Uma visão
noturna, uma observação de Ovni e uma aparição de anjos se juntam como um dos
sonhos mais intrigantes narrados pela Bíblia, conhecido como Sonho de Jacó. Trata-se
do mais significativo Encontro Divino, pois nele o próprio Iavé jurou proteger
Jacó, filho de Isaac e neto de Abraão, abençoá-lo e à sua semente, e dar a
Terra Prometida a ele e seus descendentes para sempre.
As circunstâncias que levaram a esse Encontro Divino, no qual Jacó - numa
visão - viu os Anjos do Senhor em ação, ocorreram durante a jornada de Jacó de
Canaã, onde a família se estabelecera, até Haran, onde outros membros da
família de Abraão ficaram quando ele foi até o Sinai e o Egito. Receoso de que
seu filho Jacó, com quem a sucessão divina repousava, se casasse com uma
cananéia pagã, "Isaac chamou Jacó, o abençoou e disse-lhe: Não tomes mulher
das filhas de Canaã. Levanta-te, vá para Padam-Aram, à casa de Betuel, pai de
tua mãe, e toma para ti, de lá, mulher das filhas de Labão, irmão da tua
mãe".
Haran, conforme recordamos, era uma parada de caravanas (que é o
significado do nome) na rota para o norte, da Mesopotâmia para as terras do
Mediterrâneo, e, portanto, para o Egito. Foi lá que Abraão ficou com seu pai,
Terah, antes de receber a ordem de prosseguir para o sul; foi lá que Asaradão
(cerca de quinhentos anos depois) recebeu a profecia para invadir o Egito, e
Nabunaid foi escolhido para reinar sobre a Babilônia (Haran, ainda chamada por
seu nome antigo, atualmente continua uma grande cidade no sul da Turquia, mas
desde que mesquitas muçulmanas foram construídas sobre o monte, com a mesquita
principal no local do antigo terreno sagrado, os arqueólogos não podem cavar
lá. Numerosas ruínas de estruturas ainda são associadas com Abraão, e um poço
ao norte da cidade é chamado Poço de Jacó, cuja história se segue).
Ao iniciar sua viagem para o norte de Beersheba, Jacó chegou ao final de
um dia a um lugar onde seu avô Abraão havia acampado, viajando em sentido
oposto, de Haran para Beersheba. Cansado, Jacó deitou-se para dormir em um
terreno rochoso. O que se segue é mais bem narrado nas próprias palavras da
Bíblia (Gênesis, capítulo 28):
Escada do anjos |
"E despertou Jacó do seu
sono e disse: 'Certamente Iavé está neste lugar, e eu não sabia.
"E ele temeu e disse: 'Quão espantoso é este
lugar! Este não é outra coisa a não ser a casa de Elohim, e esta é a
porta dos Céus!'.
"E madrugou Jacó, e pela manhã tomou a pedra que
colocara à cabeceira e a pôs como monumento, e derramou azeite sobre seu topo
e chamou aquele lugar de Beth-EI."
Nesse Encontro Divino, numa visão noturna, Jacó viu o que, sem dúvida,
hoje em dia chamaria de Ovni; com exceção de que, para ele, não era um Objeto
Voador Não-Identificado. Jacó percebeu que os ocupantes ou operadores eram
seres divinos, "anjos de Elohim", e seu Senhor ou comandante
não era outro que não o próprio Iavé, que "estava sobre ela". O que
ele testemunhou não deixou dúvidas de que o local era um "Portal para o
Céu" - um lugar do qual os Elohim podiam ir para o céu. As palavras
são similares àquelas aplicadas à Babilônia (Bab-Ili, "Portão dos Elohim"),
onde ocorreu o incidente com a torre de lançamento" cujo cimo deve
alcançar o céu".
O comandante identificou a si mesmo para Jacó como "Iavé, o Elohim"
- o DIN.GIR - "de Abraão, teu avô, e o Elohim de Isaac".
Os operadores da "escada" são identificados como" anjos de Elohim",
e não simplesmente anjos; e Jacó, percebendo que sem saber parara no local
usado por esses astronautas divinos, chamou o lugar de Beth-EI (Casa de
El), sendo El o singular de Elohim.
Jacó erigindo altar em Betel |
A Bíblia é cuidadosa ao identificar os subordinados da divindade como “Anjos
de Elohim”, e não simplesmente “anjos”, porque o termo hebraico Mal’akhim
não significa “ anjos”; significa, literalmente, “emissários”; e o
termo é empregado na Bíblia para emissários comuns, de carne e osso, que
levavam mensagens reais, e não divinas. O rei Saul enviou Mal'akhim (normalmente
traduzido como “mensageiros”) para convocar Davi (II Samuel 16:19); Davi enviou
Mal'akhim (também traduzido como “mensageiros”) ao povo de Jabesh Gilead
para informá-los de que ele fora ungido rei (II Samuel 2:5); o rei Ahaz, da
Judéia, enviou Mal'akhim (“emissários”) ao rei assírio, Teglate Falasar
para ajudar a repelir ataques inimigos (II Reis 16:7), e assim por diante.
Etimologicamente, o termo deriva da mesma raiz Mala'kha, que foi
traduzida alternadamente como “trabalho”, “ofício”, “artesanato”. A Bíblia
emprega o termo nessa derivação em conexão com a “Sabedoria e Entendimento” que
Iavé deu a Bezalel para ser capaz de realizar o Mala'kha necessária para
construir o Tabernáculo e a Arca da Aliança no deserto do Sinai, portanto um Mal'akh
(singular de Mal'akhim) significava não um mero mensageiro, mas um
emissário especial, treinado e qualificado para a tarefa e com alguns poderes
de autonomia (como um embaixador teria). A referência das próximas páginas é
relativa à expressão “Anjos de Elohim, os Emissários Divinos”.
A história de Jacó é pontilhada de sonhos premonitórios e encontros
angélicos - continuando, como veremos, as experiências dos Patriarcas, seu avô,
Abraão, e seu pai, Isaac.
Jacó encontra Raquel em Haran |
Assim, agindo de acordo com seu sonho-oráculo, Jacó apanhou sua família e
seus pertences, e aproveitando a oportunidade de Labão se encontrar longe de
casa, tosquiando ovelhas, deixou Haran apressadamente. Quando a notícia chegou
a Labão, este ficou furioso. "E veio Elohim a Labão, o arameu, no
sonho da noite, e disse-lhe: Guarda-te ao falar com Jacó; nem bem, nem
mal". Assim prevenido, Labão acabou por concordar com a partida de Jacó, e
os dois erigiram uma pedra, segundo os costumes da época. Chamadas de Kudurru,
eram pedras arredondadas no topo; os termos do acordo foram inscritos
nelas, terminando com juramentos e a invocação dos deuses de cada parte como
testemunhas do tratado; algumas vezes os símbolos dos equivalentes celestes dos
deuses invocados estavam gravados próximos ao topo arredondado da pedra.
Constitui um indicativo da precisão bíblica ao descrever o evento quando a
narrativa (Gênesis 31:53) afirma: "O Elohim de Abraão e o Elohim
de Nahor julguem entre nós, o Elohim dos pais deles". Enquanto
o nome do Deus de Abraão, Iavé, não é mencionado, uma distinção é feita entre
Ele e os deuses de seu irmão Nahor (que ficara para trás em Haran); todos,
segundo Labão, eram Elohim do pai, Terah.
Os dados bíblicos sugerem que a rota favorita dos Patriarcas entre o
Neguev (a parte sul de Canaã, que faz limite com a península do Sinai), da qual
Beersheba era (e ainda é) a cidade principal, envolvia uma travessia do rio
Jordão; isso indica que a Estrada do Rei, a leste do rio, era usada (em vez da
costeira, a Estrada do Mar - veja o mapa). Foi então que Jacó, viajando para o
sul com sua família, comitiva e rebanhos, chegou a um lugar onde o afluente
Iaboc cria uma passagem mais fácil para a travessia do Jordão pelas montanhas;
ali aconteceu seu encontro seguinte com um Mal'akhim. Dessa vez,
entretanto, não foi sonho nem visão: foi um encontro face a face!
O acontecimento é relatado no capítulo 32 do Gênesis:
E voltou Jacó a seu caminho,
e encontraram-no anjos de Elohim.
E disse Jacó quando os viu:
"Um acampamento dos Elohim
é este!",
E chamou o lugar de Mahana'
im
(o Lugar de Dois
Acampamentos).
O acontecimento foi gravado aqui em apenas dois versos, significativamente
constituindo uma secção separada na escrita formal da Bíblia. Nos versos
seguintes é narrada a história subseqüente, mas não relacionada à história do
encontro de Jacó com seu irmão Esaú. A forma pela qual os antigos editores das
Escrituras trataram esses dois versos traz à mente a forma pela qual o segmento
dos Nefilim foi narrado no capítulo 6 do Gênesis (antecedendo a história de
Noé e da arca), em que o segmento é nitidamente um remanescente de um texto
mais longo. Da mesma forma, essa referência deve ser um relato de encontro com
um grupo ou acampamento de Emissários Divinos - dois versos que permaneceram de
um texto mais longo e detalhado.
Os antigos editores do Gênesis devem ter mantido a breve menção por causa
do episódio que se segue, porque explica o motivo pelo qual o nome Jacó foi
mudado para Israel.
Jacó lutando com um anjo |
E ficou Jacó só;
e lutou um homem com ele
até levantar-se a aurora.
E vendo que não podia com
ele,
tocou-lhe na juntura de sua coxa
(de Jacó),
e desconjuntou-se a juntura
da coxa de Jacó
em sua luta com ele.
E disse: "Deixa-me ir,
que vem rompendo a aurora".
Mas Jacó disse: "Não te
deixarei ir,
salvo se me
abençoares".
E ele disse: "Qual é
teu nome?".
E disse: "Jacó".
E disse: "Não, Jacó não
será mais teu nome,
e sim Israel, pois lutaste
com (o anjo de) Deus
e venceste".
Isra-EI é um jogo de palavras que combina o significado de
"disputa, luta", com EI, a divindade).
E perguntou Jacó:
"Dize-me, rogo, teu
nome!".
E ele disse: "Por que
perguntas meu nome?".
E ali o abençoou.
E chamou Jacó o lugar
de Peni-El
(Rosto de El)
"Porque vi Elohim
face a face e foi salva
minha alma".
E nasceu o sol quando passou
Peniel,
e manquejava de sua coxa.
A primeira referência na Bíblia a um anjo do Senhor é no capítulo 16,
relatando um acontecimento na época do avô de Jacó, Abraão. Abraão e sua
esposa, Sara, estavam ficando velhos - ele com mais de oitenta e ela dez anos
mais nova; e ainda não tinham filhos. Abraão acabava de cumprir a missão pela
qual fora até Canaã - afastar ataques ao Espaçoporto no Sinai: a Guerra dos
Reis (descrita no capítulo 14 do Gênesis). O agradecido Senhor Iavé:
Apareceu a Abrão em uma
visão, dizendo:
"Não temas, Abrão, Eu
sou teu escudo;
tua recompensa será muito
grande".
Porém Abraão (ainda chamado pelo nome sumério, Abrão), que não tinha
filhos, respondeu amargamente: "Eis que a mim não deste semente, e é que
meu escravo vai me herdar".
E eis que foi a palavra de
Iavé a ele:
"Este não te vai
herdar,
senão o que sairá de tuas
entranhas;
esse te herdará".
E o fez sair e disse:
"Olha para os céus
e conta as estrelas, se
podes contá-las".
E disse: "Assim será
tua semente".
Foi nesse dia que Iavé fez uma aliança com Abrão, dizendo: "À tua semente
dei esta terra, desde o rio do Egito até o grande rio Eufrates".
Porém a história bíblica continua. A despeito da promessa de incontáveis
descendentes, Sara não teve um filho de Abraão. Então Sara disse ao marido que
talvez fosse vontade do Senhor que Abraão não dependesse da capacidade de ela
ter filhos, e sugeriu que ele "viesse" até sua serva pessoal, Hagar,
a egípcia. E "Hagar concebeu", e começou a depreciar sua ama.
Embora fosse sua própria sugestão, Sara ficou furiosa
e "maltratou-a", e Hagar fugiu.
E achou-a o anjo do Senhor
sobre a fonte das águas do
deserto,
no caminho de Shur.
E disse: "Hagar, serva
de Sara,
de onde vens e aonde
vais?".
Hagar é socorrida por um anjo |
Abraão recebe três estranhos |
E ele ergueu os olhos e
olhou,
e eis que três homens
estavam parados acima dele.
E quando os viu,
correu ao encontro deles
desde a porta da tenda e
prostrou-se em terra,
e disse (ao maior):
"Meu Senhor, se tenho
achado graça em teus olhos,
rogo-te que não passes por
(sobre) teu servo.
A cena é repleta de mistério. Três estrangeiros aparecem de repente a
Abraão, vistos quando ele ergue os olhos para o céu. Ele os vê em pé,
"acima dele". Embora não identificados ainda, ele rapidamente
reconhece a natureza extraordinária - divina - do encontro. De alguma forma,
um deles se destaca, e Abraão se dirige a ele, chamando-o "Meu Senhor".
Suas palavras iniciam-se com um pedido importante: "Rogo-te que não
passes sobre teu servo". Em outras palavras, ele reconheceu a habilidade
de percorrer os céus... Ainda assim, eles eram tão humanos que ele lhes
ofereceu água para lavar os pés, convidou-os para descansar à sombra da árvore,
e lhes ofereceu um pedaço de pão para "sustentar o coração", antes
que passassem "sobre" ele. "E eles disseram: Assim fareis, conforme
falaste."
"E apressou-se Abraão à tenda, onde estava Sara" e pediu a ela
que preparasse pães, enquanto ele providenciou um prato de carne, depois serviu
a refeição a eles. Um deles, perguntando a respeito de Sara, disse: "Em um
ano, quando eu retomar a ti, terá um filho Sara, tua mulher". Ao escutar
aquilo na tenda, Sara riu, pois como poderiam ela e Abraão, tão idosos, ter um
filho?
E disse Iavé a Abraão:
"Por que se riu Sara
dizendo:
Como é verdade que
darei à luz, se envelheci?
Existe oculto de Iavé alguma
coisa?
No prazo fixado voltarei a
ti,
na mesma época no ano que
vem,
e Sara terá um filho".
E seria por intermédio de Isaac que a semente da
Aliança feita com Abraão se faria duradoura, afirmou Iavé.
À medida que a história continua, lemos que as pessoas se ergueram para
olhar na direção de Sodoma, e Abraão foi acompanha-los. Mas enquanto a
narrativa continua a descrever os três visitantes inesperados como Anashim -
"pessoas" - o oráculo em relação ao nascimento de Isaac (cujo nome
hebraico, Itz'hak, era um jogo de palavras com o "riso" de
Sara) nos deixa entrever que um dos três era o próprio Iavé. Foi uma teofania
impressionante, em que o Patriarca teve o Senhor Iavé como hóspede!
Ao chegarem ao promontório do qual Sodoma podia ser vista no vale do mar
do Sal, Iavé resolveu contar a Abraão qual o motivo de sua visita.
"O clamor de Sodoma e
Gomorra aumentou,
e seu pecado se agravou
muito.
Descerei, pois, e verei que,
se fizeram como o clamor
(das cidades)
vem a mim, darei fim neles;
Do contrário, o saberei".
Essa, então, era a missão das outras duas "pessoas" que estavam
com Iavé - verificar a verdade ou a extensão da verdade sobre os
"pecados" das duas cidades no vale do Jordão, próximo ao que hoje em
dia é o mar Morto, de forma que Iavé pudesse determinarlhes o destino. "E
se voltaram dali as pessoas e foram a Sodoma, e Abraão ainda estava diante de
Iavé", é o que lemos em Gênesis 18:22; porém quando a chegada das duas
"pessoas" a Sodoma é narrada a seguir (Gênesis 19:1), toma-se claro
aonde foram os dois: "E vieram os dois anjos a Sodoma, de tarde". Os
três visitantes que haviam aparecido a Abraão, portanto, eram Iavé e seus dois
emissários.
Antes que a Bíblia se focalize nas visitas dos anjos a Sodoma e Gomorra
para a destruição das" cidades do mal", a Bíblia mostra uma conversa
incomum entre Abraão e Iavé. Aproximando-se do Senhor, Abraão assumiu o papel
de advogado de defesa de Sodoma (onde Lot, seu sobrinho, morava com a família).
"Se encontrar cinqüenta justos dentro da cidade, também a destruirás e não
a perdoarás pelos cinqüenta justos que há dentro dela? Longe de ti fazer tal
coisa, de matar o justo com o mau?"
Lembrando Iavé de que ele era "Juiz de toda a Terra", e que
sempre faria justiça, Abraão colocou o Senhor num dilema. Então Iavé respondeu
que se houvesse cinqüenta justos em Sodoma ele pouparia a cidade. Em seguida
Abraão, pedindo desculpas pela audácia, insistiu, perguntando o que aconteceria
se faltassem cinco a esse número. Iavé respondeu, dizendo que não a destruiria
se houvesse 45 justos. Assumindo a ofensiva, Abraão começou a barganhar,
reduzindo o número de justos pelos quais a cidade seria poupada, até chegar a
dez. "E foi embora Elohim logo que acabou de falar a Abraão",
subindo para o céu, de onde viera naquele mesmo dia. "E Abraão voltou ao
seu lugar."
Ló recebe dois anjos |
"E vieram os dois anjos a Sodoma, de tarde, e
Lot estava sentado à porta de Sodoma; e viu-os Lot, e levantou-se indo ao seu
encontro, prostrou seu rosto em terra e disse: Eis que vos rogo, meus
senhores, vinde, rogo, à casa de vosso servo e dormi, e lavai vossos pés e
madrugareis e seguireis vosso caminho." Sendo que os dois concordaram em
ficar na casa de Lot, "os homens da cidade, os homens de Sodoma, desde o
jovem até o velho, todo povo de todo lado chamaram a Lot e disseram: 'Onde
estão os homens que vieram a ti esta noite? Faze-os sair para nós, e os
conheceremos"'. E quando o povo insistiu, chegando a tentar arrombar a
porta da casa de Lot, os anjos "feriram de cegueira, desde o pequeno até o
grande, e cansaram-se para encontrar a porta".
Teriam os anjos usado algum tipo de cajado mágico, um
emissor de raios, contra as pessoas que tentavam arrombar a porta? Na resposta
a essa pergunta encontra-se a resposta a um mistério maior. Ao descrever a
chegada dos visitantes de Abraão e depois de Lot, esses visitantes são chamados
de Anashim - "pessoas" (não necessariamente
"homens", como o termo é traduzido muitas vezes). Ainda assim, em
ambas as instâncias, os anfitriões reconhecem imediatamente algo que os faz
parecer diferentes, algo" divino" neles. Os anfitriões logo os chamam
de Senhores e se prostram. Se, conforme a descrição, os visitantes eram
completamente antropomórficos, o quê, apesar disso, era tão diferente e
distinto neles?
A resposta que vem
instantaneamente à mente seria – claro -
suas asas! Mas, como demonstraremos a seguir, veremos que a resposta
não é necessariamente essa.
A noção popular de anjos, uma
imagem sustentada e ampliada por séculos de arte religiosa, é a de seres
idênticos aos humanos,
mas que, ao contrário deles,
estão equipados com asas. Na verdade, se lhes fossem retiradas as asas, seriam
indistinguíveis de seres humanos. Trazidos para a iconografia ocidental pelos
primeiros cristãos, a origem indubitável de tal representação de anjos foi o
Oriente Médio. Nós os encontramos na arte suméria - o emissário alado que
levou Enkidu, os guardiões com os raios mortais. Nós os encontramos na arte
religiosa da Assíria e do Egito, de Canaã e da Fenícia. Representações
similares dos hititas chegaram a ser duplicadas na América do Sul, em
Tiahuanaco, na Porta do Sol - evidência
de contatos hititas com aquele local distante.
Embora os modernos estudiosos, desejando evitar conotações religiosas, se
refiram aos seres representados como" gênios protetores", os povos
antigos os consideravam uma espécie de deuses menores, que apenas executam as
ordens dos "Grandes Senhores", que eram "Deuses do Céu e da
Terra".
A representação deles como seres alados era claramente uma indicação da
capacidade de voar pelos céus da Terra; nisso eles imitavam os próprios deuses,
e especificamente aqueles representados como divindades aladas -
Utu/Shamash e sua irmã gêmea,
Inana/Ishtar. A afinidade dos homens-águias
com seu comandante, Utu/Shamash, também era óbvia. Sobre isso, a
afirmação do Senhor (Êxodo 19:4) de que ele carregaria os Filhos de Israel
"sobre as asas das águias" pode ter sido mais do que alegórica;
também traz à lembrança a história de Etana, a quem uma águia ou Homem-Águia
carregou pelos ares por ordem de Shamash.
Porém, como as traduções textuais da Bíblia atestam, tais auxiliares
divinos alados eram chamados Querubim em vez de Mal'akhim. Querub (singular
de Querubim) deriva do acadiano Karabu - "abençoar,
consagrar". Um Karibu (macho) era um "abençoado,
consagrado", e uma fêmea, Kuribi, significava Deusa Protetora. Tal
como o Querubim bíblico foi designado para guardar" o caminho para a
Árvore da Vida", a fim de prevenir a entrada de Adão e Eva no Jardim do
Éden; proteger com suas asas a Arca da Aliança; servir de portadores do Senhor,
seja segurando o Trono Divino, como na visão de Ezequiel, seja simplesmente
carregando Iavé: "Ele cavalgou um Querub e voou para longe", lemos em
II Samuel 22:11 e em Salmos 18:11 (outro paralelo com a história de Etana).
Segundo a Bíblia, então, o Querubim alado tinha funções específicas e
limitadas; não era assim com os Mal'akhim, os emissários que tinham ido
e vindo em missões determinadas, e, como embaixadores plenipotenciários,
possuíam poder de decisão.
Isso fica claro nos eventos em Sodoma. Tendo visto por si mesmos a
maldade do povo de Sodoma, os dois Mal'akhim instruíram Lot e sua
família para que partissem imediatamente, "pois Iavé destruirá esta
cidade". Mas Lot demorou e pediu aos" anjos" que adiassem o
cataclismo da cidade até que ele, sua esposa e duas filhas pudessem alcançar a
segurança das montanhas, que não ficavam tão perto. E os emissários concederam
o pedido dele, prometendo adiar a destruição da cidade, a fim de dar a ele e à
família tempo necessário para escapar.
Em ambas as circunstâncias (o súbito aparecimento a Abraão e a chegada
aos portões de Sodoma), os" anjos" são chamados de "pessoas",
de aparência humana; se não são alados, então o que os toma reconhecíveis como
Emissários Divinos?
Encontramos uma pista na representação do panteão hitita, esculpido num
santuário rochoso, num local chamado Yazilikaya, na Turquia, não muito longe
das impressionantes ruínas da capital hitita. As divindades estão arranjadas em
duas procissões, os machos marchando da esquerda para a direita e as fêmeas em
sentido contrário. Cada procissão é liderada por um dos grandes deuses (Teshub
comandando os machos e Hebat liderando as fêmeas), seguidos pelos filhos,
ajudantes e por deuses menores. Na procissão dos machos, os últimos são
doze" emissários" cuja divindade ou papel e status são
reconhecidos pelo que usam na cabeça e pela arma curva que empunham; à frente
deles marcha um grupo bem mais importante de doze, também identificados pelos
chapéus e pelo instrumento - um cajado com um aro ou disco no topo que
empunham. Esse cajado também é utilizado pelas duas principais divindades.
Os grupos de doze homens desses deuses menores nas representações hititas
trazem inevitavelmente à lembrança os Mal'akhim que Jacó encontrou em
seu caminho de volta de Haran - que fica na atual Turquia - para Canaã. O que
vem à mente, então, é que a posse de um dispositivo levado nas mãos foi O que
tomou os anjos reconhecíveis pelo que eram (juntamente, pelo menos em algumas
oportunidades, com os chapéus únicos).
Feitos miraculosos realizados por Mal'akhim na Bíblia, como cegar
a multidão descontrolada em Sodoma, se repetem; é narrado um incidente similar
ligado com as atividades e profecias de Elisha, o discípulo e sucessor do
profeta Elias. Em outra oportunidade, o próprio Elias, escapando para salvar a
vida depois de matar centenas de sacerdotes de Baal, foi salvo por um
"anjo de Iavé" ao ficar exausto, sem comida e sem água no deserto de
Neguev - na mesma área onde o anjo salvou Hagar, faminta, sedenta e sem destino.
Quando Elias,
cansado, deitou-se para dormir sob uma árvore, um Mal'akh de repente o
toca, dizendo: "Levanta-te e come". Ele comeu, bebeu um pouco e
dormiu - apenas para ser outra vez tocado pelo anjo, que lhe disse para
consumir a comida e a água, pois havia um longo caminho pela frente (o destino
era "o monte dos Elohim, o Sinai, no deserto do Sinai). Embora a
narrativa (I Reis 19:5-7) não revele como o anjo tocou Elias, pode-se admitir
com relativa segurança que não foi com a mão, e sim com o cajado divino.
O uso de tal dispositivo é narrado com clareza na história de Gideão
(Juízes, capítulo 6). Para convencer Gideão de que sua escolha de liderar os
israelitas contra seus inimigos foi ordenada por 1avé, o "anjo de
Iavé" o instrui a colocar sua oferenda de carne e pão sobre uma rocha;
quando Gideão fez o que fora pedido,
O anjo de Iavé esticou o
braço
e com a ponta do cajado
tocou a carne e os pãezinhos.
Então uma chama
acendeu-se na pedra
e consumiu a carne e os pães.
Depois, o anjo de
Iavé desapareceu de vista;
e Gideão percebeu que ele
era [de fato]
um anjo de Iavé.
Em tais instâncias, o cajado mágico podia ter parecido o bastão que o
grupo mais importante de doze empunhava na procissão de Yazilikaya. O
instrumento curvo que o último grupo levava nas mãos pode ter sido a
"espada" vista com os Mal'akhim quando enviados em missões de
destruição. Tal visão é narrada em Josué, capítulo 5. Quando o líder israelita
da conquista de Canaã enfrentou seu alvo mais difícil- a fortificada cidade de
Jericó -, um Emissário Divino apareceu para dar instruções:
Estando Josué no campo da
cidade de Jericó,
ergueu os olhos, e
eis que
viu um homem posto em pé
diante dele,
com a espada desembainhada
na mão.
E Josué foi ter com ele
e disse-lhe:
"Tu és dos nossos ou
dos inimigos?".
E ele respondeu:
"Nenhum; sou o capitão
das hostes de Iavé".
Outra ocorrência, em que um Mal'akh guerreiro apareceu com um
objeto como uma espada na mão, se deu na época de Davi. Por não observar a
proibição de fazer o censo dos homens de armas do povo, o rei recebeu a palavra
do Senhor por intermédio de Gad, o profeta, para escolher qual dos três
castigos seria enviado pelo Senhor.
E Davi, ao erguer os olhos,
viu o anjo do Senhor
que pairava entre o céu e a
terra,
uma espada desembainhada na
mão,
voltada na direção de
Jerusalém.
E Davi e os Anciãos,
cobertos com cilícios,
se prostraram com o rosto
por terra.
(I Crônicas 21:16)
Igualmente ilustrativas são as ocasiões em que os anjos apareciam sem um
objeto específico nas mãos, pois então precisavam recorrer a outros atos
mágicos para convencer os ouvintes da palavra divina de que sua embaixada era
autêntica. Enquanto no caso do encontro com Gideão o cajado mágico foi
especificamente mencionado, tal objeto não estava à vista quando o anjo de
Iavé apareceu para a mulher estéril de Manoé e predisse o nascimento de Sansão,
desde que ele fosse um nazareno, e a mulher, assim como o filho quando
nascesse, se abstivessem de consumir vinho, cerveja e alimentos impuros
(adicionalmente, o cabelo do menino jamais seria cortado). Quando o anjo
apareceu uma segunda vez para certificarse de que as instruções para conceber
e criar o menino estavam sendo cumpridas, Manoé procurou verificar a
identidade do interlocutor, pois ele parecia um "homem". Então ele
perguntou ao emissário: "Qual o seu nome?".
Em vez de revelar sua identidade, o anjo fez uma "maravilha":
O anjo disse a ele:
"Por que queres saber
meu nome,
que é secreto?".
Tomou pois Manoé um
cabrito com as suas libações
e colocou-o sobre a pedra
como oferta a Iavé.
E o anjo realizou uma
maravilha,
e Manoé e sua mulher estavam
vendo:
quando subiu a chama do
altar ao céu,
subiu também o anjo de Iavé
no interior da chama.
E tendo Manoé e sua mulher
visto isso,
caíram com o rosto em terra.
E depois não se mostrou mais
o anjo de Iavé
a Manoé e sua mulher.
Então conheceu Manoé que
aquele era um anjo de Iavé.
Um acontecimento mais famoso no qual o fogo foi usado magicamente para
convencer o observador de que de fato estava recebendo uma mensagem divina é o
incidente do Espinheiro Ardente. Foi quando Iavé escolheu Moisés, um hebreu
criado como príncipe egípcio, para liderar os israelitas na saída do Egito. Tendo
escapado da ira do faraó para o deserto do Sinai, Moisés estava pastoreando o rebanho
do sogro, o sacerdote midianita, "e ele veio ao monte dos Elohim, em
Horeb", onde uma visão miraculosa chamou sua atenção:
E apareceu-lhe um anjo de
Iavé
numa chama de fogo, no meio
da sarça.
Ele olhou, e eis que a sarça
ardia no fogo
e não se consumia.
E disse Moisés [para si
mesmo]:
"Eu me aproximarei
e verei esta grande visão.
Por que a sarça não
queima?"
E quando Iavé viu que Moisés
se aproximou para ver,
chamou-o Elohim de dentro da
sarça
e disse: "Moisés,
Moisés!".
E disse (Moisés):
"Eis-me aqui".
Tais milagres não precisam identificar o interlocutor como ser divino,
conforme afirmamos quando este empunhava a arma curva ou o cajado mágico.
Representações
antigas sugerem que provavelmente, pelo menos em alguns casos, foi outro
aspecto distinto pelo qual as "pessoas" ou os "homens"
foram reconhecidos como emissários divinos: "óculos" especiais que
eles usavam, em geral como parte do capacete. O pictograma hitita que expressa
o termo" divino" é revelador,
pois representa os símbolos do "Olho" que proliferaram na região do
Alto Eufrates como ídolos colocados no alto dos altares ou pedestais. O último
claramente imitava representações de divindades cujo aspecto mais aparente
(além do capacete divino) eram os olhos protegidos por óculos.
Em um caso, a estatueta que representa uma cabeça com capacete e óculos e
tem na mão um instrumento curvo, pode ter representado a forma como os anjos
bíblicos apareceram a Abraão e Lot.
(Se, nessas ocasiões, a arma-cajado foi usada para cegar com seu raio, os
óculos podem ter sido uma proteção necessária para o "anjo" contra os
efeitos cegantes. Essa possibilidade é sugerida por recentes aperfeiçoamentos
nos Estados Unidos e em outros países de armas cegantes como uma espécie de
arma "não-letal". Chamada Rifles Laser Cobra, tais armas
empregam uma técnica derivada tanto do laser cirúrgico quanto do feixe
que guia os mísseis. Os soldados que as utilizam precisam usar óculos
protetores.)
Como sugere a comparação das representações com Ishtar de capacete e óculos
protetores, os equipamentos e armas dos Mal’akhim apenas imitam os dos
próprios Grandes Deuses. O grande Enlil podia" erguer os raios que
procuram o coração de todas as terras" de seu zigurate em Nippur, e
possuía lá "olhos que podiam ver todas as terras", assim como uma
"rede" que podia aprisionar quaisquer transgressores. Ninurta estava
equipado com a "arma que despedaça e rouba os sentidos" e com um
Brilho que podia pulverizar montanhas, assim como um único IB - uma "arma
com cinqüenta cabeças mortais". Teshub/Adad estava armado com um
"trovão-tempestade que despedaça as rochas" e com o "raio
assustador que dispara".
Os reis da Mesopotâmia afirmavam de tempos em tempos que sua divindade
padroeira fornecia armas divinas para assegurar a vitória; era assim mais
plausível que os deuses providenciassem armas ou cajados mágicos para os
próprios emissários, os anjos.
De fato, a própria noção de Emissário Divino pode ser rastreada até os
deuses da Suméria, os Anunnaki, quando enviavam emissários em suas negociações
uns com os outros em vez de com os terrestres.
Aquele a quem os estudiosos se referem como" o ajudante dos grandes
deuses" era Papsukal; seu nome-epíteto significava "Pai/Ancestral dos
Emissários". Ele desempenhava missões representado Anu, executando as
decisões de Anu ou aconselhando os líderes Anunnaki na Terra; metade das vezes
demonstrava consideráveis habilidades diplomáticas. O texto sugere que às
vezes, talvez quando Anu estivesse longe da Terra, Papsukal servia como
emissário de Ninurta (embora, durante a batalha contra Zu, Ninurta empregasse
seu principal portador de armas, Sharur, como emissário divino).
O principal Sukkal, ou emissário de Enlil, era chamado Nusku; ele
é mencionado numa variedade de papéis na maioria dos "mitos" em relação
a Enlil. Quando os Anunnaki que trabalhavam nas minas do Abzu (sudoeste da
África) se amotinaram e cercaram a casa onde Enlil residia, foi Nusku que lhes
bloqueou o caminho com suas armas; foi também ele que agiu como intermediário
para evitar o confronto. Na época dos sumérios, ele foi o emissário que trouxe
a "palavra de Ekur" (o zigurate de Enlil, em Nippur) àquelestanto
deuses como homens - cujo destino Enlil decretara. Um Hino a Enlil, o
Todo-Benevolente afirma que "apenas a seu excelso ajudante, o
camareiro (Sukkal) Nusku, ele (Enlil) comanda, as palavras em seu
coração são conhecidas". Mencionamos antes um exemplo no qual Nusku, em
frente ao templo de Haran, com Sin, informou o rei assírio Esardon sobre a
permissão divina para invadir o Egito.
Assurbanipal, em seus anais, afirma que foi "Nusku, o emissário
fiel", quem participou a decisão divina de tomá-lo rei da Assíria; depois,
por ordem dos deuses, Nusku acompanhou Assurbanipal em sua campanha militar
para assegurar a vitória. Nusku, escreveu Assurbanipal, "assumiu a
liderança de meu exército e derrubou meus inimigos com sua arma divina".
Essa afirmativa lembra o incidente reverso assinalado na Bíblia, quando o anjo
de Iavé desbarata o exército da Assíria que sitiava Jerusalém:
Aconteceu pois que naquela
noite
veio o anjo de Iavé
e matou no campo dos
assírios
cento e oitenta e cinco mil.
E quando eles (o povo
de Jerusalém)
acordaram cedo de manhã,
viram:
eles (os assírios) eram
todos cadáveres.
(II Reis 19:35)
O emissário-chefe de Enki,
chamado Isimud nos textos sumérios e Usmu nas versões acadianas, desempenhou um
papel importante nas escapadas sexuais de seu amo. No "mito" de Enki
e Ninharsag, que relata os esforços de Enki para obter um sucessor
masculino de sua meia-irmã, Isimud/Usmu agiu primeiro corno confidente e depois
trazendo uma variedade de frutas com as quais Enki tentou curar a si mesmo da
paralisia que Ninharsag lhe impusera. Quando Inana/lshtar foi a Eridu para
obter os ME, foi Isimud/Usmu quem fez os arranjos para a visita. Mais tarde,
quando Enki ficou sóbrio e percebeu que fora enganado e ficara sem os importantes
ME, foi o fiel Sukkall quem ordenou a perseguição de Inana (que fugira
em seu "Barco do Céu") para recuperá-las.
Isimud/Usmu era referido algumas vezes nos textos como "de duas
faces". Essa curiosa descrição, descobriu-se, era factual; em duas
estátuas e nos selos cilíndricos, ele era representado com dois rostos. Teria
sido um defeito de nascimento, uma aberração genética, ou havia algum motivo
profundo para representá-la assim? Já que ninguém parece saber, ocorreu-nos que
essa curiosa propriedade poderia refletir a associação celeste desse emissário
(veja o texto no fim deste capítulo).
Havia alguma coisa incomum também a respeito do Sukkal de
Inana/Ishtar, cujo nome era Ninshubur. O enigma era que Ninshubur algumas vezes
parecia ser masculino, quando os estudiosos traduziam seu título como
"camareiro, ajudante"; e em outras ocasiões Ninshubur parecia ser
feminino, quando era chamado de "camareira". A pergunta é: seria
Ninshubur bissexual ou assexuado? Um andrógino, um eunuco, ou o quê?
Ninshubur age como confidente de Inana/Ishtar durante o namoro com
Dumuzi, papel no qual é tratado(a) como mulher; Thorkild Jacobsen, em "Os
Tesouros da Escuridão", traduz o título como "criada de
quarto". Mas na história da fuga de Inana/Ishtar com os ME que obtivera
enganando Enki, Ninshubur é páreo para Isimud/Usmu, um macho, e é chamado pela
deusa de "meu guerreiro que luta ao meu lado" - um papel nitidamente
masculino. Os talentos diplomáticos desse emissário foram empregados por
completo quando Inana/Ishtar resolveu visitar sua irmã Ereshkigal no Mundo Inferior,
desafiando a proibição: nessa narrativa, o grande sumeriólogo Samuel N. Kramer (A
Descida de Inana ao Mundo Inferior) refere-se a Ninshubur como
"ele"; assim também Leo Oppenheim (Mitologia da Mesopotâmia).
A enigmática bissexualidade ou assexualidade de Ninshubur é refletida
pela relação com outros seres - a maioria, mas não todos, criações de Enki -,
que parecem não ser nem machos nem fêmeas, assim como nem divinos nem
humanos, uma espécie de andróides - robôs em forma humana.
A existência de tais emissários enigmáticos e suas características
espantosas aflora no texto acima mencionado, que lida com a visita não
autorizada de Inana ao domínio de sua irmã mais velha, Ereshkigal, no Mundo
Inferior (Sudoeste africano). Para a viagem, Inana veste sua roupa de
astronauta; os sete itens listados nesse texto combinam com a representação de
uma das estátuas desenterrada em Mari. Como uma taxa de admissão a essa zona
restrita, Inana teve de dar suas posses, uma de cada vez, enquanto passava
pelos sete portões; só então, "nua e curvando-se baixo, Inana entrou na
sala do trono". Assim que as duas irmãs puseram os olhos uma na outra,
ambas ficaram enraivecidas; Ereshkigal ordenou que sua Sukkal Namtar
apanhasse Inana e a ferisse da cabeça ao pescoço. "Inana foi transformada
num cadáver pendendo numa estaca."
Prevendo problemas, Inana instruíra seu emissário,
Ninshubur, antes de sair na arriscada empresa, para que levantasse um protesto
em seu nome, se ela não voltasse em três dias. Percebendo que Inana encontrara
problemas, Ninshubur foi de divindade em divindade para procurar ajuda;
contudo, ninguém, a não ser Enki, era capaz de enfrentar Namtar, que lidava com
a morte. Seu nome significava "Exterminador", os assírios e
babilônios o apelidaram de Memittu -"O Assassino", um Anjo da
Morte. Ao contrário das divindades ou humanos, "ele não possuía mãos nem
pés; não bebia água nem comia comida". Assim, para salvar Inana, Enki
resolveu fabricar andróides similares que pudessem ir à "Terra Sem
Retomo" e realizar sua missão em segurança.
Na versão suméria do "mito", lemos que Enki fabricou dois
andróides de barro e os ativou dando a um deles o Alimento da Vida e ao
outro, a Água da Vida. O texto chama a um deles Kurgarru, e ao outro, Kalaturru,
termos que os estudiosos deixam sem traduzir por sua complexidade;
referem-se às "partes particulares" dos seres, os termos sugerem
órgãos sexuais peculiares: traduzidos literalmente, um cuja
"abertura" está "trancada", o outro cujo
"penetrador" está "doente". .
Vendo-os aparecer na sala do trono, Ereshkigal perguntou quem eram eles:
"Vocês são deuses? São mortais? O que desejam?". Eles pediram então o
corpo sem vida de Inana, e o conseguiram. Em seguida "sobre o cadáver
dirigiram o Pulsador e o Emissor"; aspergiram a Água da Vida sobre o
corpo e lhe deram a Planta da Vida, "e Inana ergueu-se".
Comentando a descrição dos dois emissários, A. Leo Oppenheim (Mitologia
da Mesopotâmia) descreve os atributos que qualificaram os emissários a
penetrar no domínio de Ereshkigal e salvar Inana como (a) não sendo machos nem
fêmeas, e (b) não terem saído de nenhum ventre. Além do mais, no Enuma
Elish, a versão babilônica da Epopéia da Criação, ele encontrou uma
referência à habilidade dos deuses para criar "robôs". No Enuma
Elish, a batalha celeste com Tiamat e as maravilhosas criações que se
seguiram são atribuídas a Marduk - incluindo a idéia de criar o homem.
Nessa leitura do texto babilônico, foi Marduk que, "enquanto
escutava as palavras dos deuses, concebeu um dispositivo engenhoso para
ajudá-los". Revelando essa idéia ao pai, Ea/Enki, Marduk disse: "Vou
trazer à existência um robô; seu nome será 'Homem' (...) Ele será encarregado
do trabalho dos deuses, e assim eles serão aliviados". Mas "Ea
respondeu fazendo outra proposta, a fim de mudar de idéia em relação à
intenção de aliviar os deuses"; como já abordamos, mudou para
"colocar a marca" dos deuses - a impressão genética - "num ser
que já existia" (produzindo assim o Homo sapiens) .
Numa tradução atualizada da versão suméria, Kiane Wilkstein (Inana,
Rainha do Céu e da Terra) explica a natureza dos emissários como sendo
"criaturas nem machos nem fêmeas". Uma explicação mais precisa é
fornecida, entretanto, pela versão acadiana, na qual Enki/Ea cria apenas um ser
para salvar Ishtar. Conforme tradução de E. A. Speiser (Descida de Ishtar ao
Mundo Inferior), os versos relevantes são:
Ea, em seu sábio
coração, concebeu uma imagem
e criou Ashushunamir, um
eunuco.
O termo acadiano, que é traduzido livremente como "eunuco", é assinnu,
que significa literalmente "pênis-vagina" - um ser bissexual em
vez de macho castrado (que é o significado de “eunuco"). Que essa
fosse a verdadeira natureza da criatura ou criaturas que surpreenderam
Ereshkigal é evidente pelas representações descobertas por arqueólogos; eles
parecem ter tanto órgãos masculinos quanto femininos, dessa forma não possuindo
um sexo verdadeiro.
Empunhando um cajado ou uma arma, esses andróides
pertenciam a uma classe de emissários chamados Gallu - termo geralmente
traduzido como “demônios" -, que já encontramos na história da
morte de Dumuzi, quando Marduk enviou os "xerifes" - os Gallu -
para apanhá-lo. Numa história que lida com um filho de Enki, Nergal, que viera
desposar Ereshkigal, é mencionado que a guarda do filho nessa visita aos
perigosos domínios constava de catorze Gallu criados por Enki para
acompanhar e proteger Nergal. Na história da descida de Inana/lshtar a esse
domínio, é narrado que Namtar tentou evitar a fuga da deusa revivida enviando Gallu
para bloquear sua subida.
Todos esses textos apontam que, embora os Gallu não tivessem nem o
rosto nem o corpo dos Sukkal divinos, que serviam de emissários entre os
próprios deuses, eles “empunhavam um cajado nas mãos e carregavam uma
arma na cintura". Não sendo de carne e osso, eram descritos como seres
"que não têm mãe, que não têm pai nem irmão ou irmã nem esposa nem filhos;
não conhecem comida, não conhecem água. Voam pelos céus como guardiões".
Teriam esses andróides do folclore antigo voltado
nos tempos modernos?
A pergunta é pertinente por causa da forma como são descritos os
ocupantes de Ovni por pessoas que afirmam tê-las visto (ou mesmo ter sido
abduzidas por eles): de sexo indeterminado, pele com textura plástica, cabeça
cônica, olhos ovais - de aparência humanóide, mas definitivamente não-humanos,
comportando-se como andróides. Que suas representações por aqueles que afirmam
tê-los visto seja tão similar às antigas representações dos Gallu provavelmente
não é acidental.
Havia ainda outra classe de Emissários Divinos - seres demomacas. Alguns
estavam a serviço de Enki, alguns a serviço de Enlil. Alguns eram considerados
descendentes do malévolo Zu, "maus espíritos" que não faziam o bem,
portadores de doenças e pestilências; demônios que metade das vezes possuíam
feições de pássaros.
No "mito" de Inana e Enki, é narrado que quando Enki
ordenou que Isimud recuperasse os ME levados por Inana, ele enviou junto uma
série de emissários monstruosos, capazes de alcançar o Barco do Céu: gigantes Uru,
monstros Lahama, Kugalgal "berradores" e os "gigantes
celestes" Enunun. Todos pertenciam, aparentemente, à classe de
criaturas chamadas Enkum - "parte humanas, parte animais"
segundo uma interpretação por Margaret Whitney Green (Eridu na Literatura
Suméria) -, que pareciam, talvez, com os temíveis "grifas”, que foram
criados para guardar tesouros do templo.
Um encontro com um batalhão de tais seres é narrado num texto conhecido
como A Lenda de Naram-Sin; ele era o neto de Sargão I (fundador da
dinastia acadiana) e empenhado em várias campanhas militares - sob as ordens
dos deuses enlilitas, segundo seus anais. Porém, pelo menos em uma
oportunidade, quando os oráculos divinos desencorajaram atitudes belicosas,
ele assumiu a responsabilidade da ações. Foi então que uma hoste de
"espíritos" foi enviada contra ele, aparentemente por uma decisão ou
ordem de Shamash.
Eles eram:
Guerreiros com corpo de
pássaros das cavernas,
uma raça com rosto de
corvos.
Os grandes deuses os
criaram;
na planície dos deuses
construíram para eles uma cidade.
Estarrecido pela aparência e natureza deles, Naram-Sin instruiu um de
seus oficiais para espionar um desses seres e atingir um deles com sua lança.
"Se sair sangue, são homens como nós", disse o rei; "se não sair
sangue, são demônios, criaturas criadas por Enlil". (O relatório do
oficial dizia que ele viu sangue, portanto Naram-Sin ordenou um ataque; nenhum
de seus soldados retornou vivo.)
Especialmente destacada entre os demônios parte antropomórficos parte
pássaros foi a fêmea Lilith, cujo nome significava "Ela da noite" e
"A que uiva", e segundo a crença (ou como alguns preferem,
superstições), ela durou milênios, provocando homens até a morte e arrancando
os recém-nascidos das mães. Embora em algumas lendas judaicas pós-bíblicas ela
fosse consorte do malévolo Zu (ou AN.ZU, "O Celestial Zu"), na
história suméria conhecida como Inana e a Árvore Haluppu, a árvore
incomum era habitação tanto do Anzu meio-pássaro quanto da "dama
escura" Lilith. Quando a árvore foi cortada a fim de fazer móveis para
Inana e Shamash, Anzu voou e Lilith "fugiu para partes desertas e
desabitadas".
Com a passagem do tempo e os próprios deuses tomando-se mais distantes e
menos visíveis, os "demônios" foram culpados por todas as doenças,
pelos infortúnios e azares. Fizeram-se encantamentos agradáveis aos deuses
para exorcizar os maléficos; foram fabricados amuletos (para serem usados ou
fixados às portas) cujas "palavras sagradas" eram capazes de desafiar
o demônio representado no amuleto - uma prática que continuou bem depois da
época pré-cristã e persistiu depois.
Por outro lado, em épocas pós-bíblicas e na idade helenística que se
seguiu às conquistas de Alexandre, os anjos como imaginamos atualmente vieram
a dominar as crenças populares e religiosas. Na Bíblia Hebraica, apenas Gabriel
e Miguel são mencionados, no Livro de Daniel, dos sete arcanjos listados
em épocas pós-bíblicas. As histórias angélicas no Livro de Enoque e em
outros livros apócrifos foram apenas a fundação de uma ampla gama de anjos que
habitavam os vários céus e executavam as ordens divinas - componentes de uma
angelologia que cativou a imaginação e os anseios humanos desde então. E até
hoje, quem não deseja seu Anjo da Guarda?
Fonte: Cap. 11 - Encontros Divinos - Zecharia Sitchin
Fonte: Cap. 11 - Encontros Divinos - Zecharia Sitchin