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terça-feira, 25 de julho de 2017

Um relato da Volante do Sargento Quelé

Sargento Quelé X Cangaceiro Bom Deveras


Clementino José Furtado, o Clementino Quelé
Foto tokdehistoria.com.br
"Preocupado com o crescente prestígio dos cangaceiros, principalmente porque vinham impondo derrotas sucessivas às volantes, o governo de Pernambuco encetou uma forte campanha contra o bando de Lampião e outros, com atuação na zona sertaneja, ampliando-a até aos coiteiros pobres e remediados. Os coiteiros ricos pouco sofreram com o projeto, não só em razão do poderio econômico que detinham, como em função da força política desfrutada no interior, com reflexos na capital. 

A ação governamental exercida por intermédio do chefe de polícia Eurico de Souza Leal, consistiu em aumentar os efetivos policiais no interior, com relevo na área afetada pelo flagelo do banditismo; contratação de homens da região para servirem de rastejadores, facilitando assim a mais rápida mobilização das volantes e do cerco aos coiteiros, procurando impedir que se contactassem, ou mesmo auxiliassem os bandidos. 

Com idêntico objetivo, reuniram-se no Recife, no mês de dezembro, os chefes de polícia dos estados da Bahia, Paraíba, Alagoas, Rio Grande do Norte e Ceará. Do encontro, resultou um pacto de mútua assistência no combate ao banditismo, incluindo-se na pauta de deliberações a permissão do livre acesso das volantes àqueles estados da Federação, independentemente de qualquer autorização superior. Tal medida aterrorizou as populações locais, que passaram a ser hostilizadas pelas tropas policiais dos estados vizinhos. 

Essas providências oficiais dificultaram um pouco a atuação dos cangaceiros. Porém, Lampião, bastante arguto, minimizou a situação, contornando os obstáculos impostos, por meio de excelente relacionamento mantido com parte dos sertanejos rurícolas. Em conseqüência disso obteve resultados satisfatórios. As volantes faziam justamente o contrário, ao invés de conseguirem a amizade da população, primavam pelos espancamentos, humilhações e odiosidades. 

As brutalidades cometidas pelos policiais eram tão acentuadas que se chegou ao ponto de alinhar-se cangaceiros e coiteiros como um único corpo social à margem da lei. Por isso, as volantes redobravam os espancamentos, pois com o bando de Lampião muitos sertanejos nordestinos tinham filhos, ou irmãos, tios ou sobrinhos, amigos de infância, compadres e os milita-res exigiam notícias desses seus parentes ou amigos. 

Toda espécie de barbaridade praticava-se contra o coiteiro, com a desculpa de que ele era um indivíduo nocivo à sociedade, desprezível, abjeto, vil, desmerecedor de qualquer piedade e respeito. Atento à mobilização oficial, Capitão Lampião dividiu o bando em três partes, determinando a Sabino Gomes e a Bom Deveras, chefes dos sub-bandos, que não poupassem os seus inimigos e os de seus amigos. Ordenou que devastassem o sertão, promovessem saques e toda sorte de tropelias. 

Bom Deveras foi o primeiro a sair do coito e, obedecendo às decisões do capitão, tocou fogo na fazenda Retiro, de propriedade de Olegário Carvalho, inimigo de parentes de Sinhô Pereira, o ex-comandante de Lampião. As pastagens trans-formaram-se em cinzas. O gado, conduzido ao curral, foi abatido a tiros e depois untaram as reses de querosene, incendiando-as, a seguir. 

Informado das atrocidades de Bom Deveras, o sargento Severino reuniu a sua volante e saiu no encalço do bandido. Fez pousada na fazenda Pedras, por onde havia transitado o cangaceiro com seus quinze asseclas, fazia poucos dias. 

No outro dia, seguiu para o povoado Preguiça, na esperança de adquirir informações, por meio do bodegueiro Zequinha, que lhe serviu uma lapada de anis-estrelado. Soube, somente, que Sabiá tinha estado atrás da noiva, agregada da Fazenda Poção, de propriedade de Donana Pereira, viúva do major Fernando Pereira. 

O sargento marchou imediatamente para a fazenda de Donana, mas nada conseguiu. Sebastiana havia fugido com o cangaceiro, sem deixar qualquer pista. Donana achava-se indignada com a atitude da sua ex-serviçal. Os soldados foram alojados no depósito de algodão, ficando sempre dois de guarda, em revezamento de quatro em quatro horas. 

Sargento Severino farejava cangaceiros. Passaram a noite inteira vigiando a fazenda, com o intuito de encontrar alguma anormalidade, que pudesse levantar suspeitas e incriminar Donana como coiteira, contudo nada de incomum surgiu. Tomaram café com beijus servidos por Perpétua, na cozinha da casa grande e rumaram para a fazenda Glória, onde passaram a tarde e a noite, sem que soubessem notícias dos bandidos. 

Quando o sol ia despontando, chegavam à fazenda dois homens, com trajes de vaqueiro, dizendo-se soldados. O cabo Pedrão, aproximou-se dos recém-chegados e perguntou: 

— Sordado de gibão e perneira? 
— Somos sordados sim e queremos falá com o sagento pois temo um recado prá ele. 
— O sagento num tá não. De qui volanti ocês são? 
— Nóis é da volanti de Quelé 
— respondeu o mais moço dos dois. 
— Qui recado ocês tem prá dá pru sagento? 
— indagou o cabo. 
— E qui nossa volanti deu urna brigada cum Bom Deveras e nosso comandante soube pur Zequinha da budega da Priguiça qui o sagento Severino teve nesta bandas e mandou nóis percurá e vim chamá ele, pois nossa volanti tá isperando na fazenda Três Coração.

O sargento Severino estava observando a conversa, sentado em um tamborete e ordenou a retirada: 

— Eu tava aqui cabôco e iscutei a cunveça toda. Si fô mintira de ocês. Si fô cilada eu mato os dois — falou asperamente o militar. 

— Vamo simbora, pessoá. Mais rápido do qui imediatamente. — bramiu o cabo Pedrão. 

Sem demora, seguiram para onde se encontrava a volante de Quelé. A primeira coisa que viram, quando chegaram, foi o vaqueiro da fazenda amarrado no esteio do alpendre da casa onde morava. 

— O xente... Pur qui é qui este home tá assim amarrado — perguntou o sargento Severino. 

— Este safado é um coiteiro sem-vergonha, qui veve protegendo cangacêro — respondeu Quelé. 

— Desamarra o homi, rapais. Purqui ocês de Nazaré fazem isso? Irra véis de brigarem cum Bom Deveras ou mêrmo Lampião, ocês vevem judiando estes pobes. Ele pur exempo sabe onde tá Lampião? Onde tem cangacêro? — questionou Severino. 

— Ele sabe e já dixe onde ele tá. 

— Num é pussive, ocês tem a informação qui pricisam i ainda martratam um homi deste? Isto é baixeza, é uma covardia, nóis não usamo isto não. A gente só judiamos cabra-safado mêrmo. 

Soltaram o vaqueiro e as volantes reunidas foram para o coito indicado. Depois de muitas cautelas invadiram o esconderijo, mas este já se achava vazio. Os cangaceiros haviam desaparecido. No rastro dos bandidos as volantes passaram no Riacho Seco e, no outro dia, ainda seguindo as pegadas dos cangaceiros, chegavam à fazenda Aroeira. 

Quelé percebeu que a sua tropa estava sem suprimento e mandou Patativa, um contratado, juntamente com dois soldados, em busca de mantimentos no povoado Olhos d'Agua. Quando os gêneros de primeira necessidade chegaram, as volantes marcharam em rota batida, passando pela fazendinha de João de Beto, depois por Lagoinha e daí direto para a fazenda Cauã. 

Era um dia de sábado e o sargento Severino resolveu seguir para Triunfo, onde faria a feira. Quelé acompanhou o sargento e, quando estavam a pouca distância da cidade, o cabo Pedrão dirigiu-se ao seu comandante dizendo: 

— Ói... Num vão pra Triunfo não, purgue nóis vamo brigá cum cangacêro e não demora mais não. 

— Mais tá todo mundo istrupiado, ninguém güenta mais não. Vamo descansar uns dias e asdispois nóis vamo vortá. 

— Ocês vão simbora — aparteou Cabo Roxo. É purgue num querem brigá com os cabras, hoje faz oito dia qui nóis tamo seguindo as pegadas deles, só Deus é qui pode impatá de nóis brigá cum eles. Si eu fosse ocês num ia simbora, ficava para ver como é qui si briga cum cangacêro qui ocês num sabem. Vamo ficá pur aqui qui nóis sabe nutiça já da cabruada de Bom Divera. 

Quelé parou e resolveu pensar no que dizia seu auxiliar. 

— E verdade. Acho qui nossa tropa vai ficá e percurá mais os cangacêro — rugiu Quelé. 

Entretanto, não havia meios para demover a volante de Severino. Seus homens desejavam ir à feira e não atenderam às ponderações do sargento. Quelé e seus camaradas deram meia volta e foram para a fazenda Boa Vista. A volante acomodou-se na falda de um serrote, bem próximo da sede da fazenda. Já fazia oito dias que os soldados viajavam e todos estavam exaustos, mas a obstinação de encontrarem os cabras era muito maior, como a vontade de brigar com os cangaceiros estava acima de todos os esforços físicos. 

Ao amanhecer, Quelé, com aspecto de quem estava morrendo de sono, voltou a seguir as pegadas e estas iam diretas para a fazenda Boa Vista, onde residia João Rufino, coiteiro de larga experiência. Cabo Roxo perguntou aos seus companheiros: 

— Como é, gente? Vamo chegá de supetão na casa do coiteiro ou vamo vigiá-lo premêro? 

— Vamo chegá de uma veis só, já tá muito chata esta viage. Parece qui os bichos sumiro da terra. 

— É perigoso, Quelé. Não vamo chegá assim de supetão não. O safado do João Rufino avisa os cabras num minuto. 

— Será qui os cabras tão aí? Eu penso qui não. 

— Uma coisa mim diz qui tá todo mundo aqui. Ocê vai vê. De quarquer manêra nóis vai ficá argumas horas vendo a casa. Vamo vê si tem gente indo i vindo i si João tá im casa. 

Permaneceram observando a casa por algum tempo, mas Bal divisou no céu urubus voando em círculo e comentou: 

— Quelé!!! Oi ali. Tá vendo aqueles urubus? Aposto qui é coito de cangacêro. 

Quelé olhou, coçou o queixo e resolveu: 

— Vamo todos fazê medo a João Rufino. 

Desceram a rampa do serrote numa velocidade impressionante, cercando a casa do coiteiro, o qual estava acocorado consertando a cincha da sela, no alpendre da moradia. Assustado, levantou-se segurando no braço do seu filho Gustavo, que ficou agitado diante do cerco e da casa repleta de soldados. Falou alto para ser ouvido até na cozinha, onde se encontrava sua mulher preparando a refeição matinal. 

— Menininha... Bota o café no fogo, é os homi de Quelé e cabo Roxo qui chegaram. Dirigindo-se ao cabo, velho conhecido, perguntou-lhe: 

— Anda caçando cangacêro, Roxinho? 

— Não, nóis não andamo caçando bandido, não — respondeu Roxo. Nóis andamos é caçando urubu. Aqueles qui estão voando ali, é na carniça de uma rês ou é no coito de Bom Deveras? 

— Ali não é nada não. 

— Tá tremendo, coitêro, nóis vamo lá. Se fô um coito, si prepare pra morrê. Coiteiro mintiroso. — disse Quelé. 

— Qual nada. Os cangacêros tão longe daqui. 

— Coiteiro safado, nóis vamo simbora; um dia eu lhi pego. Vamo, turma, deixe este cabra mangando de nóis, ele pensa qui somos umas bestas. 

Do mesmo modo que chegaram à casa do coiteiro, retiraram-se. Partiram para a caatinga e, assim que caminharam numa trilha encontrada no espesso arranhento, Quelé levantou o braço, mandando parar a tropa. 

— Ocês viram que João tava morto de medo? Ói, os cabras tão pur perto, vamo vortá e cercá a casa e, no redor da fazenda não é prá passá ninguém, vamo passá o dia inteiro e si fô priciso inté a noite por aqui no cerco, arguma pessoa vai vim do coito prá fazenda ou da fazenda pru coito. 

O cerco foi estabelecido. Ninguém conseguia passar nas imediações da casa do coiteiro, sem ser percebido pelos membros da volante. Quelé e Roxo, trepados em um umbuzeiro, observavam pacientemente tudo que se passava na sede da fazenda. As horas corriam sem qualquer anormalidade. Entretanto, depois de um longo período de espera, Quelé divisou um rapaz que gesticulava ao lado de João Rufino, saindo, a seguir, com o cabresto na mão. 

— Pedro Zamba — disse Quelé — vá com Paulinho e prendam aquele rapais e tragam ele aqui. 

— Agora mêrmo — respondeu o soldado. 

O rapaz vinha assobiando, sem nunca imaginar que quatro olhos e dois rifles engatilhados o espreitavam numa curva. Tinha média estatura, moreno, queimado do sol, cabelos lisos puxado a cabo-verde. Trajava calça de pano barato, de cor que devia ter sido, quando nova, cinza-escuro, mas que surrada pelo uso, parecia vestes de cigano pobre; a camisa, era de fazenda fina, com listras brancas e azuis, e os pés vinham calçados de um tipo de alpercatas de couro curtido, conhecidas como "pargatas-de-até-logo". 

Caminhava tranqüilo, quando, de repente, tomou um tremendo susto, ao escutar: 

— Têje preso, cabra... Si corrê, morre. Era Pedro Zamba que lhe falava em voz firme, apontando-lhe o rifle, à altura da cabeça. 

O rapaz não se moveu, viu os dois soldados saírem do mato, recuou um pouco e parou. 

— Pra donde vai? 

— Vô pegá um burro. 

— Vamo ali. Asdispois ocê pega o seu burro. 

Levaram o rapaz até onde se encontrava Quelé. Este o interrogou: 

— Não minta. Si eu pegá ocê na mintira, eu lhi arrombo os miolo. Diga... Adonde tão os bandido, vamo, diga. 

— Seu sagento, eu não sei não, eu ia pegá um burro.

— E quem qué sabê se ocê vai pegá burro ou não. Eu quero sabê adonde é o coito. 

Justo, um soldado muito malvado, ouvia o interrogatório, já irritado disse: 

— Cabra-safado, ou ocê fala a verdade ou morre agora mêrmo. 

Em vista da ameaça de morte, o prisioneiro viu que a sua situação não era das melhores, quanto mais quando se tratava da volante de Quelé, conhecidíssima pelas violências que praticava contra cangaceiros e coiteiros. Tratou de salvar a sua denunciando. 

— É, vou falar a verdade; eu ia dá um recado a Bom Divera, qui seu João mandou. Os cangacêro já sabe qui ocês tão pur aqui e tão privinidos. 

— Bom Divera tá no coito? 

— Tá, sim sinhô. 

— Minha gente — disse Quelé. — Bom Divera tá no coito e já sabe da nossa presença. Não foram imbora, não. Tão isperando. É macho mêrmo... Ai... Ai... Ai... Quem mi dera o majó tá hoje pur aqui, ou mêrmo Mané Neto. 

— Quelé! — falou Bal. — O bandido vai tê uma surpresa, ele tá pensando qui a gente não sabe qui ele tá isperando por nóis. 

— É mêrmo — frisou o sargento. — Vão prendê João Rufino. 

— Quelé... É mió i a turma toda, a gente pega o home e leva ele mais nóis. Si argum de nóis morrê, ele também morre — propôs Roxo. 

A sugestão de Cabo Roxo foi aceita. Quando menos esperava, João Rufino dos Santos Oliveira foi preso pelos homens que julgava bem distantes, razão por que antes havia avisado Bom Deveras. Não sabia, porém, que o mensageiro tinha sido apreendido e a notícia não chegara ao coito. 

— João... — gritou cabo Roxo. — Vá levá a gente no coito e não diga nada, pois já tô cheio das sua mintiras. Vamo... Vamo... Num demore, não. 

João Rufino nada respondeu. Colocou o chapéu na cabeça. Pálido de medo, a voz trêmula, suplicou: 

— Quelé... Pode mim mata, mais eu não digo adonde Bom Divera tá. Eu sei qui ocês tem razão de tá caçando cangacêro, mais eu não vô traí um home como Bom Divera, pruquê, quando eu tive um fio doente, ele mi deu cinquenta mil réis prá eu tratá o minino. Si compadeceu de mim. Ele é um cabra bom mêrmo, de verdade. 

— Tá certo, João, mais a gente sabe onde ele tá. Este rapais qui eu prendi, de nome Quincas Futucado, já mim dixe adonde é o coito, mais si nóis não soubesse adonde era o coito ocê ia dizê de quarqué manêra. Os cangacêro dão dinhêro a ocês, prá ocês não enganarem eles. Peça a Deus e à Vige Maria Santíssima qui ninhum de nóis morra. Fique preparado; si argum de nóis morrê e si nóis chegá no coito e os cangacêro já tivere ido, eu vorto aqui e acabo cum tudo. Viu? coiteiro sem-vergonha. Fique dentro de casa, si saí, morre. 

Com Futucado servindo de guia, os soldados seguiram para o coito. Fizeram pousada à sombra de uma quixabeira, para combinarem o cerco ao esconderijo dos bandoleiros. Como tudo indicava que Bom Deveras estava nas proximidades, redobraram a atenção. Quelé dirigiu a palavra aos comandados, advertindo: 

 Ocês sabem o qui é um combate e ainda mais na presença de Bom Divera, um dos escolhidos de Lampião para comandar cangacêro. Vamo cercá o coito, mais é priciso cuidado, muita cautela com a retaguarda, pruquê ele é mestre em atacar pela frente e pelas costa. Cerca todo mundo e deixa o pessoá dibaixo de fogo cruzado. Qui ninguém caminhe de peito aberto, todo mundo caminhe de lado. Vamo de dois em dois, ou de treis im treis. Ói, num quero qui ninguém entre no coito pra brigá no punhá ou na faca. Principalmente ocê — apontou para Pedro Zamba, perito no manuseio de um punhal ou facão. — Não devemo nos arriscá em uma luta de punhá, si fô dois contra um, num tem remédio. Ocês já pensaram, nóis chegá e dizê pru majó qui um dos nosso morreu pruquê tava brigando de punhá? Ele, o majó já dixe qui quem briga cum unha é gato. O revorve é qui dicide a briga. 

Beberam água, o soldado Justo tomou uma bicada de cachaça que carregava no cantil, e quietos, silenciosos, sem provocação de qualquer ruído, avançaram. Quando estavam a poucos metros do coito, separaram-se em grupinhos. O esconderijo do famoso cangaceiro estava situado no lado sul de um morro. Altas árvores amparavam os bandidos, muitas pedras circundavam o local e o acesso era dificílimo. O lugar tinha sido habilmente escolhido. 

Quelé perguntou ao prisioneiro: 

— Ocê sabe adonde fica os guarda e quem é eles? 

— Onte de tarde quem tava era Cobra Verde e Velocipe. Cobra tava lá im riba, na cabicêra do morro e o outo no arto daquelas peda. Só era dois. 

 Ocê tem certeza qui Bom Divera tá no coito? 

— Onte ele tava. Ontonte, tamém. 

— Minha gente, vamo seguir pur dentro destas baixadas — disse Quelé aos seus camaradas. — Vamo bem de mansinho. Vamo subi devagarinho as barrancas, pois eu acho qui o coito é ali no sopé do morro. Cuidado... muito cuidado cum as sintinela. 

A volante seguiu de acordo com as instruções do seu comandante e a cada passo mais se aproximava do coito. Bal avistou de relance uma tolda estendida no tronco de uma braúna. Que estava circundada por enormes bancos de macambira e gravatás amarelos, tudo misturado a um enorme número de moitas de cipós-de-leite. 

O soldado rastejou até bem perto de Quelé e sus-urrou: 

— Quelé... Psiu... Óia... Ali tem uma barraca e eu penso qui é a de Bom Divera. O chapéu qui tem lá é o dele, pode ter certeza. Vamo cercá-la; si fô mêrmo, eu quero vê si o cabôco é bom brigadô. 

— Vamo cercá, turma. Tomara qui seja ele mêrmo, hoje é o dia — dizia alegre Quelé, com a perspectiva de um encontro com o chefe do bando. 

Quando os soldados cercaram a barraca, ficaram alarmados porque não era barraca e sim um pano estendido, e não havia ninguém por perto. Quelé, com medo de uma cilada, acenou para os companheiros, a fim de recuarem apressadamente. Amparados pelas barrancas da baixa que circundavam o sopé do morro, os combatentes relaxaram um pouco e procuraram novas posições.

Nessa movimentação abrandaram a vigilância imposta a Quincas Futucado, e este, aproveitando o enfraquecimento da precaução que tinham consigo, partiu gritando: 

— Oi os sordados... Ói os sordados... Os sordados de Quelé... 

Nada mais disse, porque foi alvejado mortalmente, com dois tiros nas costas, produzidos por Justo e Bal. Quando os gritos do fugitivo ressoaram, o que se viu foi um tiroteio infernal. Rebentou urna fuzilaria espetacular, mais parecendo urna trovoada. Para felicidade dos integrantes da volante os tiros não os alcançavam, visto que estavam amparados nas rampas do morro. Quelé espalhou a soldadesca e respondeu à altura o tiroteio. 

Ao fim de uma hora, o silêncio voltou a reinar naquela parte do sertão, somente sendo ouvido o crepitar do mato seco e aos poucos a invasão de uma fumaça que a cada momento mais se avolumava. Os cangaceiros haviam incendiado a caatinga e a mata adjacente facilitando a fuga. Quando a volante, depois de muita luta com o fogo, penetrou no coito, encontrou morto o cangaceiro Braúna. Justo decapitou o cadáver e saiu a exibir entre os colegas a cabeça do cangaceiro, pendurada pelos cabelos. 

Cabo Roxo estava desaparecido com mais quatro companheiros. Seguiam a trilha dos cangaceiros, em meio a mandacarus e palmatórias. De uma elevação do terreno, Bom Deveras viu abobalhados na clareira os militares. Voltou-se para Cobra Verde, e disse: 

— Vá ali cum uns dos home e dê uma carrêra naqueles macaco. Num mate não, só faça medo a eles... 

— Cumpade!... — replicou Cobra Verde. Home cuma Roxinho num si dá carrêra, não. É mió deixá o infiliz im pais qui fazê medo. Num vamo mexê o cão cum vara curta, não. 

— É mêrmo... — disse Juriti. — Ou nóis acaba cum ele de uma veis só, ou deixa ele im pais. Fazê medo, dá carrêra a Roxo é mêrmo qui buli cum casa de marimbondo. 

Diante dos conselhos dos companheiros, Bom Deveras desistiu de escorraçar o Cabo Roxo e os seus camaradas. Sentou-se numa pedra roliça, os cangaceiros acompanharam seu gesto e Juriti começou a falar sobre o tiroteio havido naquele dia.

— Eu nunca vi tanta sorte cuma a destes macaco não morrerem todos hoje. Não vão morrê nunca mais. Si o coitêro do Futucado não corre gritando, eles ia ficá no cerco da gente, não ia ter saída não. Si a gente sabe qui o diabo do coitêro ia corrê, nóis dava pra matá uns quatro, mais a gente queria acabá cum aqueles cachorro, num deu certo. O qui vai si fazê?... Vamo isperá outa... Eu ainda acho qui nóis divia acabá cum Roxinho agorinha mêrmo. É menos um pra andá atrais da gente. 

— Não — intercedeu Cobra Verde. — É mió a gente pegá Roxo e Quelé duma só veis. 

— E... É mió mêrmo — aprovou Bom Deveras, que prosseguiu: — Mais, si Braúna não atira, a gente tinha pegado todos ele. Nóis cerquemo e quando eles subisse, as baixa era a hora. Eu sabia qui eles não ia recuá, apôis Quelé e Roxo são valentes mêrmo. Fez urna pausa, acendeu um cigarro e continuou: — Parece qui não perdemo ninguém. De uma coisa pode ficá certo: os macaco de Quelé num tem medo.

— Cumpade!!! Cumpade Bom Divera... O Braúna num tá, não — advertiu Velocípede, apavorado. — Será qui ele foi baliado no tiroteio? Ou correu do fogo? 

— Braúna? Braúna não é home de corrê de fogo não — salientou Candeeiro. — Nunca vi falá qui ele tivesse corrido de macaco e de tiroteio. Acho qui aconteceu arguma coisa a ele. 

— Vamo vortá... Vamo vortá pru coito. Num sei adonde eu tava quando deixei aqueles macaco covardes — enfurecido, gritava Bom Deveras. — Macaco só vai morrendo mêrmo. Os quinze qui nóis dexêmo vivo num paga um home cuma Braúna — finalizou. 

Agitados, com a possibilidade de não mais encontrarem Braúna com vida, os cangaceiros apressaram-se em retornar ao local do combate. Numa caatinga rala, alcançaram mandacarus, em cuja moita estava o cangaceiro desaparecido, morto, decapitado, com um ferimento no abdome, provocado por instrumento pérfuro-contundente. 

Entre a tropa de Quelé* e o bando de Bom Deveras ocorreram embates violentíssimos, até que o famoso cangaceiro foi liquidado no princípio de 1927 e alguns dos seus cabras se espalharam pela caatinga, com medo da repressão que lhes encetavam as diversas volantes de Pernambuco." 

* O Sargento Clementino Furtado, o famoso QUELÉ, faleceu em 1955 na paz de sua aposentadoria, no leito familiar.

Fonte: CANGACEIROS, COITEIROS E VOLANTES (José Anderson Nascimento) pgs 97-104








quinta-feira, 20 de julho de 2017

Lampião, Coiteiros e Volantes

PEQUENO ESTUDO SOBRE O JOVEM VIRGULINO

O sertanejo plantava milho no dia 19 de março, dia dedicado a São José. Logo depois, plantava o feijão. Plantava também algodão que vendiam ao coronel que tinha uma descaroçadora, e o restante, era usado pelas mulheres da casa, com seus teares rudimentares onde faziam mantas ou tecidos grossos para fazer redes. Havia sempre, ou quase, uma ou algumas vacas e cabras, criadas para o leite diário e vez em quando para a carne da mesa, juntamente com a macaxeira e o cuscuz.

Pois bem, nesse cenário, encontrava-se a propriedade da família Ferreira, pequena, de onde tiravam o sustento. Nessa família nasceu aquele que iria revolucionar o sertão, não pelo social, para trazer melhorias para a população sertaneja tão maltratada pela seca e pelas autoridades, que não forneciam a contra partida de investimentos com os impostos pagos pela população, mas revolucionar a metodologia criada por homens que pegaram em armas e juntaram grupos de cangaceiros para atacar a fazendeiros e transeuntes nas estradas, roubando-os.

"Virgulino* era um destemido jovem, bom vaqueiro, inflexível na perseguição de uma rês barbatão, onde penetrava na caatinga, mato fechado, onde reinavam o xique-xique, a faveleira, o pião, o juazeiro. Era exímio e admirado. Nas festas populares era também admirado por todas as mocinhas, que reviravam os olhos e suspiravam na sua passagem. Dançarino dos bons tanto no xaxado quanto no forró. Tocava sanfona e era afamado repentista. Virgulino era um rapaz cheio de entusiasmo e participava de todas as festas da região. 

Fora das festas, era um excelente profissional do couro e do comércio. Trabalhou em almocrevia para seu pai e foi arrieiro do Dr. Delmiro Gouveia, onde conduzia cargas de couro em mulas e burros, de Pedra (atual Delmiro Gouveia, no estado de Alagoas) para Bom Conselho e Garanhuns, no agreste pernambucano, região que conhecia detalhadamente e palco de grandes combates entre cangaceiros e as forças oficiais. 

A sua família não era abastada como as dos seus antecessores Silvino e Sinhô Pereira. Pode-se dizer que era remediada. Vivia da criação e da agricultura. Seu pai, José Ferreira dos Santos, era pequeno proprietário rural. Não era pobre, "arrebentado", tinha recursos para prover regularmente a família. 

O fato histórico que registra o ingresso de Virgulino e de seus irmãos Livino e Antônio no cangaço, prende-se à inimizade alimentada entre os Ferreira e os Barros, apelidados de Saturninos*. Estes, com mais recursos e parentes influentes na política local, deram início a esbulhos no sítio pertencente a José Ferreira, de nome "Serra Vermelha". 

José Alves de Barros, vulgo Zé de Saturnino, e seu sogro João Nogueira, proprietários do sítio "Pedreiras", confinante com o dos Ferreira, acusavam os filhos de José Ferreira de lhe maltratarem animais e de furtarem chocalhos das suas cabras, avisando-os de se manterem afastados dos seus domínios, sob pena de sérias represálias. As rusgas entre as famílias começaram praticamente em 1916. 

Houve um dia em que Virgulino e seu irmão Livino passavam com o gado por um pasto de propriedade de Saturnino, e foi o bastante para serem admoestados pelos agregados do sítio Pedreiras, iniciando-se encarniçado tiroteio, do qual saiu vítima de morte um jagunço de Saturnino, e Antônio Ferreira, alvejado na coxa. Para apurar responsabilidade foi instaurado inquérito em 7 de dezembro daquele ano, cujo feito depois teve tramitação pelo Cartório do 12 ofício de Serra Talhada, em Pernambuco. O procedimento instaurado com o objetivo de apurar a autoria da infração à lei penal, foi arquivado. 

Os Saturnino, influentes econômica e politicamente, tiveram melhor tratamento pelas autoridades locais. As instituições, no sertão nordestino, eram fracas. As autoridades policiais eram nomeadas por indicação do chefe político regional, instrumentos dóceis aos seus caprichos. 

O Ministério Público era uma ficção jurídica: quando não desempenhadas as suas funções por leigos, ligados à política do lugar, os seus titulares recusavam abrir luta com os mandões da terra — os famosos "coronéis" — visto nela serem fatalmente derrotados com a remoção do promotor e a permanência da chefia situacionista. Melhor era contemporizar, não despertando processos que a polícia sabiamente adormecia... 

O júri, dominado pelas paixões da politicagem local, era fator preponderante de clamorosas injustiças, e os próprios juízes togados não tinham força de requisitar um soldado de polícia para o cumprimento de uma diligência. Viam-se, às vezes, na contingência de organizar bandos para o cumprimento das suas decisões. 

Na verdade, a família Ferreira começou a sofrer pressões, face ao comportamento de Virgulino e de seus irmãos Antônio e Livino, que eram fustigados pelo invejoso Zé Saturnino que se punha como vítima, sendo ele o motor de partida para assanhar a fera adormecida que existia no peito de Virgulino e de seus irmãos. A famíla foi sendo obrigada a transferir-se para o lugar conhecido por Nazaré, no município de Floresta, pouco distante de Serra Talhada. 

Com a efetivação da mudança, firmou-se entre a família Saturnino e a Ferreira um pacto, objetivando fossem cessadas as hostilidades entre elas. Pelo acordo, os Saturnino não circulariam por Nazaré e suas imediações e os Ferreira não iriam mais a Serra Talhada, evitando-se conseqüentemente um confronto que, na opinião de amigos comuns, seria sangrento, diante das antigas desavenças e constantes hostilidades. Entretanto, Zé de Saturnino e Nogueira, aliados, não cumpriram a parte que lhes tocava na convenção e passaram a frequentar com alguns cabras a feira semanal de Nazaré, amedrontando evidentemente os Ferreira. 

O fato é que certo dia Virgulino e seu tio Manuel Lopes trocaram tiros com Zé de Saturnino e Nogueira. A partir daí não se teve mais sossego. A falta de segurança da família era total, tendo em vista que a polícia passou a proteger o pessoal de Saturnino. Foi até destacado um soldado especialmente para essa tutela, uma vez que Ferreira, como era conhecido no início Virgulino, e seus irmãos estavam aterrorizando a localidade e causando sensíveis prejuízos ao comércio daquelas paragens. 

A essa altura já andavam armados e começavam a ter fama de valentes. Caracterizavam-se como cangaceiros: roupas de mescla, chapéus de couro com as abas viradas, lenços vermelhos no pescoço, punhais e facas, cartucheiras e rifles "papo amarelo" ou mosquetões. Virgulino já usava um punhal de cinqüenta centímetros de comprimento, com o qual sangraria mais tarde inimigos, delatores e estupradores. 

De Nazaré, os Ferreira mudaram-se para Água Branca, em Alagoas, localidade próxima ao atual município de Delmiro Gouveia, não muito distante da cachoeira de Paulo Afonso. Com as finanças abaladas e sofrendo ainda perseguições dos antigos inimigos pernambucanos, os Ferreira estabeleceram-se num lugar chamado Olho d'Agua, em um sítio arrendado, extraindo da terra os recursos necessários à subsistência, auxiliados por comboios de peles e de cereais que faziam para a Zona da Mata. A esse tempo, Virgulino e seus irmãos já haviam aderido ao cangaço, acompanhavam Sinhô Pereira e Luís Padre. A alcunha de Lampião ele a ostentaria até a morte. Dizem que existem três versões relacionadas à origem do epíteto. 

A primeira dá conta de que, quando atuava como almocreve na condução de comboios de peles, ao entrar em Água Branca, uma de suas mulas esbarrou em um dos lampiões da iluminação pública, pondo-o abaixo. Foi o bastante para que entre os próprios camaradas, nascesse o apelido. 

A segunda e mais precisa talvez surgiu na sua iniciação no bando de Sinhô Pereira, em um combate com a polícia em Buíque, Pernambuco. Para demonstrar ao seu comandante que tinha habilidade com o rifle, Virgulino empenhou-se bastante na peleja. Depois, comentando a luta com Luiz Padre, outro componente do grupo e primo de Sinhô, expressou: 

— O meu rifle, no pega desta noite, não deixou de ter clarão! 

Sinhô Pereira aproximava-se dos cabras, interferiu na conversa e sentenciou:

— Home, se é assim, o rifle deste menino é que nem um lampião! 

Na boca dos violeiros, entretanto, circula uma outra versão, fantasiosa inclusive, cuja veracidade é muito discutida. 

— Até aí Lampião 
Se chamava Virgulino. 
Porém num fogo de noite 
O seu amigo Sabino 
Perdeu na escuridão 
Um cigarro, em aflição, 
Que tomara de Ponto-Fino. 

Então disse Virgulino: 
— Compadre, preste atenção, 
Meu fuzil o alumia, 
Você acha no clarão... 
Sabino, olhando no barro 
Em procura do cigarro Disse: 
— Acende, Lampião". 

E assim foi batizado, 
Seu nome foi Lampião 
Se caía num lugá, 
Queimava a população; 
De longe ele alumiava, 
Mas, quando perto chegava, 
Incendiava o sertão. 

Depois de atuar no grupo de Sinhô Pereira, em algumas incursões perigosas contra as volantes, não só as do estado de Pernambuco, como as de Alagoas, Lampião pretendeu retornar ao seio da família, reintegrando-se, socialmente. Voltou para Água Branca, mas já estava sendo procurado pela polícia alagoana, notadamente pelo sargento José Lucena e os seus soldados. A sua família já não tinha sossego, sendo forçada a mudar-se mais uma vez. 

Foi então que se juntou a Antônio Matildes e a Antônio e Manuel Porcino. Seu pai, já em estado de viuvez, dispersou os filhos e foi viver sob a proteção de Sinhô Fragoso, fazendeiro em Mata Grande. Os filhos João, Ezequiel, que viria a ser o famoso Ponto-Fino, e Angélica seguiram para Bom Conselho e passaram a viver amparados pelo "coronel" José Abílio, que os sustentou por mais de quatro anos, até quando João Ferreira veio estabelecer-se no comércio de Propriá em Sergipe. 

Iniciando a sua vida de bandido destacado, Virgulino e os seus novos chefes fizeram um ataque a Pariconhas, no estado de Alagoas. Logo após o ataque àquela povoação do semi-árido alagoano, o bando teve no seu encalço a volante do sargento José Lucena, da polícia de Alagoas. A volante esteve à procura dos bandidos por toda parte e foi até a fazenda onde morava o pai de Lampião, na suposição de que encontraria o bando. Os soldados cercaram a casa e começaram a atirar, matando José Ferreira e Fragoso, proprietário da fazenda. 

A morte de José Ferreira foi uma das maiores tragédias na vida de Virgulino. Tinha sido pai amoroso, consciente dos seus deveres, bom amigo. Morreu antes de completar cinqüenta anos de idade. Na retirada para Pernambuco, onde se achavam mais seguros, os bandidos atearam fogo no interior de Alagoas, sob a voz austera de Lampião: 

— Baixem o facho nas casas. Alagoas vai ficá de sentimento. 

A atividade dos bandidos endurecia a vida dos sertanejos, como endurecia, também, o cerco que as volantes faziam aos malfeitores. Matildes abandonou o grupo, seguindo para a Paraíba, tendo assumido a chefia Antônio Porcino. Tempos depois, os Porcino deixavam o banditismo e embrenharam-se na Bahia. Lampião tornou-se, por isso, chefe do grupo de bandoleiros, posto supremo em que se manteve até à morte. 

Reuniu, logo após agosto de 1922, os ex-cabras de Sinhô Pereira: Antônio Rosa, Meia-Noite, Joaquim Coqueiro, Plínio, Bem-te-vi, Patrício, Raimundo Agostinho, João Genoveva, Pedrão, Zé Dedé, José Melão, Laurindo, João e Antônio Mariano. O apoio logístico dispensado a Lampião foi o mais notável durante toda a época da existência do banditismo. 

O "grito do mateu" era a senha anunciadora da sua presença, transmiti-da de ouvido a ouvido do coiteiro. O coiteiro era o sertanejo que dava asilo ou protegia os cangaceiros. Havia coiteiros por sugestão, ou imitação, simpatizantes ou admiradores do bandoleiro, frutos do mesmo meio, vítimas do mesmo mal de crescimento social ou jurídico, impulsionados pelos mesmos fatores, sujeitos, portanto, à mesma prevenção ou repressão dada aos protegidos. Havia, porém, os coiteiros por interesse, traficantes do crime, cúmplices do cálculo, que auxiliavam os bandidos, visando lucros e vantagens.

Por outro lado, existiam coiteiros coagidos, os que, reconhecendo a impossibilidade de obterem auxilio das autoridades legais, ajudavam os bandidos para não perderem a vida ou a propriedade. Nessa última classificação figuraram inúmeros vaqueiros, que, por sinal, foram os mais eficientes coiteiros de Lampião: roceiros, pequenos e médios proprietários rurais, comerciantes, caixeiros-viajantes. 

João Barroso, por exemplo, coiteiro de grande prestígio junto a Lampião, que tinha atuação em Alagoas, certa ocasião, num rasgo de coragem, desabafou: 

— O governo não pode com Lampião! Nós matutos não podemos. Nem as cobras podem com ele. Quem é o grande? Lampião! Então, eu vou ficar com ele." 

* Veja o comentário abaixo.

** Com quase certeza, isso fez que Zé Saturnino, sentisse inveja de Virgulino. 

Fonte: pequena parte em aspas, do livro de José Anderson Nascimento, CANGACEIROS, COITEIROS E VOLANTES.