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quarta-feira, 18 de maio de 2016

ANJOS E OUTROS EMISSÁRIOS


Uma visão noturna, uma observação de Ovni e uma aparição de anjos se juntam como um dos sonhos mais intrigantes narrados pela Bíblia, conhecido como Sonho de Jacó. Trata-se do mais significativo Encontro Divino, pois nele o próprio Iavé jurou proteger Jacó, filho de Isaac e neto de Abraão, abençoá-lo e à sua semente, e dar a Terra Prometida a ele e seus descendentes para sempre.

As circunstâncias que levaram a esse Encontro Divino, no qual Jacó - numa visão - viu os Anjos do Senhor em ação, ocorreram durante a jornada de Jacó de Canaã, onde a família se estabelecera, até Haran, onde outros membros da família de Abraão ficaram quando ele foi até o Sinai e o Egito. Receoso de que seu filho Jacó, com quem a sucessão divina repousava, se casasse com uma cananéia pagã, "Isaac chamou Jacó, o abençoou e disse-lhe: Não tomes mu­lher das filhas de Canaã. Levanta-te, vá para Padam-Aram, à casa de Betuel, pai de tua mãe, e toma para ti, de lá, mulher das filhas de Labão, irmão da tua mãe".

Haran, conforme recordamos, era uma parada de caravanas (que é o significado do nome) na rota para o norte, da Mesopotâmia para as terras do Mediterrâneo, e, portanto, para o Egito. Foi lá que Abraão ficou com seu pai, Terah, antes de receber a ordem de prosseguir para o sul; foi lá que Asaradão (cerca de quinhentos anos depois) recebeu a profecia para invadir o Egito, e Nabunaid foi escolhido para reinar sobre a Babilônia (Haran, ainda chamada por seu nome antigo, atualmente continua uma grande cidade no sul da Turquia, mas desde que mesquitas muçulmanas foram construídas sobre o monte, com a mesquita principal no local do antigo terreno sagrado, os arqueólogos não podem cavar lá. Numerosas ruínas de estruturas ainda são associadas com Abraão, e um poço ao norte da cidade é chamado Poço de Jacó, cuja história se segue).

Ao iniciar sua viagem para o norte de Beersheba, Jacó chegou ao final de um dia a um lugar onde seu avô Abraão havia acampa­do, viajando em sentido oposto, de Haran para Beersheba. Cansa­do, Jacó deitou-se para dormir em um terreno rochoso. O que se segue é mais bem narrado nas próprias palavras da Bíblia (Gênesis, capítulo 28):

Escada do anjos 
"E saiu Jacó de Beersheba e foi para Haran. E se encontrou no lugar, e dormiu ali porque havia se posto o sol. E tomou uma das pedras do lugar, colocou-a a sua cabeceira e deitou­-se naquele lugar. E sonhou, e eis que uma escada estava apoia­da na terra, e seu topo chegava até os céus, e eis que anjos de Elohim subiam e desciam por ela. E eis que o Eterno estava sobre ela e dizia: 'Eu sou Iavé, o Elohim de Abraão, teu avô, e o Elohim de Isaac; a terra em que jazes sobre ela, a ti darei e à tua semente. E será a tua semente como o pó da terra, e te fortalecerás, a oeste, a leste, ao norte e ao sul; e por isso serão benditas todas as famílias da terra, e por tua posteridade. E eis que Eu estou contigo, e te guardarei para onde quer que fores, e te farei voltar a esta terra; porque não te abandonarei até que Eu faça o que falei por ti'.

    "E despertou Jacó do seu sono e disse: 'Certamente Iavé está neste lugar, e eu não sabia.

"E ele temeu e disse: 'Quão espantoso é este lugar! Este não é outra coisa a não ser a casa de Elohim, e esta é a porta dos Céus!'.

"E madrugou Jacó, e pela manhã tomou a pedra que colo­cara à cabeceira e a pôs como monumento, e derramou azeite sobre seu topo e chamou aquele lugar de Beth-EI."

Nesse Encontro Divino, numa visão noturna, Jacó viu o que, sem dúvida, hoje em dia chamaria de Ovni; com exceção de que, para ele, não era um Objeto Voador Não-Identificado. Jacó percebeu que os ocupantes ou operadores eram seres divinos, "anjos de Elohim", e seu Senhor ou comandante não era outro que não o próprio Iavé, que "estava sobre ela". O que ele testemunhou não deixou dúvidas de que o local era um "Portal para o Céu" - um lugar do qual os Elohim podiam ir para o céu. As palavras são similares àquelas apli­cadas à Babilônia (Bab-Ili, "Portão dos Elohim"), onde ocorreu o incidente com a torre de lançamento" cujo cimo deve alcançar o céu".

Resultado de imagem para iavéO comandante identificou a si mesmo para Jacó como "Iavé, o Elohim" - o DIN.GIR - "de Abraão, teu avô, e o Elohim de Isaac". Os operadores da "escada" são identificados como" anjos de Elohim", e não simplesmente anjos; e Jacó, percebendo que sem saber parara no local usado por esses astronautas divinos, chamou o lugar de Beth-EI (Casa de El), sendo El o singular de Elohim.

Jacó erigindo altar em Betel
Algumas palavras de etimologia e da identidade desses" anjos" são necessárias.
A Bíblia é cuidadosa ao identificar os subordinados da divindade como Anjos de Elohim”, e não simplesmente “anjos”, porque o termo hebraico Mal’akhim não significa “ anjos”; significa, literalmente, “emissários”; e o termo é empregado na Bíblia para emissários comuns, de carne e osso, que levavam mensagens reais, e não divi­nas. O rei Saul enviou Mal'akhim (normalmente traduzido como “mensageiros”) para convocar Davi (II Samuel 16:19); Davi enviou Mal'akhim (também traduzido como “mensageiros”) ao povo de Jabesh Gilead para informá-los de que ele fora ungido rei (II Samuel 2:5); o rei Ahaz, da Judéia, enviou Mal'akhim (“emissários”) ao rei assírio, Teglate Falasar para ajudar a repelir ataques inimigos (II Reis 16:7), e assim por diante. Etimologicamente, o termo deriva da mes­ma raiz Mala'kha, que foi traduzida alternadamente como “traba­lho”, “ofício”, “artesanato”. A Bíblia emprega o termo nessa derivação em conexão com a “Sabedoria e Entendimento” que Iavé deu a Bezalel para ser capaz de realizar o Mala'kha necessária para construir o Tabernáculo e a Arca da Aliança no deserto do Sinai, portan­to um Mal'akh (singular de Mal'akhim) significava não um mero mensageiro, mas um emissário especial, treinado e qualificado para a tarefa e com alguns poderes de autonomia (como um embaixador teria). A referência das próximas páginas é relativa à expressãoAnjos de Elohim, os Emissários Divinos”.

A história de Jacó é pontilhada de sonhos premonitórios e en­contros angélicos - continuando, como veremos, as experiências dos Patriarcas, seu avô, Abraão, e seu pai, Isaac.

Jacó encontra Raquel em Haran
Ao encontrar Raquel no poço de água nos pastos de Haran e descobrindo que ela era filha de seu tio Labão, Jacó pediu a permissão de Labão para casar com ela. O tio concordou, desde que Jacó aceitasse servir Labão durante sete anos; depois disso Labão fez com que Jacó se casasse com sua filha mais velha, Lia, exigindo que ele servisse outros sete anos para ter Raquel como segunda esposa. Por insistência de Labão, Jacó, suas esposas, os filhos e os rebanhos que ele conseguiu acumular ficaram... por vinte anos. Então, uma noite Jacó teve um sonho. Nesse sonho, ele viu “carneiros saltando nos rebanhos, que eram listrados, malhados e pintados”. Intrigado pelo que vira, Jacó então recebeu uma profecia na segunda parte do sonho na qual um “anjo de Elohim”  aparece e o chama pelo nome. E disse Jacó: Aqui estou eu. E disse o anjo: Ergue, rogo, teus olhos, e vê que todos os carneiros que cobrem o rebanho são listrados, malhados e pintados, pois tenho visto tudo o que Labão fez a ti. Eu sou El, de Beth-El, onde sagraste um monumento... Agora levanta, sai desta terra e volta à terra de teu nascimento."
Assim, agindo de acordo com seu sonho-oráculo, Jacó apanhou sua família e seus pertences, e aproveitando a oportunidade de Labão se encontrar longe de casa, tosquiando ovelhas, deixou Haran apres­sadamente. Quando a notícia chegou a Labão, este ficou furioso. "E veio Elohim a Labão, o arameu, no sonho da noite, e disse-lhe: Guar­da-te ao falar com Jacó; nem bem, nem mal". Assim prevenido, Labão acabou por concordar com a partida de Jacó, e os dois erigiram uma pedra, segundo os costumes da época. Chamadas de Kudurru, eram pedras arredondadas no topo; os termos do acordo foram inscritos nelas, terminando com juramentos e a invocação dos deuses de cada parte como testemunhas do tratado; algumas vezes os símbolos dos equivalentes celestes dos deuses invocados estavam gravados próximos ao topo arredondado da pedra. Constitui um indicativo da precisão bíblica ao descrever o evento quando a narrativa (Gênesis 31:53) afirma: "O Elohim de Abraão e o Elohim de Nahor julguem entre nós, o Elohim dos pais deles". Enquanto o nome do Deus de Abraão, Iavé, não é mencionado, uma distinção é feita entre Ele e os deuses de seu irmão Nahor (que ficara para trás em Haran); todos, segundo Labão, eram Elohim do pai, Terah.

Os dados bíblicos sugerem que a rota favorita dos Patriarcas en­tre o Neguev (a parte sul de Canaã, que faz limite com a península do Sinai), da qual Beersheba era (e ainda é) a cidade principal, envolvia uma travessia do rio Jordão; isso indica que a Estrada do Rei, a leste do rio, era usada (em vez da costeira, a Estrada do Mar - veja o mapa). Foi então que Jacó, viajando para o sul com sua família, comitiva e rebanhos, chegou a um lugar onde o afluente Iaboc cria uma passagem mais fácil para a travessia do Jordão pelas montanhas; ali acon­teceu seu encontro seguinte com um Mal'akhim. Dessa vez, entretan­to, não foi sonho nem visão: foi um encontro face a face!
O acontecimento é relatado no capítulo 32 do Gênesis:

E voltou Jacó a seu caminho,
e encontraram-no anjos de Elohim.
E disse Jacó quando os viu:
"Um acampamento dos Elohim é este!",
E chamou o lugar de Mahana' im
(o Lugar de Dois Acampamentos).

O acontecimento foi gravado aqui em apenas dois versos, signi­ficativamente constituindo uma secção separada na escrita formal da Bíblia. Nos versos seguintes é narrada a história subseqüente, mas não relacionada à história do encontro de Jacó com seu irmão Esaú. A forma pela qual os antigos editores das Escrituras trataram esses dois versos traz à mente a forma pela qual o segmento dos Nefilim foi narrado no capítulo 6 do Gênesis (antecedendo a histó­ria de Noé e da arca), em que o segmento é nitidamente um rema­nescente de um texto mais longo. Da mesma forma, essa referência deve ser um relato de encontro com um grupo ou acampamento de Emissários Divinos - dois versos que permaneceram de um texto mais longo e detalhado.

Os antigos editores do Gênesis devem ter mantido a breve menção por causa do episódio que se segue, porque explica o motivo pelo qual o nome Jacó foi mudado para Israel.

Jacó lutando com um anjo
Ao chegar ao Vau do Iaboc, incerto de qual seria a atitude de seu irmão Esaú ao saber que o rival de sua sucessão retomara, Jacó adotou a estratégia de enviar a comitiva um pouco de cada vez. No fim, apenas ele, suas duas esposas com as criadas e os onze filhos permaneceram no acampamento para passar a noite; dessa forma, sob o proteção da escuridão, Jacó "tomou-os e os fez passar o ribei­ro, e fez passar tudo o que era dele". Então ocorreu o inesperado Encontro Divino:

E ficou Jacó só;
e lutou um homem com ele
até levantar-se a aurora.
E vendo que não podia com ele,
tocou-lhe na juntura de sua coxa (de Jacó),
e desconjuntou-se a juntura da coxa de Jacó
em sua luta com ele.

E disse: "Deixa-me ir, que vem rompendo a aurora".
Mas Jacó disse: "Não te deixarei ir,
salvo se me abençoares".
E ele disse: "Qual é teu nome?".
E disse: "Jacó".
E disse: "Não, Jacó não será mais teu nome,
e sim Israel, pois lutaste com (o anjo de) Deus
e venceste".

Isra-EI é um jogo de palavras que combina o significado de "disputa, luta", com EI, a divindade).


E perguntou Jacó:
"Dize-me, rogo, teu nome!".
E ele disse: "Por que perguntas meu nome?".
E ali o abençoou.


E chamou Jacó o lugar de Peni-El
(Rosto de El)
"Porque vi Elohim
face a face e foi salva minha alma".
E nasceu o sol quando passou Peniel,
e manquejava de sua coxa.

A primeira referência na Bíblia a um anjo do Senhor é no capítu­lo 16, relatando um acontecimento na época do avô de Jacó, Abraão. Abraão e sua esposa, Sara, estavam ficando velhos - ele com mais de oitenta e ela dez anos mais nova; e ainda não tinham filhos. Abraão acabava de cumprir a missão pela qual fora até Canaã - afastar ataques ao Espaçoporto no Sinai: a Guerra dos Reis (descrita no ca­pítulo 14 do Gênesis). O agradecido Senhor Iavé:

Apareceu a Abrão em uma visão, dizendo:
"Não temas, Abrão, Eu sou teu escudo;
tua recompensa será muito grande".

Porém Abraão (ainda chamado pelo nome sumério, Abrão), que não tinha filhos, respondeu amargamente: "Eis que a mim não des­te semente, e é que meu escravo vai me herdar".

E eis que foi a palavra de Iavé a ele:
"Este não te vai herdar,
senão o que sairá de tuas entranhas;
esse te herdará".
E o fez sair e disse: "Olha para os céus
e conta as estrelas, se podes contá-las".
E disse: "Assim será tua semente".

Foi nesse dia que Iavé fez uma aliança com Abrão, dizendo: "À tua semente dei esta terra, desde o rio do Egito até o grande rio Eufrates".
Porém a história bíblica continua. A despeito da promessa de incontáveis descendentes, Sara não teve um filho de Abraão. Então Sara disse ao marido que talvez fosse vontade do Senhor que Abraão não dependesse da capacidade de ela ter filhos, e sugeriu que ele "viesse" até sua serva pessoal, Hagar, a egípcia. E "Hagar concebeu", e começou a depreciar sua ama.
Embora fosse sua própria sugestão, Sara ficou furiosa e "mal­tratou-a", e Hagar fugiu.

E achou-a o anjo do Senhor
sobre a fonte das águas do deserto,
no caminho de Shur.
E disse: "Hagar, serva de Sara,
de onde vens e aonde vais?".

Hagar é socorrida por um anjo
Hagar explicou que estava fugindo de sua ama, então o anjo lhe disse para voltar, pois teria um filho e dele haveria descendência numerosa. "E o chamarás de Ishma-El - Deus Ouviu -, porque ouviu Deus tua aflição." E voltou Hagar e deu à luz Ismael; "e Abraão tinha 86 anos quando Ismael nasceu". Passaram-se treze anos antes que Iavé mais uma vez" aparecesse" a Abraão e confirmasse a Aliança com ele e seus descendentes e tomasse providências para conceder a Abraão uma legítima sucessão por meio de um filho de sua meia-irmã (Sara). Como parte de sua legitimação, Abraão e todos de sua casa tiveram que ser circuncidados; como parte da herança de Canaã e para cortar todos os laços com o antigo país, a Suméria, o patriarca hebreu e sua esposa tiveram de mudar seus nomes su­mérios (Abrão e Sarai) e adotar as versões semitas, Abraão e Sara. (Nossas referências até agora a "Abraão" e "Sara" foram por conveniência; a Bíblia, até esse ponto, os trata de Abrão e Sarai.) Abraão tinha, nessa época, 99 anos.

Abraão recebe três estranhos
Os detalhes desses encontros divinos, associados à predição sobre o nascimento de Isaac por Sara, são fornecidos no capítulo 17 do Gênesis. As circunstâncias - a teofania que levou à destruição de Sodoma e Gomorra - são descritas no capítulo seguinte, "quando Iavé mostrou-se" a Abraão. O idoso patriarca estava sentado à por­ta de sua tenda; era meio-dia, a hora mais quente. Repentinamente, três estranhos apareceram a Abraão, como se viessem do nada:

E ele ergueu os olhos e olhou,
e eis que três homens estavam parados acima dele.

E quando os viu, correu ao encontro deles

desde a porta da tenda e prostrou-se em terra,
e disse (ao maior):
"Meu Senhor, se tenho achado graça em teus olhos,
rogo-te que não passes por (sobre) teu servo.

A cena é repleta de mistério. Três estrangeiros aparecem de re­pente a Abraão, vistos quando ele ergue os olhos para o céu. Ele os vê em pé, "acima dele". Embora não identificados ainda, ele rapida­mente reconhece a natureza extraordinária - divina - do encon­tro. De alguma forma, um deles se destaca, e Abraão se dirige a ele, chamando-o "Meu Senhor". Suas palavras iniciam-se com um pedi­do importante: "Rogo-te que não passes sobre teu servo". Em ou­tras palavras, ele reconheceu a habilidade de percorrer os céus... Ainda assim, eles eram tão humanos que ele lhes ofereceu água para lavar os pés, convidou-os para descansar à sombra da árvore, e lhes ofereceu um pedaço de pão para "sustentar o coração", an­tes que passassem "sobre" ele. "E eles disseram: Assim fareis, con­forme falaste."

"E apressou-se Abraão à tenda, onde estava Sara" e pediu a ela que preparasse pães, enquanto ele providenciou um prato de carne, depois serviu a refeição a eles. Um deles, perguntando a respeito de Sara, disse: "Em um ano, quando eu retomar a ti, terá um filho Sara, tua mulher". Ao escutar aquilo na tenda, Sara riu, pois como pode­riam ela e Abraão, tão idosos, ter um filho?

E disse Iavé a Abraão:
"Por que se riu Sara dizendo:

Como é verdade que darei à luz, se envelheci?

Existe oculto de Iavé alguma coisa?
No prazo fixado voltarei a ti,
na mesma época no ano que vem,
e Sara terá um filho".

E seria por intermédio de Isaac que a semente da Aliança feita com Abraão se faria duradoura, afirmou Iavé.
À medida que a história continua, lemos que as pessoas se er­gueram para olhar na direção de Sodoma, e Abraão foi acompanha-­los. Mas enquanto a narrativa continua a descrever os três visitantes inesperados como Anashim - "pessoas" - o oráculo em relação ao nascimento de Isaac (cujo nome hebraico, Itz'hak, era um jogo de palavras com o "riso" de Sara) nos deixa entrever que um dos três era o próprio Iavé. Foi uma teofania impressionante, em que o Patriarca teve o Senhor Iavé como hóspede!

Ao chegarem ao promontório do qual Sodoma podia ser vista no vale do mar do Sal, Iavé resolveu contar a Abraão qual o motivo de sua visita.

Abraão conversa com Anjo
E disse Iavé:
"O clamor de Sodoma e Gomorra aumentou,
e seu pecado se agravou muito.
Descerei, pois, e verei que,
se fizeram como o clamor (das cidades)
vem a mim, darei fim neles;
Do contrário, o saberei".

Essa, então, era a missão das outras duas "pessoas" que esta­vam com Iavé - verificar a verdade ou a extensão da verdade sobre os "pecados" das duas cidades no vale do Jordão, próximo ao que hoje em dia é o mar Morto, de forma que Iavé pudesse determinar­lhes o destino. "E se voltaram dali as pessoas e foram a Sodoma, e Abraão ainda estava diante de Iavé", é o que lemos em Gênesis 18:22; porém quando a chegada das duas "pessoas" a Sodoma é narrada a seguir (Gênesis 19:1), toma-se claro aonde foram os dois: "E vieram os dois anjos a Sodoma, de tarde". Os três visitantes que haviam aparecido a Abraão, portanto, eram Iavé e seus dois emissários.

Antes que a Bíblia se focalize nas visitas dos anjos a Sodoma e Gomorra para a destruição das" cidades do mal", a Bíblia mostra uma conversa incomum entre Abraão e Iavé. Aproximando-se do Senhor, Abraão assumiu o papel de advogado de defesa de Sodoma (onde Lot, seu sobrinho, morava com a família). "Se encontrar cinqüenta justos dentro da cidade, também a destruirás e não a per­doarás pelos cinqüenta justos que há dentro dela? Longe de ti fazer tal coisa, de matar o justo com o mau?"

Lembrando Iavé de que ele era "Juiz de toda a Terra", e que sempre faria justiça, Abraão colocou o Senhor num dilema. Então Iavé respondeu que se houvesse cinqüenta justos em Sodoma ele pouparia a cidade. Em seguida Abraão, pedindo desculpas pela audácia, insistiu, perguntando o que aconteceria se faltassem cinco a esse número. Iavé respondeu, dizendo que não a destruiria se houvesse 45 justos. Assumindo a ofensiva, Abraão começou a barganhar, reduzindo o número de justos pelos quais a cidade seria poupada, até chegar a dez. "E foi embora Elohim logo que acabou de falar a Abraão", subindo para o céu, de onde viera naquele mesmo dia. "E Abraão voltou ao seu lugar."

Ló recebe dois anjos
"E vieram os dois anjos a Sodoma, de tarde, e Lot estava senta­do à porta de Sodoma; e viu-os Lot, e levantou-se indo ao seu en­contro, prostrou seu rosto em terra e disse: Eis que vos rogo, meus senhores, vinde, rogo, à casa de vosso servo e dormi, e lavai vossos pés e madrugareis e seguireis vosso caminho." Sendo que os dois concordaram em ficar na casa de Lot, "os homens da cidade, os ho­mens de Sodoma, desde o jovem até o velho, todo povo de todo lado chamaram a Lot e disseram: 'Onde estão os homens que vieram a ti esta noite? Faze-os sair para nós, e os conheceremos"'. E quando o povo insistiu, chegando a tentar arrombar a porta da casa de Lot, os anjos "feriram de cegueira, desde o pequeno até o grande, e cansaram-se para encontrar a porta".

Teriam os anjos usado algum tipo de cajado mágico, um emis­sor de raios, contra as pessoas que tentavam arrombar a porta? Na resposta a essa pergunta encontra-se a resposta a um mistério maior. Ao descrever a chegada dos visitantes de Abraão e depois de Lot, esses visitantes são chamados de Anashim - "pessoas" (não necessariamente "homens", como o termo é traduzido muitas vezes). Ainda assim, em ambas as instâncias, os anfitriões reconhecem imedia­tamente algo que os faz parecer diferentes, algo" divino" neles. Os anfitriões logo os chamam de Senhores e se prostram. Se, conforme a descrição, os visitantes eram completamente antropomórficos, o quê, apesar disso, era tão diferente e distinto neles?

      A resposta que vem instantaneamente à mente seria – claro -  ­suas asas! Mas, como demonstraremos a seguir, veremos que a resposta não é necessariamente essa.

A noção popular de anjos, uma imagem sustentada e ampliada por séculos de arte religiosa, é a de seres idênticos aos humanos,
mas que, ao contrário deles, estão equipados com asas. Na verdade, se lhes fossem retiradas as asas, seriam indistinguíveis de seres hu­manos. Trazidos para a iconografia ocidental pelos primeiros cris­tãos, a origem indubitável de tal representação de anjos foi o Orien­te Médio. Nós os encontramos na arte suméria - o emissário alado que levou Enkidu, os guardiões com os raios mortais. Nós os encon­tramos na arte religiosa da Assíria e do Egito, de Canaã e da Fenícia. Representações similares dos hititas chegaram a ser duplicadas na América do Sul, em Tiahuanaco, na Porta do Sol  - evidência de contatos hititas com aquele local distante.

Embora os modernos estudiosos, desejando evitar conotações religiosas, se refiram aos seres representados como" gênios protetores", os povos antigos os consideravam uma espécie de deuses menores, que apenas executam as ordens dos "Grandes Senhores", que eram "Deuses do Céu e da Terra".

A representação deles como seres alados era claramente uma indicação da capacidade de voar pelos céus da Terra; nisso eles imitavam os próprios deuses, e especificamente aqueles representados como divindades aladas - Utu/Shamash  e sua irmã gê­mea, Inana/Ishtar. A afinidade dos homens-águias  com seu comandante, Utu/Shamash, também era óbvia. Sobre isso, a afirmação do Senhor (Êxodo 19:4) de que ele carregaria os Filhos de Israel "sobre as asas das águias" pode ter sido mais do que alegórica; também traz à lembrança a história de Etana, a quem uma águia ou Homem-Águia carregou pelos ares por ordem de Shamash.

Porém, como as traduções textuais da Bíblia atestam, tais auxiliares divinos alados eram chamados Querubim em vez de Mal'akhim. Querub (singular de Querubim) deriva do acadiano Karabu - "abençoar, consagrar". Um Karibu (macho) era um "abençoado, consagrado", e uma fêmea, Kuribi, significava Deusa Protetora. Tal como o Querubim bíblico foi designado para guardar" o caminho para a Árvore da Vida", a fim de prevenir a entrada de Adão e Eva no Jardim do Éden; proteger com suas asas a Arca da Aliança; servir de portadores do Senhor, seja segurando o Trono Divino, como na visão de Ezequiel, seja simplesmente carregando Iavé: "Ele cavalgou um Querub e voou para longe", lemos em II Samuel 22:11 e em Salmos 18:11 (outro paralelo com a história de Etana). Segundo a Bíblia, então, o Querubim alado tinha funções específicas e limitadas; não era assim com os Mal'akhim, os emissários que tinham ido e vindo em missões determinadas, e, como embaixadores plenipotenciários, possuíam poder de decisão.

Isso fica claro nos eventos em Sodoma. Tendo visto por si mes­mos a maldade do povo de Sodoma, os dois Mal'akhim instruíram Lot e sua família para que partissem imediatamente, "pois Iavé des­truirá esta cidade". Mas Lot demorou e pediu aos" anjos" que adias­sem o cataclismo da cidade até que ele, sua esposa e duas filhas pudessem alcançar a segurança das montanhas, que não ficavam tão perto. E os emissários concederam o pedido dele, prometendo adiar a destruição da cidade, a fim de dar a ele e à família tempo necessário para escapar.

Em ambas as circunstâncias (o súbito aparecimento a Abraão e a chegada aos portões de Sodoma), os" anjos" são chamados de "pes­soas", de aparência humana; se não são alados, então o que os toma reconhecíveis como Emissários Divinos?

Encontramos uma pista na representação do panteão hitita, esculpido num santuário rochoso, num local chamado Yazilikaya, na Turquia, não muito longe das impressionantes ruínas da capital hitita. As divindades estão arranjadas em duas procissões, os machos marchando da esquerda para a direita e as fêmeas em sentido contrário. Cada procissão é liderada por um dos grandes deuses (Teshub comandando os machos e Hebat liderando as fêmeas), seguidos pelos filhos, ajudantes e por deuses menores. Na procissão dos machos, os últimos são doze" emissários" cuja divindade ou papel e status são reconhecidos pelo que usam na cabeça e pela arma curva que empunham; à frente deles marcha um grupo bem mais importante de doze, também identificados pelos chapéus e pelo instrumento - um cajado com um aro ou disco no topo ­que empunham. Esse cajado também é utilizado pelas duas principais divindades.

Os grupos de doze homens desses deuses menores nas representações hititas trazem inevitavelmente à lembrança os Mal'akhim que Jacó encontrou em seu caminho de volta de Haran - que fica na atual Turquia - para Canaã. O que vem à mente, então, é que a posse de um dispositivo levado nas mãos foi O que tomou os anjos reconhecíveis pelo que eram (juntamente, pelo menos em algumas oportunidades, com os chapéus únicos).

Feitos miraculosos realizados por Mal'akhim na Bíblia, como cegar a multidão descontrolada em Sodoma, se repetem; é narrado um incidente similar ligado com as atividades e profecias de Elisha, o discípulo e sucessor do profeta Elias. Em outra oportunidade, o próprio Elias, escapando para salvar a vida depois de matar centenas de sacerdotes de Baal, foi salvo por um "anjo de Iavé" ao ficar exausto, sem comida e sem água no deserto de Neguev - na mesma área onde o anjo salvou Hagar, faminta, sedenta e sem destino.

Quando Elias, cansado, deitou-se para dormir sob uma árvore, um Mal'akh de repente o toca, dizendo: "Levanta-te e come". Ele comeu, bebeu um pouco e dormiu - apenas para ser outra vez tocado pelo anjo, que lhe disse para consumir a comida e a água, pois havia um longo caminho pela frente (o destino era "o monte dos Elohim, o Sinai, no deserto do Sinai). Embora a narrativa (I Reis 19:5-7) não revele como o anjo tocou Elias, pode-se admitir com relativa segu­rança que não foi com a mão, e sim com o cajado divino.

O uso de tal dispositivo é narrado com clareza na história de Gideão (Juízes, capítulo 6). Para convencer Gideão de que sua escolha de liderar os israelitas contra seus inimigos foi ordenada por 1avé, o "anjo de Iavé" o instrui a colocar sua oferenda de carne e pão sobre uma rocha; quando Gideão fez o que fora pedido,

O anjo de Iavé esticou o braço
e com a ponta do cajado
tocou a carne e os pãezinhos.

Então uma chama acendeu-se na pedra

e consumiu a carne e os pães.

Depois, o anjo de Iavé desapareceu de vista;
e Gideão percebeu que ele era [de fato]
um anjo de Iavé.

Em tais instâncias, o cajado mágico podia ter parecido o bastão que o grupo mais importante de doze empunhava na procissão de Yazilikaya. O instrumento curvo que o último grupo levava nas mãos pode ter sido a "espada" vista com os Mal'akhim quando enviados em missões de destruição. Tal visão é narrada em Josué, capítulo 5. Quando o líder israelita da conquista de Canaã enfrentou seu alvo mais difícil- a fortificada cidade de Jericó -, um Emissário Divino apareceu para dar instruções:


Estando Josué no campo da cidade de Jericó,
ergueu os olhos, e eis que
viu um homem posto em pé diante dele,
com a espada desembainhada na mão.

E Josué foi ter com ele
e disse-lhe:
"Tu és dos nossos ou dos inimigos?".
E ele respondeu:
"Nenhum; sou o capitão das hostes de Iavé".

Outra ocorrência, em que um Mal'akh guerreiro apareceu com um objeto como uma espada na mão, se deu na época de Davi. Por não observar a proibição de fazer o censo dos homens de armas do povo, o rei recebeu a palavra do Senhor por intermédio de Gad, o profeta, para escolher qual dos três castigos seria enviado pelo Senhor.

E Davi, ao erguer os olhos,
viu o anjo do Senhor
que pairava entre o céu e a terra,
uma espada desembainhada na mão,
voltada na direção de Jerusalém.
E Davi e os Anciãos, cobertos com cilícios,
se prostraram com o rosto por terra.
(I Crônicas 21:16)

Igualmente ilustrativas são as ocasiões em que os anjos apareciam sem um objeto específico nas mãos, pois então precisavam re­correr a outros atos mágicos para convencer os ouvintes da palavra divina de que sua embaixada era autêntica. Enquanto no caso do encontro com Gideão o cajado mágico foi especificamente mencio­nado, tal objeto não estava à vista quando o anjo de Iavé apareceu para a mulher estéril de Manoé e predisse o nascimento de Sansão, desde que ele fosse um nazareno, e a mulher, assim como o filho quando nascesse, se abstivessem de consumir vinho, cerveja e ali­mentos impuros (adicionalmente, o cabelo do menino jamais seria cortado). Quando o anjo apareceu uma segunda vez para certificar­se de que as instruções para conceber e criar o menino estavam sen­do cumpridas, Manoé procurou verificar a identidade do interlocu­tor, pois ele parecia um "homem". Então ele perguntou ao emissá­rio: "Qual o seu nome?".
Em vez de revelar sua identidade, o anjo fez uma "maravilha":

O anjo disse a ele:
"Por que queres saber meu nome,
que é secreto?".

Tomou pois Manoé um cabrito com as suas libações

e colocou-o sobre a pedra
como oferta a Iavé.

E o anjo realizou uma maravilha,
e Manoé e sua mulher estavam vendo:
quando subiu a chama do altar ao céu,
subiu também o anjo de Iavé no interior da chama.
E tendo Manoé e sua mulher visto isso,
caíram com o rosto em terra.

E depois não se mostrou mais o anjo de Iavé
a Manoé e sua mulher.
Então conheceu Manoé que aquele era um anjo de Iavé.

Um acontecimento mais famoso no qual o fogo foi usado magicamente para convencer o observador de que de fato estava recebendo uma mensagem divina é o incidente do Espinheiro Ar­dente. Foi quando Iavé escolheu Moisés, um hebreu criado como príncipe egípcio, para liderar os israelitas na saída do Egito. Ten­do escapado da ira do faraó para o deserto do Sinai, Moisés estava pastoreando o rebanho do sogro, o sacerdote midianita, "e ele veio ao monte dos Elohim, em Horeb", onde uma visão miraculosa cha­mou sua atenção:

E apareceu-lhe um anjo de Iavé
numa chama de fogo, no meio da sarça.
Ele olhou, e eis que a sarça ardia no fogo
e não se consumia.

E disse Moisés [para si mesmo]:
"Eu me aproximarei
e verei esta grande visão.
Por que a sarça não queima?"

E quando Iavé viu que Moisés se aproximou para ver,
chamou-o Elohim de dentro da sarça
e disse: "Moisés, Moisés!".
E disse (Moisés): "Eis-me aqui".

Tais milagres não precisam identificar o interlocutor como ser divino, conforme afirmamos quando este empunhava a arma curva ou o cajado mágico.
Representações antigas sugerem que provavelmente, pelo me­nos em alguns casos, foi outro aspecto distinto pelo qual as "pes­soas" ou os "homens" foram reconhecidos como emissários divinos: "óculos" especiais que eles usavam, em geral como parte do capacete. O pictograma hitita que expressa o termo" divino"  é revelador, pois representa os símbolos do "Olho" que proliferaram na região do Alto Eufrates como ídolos colocados no alto dos altares ou pedestais. O último claramente imitava representações de divindades cujo aspecto mais aparente (além do capacete divino) eram os olhos protegidos por óculos.
Em um caso, a estatueta que representa uma cabeça com capacete e óculos e tem na mão um instrumento curvo, pode ter representado a forma como os anjos bíblicos apareceram a Abraão e Lot.

(Se, nessas ocasiões, a arma-cajado foi usada para cegar com seu raio, os óculos podem ter sido uma proteção necessária para o "anjo" contra os efeitos cegantes. Essa possibilidade é sugerida por recen­tes aperfeiçoamentos nos Estados Unidos e em outros países de ar­mas cegantes como uma espécie de arma "não-letal". Chamada Ri­fles Laser Cobra, tais armas empregam uma técnica derivada tanto do laser cirúrgico quanto do feixe que guia os mísseis. Os soldados que as utilizam precisam usar óculos protetores.)

Como sugere a comparação das representações com Ishtar de capacete e óculos protetores, os equipamentos e armas dos Mal’akhim apenas imitam os dos próprios Grandes Deuses. O grande Enlil podia" erguer os raios que procuram o coração de todas as terras" de seu zigurate em Nippur, e possuía lá "olhos que podiam ver todas as terras", assim como uma "rede" que podia aprisionar quaisquer transgressores. Ninurta estava equipado com a "arma que despedaça e rouba os sentidos" e com um Brilho que podia pulveri­zar montanhas, assim como um único IB - uma "arma com cin­qüenta cabeças mortais". Teshub/Adad estava armado com um "tro­vão-tempestade que despedaça as rochas" e com o "raio assustador que dispara".

Os reis da Mesopotâmia afirmavam de tempos em tempos que sua divindade padroeira fornecia armas divinas para assegurar a vitória; era assim mais plausível que os deuses providenciassem armas ou cajados mágicos para os próprios emissários, os anjos.

De fato, a própria noção de Emissário Divino pode ser rastreada até os deuses da Suméria, os Anunnaki, quando enviavam emissá­rios em suas negociações uns com os outros em vez de com os terrestres.

Aquele a quem os estudiosos se referem como" o ajudante dos grandes deuses" era Papsukal; seu nome-epíteto significava "Pai/Ancestral dos Emissários". Ele desempenhava missões representa­do Anu, executando as decisões de Anu ou aconselhando os líderes Anunnaki na Terra; metade das vezes demonstrava consideráveis habilidades diplomáticas. O texto sugere que às vezes, talvez quando Anu estivesse longe da Terra, Papsukal servia como emissário de Ninurta (embora, durante a batalha contra Zu, Ninurta empregasse seu principal portador de armas, Sharur, como emissário divino).

O principal Sukkal, ou emissário de Enlil, era chamado Nusku; ele é mencionado numa variedade de papéis na maioria dos "mi­tos" em relação a Enlil. Quando os Anunnaki que trabalhavam nas minas do Abzu (sudoeste da África) se amotinaram e cercaram a casa onde Enlil residia, foi Nusku que lhes bloqueou o caminho com suas armas; foi também ele que agiu como intermediário para evi­tar o confronto. Na época dos sumérios, ele foi o emissário que trou­xe a "palavra de Ekur" (o zigurate de Enlil, em Nippur) àqueles­tanto deuses como homens - cujo destino Enlil decretara. Um Hino a Enlil, o Todo-Benevolente afirma que "apenas a seu excelso ajudan­te, o camareiro (Sukkal) Nusku, ele (Enlil) comanda, as palavras em seu coração são conhecidas". Mencionamos antes um exemplo no qual Nusku, em frente ao templo de Haran, com Sin, informou o rei assírio Esardon sobre a permissão divina para invadir o Egito.

Assurbanipal, em seus anais, afirma que foi "Nusku, o emissá­rio fiel", quem participou a decisão divina de tomá-lo rei da Assíria; depois, por ordem dos deuses, Nusku acompanhou Assurbanipal em sua campanha militar para assegurar a vitória. Nusku, escreveu Assurbanipal, "assumiu a liderança de meu exército e derrubou meus inimigos com sua arma divina". Essa afirmativa lembra o in­cidente reverso assinalado na Bíblia, quando o anjo de Iavé desba­rata o exército da Assíria que sitiava Jerusalém:

Aconteceu pois que naquela noite
veio o anjo de Iavé
e matou no campo dos assírios
cento e oitenta e cinco mil.
E quando eles (o povo de Jerusalém)
acordaram cedo de manhã, viram:
eles (os assírios) eram todos cadáveres.
(II Reis 19:35)

       O emissário-chefe de Enki, chamado Isimud nos textos sumérios e Usmu nas versões acadianas, desempenhou um papel importante nas escapadas sexuais de seu amo. No "mito" de Enki e Ninharsag, que relata os esforços de Enki para obter um sucessor masculino de sua meia-irmã, Isimud/Usmu agiu primeiro corno confidente e depois trazendo uma variedade de frutas com as quais Enki tentou curar a si mesmo da paralisia que Ninharsag lhe impu­sera. Quando Inana/lshtar foi a Eridu para obter os ME, foi Isimud/Usmu quem fez os arranjos para a visita. Mais tarde, quando Enki ficou sóbrio e percebeu que fora enganado e ficara sem os impor­tantes ME, foi o fiel Sukkall quem ordenou a perseguição de Inana (que fugira em seu "Barco do Céu") para recuperá-las.

Isimud/Usmu era referido algumas vezes nos textos como "de duas faces". Essa curiosa descrição, descobriu-se, era factual; em duas estátuas e nos selos cilíndricos, ele era representado com dois rostos. Teria sido um defeito de nascimento, uma aberração gené­tica, ou havia algum motivo profundo para representá-la assim? Já que ninguém parece saber, ocorreu-nos que essa curiosa propriedade poderia refletir a associação celeste desse emissário (veja o texto no fim deste capítulo).

Havia alguma coisa incomum também a respeito do Sukkal de Inana/Ishtar, cujo nome era Ninshubur. O enigma era que Ninshubur algumas vezes parecia ser masculino, quando os estudiosos traduziam seu título como "camareiro, ajudante"; e em ou­tras ocasiões Ninshubur parecia ser feminino, quando era chamado de "camareira". A pergunta é: seria Ninshubur bissexual ou assexuado? Um andrógino, um eunuco, ou o quê?

Ninshubur age como confidente de Inana/Ishtar durante o na­moro com Dumuzi, papel no qual é tratado(a) como mulher; Thorkild Jacobsen, em "Os Tesouros da Escuridão", traduz o título como "cria­da de quarto". Mas na história da fuga de Inana/Ishtar com os ME que obtivera enganando Enki, Ninshubur é páreo para Isimud/Usmu, um macho, e é chamado pela deusa de "meu guerreiro que luta ao meu lado" - um papel nitidamente masculino. Os talentos diplomáticos desse emissário foram empregados por completo quando Inana/Ishtar resolveu visitar sua irmã Ereshkigal no Mundo In­ferior, desafiando a proibição: nessa narrativa, o grande sumeriólogo Samuel N. Kramer (A Descida de Inana ao Mundo Inferior) refere-se a Ninshubur como "ele"; assim também Leo Oppenheim (Mitologia da Mesopotâmia).

A enigmática bissexualidade ou assexualidade de Ninshubur é refletida pela relação com outros seres - a maioria, mas não todos, criações de Enki -, que parecem não ser nem machos nem fêmeas, assim como nem divinos nem humanos, uma espécie de andróides - robôs em forma humana.

A existência de tais emissários enigmáticos e suas característi­cas espantosas aflora no texto acima mencionado, que lida com a visita não autorizada de Inana ao domínio de sua irmã mais velha, Ereshkigal, no Mundo Inferior (Sudoeste africano). Para a viagem, Inana veste sua roupa de astronauta; os sete itens listados nesse tex­to combinam com a representação de uma das estátuas desenterra­da em Mari. Como uma taxa de admissão a essa zona restrita, Inana teve de dar suas posses, uma de cada vez, enquanto passava pelos sete portões; só então, "nua e curvando-se baixo, Inana entrou na sala do trono". Assim que as duas irmãs pu­seram os olhos uma na outra, ambas ficaram enraivecidas; Ereshkigal ordenou que sua Sukkal Namtar apanhasse Inana e a ferisse da ca­beça ao pescoço. "Inana foi transformada num cadáver pendendo numa estaca."

Prevendo problemas, Inana instruíra seu emissário, Ninshubur, antes de sair na arriscada empresa, para que levantasse um protesto em seu nome, se ela não voltasse em três dias. Percebendo que Inana encontrara problemas, Ninshubur foi de divindade em divindade para procurar ajuda; contudo, ninguém, a não ser Enki, era capaz de enfrentar Namtar, que lidava com a morte. Seu nome significava "Exterminador", os assírios e babilônios o apelidaram de Memittu -"O Assassino", um Anjo da Morte. Ao contrário das divindades ou humanos, "ele não possuía mãos nem pés; não bebia água nem comia comida". Assim, para salvar Inana, Enki resolveu fabricar andróides similares que pudessem ir à "Terra Sem Retomo" e realizar sua missão em segurança.

Na versão suméria do "mito", lemos que Enki fabricou dois andróides de barro e os ativou dando a um deles o Alimento da Vida e ao outro, a Água da Vida. O texto chama a um deles Kurgarru, e ao outro, Kalaturru, termos que os estudiosos deixam sem traduzir por sua complexidade; referem-se às "partes particulares" dos seres, os termos sugerem órgãos sexuais peculiares: traduzidos literalmente, um cuja "abertura" está "trancada", o outro cujo "penetrador" está "doente". .

Vendo-os aparecer na sala do trono, Ereshkigal perguntou quem eram eles: "Vocês são deuses? São mortais? O que desejam?". Eles pediram então o corpo sem vida de Inana, e o conseguiram. Em se­guida "sobre o cadáver dirigiram o Pulsador e o Emissor"; aspergi­ram a Água da Vida sobre o corpo e lhe deram a Planta da Vida, "e Inana ergueu-se".
Comentando a descrição dos dois emissários, A. Leo Oppenheim (Mitologia da Mesopotâmia) descreve os atributos que qualificaram os emissários a penetrar no domínio de Ereshkigal e salvar Inana como (a) não sendo machos nem fêmeas, e (b) não terem saído de nenhum ventre. Além do mais, no Enuma Elish, a versão babilônica da Epopéia da Criação, ele encontrou uma referência à habilidade dos deuses para criar "robôs". No Enuma Elish, a batalha celeste com Tiamat e as maravilhosas criações que se seguiram são atribuídas a Marduk - incluindo a idéia de criar o homem.

Nessa leitura do texto babilônico, foi Marduk que, "enquanto escutava as palavras dos deuses, concebeu um dispositivo engenhoso para ajudá-los". Revelando essa idéia ao pai, Ea/Enki, Marduk dis­se: "Vou trazer à existência um robô; seu nome será 'Homem' (...) Ele será encarregado do trabalho dos deuses, e assim eles serão aliviados". Mas "Ea respondeu fazendo outra proposta, a fim de mu­dar de idéia em relação à intenção de aliviar os deuses"; como já abordamos, mudou para "colocar a marca" dos deuses - a impres­são genética - "num ser que já existia" (produzindo assim o Homo sapiens) .

Numa tradução atualizada da versão suméria, Kiane Wilkstein (Inana, Rainha do Céu e da Terra) explica a natureza dos emissários como sendo "criaturas nem machos nem fêmeas". Uma explicação mais precisa é fornecida, entretanto, pela versão acadiana, na qual Enki/Ea cria apenas um ser para salvar Ishtar. Conforme tradução de E. A. Speiser (Descida de Ishtar ao Mundo Inferior), os versos rele­vantes são:

Ea, em seu sábio coração, concebeu uma imagem

e criou Ashushunamir, um eunuco.

O termo acadiano, que é traduzido livremente como "eunuco", é assinnu, que significa literalmente "pênis-vagina" - um ser bissexual em vez de macho castrado (que é o significado de “eunuco"). Que essa fosse a verdadeira natureza da criatura ou criaturas que surpreenderam Ereshkigal é evidente pelas representações descobertas por arqueólogos; eles parecem ter tanto órgãos masculinos quanto femininos, dessa forma não possuindo um sexo verdadeiro.

Empunhando um cajado ou uma arma, esses andróides pertenciam a uma classe de emissários chamados Gallu - termo geral­mente traduzido como demônios" -, que já encontramos na história da morte de Dumuzi, quando Marduk enviou os "xerifes" ­- os Gallu - para apanhá-lo. Numa história que lida com um filho de Enki, Nergal, que viera desposar Ereshkigal, é mencionado que a guarda do filho nessa visita aos perigosos domínios constava de catorze Gallu criados por Enki para acompanhar e proteger Nergal. Na história da descida de Inana/lshtar a esse domínio, é narrado que Namtar tentou evitar a fuga da deusa revivida enviando Gallu para bloquear sua subida.

Todos esses textos apontam que, embora os Gallu não tivessem nem o rosto nem o corpo dos Sukkal divinos, que serviam de emissários entre os próprios deuses, eles empunhavam um cajado nas mãos e carregavam uma arma na cintura". Não sendo de carne e osso, eram descritos como seres "que não têm mãe, que não têm pai nem irmão ou irmã nem esposa nem filhos; não conhecem comida, não conhecem água. Voam pelos céus como guardiões".
Teriam esses andróides do folclore antigo voltado nos tempos mo­dernos?
A pergunta é pertinente por causa da forma como são descritos os ocupantes de Ovni por pessoas que afirmam tê-las visto (ou mesmo ter sido abduzidas por eles): de sexo indeterminado, pele com textura plástica, cabeça cônica, olhos ovais - de aparência huma­nóide, mas definitivamente não-humanos, comportando-se como andróides. Que suas representações por aqueles que afirmam tê-los visto seja tão similar às antigas representações dos Gallu provavelmente não é acidental.

Havia ainda outra classe de Emissários Divinos - seres demo­macas. Alguns estavam a serviço de Enki, alguns a serviço de Enlil. Alguns eram considerados descendentes do malévolo Zu, "maus espíritos" que não faziam o bem, portadores de doenças e pestilên­cias; demônios que metade das vezes possuíam feições de pássaros.

No "mito" de Inana e Enki, é narrado que quando Enki ordenou que Isimud recuperasse os ME levados por Inana, ele enviou junto uma série de emissários monstruosos, capazes de alcançar o Barco do Céu: gigantes Uru, monstros Lahama, Kugalgal "berradores" e os "gigantes celestes" Enunun. Todos pertenciam, aparentemente, à classe de criaturas chamadas Enkum - "parte humanas, parte ani­mais" segundo uma interpretação por Margaret Whitney Green (Eridu na Literatura Suméria) -, que pareciam, talvez, com os temí­veis "grifas”, que foram criados para guardar tesouros do templo.

Um encontro com um batalhão de tais seres é narrado num tex­to conhecido como A Lenda de Naram-Sin; ele era o neto de Sargão I (fundador da dinastia acadiana) e empenhado em várias campanhas militares - sob as ordens dos deuses enlilitas, segundo seus anais. Porém, pelo menos em uma oportunidade, quando os oráculos di­vinos desencorajaram atitudes belicosas, ele assumiu a responsabilidade da ações. Foi então que uma hoste de "espíritos" foi enviada contra ele, aparentemente por uma decisão ou ordem de Shamash.

Eles eram:           
­
Guerreiros com corpo de pássaros das cavernas,
uma raça com rosto de corvos.
Os grandes deuses os criaram;
na planície dos deuses construíram para eles uma cidade.

Estarrecido pela aparência e natureza deles, Naram-Sin instruiu um de seus oficiais para espionar um desses seres e atingir um deles com sua lança. "Se sair sangue, são homens como nós", disse o rei; "se não sair sangue, são demônios, criaturas criadas por Enlil". (O relatório do oficial dizia que ele viu sangue, portanto Naram-Sin ordenou um ataque; nenhum de seus soldados retornou vivo.)

Especialmente destacada entre os demônios parte antropomór­ficos parte pássaros foi a fêmea Lilith, cujo nome significava "Ela da noite" e "A que uiva", e segundo a crença (ou como alguns preferem, superstições), ela durou milênios, provocando homens até a morte e arrancando os recém-nascidos das mães. Embora em algumas lendas judaicas pós-bíblicas ela fosse consorte do malévolo Zu (ou AN.ZU, "O Celestial Zu"), na história suméria conhecida como Inana e a Árvore Haluppu, a árvore incomum era habitação tanto do Anzu meio-pássaro quanto da "dama escura" Lilith. Quando a árvore foi cortada a fim de fazer móveis para Inana e Shamash, Anzu voou e Lilith "fugiu para partes desertas e desabitadas".

Com a passagem do tempo e os próprios deuses tomando-se mais distantes e menos visíveis, os "demônios" foram culpados por todas as doenças, pelos infortúnios e azares. Fizeram-se encanta­mentos agradáveis aos deuses para exorcizar os maléficos; foram fabricados amuletos (para serem usados ou fixados às portas) cujas "palavras sagradas" eram capazes de desafiar o demônio represen­tado no amuleto - uma prática que continuou bem depois da época pré-cristã e persistiu depois.

Por outro lado, em épocas pós-bíblicas e na idade helenística que se seguiu às conquistas de Alexandre, os anjos como imagina­mos atualmente vieram a dominar as crenças populares e religiosas. Na Bíblia Hebraica, apenas Gabriel e Miguel são mencionados, no Livro de Daniel, dos sete arcanjos listados em épocas pós-bíblicas. As histórias angélicas no Livro de Enoque e em outros livros apócrifos foram apenas a fundação de uma ampla gama de anjos que habitavam os vários céus e executavam as ordens divinas - componentes de uma angelologia que cativou a imaginação e os anseios humanos desde então. E até hoje, quem não deseja seu Anjo da Guarda?

Fonte: Cap. 11 - Encontros Divinos - Zecharia Sitchin