgamesh, promete longevidade se Aqhat se tomar seu
amante. Diante da recusa, ela causa a morte dele.)
Os sonhos são uma forma venerada de comunicação divina, e foram registra
dos das terras do Alto Eufrates até a Ásia Menor. As costas onde atualmente se
localizam Israel, Líbano e Síria serviam tanto de ponte quanto de campo de batalha
entre os faraós egípcios e os reis da Mesopotâmia - cada um dizendo agir por
ordens divinas. Não é de estranhar que nessa reunião e miscigenação os sonhos
premonitórios também refletissem o choque entre culturas e a mistura de
presságios.
Registros egípcios de sonhos premonitórios da realeza incluem um texto
conhecido dos estudiosos como a Lenda da Princesa Possuída - um dos
registros mais antigos sobre exorcismo. Escrito na estela que agora se encontra
no Museu do Louvre, em Paris, narra como o príncipe de Bekhten (Bactria, no
Eufrates superior), que casara com uma princesa egípcia, buscou a ajuda do
faraó Ramsés II para curar a princesa dos" espíritos que a possuíam".
O faraó enviou um de seus mágicos, mas não adiantou. Então o príncipe de
Bekhten pediu que um deus egípcio "fosse trazido para lutar com aquele
espírito".
Recebendo o pedido em Tebas, sua capital, durante um festival religioso,
o faraó foi ao templo do deus Khensu, descrito como filho de Rá e geralmente
representado com uma cabeça de falcão na qual a Lua repousa com seu Crescente.
Lá o rei contou ao deus, "o grande deus que expele os demônios da
doença", qual era o problema e pediu a ajuda divina. Enquanto ele falava,
"havia muita concordância da cabeça de Khensu", indicando uma atitude
favorável. Então o rei montou uma grande caravana que foi para Bekhten acompanhando
o deus (ou seu "profeta, o que executava os planos", ou a estátua do
deus - conforme sugerem alguns estudiosos). Por meio dos poderes mágicos
divinos, o "mau espírito" foi exorcizado.
Testemunhando os poderes mágicos de Khensu, o príncipe de Bekhten
planejou em seu coração, dizendo: "Vou fazer com que esse deus fique aqui
em Bekhten". Tendo, porém, causado um adiamento no retomo do deus para o
Egito, o príncipe teve um sonho enquanto "dormia em sua cama". No
sonho, viu "esse deus vindo até ele do santuário. Era um falcão de ouro
que voou pelo céu na direção do Egito". O príncipe" acordou em
pânico" e percebeu que o sonho era um presságio divino, instruindo-o a
deixar que o deus voltasse ao Egito. Portanto o príncipe" deixou que esse
deus voltasse ao Egito, depois de ter dado a ele muitos presentes entre todas
as coisas boas".
Mais ao norte de Bactria, na Terra dos Hititas, na Ásia Menor, a
convicção de que os sonhos reais constituíam revelações divinas também era
sustentada. Um dos mais longos textos que refletem tais convicções é chamado
pelos estudiosos de Os Rezadores da Praga de Mursilis, um rei hitita que
reinou de 1334 até 1306 a.C. Conforme confirmado por textos históricos, uma
praga afligiu as terras e começou a dizimar a população; Mursilis não podia
entender o que zangara os deuses. Ele mesmo fora piedoso e muito religioso,
"celebrou todos os festivais, nunca preferindo um texto a outro". O
que, então, estava errado? Desesperado, ele incluiu as seguintes palavras em
sua oração:
Ouvi-me deuses, meus
senhores!
Mandai para longe a praga da
terra hitita!
Deixai que o motivo
para as pessoas estarem morrendo
seja descoberto - ou
por uma profecia,
ou me deixai ver no sonho,
ou deixai que um profeta o
declare.
Deve ser notado que os três métodos mencionados de obter orientação
divina - um sonho de oráculo, uma profecia ou comunicação por intermédio de
profeta - são exatamente os mesmos três métodos listados pelo rei Saul quando
tentou obter a orientação de Iavé. E também, como no caso do rei israelita que
não recebeu resposta, também os apelos do rei hitita: "Os deuses não
escutaram; a praga não melhorou; a terra dos hititas continuará a ser afligida".
"Os assuntos estão ficando muito grandes para mim", escreveu
Mursilis em seus anais, e redobrou seus apelos ao deus Teshub ("O Soprador
do Vento" ou "Deus Tempestade", a quem os sumérios chamavam de
Ishkur e os povos semitas, de Adad). Por fim ele conseguiu receber um
presságio; uma vez que não era uma profecia ou adivinhação, deve ter sido um
sonho premonitório, o terceiro método de comunicação divina com o rei. Foi
assim que Mursilis ficou sabendo que seu pai, Shupiliumans, em cujo tempo a
praga começou, transgredira de duas formas: ele quebrou algumas oferendas aos
deuses e também seu juramento num tratado com os egípcios para manter a paz, e
levou os cativos egípcios de volta à Terra dos Hititas; foi nessa época que a
praga se instalou entre os hititas.
Se assim fosse, disse o rei a Teshub em suas súplicas, ele iria oferecer
restituição "em compensação pelos pecados do pai", e aceitar toda a
responsabilidade. Se o aumento da praga ou restituições fossem exigidas, ele
pediu ao deus que "deixai-me ver num sonho, ou deixai que encontre num
presságio, ou deixai que um profeta o diga a mim".
Assim, ele listou outra vez os três métodos aceitos ou esperados de
comunicação com os deuses. Já que o texto, quando encontrado, finaliza aqui, é
preciso assumir que a raiva de Teshub terminou, assim como a praga.
Outras inscrições hititas que registram Encontros Divinos por meio de
sonhos e visões foram achadas. Algumas estão relacionadas à deusa Ishtar, a
suméria Inana, cuja elevação continuou bem depois dos tempos dos sumérios.
Em uma dessas inscrições, o príncipe hitita que era herdeiro ao trono
afirmou que a deusa aparecera a seu pai num sonho, dizendo a ele que o jovem
príncipe tinha apenas alguns anos para viver; mas que, se resolvesse dedicar-se
a Ishtar como sacerdote, "então ele deve viver". O rei, então, seguiu
o sonho/premonição, o príncipe viveu, e seu irmão (Muvatalis) herdou o trono em
seu lugar.
O mesmo Muvatalis e Ishtar são os mais importantes num sonho relatado
por Hatusilis ill (1275-1250 a.C.), também um irmão de Muvatalis. Afirma que
Muvatalis, aparentemente por algum motivo ruim, ordenou que seu irmão Hatusilis
fosse submetido a um julgamento "pela roda sagrada" (um procedimento
ou tortura cuja natureza é incerta). "Entretanto", a vítima declarou
num relatório, "minha senhora Ishtar me apareceu em um sonho. No sonho,
ela me disse o seguinte: 'Devo abandonar você para uma divindade hostil? Não
tema!'. Com a ajuda da deusa fui agraciado; porque a deusa, minha Senhora, me
segurou pela mão; ela jamais me abandonou a uma divindade hostil ou julgamento
ruim."
Segundo os vários anais reais hititas da época, a deusa Ishtar anunciou
seu apoio a Hatusilis III, em sua luta pelo trono com seu irmão Muvatalis, em
sete sonhos-oráculos. Num deles, o pedido foi que a deusa prometera o trono
hitita a Hatusilis num sonho da esposa dele - esposa, segundo outro sonho,
casada "segundo o comando da deusa Ishtar; a deusa me confiou num
sonho". Num registro de um terceiro sonho, conta-se que Ishtar apareceu a
Urhi-Teshub, herdeiro indicado de Muvatalis, e disse a ele num sonho que todos
os esforços para afastar Hatusilis eram em vão: "Sem propósito vocês se
cansaram, pois eu, Ishtar, entreguei todas as terras dos hititas para
Hatusilis".
Registros de sonhos hititas, pelo menos os que têm
sido encontrados, refletem a importância que foi ligada ali à própria observância
dos ritos e requisitos de adoração. Num texto descoberto, "um sonho de sua
majestade o rei" é relatado assim: no sonho, a Senhora Hebat que Julga (a
esposa de Teshub) repete sempre em sua majestade: "Quando o Deus da
Tempestade vem do céu, ele não deve achar você avarento". Sonhando, o rei
respondeu que fizera um objeto ritual de ouro para o deus. Mas a deusa disse:
"Não é o suficiente!". Depois outro rei, o de Hakmish, entrou na
conversa-sonho, dizendo a sua majestade: "Por que não deu os instrumentos Huhupal
e as pedras de lápis-lazúli que prometeu a Teshub?".
Quando o rei hitita acordou desse sonho em
"trílogo", relatou-o à sacerdotisa Hebatsum. E ela disse que o
significado do sonho era "Você precisa dar os instrumentos Huhupal e
as pedras lápis-Iazúli ao grande deus".
De forma não característica pelas narrativas de
sonhos da realeza no antigo Oriente Médio, alguns deles pertencem aos sonhos
de rainhas, membros femininos da realeza. Tal registro, que inicia com a
afirmação "Um sonho da rainha", declara que "a rainha fez um
voto em sonho à deusa Hebat". Nesse sonho votivo, a rainha disse à
divindade: "Se vós, minha Senhora, divina Hebat, irá deixar o rei bem e
não o entregará ao mal, farei para a divina Hebat uma estátua de ouro e uma
roseta de ouro, e para o regaço, farei também um peitoral de ouro".
Em outra oportunidade, o evento registrado foi a
aparição de um deus não identificado no sonho da rainha - talvez a mesma rainha
que procurou a intervenção de Hebat para curar seu marido doente. No sonho,
esse deus diz à rainha "em relação ao assunto que pesa sobre seu coração,
sobre seu marido: ele vai viver; darei a ele 100 anos". Ao ouvir isso,
"a rainha fez um voto em seu sonho: "Se vós fizerdes isso para mim e
meu marido continuar vivo, darei aos deuses três vasos Harshialli, um
com óleo, outro com mel e outro com frutas".
A doença do rei deve ter pesado muito no coração da rainha, pois num
terceiro registro de sonho a rainha diz que alguém a quem ela não pôde ver
repetia, no sonho: "Faça uma promessa à deusa Ningal" (esposa de
Nanar/Sin), prometendo a ela objetos rituais de ouro, decorados com
lápis-lazúli, se o rei se recuperar. Ali a doença era descrita como "fogo
dos pés".
Em outra parte da Ásia Menor, na Lídia, onde as cidades gregas
prosperaram, um rei chamado Giges teve - segundo seu adversário, o rei assírio
Assurbanipal - um sonho premonitório. Nele, o rei adormecido viu uma inscrição
que continha o nome de Assurbanipal. O mensageiro divino disse: "Curve-se
perante os pés de Assurbanipal, o rei da Assíria; depois você conquistará seus
inimigos apenas mencionando o nome dele".
De acordo com a inscrição do rei assírio, o rei Giges, "no mesmo dia
em que ele teve o sonho, me enviou um cavaleiro para me desejar boa saúde e
contar-me o sonho; e desde o dia em que ele se curvou perante meus pés reais,
conquistou os Cimérios, que vinham ameaçando os habitantes de seu país".
O interesse do rei assírio no registro de um rei estrangeiro não era
senão um reflexo das crenças assírias no poder dos sonhos como uma forma
poderosa de Encontro Divino. As epifanias e oráculos dos sonhos reais eram um
fenômeno procurado com ansiedade e registrado pelos reis da Assíria; o mesmo
era verdadeiro para os reis da vizinha e rival Babilônia.
O próprio Assurbanipal, que mantinha anais extensos em prismas de argila
cozida (como a que se encontra no Museu do Louvre), relata numerosas
experiências com sonhos; várias vezes eram de outros que não ele mesmo, como no
caso do rei Giges.
Numa ocasião, era o registro de um sacerdote que, no meio da noite,
"teve um sonho como se segue: havia um escrito sobre o pedestal do deus
Sin; o deus Nabu, escriba do mundo, estava lendo a inscrição repetidamente:
sobre aqueles que planejam o mal contra Assurbanipal, rei da Assíria, e
recorrem às hostilidades, trarei morte sofrida, terminarei suas vidas com uma
rápida espada de ferro, conflagração, fome e doença". Um pós-escrito por
Assurbanipal nesse relatório afirma: "Esse sonho eu escutei e coloquei
minha confiança na palavra de meu Senhor Sin".
Em outra oportunidade ficou registrado que um só e o mesmo sonho - talvez
"visão" fosse um termo melhor - foi experimentado por um exército
inteiro. Nesse relevante texto, Assurbanipal conta que quando seu exército
alcançou o rio Idide, este era uma correnteza poderosa, e os soldados ficaram
com medo de atravessar. "Mas a deusa Ishtar, que mora em Arbela, fez com
que meu exército tivesse um sonho no meio da noite." Nesse sonho em massa
ou visão, Ishtar dizia: "Vou à frente de Assurbanipal, o rei que eu mesma
fiz". O exército, acrescenta Assurbanipal num pós-escrito, "apoiou-se
nesse sonho e atravessou o rio Idide em segurança". (Dados históricos
confirmam a travessia desse rio pelo exército de Assurbanipal por volta de 648
a.C.)
Na introdução de outro sonho em relação ao seu reinado, Assurbanipal
argumenta que o sonho de um sacerdote da deusa Ishtar resulta de uma
comunicação anterior da deusa diretamente com o rei. "A deusa Ishtar
escutou meus suspiros ansiosos e disse para mim: 'Não tema... visto que ergueu
as mãos em oração e seus olhos estão cheios de lágrimas. Tenho piedade de
você'." .
Foi durante a mesma noite da epifania acima que "um sacerdote-vidente
foi para a cama e teve um sonho: quando acordou, assustado, Ishtar fez com que
ele tivesse uma visão noturna". Conforme relatado pelo sacerdote a
Assurbanipal, o que ele viu foi isso: "A deusa Ishtar, que vive em Arbela,
veio. Aljavas pendiam à sua direita e à sua esquerda; ela manteve o arco em
sua mão; sua espada afiada estava desembainhada para a batalha. Vós estáveis
perante ela, e ela falava a vós como uma mãe verdadeira". Então, disse, o
sacerdote escutou em sua visão Ishtar dizer ao rei: "Espere em seu ataque;
aonde quer que vá, eu irei à frente... Fique aqui, coma, tome vinho, alegre-se
e louve minha divindade, enquanto avanço e realizo a tarefa pela qual me
pediu". Então o sacerdote continuou a descrever sua visão: A deusa
abraçou o rei e o envolveu em sua aura protetora; "suas feições brilhavam
como fogo, e ela saiu da sala". A visão, contou o sacerdote-vidente ao
rei, significava que Ishtar estará ao lado do rei quando ele marchar contra o
inimigo. A visão de Ishtar armada como uma deusa guerreira emitindo raios está
registrada em várias estelas.
Os anais de Assurbanipal, que se gabava de que entre seu grande
conhecimento constava a habilidade de interpretar sonhos, estão repletos de
referências a oráculos - provavelmente por meio de sonhos, embora isso não
esteja especificado - dados a ele por este ou aquele dos" grandes deuses,
meus senhores", ligados às suas campanhas militares. O interesse dele em
sonhos e suas interpretações o levou também a ter os arquivos estatais
examinados à procura de registros de oráculos do passado. Assim ficou-se
sabendo que um arquivista de nome Marduk-shum-usur contou a Assurbanipal que
seu avô, Senaqueribe, tivera um sonho no qual o deus Asur, o deus nacional da
Assíria, apareceu a ele e disse: "Ó sábio rei, rei dos reis: és filho do
sábio Adapa, ultrapassas todos os homens no conhecimento de Apsu (o domínio de
Enki)".
No mesmo relatório, o arquivista, evidentemente treinado como um
sacerdote de oráculo, também relatou a Assurbanipal as circunstâncias que
fizeram seu pai, Asaradão, invadir o Egito. Foi quando "teu pai, Asaradão,
se encontrava na região de Haran que ele viu um templo de cedro e entrou e viu
no interior o deus Sin apoiado num cajado, segurando duas coroas". O deus
Nusku, o Divino Mensageiro dos deuses, "estava em pé perante ele; quando
o pai do rei entrou, o deus colocou uma coroa sobre sua cabeça dizendo: 'Você
vai para outros países, onde será o conquistador'. Teu pai partiu e conquistou
o Egito".
Embora o texto não diga nada explicitamente, presume-se que o incidente
no templo em Haran também tenha sido um sonho, uma visão-sonho de Asaradão. Na
verdade, textos históricos e religiosos daquele época indicam que Nanar/Sin
deixou a Mesopotâmia depois que a Suméria foi destruída e Marduk voltou à
Babilônia para reclamar supremacia "na Terra e nos Céus" (em 2024
a.C., por nossos cálculos). Haran, onde Asaradão recebeu o oráculo permissivo
do deus ausente, era um lugar de dois cultos de Nanar/Sin, imitando o centro
principal de Nanar/Sin na Suméria - a cidade de Ur. Foi para Haran que o pai de
Abraão, o sacerdote Terah, levou sua família ao deixar Dr. Conforme veremos,
Haran entrou em destaque quando os sonhos-profecias e os eventos reais mais
uma vez mudaram o curso da história.
Conforme profetizado pelos profetas bíblicos, a poderosa Assíria, o
flagelo das nações, prostrou-se perante os invasores aquemênidas (da Pérsia),
que conquistaram Nínive em 612 a.C. Na Babilônia, Nabucodonosor, livre da
pressão dos assírios, avançou nas terras vazias próximas e distantes e
destruiu o templo em Jerusalém. Mas os dias da Babilônia também estavam
contados e o final foi previsto para o rei numa série de sonhos. Conforme
registrado pela Bíblia, (Daniel, capítulo 2) Nabucodonosor teve um sonho
perturbador. Chamou os "mágicos, videntes, feiticeiros e caldeus"
(astrólogos) e pediu-lhes para interpretar o sonho - sem contar, entretanto,
qual fora o sonho. Como não puderam atender ao seu pedido, ordenou a execução
deles. Porém Daniel foi levado perante o rei e invocou os poderes do "Deus
no céu que revela mistérios". O carrasco recebeu a ordem de esperar, e
Daniel primeiro adivinhou o sonho, explicou seu significado. "Em sua
visão, apareceu uma estátua muito grande", disse ele ao rei. "Tal
estátua era de tamanho extraordinário e tinha em pé diante de ti." A
cabeça da estátua era de ouro puro, o peito e os braços, de prata, o ventre e
as coxas, de bronze, as pernas eram de ferro, os pés parte ferro e parte barro.
Então uma pedra que nenhuma mão segurou apareceu e reduziu a estátua em
pedaços; os pedaços se tomaram palha, que foi carregada pelo vento para desaparecer
de todo lugar; e a pedra tomou-se uma grande montanha.
"Esse foi o sonho",
afirmou Daniel, e aqui está o significado: A estátua representa a grande
Babilônia; a cabeça de ouro é Nabucodonosor; depois dele existirão mais três
reis menores; no final, tudo será varrido como palha e um novo rei de outro
lugar se elevará.
Nabucodonosor teve um segundo
sonho, depois disso. Chamou os videntes, incluindo Daniel. Em "visões
enquanto estava deitado na cama", o rei disse que viu uma árvore alta que
continuava crescendo até atingir os céus; era uma árvore frutífera que
fornecia sombra. De repente:
A visão da minha cabeça,
estando eu na minha cama,
é esta: eis que um Vigia, um
Santo, desceu dos céus.
Clamou com uma voz forte e
disse:
"Deitai abaixo
pelo pé esta árvore, cortai-Ihe os
ramos e espalhe seus frutos,
mas deixai na terra
o tronco com suas raízes.
E Daniel disse ao rei que a árvore era ele, Nabucodonosor; e a visão era
um oráculo das coisas que viriam a acontecer - o final de Nabucodonosor,
condenado a perder o juízo, a vagar pelos campos como folha soprada pelo vento
e a comer como os animais. A tradição sustenta que Nabucodonosor realmente
enlouqueceu, morrendo sete anos depois daquele sonho premonitório (562 a.C.).
Conforme o previsto, os três sucessores foram reis de vida curta,
depostos e mortos numa série de rebeliões. Nesse espaço entrou a alta
sacerdotisa do templo de Sin, em Haran, a qual numa série de preces a seu deus
o convence a voltar para Haran e abençoar a elevação de seu filho, Nabunaid
(embora ele fosse apenas remotamente associado à linha real assíria). Como
resultado disso, o último rei efetivo da Babilônia e seus sonhos ligaram o
final da civilização mesopotâmica a Haran. A época era 555 a.C.
Para que um não-babilônio seguidor de Sin fosse o dirigente da Babilônia,
era necessária a aprovação de Marduk e a reaproximação entre esse filho de Enki
e o filho de Enlil (Sin). A dupla bênção e o entendimento foram confirmados -
talvez conseguidos - pelos vários sonhos de Nabunaid. Eram tão importantes que
ele os gravou em estelas, para que todos os conhecessem.
Os sonhos premonitórios de Nabunaid possuem alguns aspectos incomuns. Em
pelo menos dois deles, planetas representando divindades fazem sua aparição. Em
outro, a presença de um rei morto toma parte nos acontecimentos, e foi dividido
em duas partes como forma de relatar um sonho no interior de outro sonho.
No primeiro dos três sonhos registrados, Nabunaid viu "o planeta
Vênus, o planeta Saturno, o planeta Ab-Hal, o Planeta Brilhante e a Grande
Estrela, as grandes testemunhas que vivem no céu". Ele (no sonho) erigiu
altares para eles e rezou por uma vida duradoura, reinado longo e uma resposta
favorável de Marduk. Nabunaid, então - no mesmo sonho ou numa seqüência -,
"deitou-se e contemplou, em visão noturna, a Grande Deusa que restaura a
saúde e concede a vida aos mortos". Rezou para ela, também, por vida longa
e "pedi que ela voltasse seu rosto para mim". E...
Ela se voltou realmente
e olhou diretamente para mim
com seu rosto brilhante,
indicando assim sua piedade.
No preâmbulo do relatório de outro sonho, Nabunaid afirma que ele
"se tomou apreensivo em relação à conjunção da Grande Estrela e da
Lua", os equivalentes celestes de Marduk e Nanar/Sin. Então dispôs-se a
contar o sonho:
No sonho, de repente apareceu um homem a meu lado. Ele me
disse: "Não existem aspectos ruins na conjunção".
No mesmo sonho, Nabucodonosor, meu antecessor no trono,
apareceu perante mim. Ele estava em pé sobre um carro, com um cocheiro. O
cocheiro disse a Nabucodonosor: "Fale com Nabunaid para que ele possa
contar o sonho que teve!".
Nabucodonosor escutou-o e disse
para mim: "Conte-me os bons augúrios que viu".
Respondi: "Em meu sonho, vi com alegria a Grande
Estrela e a Lua. E o planeta de Marduk, alto no céu, me chamou pelo
nome".
A conjunção dos equivalentes celestes de Marduk e Sin significava, assim,
a concordância de ambos na ascensão de Nabunaid ao trono. Nabucodonosor
parecia, numa espécie de retrospectiva, aprovar sua sucessão.
O terceiro sonho mostrava a reaproximação de Marduk e Sin ainda mais.
Nele, os "grandes deuses" Marduk e Sin estavam em pé juntos, e Marduk
repreendeu o rei por ainda não ter começado a reconstrução do templo de Sin, em
Haran. Na conversa, Nabunaid explicou que não podia fazer aquilo porque os
medos estavam sitiando a cidade. Marduk, então" previu a derrota do
inimigo pela mão de Ciro, o rei aquemênida. Isso realmente acontece mais tarde,
relata Nabunaid num pós-escrito do registro desse sonho.
Ao lutar para manter o império unido, Nabunaid indicou seu filho Baltasar
como regente da Babilônia. Lá, porém, no meio de um banquete destinado a fazer
esquecer o torvelinho que o cercava, apareceu a Escrita-na-parede. Mene,
Tekel, Fares eram as palavras - os
dias da Babilônia estão contados, o reino será dividido e entregue aos medos e
persas. Em 539 a.C. a cidade caiu perante o rei aquemênida Ciro. Um de seus
primeiros atos foi permitir o retomo dos exilados para a sua terra de origem e
restituir-lhes a liberdade de cultuar nos templos de sua escolha - um edito
gravado no Cilindro de Ciro, agora no Museu Britânico, em Londres. Para os
exilados judeus, ele escreve uma proclamação especial permitindo sua volta para
a Judéia e a reconstrução do Templo de Jerusalém; ele fez isso, afirma a
Bíblia, porque foi "encarregado de agir assim" por Iavé, o Deus do
Céu.
Fonte: Cap. 10 - Encontros Divinos - Zecharia Sitchin