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domingo, 31 de janeiro de 2016

O Céu chorando é lindo!

 Raul Meneleu
Choveu...
O céu chorando,
lágrimas escorreu,
na terra ressequida, que bebeu...
essa declaração de amor.

Chorou...
com emoção,
sofreguidão,
sorveu água pura que escorreu,
entre seu rego  acolhedor.

Aceitou...
essas lágrimas puras de amor,
chuva bem vinda ressuscitou,
a vida que estava dormindo,
e o sertão brotou.

Amor...
flores diversas,
desencantaram,
fauna sorrindo gemeu,
gozo santo de amor.

Louvor...
a esse ato divino,
até aos homens encantou,
tal declaração de amor,
que a natureza ofertou.

A chuva ressuscita a vida que dorme o sono da morte, até ela vir, e quando vem, o sertão brota.

sábado, 30 de janeiro de 2016

A condenação dos pintos e a justiça brasileira

Um conto persa

Certo dia, um ladrão, em ocasião propícia, foi informado de que o rico Djelal-ed-Din, mercador em Chiraz, havia conduzido para casa uma considerável soma destinada às festas com o casamento da sua filha, Zuleika, e resolveu apropriar-se de uma parte desse tesouro. 

Para entrar na casa era preciso, porém, saltar um muro muito alto e, nessa ginástica, o salteador caiu e fraturou uma perna. Arrastando-se, ele foi queixar-se ao cádi, o juiz local, que mandou chamar à sua presença o rico Djelal-ed-Din.

— Por que, filho de um cão, fizeste um muro tão alto em torno do seu jardim, que este pobre ladrão quebrou uma perna ao tentar saltá-lo? – indagou o magistrado.

— Sombra de Deus sobre a terra, que seja eu sacrificado sobre o altar da tua prosperidade! Mas se o muro que cerca o meu jardim é tão alto, a culpa não é minha; é que o empreiteiro o levantou mais do que eu desejava. Ele me cobrou tal preço por esse trabalho que tive de vender parte dos meus bens para pagá-lo, chegando quase a arruinar-me.

— Que se faça vir à minha presença o empreiteiro! – ordenou o cádi.

— Por que, filho de um cão, por que construíste um muro tão alto em torno do jardim de Djelal-ed-Din, de modo que ele teve as maiores dificuldades em pagar-te, e que esse desventurado ladrão, ao saltá-lo, quebrou a perna? – gritou-lhe.

— Sombra de Deus sobre a terra, que seja eu imolado sobre o altar da tua prosperidade! Mas foi meu pedreiro que assim elevou o muro, no qual empregou tanto material que, não obstante o preço que cobrei de Djelal-ed-Din, fiquei quase na miséria.

— Que se faça vir o pedreiro à minha presença! – respondeu o juiz.

— Por que, filho de um cão, elevaste o muro de tal forma, que teu patrão, o empreiteiro, se arruinou, não obstante o preço cobrado de Djelal-ed-Din, o qual, por seu turno, viu o seu patrimônio diminuído por essa enorme despesa, e de modo que esse infortunado ladrão quebrou uma perna?

— Sombra de Deus sobre a terra, que eu seja sacrificado no altar da prosperidade! Mas quando eu estava construindo esse muro, vi no jardim uma mulher tão bela, com o rosto descoberto, que fiquei fascinado e perdi a razão. E pus tijolo sobre tijolo, sem me aperceber, e se tivesse mais material, mais teria posto no atordoamento daquele espetáculo de mulher!

— Que me tragam essa mulher! – determinou o cádi.

— Por que, mulher impura, foste tu passear no jardim de Djelal-ed-Din, com o rosto descoberto como uma amaldiçoada, mostrando a tua face a este humilde operário, que, tendo por isso perdido a calma, construiu um muro tão alto que arruinou o seu empreiteiro, empobreceu Djelal-ed-Din, e provocou o deplorável acidente de que se queixa esse desventurado ladrão?

— Sombra de Deus sobre a terra, que eu seja sacrificada no altar da tua prosperidade! Mas eu pensava não me tornar criminosa, eu Zuleika, filha de Djelal-ed-Din, dando inocentemente, no jardim do meu pai, comida aos meus pintos!

— Que tragam os pintos à minha presença! – ordenou o juiz!

E mandou torcer o pescoço dos pintos.

O mundo do Islã

Islamismo: uma em cada cinco pessoas pratica hoje o Islã. A mistura entre fé e política coloca a religião em xeque em todo o mundo


Cinco vezes por dia, o chamado à oração ecoa na alma dos muçulmanos em várias partes do mundo – de Shangai a Chicago, de Jacarta a Timbuktu. Transmitida por alto-falantes metálicos em cidades populosas ou elevando-se como um murmúrio entoado por condutores de camelos prostrados na areia, a prece começa com a mesma frase em árabe usada há quase 1,4 mil anos, um melódico tributo do Islã ao Criador. “Allah... u akbar”, entoam os fiéis. “Allahhh... u akbar!” (Deus é grande!)

Cerca de 1,3 bilhão de pessoas – um em cada cinco seres humanos – atendem a esse chamado no mundo moderno. As crescentes conversões fazem do islamismo a religião de propagação mais acelerada em todo o planeta – com 80% de fiéis vivendo hoje fora do mundo árabe. O Islã, para essas pessoas, é uma ligação íntima e pessoal com o mesmo Deus reverenciado por judeus e cristãos. Uma fonte de força e esperança em um mundo conturbado.

O termo “islã” vem do árabe, significa “submissão a Deus” e tem suas raízes etimológicas firmemente plantadas na idéia de salam (paz). Tal significado pode surpreender os não muçulmanos, que tiveram suas percepções sobre essa fé deturpadas por grupos terroristas e seus atos medonhos perpetrados em nome de Alá. “A paz é a essência do Islã”, afirma o príncipe El Hassan bin Talal, da Jordânia, irmão do falecido rei Hussein e considerado descendente do profeta Mohammad (Maomé). O príncipe El Hassan chefia atualmente a Conferência Mundial sobre Religião e Paz e não mede esforços para construir pontes de entendimento entre o mundo muçulmano e o Ocidente. “Respeitar a santidade da vida é o alicerce de nossa fé e de todas as grandes fés”, explica.

Assim como o judaísmo e o cristianismo, o islamismo identifica suas origens em Abraão*, um pastor nômade com quem Deus (Allah, em árabe) fez alianças que sedimentaram a base das três fés monoteístas. Os muçulmanos reverenciam outros profetas hebreus, incluindo Moisés, e consideram ainda o Antigo e o Novo Testamento partes integrantes de sua tradição. Discordam dos cristãos quanto à natureza divina de Jesus, mas o glorificam como um mensageiro especialmente estimado de Deus, pois o supremo mensageiro, para os sectários do islamismo, é Maomé.

Nascido por volta de 570 em Meca, na atual Arábia Saudita, Mohammad, órfão, foi criado pelo avô e pelo tio. Tornou-se um modesto mas respeitado negociante que rejeitou o disseminado politeísmo de sua época e se voltou para o Deus único venerado pelas comunidades cristã e judaica da região. Com cerca de 40 anos de idade, Maomé recolheu-se a uma caverna nas montanhas próximas a Meca para meditar. Ali, crêem os muçulmanos, ele recebeu a visita do arcanjo Gabriel, que se pôs a recitar-lhe a palavra de Deus. Até sua morte, 23 anos depois, Maomé transmitiu essas revelações a um crescente grupo de seguidores. Muitos deles escreveram suas palavras ou as gravaram na memória. Esses versos, compilados pouco depois da morte do profeta, tornaram-se o Corão (ou “recitação”), e são considerados pelos muçulmanos a palavra de Deus literal – e um refinamento das escrituras judaicas e cristãs.

O corão consiste em 114 suratas, ou capítulos, que abrangem desde a natureza de Deus – compassiva e misericordiosa – até as leis que governam os assuntos mundanos dos homens. Ordena o Corão, por exemplo: não usurpe a propriedade de outro por meios injustos e não cace animais durante uma peregrinação. “Sua mensagem básica é uma receita para a harmonia na vida cotidiana”, diz o xeque Anwar al-Awlaki, o imã (líder espiritual), da Mesquita Dar al-Hijara, próxima a Washington, D.C. “No Corão, Deus ordena que sejamos clementes uns com os outros, que a ética norteie nossa vida. Esses conceitos, obviamente, não são novos. O livro apenas confirma muitos dos ensinamentos já expressos na Bíblia. De muitas maneiras, a mensagem de Deus no Corão resume-se a ‘tratemos as pessoas melhor do que elas nos tratam’.”

Para os muçulmanos, o Corão é também uma pedra de toque poética, uma fonte da mais pura língua árabe, memorizada pelos escolares e recitada pelos adultos muçulmanos em todas as ocasiões importantes – casamentos, funerais, dias santos. Em uma religião que proíbe estátuas e ícones, o livro é a manifestação física da fé, e pequenas cópias puídas andam no bolso da gente comum em todo o mundo muçulmano.

Da mesma maneira que os versos da Bíblia podem ser retirados do contexto e usados para promover uma causa de fanáticos, também o Corão está sujeito a deturpações. Um verso que aconselha as mulheres a se vestir e se comportar com recato é interpretado como um bom conselho prático, mas outras leituras fornecem ao Talibã uma justificativa para aprisionar as mulheres em casa. Versos que recomendam a jihad (luta) contra os inimigos de Deus podem ser entendidos como uma elegia à batalha íntima de cada indivíduo em busca da pureza e da iluminação do espírito. Por outro lado, outros mencionam a luta armada de Maomé contra seus inimigos e dão aos radicais da atualidade um pretexto, por mais desvirtuado que seja, para travar uma guerra santa contra infiéis.

Tais interpretações não podem ser invalidadas, já que o Islã é uma fé que não possui uma hierarquia estabelecida. Não existe um papa muçulmano nem se excomungam os hereges. Assim, embora um imã possa dar orientações e instruções a seus congregados, em última análise a autoridade do Islã está em seu livro santo – o que, em suma, deixa aos indivíduos a liberdade para interpretar a palavra de Deus à sua maneira. O próprio Corão reconhece esse dilema na surata III:7: “Nele há versículos fundamentais, que são a base do livro, havendo outros alegóricos. Aqueles cujo coração abriga a dúvida seguem os alegóricos, a fim de causarem dissensões [...] Ninguém senão Deus conhece sua verdadeira interpretação”.

Deus proibiu a coerção religiosa, mas ordenou a Maomé que declarasse sua nova fé a todo o povo de sua região – uma tarefa nada fácil diante das violentas guerras tribais e da idolatria que grassavam em Meca no século 7, boa parte delas centrada na Caaba. Esse santuário em forma cúbica foi usado em rituais pagãos em honra a várias deidades. Maomé e seus seguidores foram ridicularizados e sofreram violentos ataques por sua crença em um Deus único que não se podia enxergar.

Após uma década de perseguição, eles migraram para Medina, a cerca de 300 quilômetros de Meca. O profeta veio a governar a cidade e, vários anos depois, ele e um pequeno exército de fiéis retornaram a Meca, destruíram os ídolos da Caaba e dedicaram o lugar ao Deus de Abraão. Desde então, peregrinos reverenciam o local como o mais sagrado santuário do Islã. Todos os anos, reencenam a jornada de Maomé a Meca no hajj, a peregrinação que atrai 2,5 milhões de muçulmanos de todo o mundo para circundar a Caaba.

Um dos cinco pilares do Islã (junto com o jejum no mês sagrado do Ramadã, a oração, a caridade e a profissão de fé), o hajj é exigido de todo muçulmano que tem condições de fazê-la ao menos uma vez na vida. “Agora sou um hajji!”, exulta Hamoudi bin Nweijah al Bedoul, um beduíno de meia-idade, habitante dos desertos rochosos a sudeste do mar Morto. Sua reação foi típica do muçulmano que retorna da peregrinação pela primeira vez. “Fomos eu, minha mãe e um milhão de pessoas iguaizinhas a nós. Viajamos de ônibus por uma semana, o caminho inteiro até Meca. Minha mãe chorou o tempo todo na volta.”

Quando o profeta morreu, em 632, o Islã já se consolidara por todas as terras áridas da península Arábica, levando paz e união às tribos pela primeira vez. Um século após a morte de Maomé, os exércitos islâmicos, fortalecidos pela fé inexpugnável, haviam conquistado uma vasta faixa de território que se estendia desde a Índia até a costa espanhola e portuguesa no oceano Atlântico, incluindo o norte da África e o Oriente Médio.

O mundo muçulmano assentou-se nos alicerces intelectuais das culturas romana e persa, patrocinando uma explosão de saber que não teve paralelos antes da Renascença. Segundo o historiador Bernard Lewis, da Universidade Princeton, entre os heróis não celebrados do Islã estão seus tradutores, que foram responsáveis pela preservação de textos gregos clássicos do mundo antigo. Eles adequaram versões para o árabe nas áreas de matemática, astronomia, física, química, medicina, farmacologia, geografia, agronomia e uma ampla gama de outros assuntos, entre eles, notavelmente, a filosofia. Enquanto a Europa definhava na Baixa Idade Média, eruditos e pensadores muçulmanos davam ao mundo um grande centro de saber islâmico – Al-Azhar, no Cairo – e aprimoravam tudo, da arquitetura ao uso dos números. Ao mesmo tempo, comerciantes islamitas navegavam e divulgavam sua fé para o sul da Ásia, a China e a costa oriental da África.

Florescente no fim do primeiro milênio, o reino do Islã foi posto à prova quando a Europa Ocidental despertou e reagiu, lançando uma série de Cruzadas armadas para reaver o controle da Terra Santa, incluindo os santuários cristãos de Jerusalém. Embora fragmentados e subjugados de início, os muçulmanos se reergueram e por fim derrotaram os exércitos cristãos, cujo legado sangrento – a matança indiscriminada de milhares de inocentes, muçulmanos, cristãos e judeus de Jerusalém – até hoje está vivo na mente de boa parte dos habitantes do Oriente Médio.

Enquanto a Europa ascendia à glória durante a Renascença, o mundo islâmico continuava a prosperar após a criação do Império Otomano, em fins da década de 1200. Esse Estado poderoso só foi soçobrar no final da Primeira Guerra Mundial, e o resultado foi a subdivisão de suas terras, em grande parte muçulmanas. Formaram-se nesse momento histórico os países do Oriente Médio que conhecemos hoje.

A maioria das nações islâmicas é pobre, embora algumas sejam ricas em recursos petrolíferos. Poucas sociedades muçulmanas desfrutam as liberdades civis hoje corriqueiras nas nações ocidentais, como a de expressão e o direito de votar em uma eleição justa. E suas populações crescem a olhos vistos: de cada dez habitantes, quatro têm menos de 15 anos.

Insatisfeitos e privados de seus direitos, há décadas os muçulmanos têm se voltado para a religião e para os movimentos políticos de sua religião a fim de afirmar sua identidade e reaver o poder sobre sua própria vida. No mundo árabe, muitos estão zangados com os Estados Unidos por seu apoio a Israel, sua presença militar na Arábia Saudita – terra de lugares santos – e suas contínuas sanções econômicas contra o Iraque, vistas por muitos como inócuas para Saddam Hussein mas perversas para o povo iraquiano, seus irmãos de fé. Além disso, as sociedades islâmicas têm uma antiga relação de amor e ódio com a cultura popular americana, e atualmente esses sentimentos intensos podem estar mais próximos da repulsa do que do respeito. “Para muitos muçulmanos, especialmente nas sociedades tradicionais, a cultura americana se parece demais com um despudorado paganismo, um culto que venera o dinheiro e o sexo”, explica o imã Anwar al-Awlaki. “Para essas pessoas, o Islã é um oásis de veneráveis valores de família.”

Alguns países muçulmanos, como Irã e Arábia Saudita, hoje baseiam seu governo na sharia, as leis e os ensinamentos corânicos, eles próprios sujeitos a debate e interpretação. Outros, como Malásia e Jordânia, combinam esses princípios de justiça tradicionais com formas mais modernas de governo e sociedade.

Para a maioria dos 1,3 bilhão de muçulmanos, o Islã não é um sistema político. É um modo de vida, uma disciplina baseada em ver o mundo com os olhos da fé. “O Islã me deu algo que estava faltando em minha vida”, conta Jennifer Calvo, de Washington, D.C. Ela tem 28 anos e parece ter saído de um quadro de Botticelli, com traços aquilinos e deslumbrantes olhos azuis, destacados por um lenço branco na cabeça meticulosamente preso dentro de sua túnica longa até os pés. Jennifer foi criada como católica e é enfermeira com formação universitária. “Eu ficava deprimida demais tentando me moldar à nossa cultura insana e à sua imagem de como deve ser uma mulher, com a ênfase que damos à boa aparência – cabelos, maquiagem, roupas – e com nossa avidez por bens materiais. Isso fazia com que me sentisse vazia o tempo todo”, resume ela.

Dois anos atrás, como muitas pessoas têm feito há 1,4 mil anos, Jennifer tornou-se muçulmana simplesmente proferindo as palavras: “La ilaha illa Allah, Mohammad rasul Allah” (Não há Deus senão Alá, e Maomé é seu profeta). “Agora tudo é bem mais simples”, declara Jennifer. “Somos só eu e Deus. Pela primeira vez na vida, estou em paz.” Para ela e para a maioria dos seguidores do islamismo na Terra, é esse o sentimento básico transmitido pelos melódicos chamados diários à oração. Ajoelhar-se diante de Deus cinco vezes por dia, em uníssono, voltados para Meca de onde quer que estejam. Assim eles encontram a sua paz.

Fonte da matéria: National Geographic EDIÇÃO 21/JANEIRO DE 2002

A cobra no sonho


Dia 20/03/2015 pela manhã, tive o seguinte sonho: ouvi ser dito que os indios só atacavam pessoas que saíssem da faixa delimitada na floresta (eu via e ia verificar).

Via a faixa sem árvores e algumas pessoas nela. Uns acampando e outros reunidos dançando em volta de si em rodas imitando índios.

Avistei um índio com uma grande cobra nas mãos, subindo em uma pequena montanha, protegendo-a de duas grandes cobras que a atacavam (ela dava a aparência de uma moréia). Soltando-a por não mais ter condições de protege-la, ela foi mordida na cabeça, vindo a morrer.

Eu olhava para seu cadáver e de repente saiam dezenas de cobras brancas de dentro dela e corriam para a mata.

As pessoas não apercebiam-se disso e continuavam seus afazeres que a meu ver, tinha relação com religiosidades.

O legado de Abraão - O pai de todos os que têm fé

Uma jornada pelo Oriente Médio em busca da memória de Abraão, o personagem que fundamentou o monoteísmo no mundo.


Teria havido, há milhares de anos, um personagem de nome Abraão que mais de 3 bilhões de pessoas – mais da metade da humanidade, portanto – veneram como pai, patriarca e ancestral espiritual de sua fé? Dessas pessoas, 2 bilhões são cristãs; 1,2 bilhão, muçulmanas; e cerca de 15 milhões, judias. Teria realmente Abraão falado com Deus e celebrado com ele as alianças que se tornaram o alicerce dessas religiões?

As linhas gerais da vida de Abraão aparecem em princípio e com mais detalhes no Gênesis, o primeiro livro das sagradas escrituras do judaísmo e do Antigo Testamento da Bíblia. Abraão também figura em outros textos judeus e cristãos, entre eles o Talmude e o Novo Testamento, e é mencionado repetidamente no Corão, o livro sagrado do Islã.

O cristianismo aceitou Abraão como patriarca ainda em seus primórdios. O apóstolo Paulo escreveu na Epístola aos Romanos, no Novo Testamento, sobre a fé que teve nosso pai Abraão. Em Lucas, no Cântico de Maria, a Virgem Maria declara que o Senhor amparou Israel, seu servo, a fim de lembrar-se da sua misericórdia, a favor de Abraão e de sua descendência, para sempre, como prometera aos nossos pais. O profeta Maomé, no século 7, também reverenciou Abraão, reconhecido pelo Corão como um dos profetas do Islã: Cremos em Deus, no que nos tem sido revelado, no que foi revelado a Abraão, a Ismael, a Isaac, a Jacó. O Corão eleva a história de Abraão à condição de prática religiosa. Ordena aos muçulmanos que prefiram a religião de Abraão, o hanif (monoteísta), e proclama que Deus elegeu Abraão como khalil, “amigo”.

Apesar de todas essas referências, quando perguntei a estudiosos sobre a existência de um homem chamado Abraão, eles se mostraram convencidos da inutilidade de tentar encontrar alguém de carne e osso. “Reconstituir Abraão está fora do nosso alcance”, explica Israel Finkelstein, arqueólogo bíblico da Universidade de Telaviv. Sem prova nenhuma da existência do patriarca, a busca de um Abraão histórico é ainda mais difícil do que a de um Jesus histórico.

O mais importante, contudo, talvez seja avaliar o significado e o legado das idéias que Abraão personificou. Ele é visto sobretudo como o fundador do monoteísmo, embora o Gênesis não lhe atribua essa condição. Mas as histórias ali contidas descrevem sua hospitalidade, placidez e, acima de tudo, sua fé em Deus e obediência ao Senhor.

Independentemente do que os estudiosos possam dizer sobre a história de Abraão, a narrativa do Gênesis é irresistível. Por isso parti no ano passado em busca desse personagem fascinante, munido de textos bíblicos e estudos modernos. Segundo o Gênesis, Abraão nasceu em Ur dos caldeus, viajou para Harã, de lá foi para Canaã e então seguiu em direção oeste, chegando ao Egito. Retornou a Canaã e depois a Hebron, onde morreu e foi sepultado numa caverna ao lado de sua esposa, Sara.

Quando essas jornadas poderiam ter ocorrido? O conhecimento islâmico não se aprofunda nas origens de Abraão, e nas outras duas religiões não há consenso. Analisando as linhagens registradas na Bíblia, estudiosos situam Abraão por volta de 2100 a.C. Historiadores que casaram a história bíblica com a arqueologia convergem para o período de 2000 a 1500 a.C. Para outros, o máximo que se pode afirmar é que a figura de Abraão poderia ter precedido a monarquia israelita, iniciada em aproximadamente 1000 a.C.

Apesar de todo esse mistério, Abraão permanece intensamente vivo em nossos dias. Podemos hoje estar tesmunhando o renascimento de sua memória. O papa João Paulo II, fervoroso arauto de Abraão, tinha grande esperança de fazer uma peregrinação em sua honra no primeiro ano do novo milênio, pois judeus, cristãos e muçulmanos se consideram, todos, filhos espirituais de Abraão. Em 1994, o papa me disse que seu sonho era ir a Ur, no Iraque. “Não se pode visitar as terras da Bíblia sem partir de Ur, onde tudo começou”, declarou. Mas, no último instante, em fins de 1999, o ditador Saddam Hussein cancelou o convite.

O papa então anunciou que realizaria no Vaticano “uma comemoração espiritual de alguns eventos fundamentais da trajetória de Abraão”. Assim, em 23 de fevereiro de 2000, Roma viu um imenso auditório do Vaticano ser dedicado a Abraão. O papa ateou fogo em alguns ramos num altar, relembrando o lugar em que o patriarca esteve prestes a sacrificar seu filho. Fumaça e incenso impregnaram o ambiente e, por um breve momento, revivi a história com outras 6 mil pessoas.

Por que Abraão está tão vivo em nossos dias? A fé – judaica, cristã e islâmica – e a presença majestosa porém intangível do patriarca são uma resposta. A explicação mais eloqüente que já ouvi, entretanto, veio do rabino Menahem Froman, que mora próximo à cidade de Hebron: “Para mim, Abraão é filosofia, é cultura. Tenha ou não existido, ele é uma mensagem de amor e de desprendimento. Abraão é uma idéia. Abraão é tudo. Carne e osso não importam para mim”.

Terá tomou a Abrão, seu filho, e a Ló, filho de Harã, filho de seu filho, e a Sarai, sua nora [...] e saiu com eles de Ur dos caldeus, para ir à terra de Canaã. (Gênesis, 11:31)

Minha busca por abraão começou com uma viagem de táxi pelos 800 quilômetros que ligam Amã, capital da Jordânia, a Bagdá, no Iraque. Em seguida, num percurso de 300 quilômetros a sudeste, atravessei um deserto de areia e vegetação raquítica. Ao cruzar o rio Eufrates, passei por meia dúzia de barreiras militares e finalmente cheguei a Ur, considerada por muitos a terra natal de Abraão. Minha primeira impressão foi decepcionante: Ur era poeirenta e desolada, sem nenhuma vibração perceptível. O único ponto de referência visual era o zigurate, uma torre de tijolos em forma de pirâmide construída em tributo a Sin, o deus da Lua, por volta de 2100 a.C.

Um vento cortante soprava do leste quando Dheif Mushin me guiava pelos cerca de 50 hectares que englobam o sítio da cidade antiga. Fundada em algum momento do quinto milênio antes de Cristo, Ur foi desenterrada nas décadas de 1920 e 30 por uma expedição chefiada pelo arqueólogo britânico Leonard Wooley. Além do zigurate, a equipe encontrou tumbas reais e ruínas de casas em ruas da cidade, que Wooley batizou com nomes incongruentes como Church Lane (travessa da igreja) e Paternoster Row (rua do Pai-Nosso). As tumbas continham uma profusão de magníficos objetos de ouro, prata e pedras preciosas – provas de que Ur se situava no coração de uma civilização rica e poderosa.

“Esta é a casa”, declara Mushin, um homem de 41 anos, magro, de olhos azuis. Estávamos na esquina de Church Lane com Broad Street, fitando um fosso raso próximo às ruínas do palácio da terceira dinastia de Ur, que governou de 2100 até 2000 a.C. No fosso havia um piso de pedra quadrado e paredes parcialmente restauradas – as ruínas de uma das maiores casas escavadas por Woolley, datada entre 2000 e 1595 a.C. Woolley fez grande alarde e teve reconhecimento pela “descoberta” da casa de Abraão. Embora fosse remota a chance de Abraão ter realmente morado naquela casa, não pude deixar de me emocionar com a idéia.

“Você tem de imaginar Ur como ela era”, recomenda-me Piotr Michalowski, especialista em Mesopotâmia Antiga da Universidade de Michigan, pouco antes de eu partir para o Iraque. “No terceiro milênio, Ur era a metrópole da Mesopotâmia – um porto no Eufrates bem próximo do golfo Pérsico.” O rio trazia enchentes e criava uma rica planície aluvial, provendo generosamente o sustento de uma população de talvez 12 mil pessoas no apogeu da cidade, por volta de 2100 a.C. Desde essa época, a costa fluvial recuou 150 quilômetros, deixando Ur para trás, para as areias.

Devemos nosso conhecimento da região aos mesopotâmios, que inventaram a escrita cuneiforme por volta de 3200 a.C. Em centenas de milhares de placas e cilindros de argila, eles gravaram uma crônica da vida. Só de Ur foram recuperados milhares de textos exclusivos da terceira dinastia. “Temos numerosos arquivos do século 19 a.C. que falam sobre empreendimentos marítimos”, explica Michalowski, que é editor do Jornal de Estudos Cuneiformes. “Vejo um próspero centro urbano, com ruas estreitas apinhadas de gente e lojas, onde artesãos produziam de tudo, de artigos de couro a ornamentos preciosos. Ur era um importante centro comercial. Poderíamos compará-la à Veneza de séculos mais tarde.” O transporte por embarcações fluviais, carros de boi e caravanas de burros ligava Ur e a Mesopotâmia aos atuais Irã, Turquia e Afeganistão e também a Síria, Israel e Egito.

Tamareiras cresciam no interior e canais de irrigação saídos do Eufrates e do Tigre, que na época beiravam a cidade, permitiam o cultivo de cevada, lentilha, cebola, alho. Ovelhas e cabras forneciam manteiga e lã.

Diverti-me imaginando como Abraão teria crescido em Ur. Talvez fosse um adolescente magro, de estatura mediana, usando confortáveis trajes de couro e lã, indo à escola, brincando com seus irmãos Naor e Harã e seus amigos. “Apenas uma pequena parcela da população sabia ler e escrever”, conta Michalowski. “Se Abraão teve instrução, significa que estudou na casa de algum sacerdote ou burocrata, com quem adquiriu várias habilidades. Ele teria aprendido línguas, aritmética e contabilidade, mas sobretudo teria estudado a literatura suméria. Esse teria sido o ambiente intelectual em que ele cresceu.”

Visualizei Abraão transformando-se em um moço esguio e forte, evidenciando qualidades de liderança. Talvez tenha venerado Sin, o deus da Lua, principal deidade de Ur. “Os mesopotâmios veneravam um panteão que incluía deidades importantes como Sin, mas cada indivíduo também tinha um deus pessoal adicional”, explica Michalowski. Eu me perguntei se, de algum modo, as reflexões de Abraão sobre o deus da Lua poderiam tê-lo conduzido à idéia de que o mundo é governado por um só Deus.

Em minha busca por Abraão, a inspiração divina passou a ser uma ajuda e tanto. Era frustrante estar continuamente suspenso entre diferentes conjuntos de lendas – como se fossem realidades virtuais – sem fatos palpáveis para guiar minha investigação.

Para os autores bíblicos, o conceito de tempo era tão elástico que a história genealógica de Abraão desafia a credulidade. No Gênesis, o relato completo da linhagem do patriarca é contado em uma linguagem vertiginosa e resumida, começando por Noé e o dilúvio, prosseguindo com o filho de Noé, Sem, os irmãos de Sem e seus descendentes. Se essa genealogia fosse interpretada literalmente, abrangeria séculos – dez gerações de Noé a Abraão.

Diante do vácuo de provas, é compreensível que historiadores e arqueólogos se engalfinhem em debates sobre a existência e a data de nascimento do patriarca. Abraham Malamat, um lépido septuagenário que é professor emérito de história judaica na Universidade Hebraica em Jerusalém, acredita que Abraão poderia ter vivido entre 2000 e 1800 a.C. “A Bíblia e todo o conjunto da história israelita antiga apontam esse período como o mais plausível”, explica Malamat em seu apartamento em Jerusalém, em uma noite nevoenta. “Possivelmente quem está mais próximo desse tema somos nós. Um historiador está mais perto do que um arqueólogo.”

Israel Finkelstein, chefe do Departamento de Arqueologia da Universidade de Telaviv, por sua vez, afirma que documentos escritos não são a única fonte para reconstituir a história. “Nos últimos 20 anos, a arqueologia se tornou o principal instrumento de estudo dos primeiros tempos da antiga Israel. A arqueologia às vezes é o único instrumento.” Não existem indícios arqueológicos de que fossem usados camelos – com freqüência designados como animais de carga no Gênesis – para transportar artigos antes de 1000 a.C. Para Finkelstein, esse é apenas um indicador de que o modo de vida refletido nas histórias sobre Abraão corresponde a um período muito posterior a 2100 a.C, ao qual chegaram alguns especialistas depois de estudarem as linhagens na Bíblia. “Se houve ou não um Abraão histórico, não posso dizer, mas boa parte da realidade no contexto de Abraão no Gênesis provavelmente deve ser datada do sétimo século antes de Cristo.”

Ur é outro tema polêmico. Os autores do Gênesis referem-se à cidade como Ur dos caldeus, mas os estudiosos concordam que as escrituras são confusas, pois eles só apareceram na Mesopotâmia no início do primeiro milênio antes de Cristo. Finkelstein argumenta que essa é uma confirmação adicional de que as histórias do Gênesis emergiram nessa época, quando o povo de Judá tentou construir uma identidade nacional em um mundo hostil. “Existem anacronismos como o dos camelos, mas isso não anula o quadro geral”, rebate o professor Malamat. Para ele, na realidade essas inconsistências devem ser vistas como adições posteriores feitas por autores bíblicos e, portanto, irrelevantes para o problema da datação.

Em meio a todas as incertezas, uma coisa me pareceu clara quando escalei o célebre zigurate de Ur com Dheif Mushin: para os antigos, aquela torre de três estágios deve ter sido um poderoso símbolo da solidez das crenças tradicionais vigentes na época. O imponente monumento me fez compreender melhor o quanto Abraão se afastou daquelas crenças. Nunca saberemos, mas talvez suas primeiras experiências em Ur o tenham preparado para a centelha de inspiração que o fez partir em uma grandiosa jornada.

Como no atual Oriente Médio, o conflito armado era freqüente na antiga Mesopotâmia. Textos cuneiformes documentam um ataque de exércitos elamitas, do atual Irã, por volta de 2000 a.C. – uma comoção desse vulto pode ter contribuído para que Abraão deixasse Ur. Seja qual for a razão de sua partida, o Gênesis nos diz que ele saiu para a terra de Canaã com Terá, Sara e seu sobrinho, Ló, e foram até Harã, onde ficaram.

“Estabelecer-se e tornar a partir, guerrear e convencionar a paz, lutar em batalhas e firmar tratados” – esse seria o ritmo básico da vida de Abraão, conforme escreveu Karl-Josef Kushel, professor de teologia da Universidade de Tübingen, na Alemanha. A família e sua caravana de burros teriam sem dúvida levado vários meses para percorrer os sofridos mil quilômetros de Ur até Harã, ao norte, pelo vale do Eufrates. A cidade situa-se às margens do rio Balikh, na encruzilhada de importantes rotas comerciais. Como Ur, Harã era um importante centro de culto ao deus da Lua, Sin.

Em Harã, Abraão teria vivido em meio a uma clamorosa comunidade de amoritas, hurrianos e outros grupos étnicos. Harã é hoje um remoto e escaldante povoado turco de cerca de 500 pessoas abrigadas em casas de barro unidas por arcos para aumentar a sombra e a circulação de ar. Numerosas escavações arqueológicas mostram que os construtores da Antiguidade, com paredes grossas e quintais abertos, também procuraram atenuar os efeitos de temperaturas que podem superar os 50 graus.

Conduzido por um jovem guia de Istambul, Aydin Kudu, visitei as ruínas de uma casa numa pequena colina no centro de Harã, onde, segundo a lenda local, viveu Abraão. A julgar por sua configuração, a espaçosa construção pertenceu a uma família numerosa e próspera. Sentados num muro baixo, Aydin e eu conjeturamos que a família de Abraão deve ter sido muito abastada nos anos que passou ali. Após a morte de Terá, seu pai, Abraão, como o chefe da família, teria supervisionado os rebanhos, trocado lã por trigo com agricultores e recrutado gente da terra para seu crescente clã. Vendo a multidão de ovelhas ao redor de Harã, ocorreu-me que a cena provavelmente não diferia muito na época do patriarca.

Mais tarde conheci Suleyman Sançar, um ancião do povoado. Sançar, 63 anos, muçulmano circunspecto com uma portentosa barba branca, convidara-me para um chá com pão sírio cerimonial em companhia de alguns amigos. Tudo o que consegui extrair dele foi a insinuação de que um rei da região, no início do segundo milênio antes de Cristo, foi tio de Abraão. Não me empolguei. Histórias assim existem para agradar aos visitantes, a maioria cristãos, que chegam de ônibus em pequenos grupos toda semana em busca das emoções bíblicas.

Se a arqueologia nos nega provas diretas da existência de Abraão, o nome de Terá, seu pai, aparece em algumas placas cuneiformes e instiga os estudiosos. Ömer Faruk Harman, da Universidade de Marmara, em Istambul, alerta que “Terá” quase certamente não é nome de uma pessoa. Provavelmente é nome de um clã ou de uma cidade no extremo norte da Síria ou, mais possivelmente, no sudeste da Turquia, próximo a Harã. Ainda assim, Abraão era um filho de Terá, o que pode ter estabelecido a conexão entre Abraão e Harã.

Durante minha estada em Harã, viajei até um lugar que também reivindica sua ligação com o patriarca. ¸Sanliurfa (chamada simplesmente de Urfa até os anos 80) é uma cidade aprazível de quase meio milhão de habitantes, a cerca de 1 hora de carro de Harã. Alguns estudiosos acreditam que, por ser tão mais próxima de Harã do que Ur, ¸Sanliurfa é a candidata mais lógica à terra natal de Abraão. Seja como for, a polêmica há muito vem sendo uma dádiva para o turismo: a cidade instituiu festivais anuais em honra a Abraão, e eles recheiam os cofres municipais.

Sanliurfa, naturalmente, é muito bem provida de lendas sobre Abraão. Uma delas diz que ele nasceu numa caverna na base de um afloramento rochoso, na parte sul da cidade. Segundo essa história, Abraão envelheceu um mês em seu primeiro dia de vida e era um menino de 12 anos em seu primeiro aniversário. Sua fé em um deus único o levou a despedaçar imagens de deidades e ídolos. Furioso, o rei Nimrod ordenou que Abraão fosse queimado vivo, mas um imenso tanque de água se materializou, apagando o fogo. As toras em chamas se transformaram em peixes ferozes que salvaram o patriarca. A poucos passos da caverna, dois grandes tanques – Halil ür Rahman e Aynzeliha – simbolizam o milagre. São generosamente abastecidos com gordas carpas consideradas sagradas: quem comer os peixes de Abraão ficará cego.

Muitos dos peregrinos de ¸Sanliurfa vêm de cidades do Irã. Ônibus chegam várias vezes por semana trazendo devotos muçulmanos, principalmente mulheres de cabeça coberta com lenço. Os devotos entram na caverna por uma pequena mesquita com um minarete, oram lá dentro por alguns minutos e então saem. Alguns rezam do lado de fora, junto ao muro baixo de pedra ao redor da mesquita, curvando-se sobre ele ou prostrando-se no chão. Na tarde de minha visita, uma mulher idosa, de lenço preto na cabeça, orava solitária ao pé do muro, sob um céu riscado de relâmpagos.

Onde quer que Abraão tenha nascido – ¸Sanliurfa, Ur ou algum outro lugar –, diz o Gênesis que foi em Harã que ele recebeu as palavras com as quais estabeleceu sua relação de obediência com Deus. Mais uma vez ele teria de deixar sua casa. Disse o Senhor a Abrão: “Sai da tua terra, da tua parentela e da casa de teu pai e vai para a terra que te mostrarei. De ti farei uma grande nação, e te abençoarei, e te engrandecerei o nome. Sê tu uma bênção”. Robert Alter, da Universidade da Califórnia em Berkeley, explica a passagem bíblica: “Abrão, mera figura em um arrolamento de genealogia e migrações [...] torna-se um personagem individual [...] quando Deus se dirige a ele nesse trecho.”

A única vez em que cheguei perto de vislumbrar o patriarca como um ser humano de carne e osso foi em Jerusalém. O professor Abraham Malamat mostrou-me um livro com reproduções de um afresco pintado em um palácio antigo de Mari, na Síria, cerca de 320 quilômetros a sudeste de Harã. Datado do início do segundo milênio antes de Cristo – período que Maramat considera o certo para situar Abraão –, o palácio, juntamente com milhares de placas cuneiformes, foi escavado por uma expedição francesa iniciada em 1933.

O que vi foi um homem simples, de pele morena e uma curta barba negra. Ele está de chapéu preto com uma faixa branca e segura a cabeça com chifres de um touro sacrificado. “Seu rosto é característico do tipo semita ocidental”, analisa Malamat. “O chapéu e o touro também são. Eu acho que o mais provável é que Abraão descenda de tribos nômades semitas ocidentais, possivelmente da Síria ou do sul da Mesopotâmia. Essa imagem, na minha opinião, aproxima-se da de Abraão”, prossegue Malamat. “Talvez ele seja um conceito, mas sua figura tem sentido. Existem imagens nas paredes de Mari, figuras que podem ser próximas de Abraão, Isaac e Jacó.”

Tinha abrão 75 anos quando saiu de Harã. Levou Abrão consigo Sarai, sua mulher, e Ló, filho de seu irmão, e todos os bens que haviam adquirido [...] Partiram para a terra de Canaã. E lá chegaram.

Na melhor reconstituição possível com base nos mapas imprecisos da região, Abraão viajou de Harã para sudoeste, atravessando a Síria e passando por Damasco. Numerosos agregados o teriam acompanhado. A travessia até Canaã provocou-me a sensação de estar emergindo de uma névoa e começando a ver a paisagem da história. Não só o Gênesis é um mapa rodoviário mais minucioso desse ponto – menciona Canaã e lugares específicos dali –, mas a própria história é razoavelmente explícita quanto à região e às pessoas que Abraão teria encontrado na viagem à Terra Prometida.

Canaã, uma terra que mana leite e mel, como a descreve poeticamente a Bíblia, estende-se aproximadamente da Síria, ao norte, até as areias do Egito, ao sul. Os cananeus produziam uma singular tintura púrpura, feita de moluscos, que granjeou para a região o nome de “terra púrpura”. Eles foram negociantes empreendedores (um dos significados de cananeu é “comerciante”) e assim estiveram sujeitos às influências das civilizações contíguas – do Egito e da Mesopotâmia. Por volta do período em que Abraão poderia ter chegado lá, a Mesopotâmia era uma fonte especialmente importante de mercadorias, pessoas e idéias.

Atravessou Abrão a terra até Siquém, até o carvalho de Moré, proclama o Gênesis. Siquém é uma das cidades mais antigas do Oriente Médio. Suas origens remontam ao início do segundo milênio antes de Cristo. Situada a oeste do rio Jordão, é hoje a movimentada cidade de Nablus, de 130 mil habitantes, sob o controle da Autoridade Palestina. Em Siquém, Deus apareceu a Abraão e declarou: Darei à tua descendência esta terra. O Gênesis não registra nenhuma resposta de Abraão, mas menciona que ele edificou um altar ao Senhor.

Quanto à religião dos cananeus, Abraão teria encontrado um culto à fertilidade, com festivais sazonais e sacrifícios de animais. No Levítico e no Deuteronômio, a Bíblia retrata esse povo como adoradores de ídolos que praticavam o sacrifício humano e o sexo fora dos padrões, o que era visto como uma ameaça a um monoteísmo emergente. A arqueologia e a história, porém, não corroboram essa descrição bíblica dos cananeus.

Em Nablus encontrei Avner Goren, um arqueólogo com conhecimentos enciclopédicos sobre a história bíblica. Procuramos pistas da Siquém de Abraão, mas nada encontramos que pudesse ser associado ao patriarca. Tudo parecia tranqüilo enquanto estávamos lá, mas pouco tempo depois eclodiriam batalhas letais entre palestinos e israelenses. Disparos de armas automáticas atroariam os ares sobre a tumba que se acredita ser a do profeta José, bisneto de Abraão. Canaã ainda é um campo de batalha, como vem sendo, sem parar, há milhares de anos.

O Gênesis não traz nenhuma menção ao tempo em que Abraão teria permanecido em Siquém. Ficamos sabendo apenas que ele, passando dali para o monte ao oriente de Betel, armou a sua tenda, ficando Betel ao ocidente e Ai ao oriente. Ali edificou um altar ao Senhor, e invocou o nome Dele. Alguns estudiosos acreditam que, sendo Betel um local de culto dos cananeus, a Bíblia, por associá-lo diretamente a Abraão, forneceu também um modo de os hebreus o reivindicarem para si.

Betel é hoje a cidade árabe de Baytin. Abraão rumou dali para o sul, até o deserto de Negev. Grande parte do trajeto foi uma descida através da terra estéril. A irrigação hoje traz prosperidade ao Negev, mas na época de Abraão a paisagem entre Berseba e o golfo de Aqaba era nada mais que uma área árida e rochosa. Para piorar tudo, uma seca extraordinariamente severa assolou o Negev logo depois da chegada de Abraão, forçando-o a mais uma mudança. Diz a Bíblia: Desceu, pois, Abrão ao Egito, para ali ficar: porquanto era grande a fome na terra. A atração do Egito vinha do Nilo e de seu delta fértil e exuberante. A essa altura, porém, talvez Abraão estivesse questionando as promessas divinas de dar-lhe um filho e uma terra. Ele continuava sem filhos e, depois de chegar a Canaã, foi novamente desarraigado.

Numa manhã de primavera, parti do Cairo para Avaris, um sítio arqueológico em Tell el Daba, onde Abraão poderia ter fixado moradia. A região produz arroz, milho, algodão e, nos meses de primavera, trigo. Fui recebido cordialmente por Manfred Bietak, diretor do Instituto de Egiptologia da Universidade de Viena, que está chefiando as escavações no sítio. “Absolutamente nada”, responde, quando pergunto o que as fontes históricas egípcias diziam sobre Abraão. “No que diz respeito aos egípcios, é como se Abraão nunca tivesse posto os pés no delta”, declara.

A época da chegada de Abraão ao delta do Nilo é tão indeterminada quanto o local onde ele se estabeleceu. Alguns estudiosos acreditam que ele poderia ter chegado ao Egito na época dos hicsos (palavra egípcia que significa “governantes estrangeiros”), na primeira metade do segundo milênio antes de Cristo, mas a maioria afirma que ele teria estado no local muito tempo antes.

Fosse quem fosse o faraó durante a estada de Abraão no Egito, sua ligação com o patriarca foi íntima e desafortunada. Quando Abraão se aproximou da fronteira egípcia, disse a Sarai, sua mulher: “Ora, bem sei que és mulher de formosa aparência. Os egípcios, quando te virem, vão dizer – é a mulher dele – e me matarão, deixando-te com vida. Dize, pois, que és minha irmã, para que me considerem por amor de ti e, por tua causa, me conservem a vida.” Prossegue o Gênesis: Viram-na os príncipes do faraó, e gabaram-na junto dele – e a mulher foi levada para a casa do faraó. O faraó não parece ter se importado que Sara já não fosse virgem.

O Gênesis não faz nenhum juízo moral sobre esses acontecimentos nem envereda por outros aspectos da vida de Abraão enquanto Sara, presume-se, fez parte do harém do faraó. O New Jerome Biblical Commentary, uma compilação de estudos bíblicos, sobretudo católicos, aventa que o logro tramado por Abraão põe em xeque sua fé de que Deus o protegeria e cumpriria a promessa de dar à tua descendência esta terra. O JPST Torah Commentary, uma análise judaica, argumenta que Abraão poderia ter errado se esperasse que Deus realizasse um milagre para livrá-lo daquele apuro. Acontece que Deus, contudo, interveio: O Senhor, porém, puniu o faraó e a sua casa com grandes pragas, por causa de Sarai, mulher de Abrão.

A ausência de detalhes sobre o comportamento de Abraão é um exemplo frustrante das lacunas geradas pela transformação de tradições orais nas histórias escritas do Gênesis. Enquanto o logro com Sara está aberto a diversas interpretações dos historiadores, a reação do faraó no episódio é bem clara. Chamou, pois, o Faraó a Abrão e lhe disse: “Que é isso que me fizeste? Por que não me disseste que era ela tua mulher? E me disseste ser tua irmã? Por isso a tomei para ser minha mulher. Agora, pois, eis tua mulher, toma-a e vai-te.”

Ao deixar o egito, segundo a Bíblia, era Abrão muito rico. Possuía gado, prata e ouro. A essa altura eu o vejo começar, conscientemente ou não, a assentar os alicerces para o estabelecimento da religião monoteísta. “Para compreendermos bem a ligação de Abraão com o monoteísmo, precisamos olhar para além do próprio Gênesis, que não lhe faz nenhuma menção direta”, explica James Kugel, da Universidade Harvard. “Séculos e séculos depois do tempo em que Abraão poderia ter vivido, intérpretes leram sua história no Gênesis. Esses intérpretes apareceram a partir do terceiro século antes de Cristo. Quando leram o capítulo 12, eles se perguntaram: ‘Por que será que Deus começa a falar com Abraão e lhe promete todas essas coisas maravilhosas, como fazer dele líder de uma grande nação?’ Por fim, chegam ao Livro de Josué, onde está escrito que toda a família de Abraão adorava outros deuses.” Para Kugel, os intérpretes concluíram que Abraão era o único que não adorava aqueles outros deuses.

Em numerosos textos posteriores – entre eles o Livro dos Jubileus (encontrado com os Manuscritos do Mar Morto), o Novo Testamento, textos cristãos antigos e o Corão –, Abraão é apresentado como um modelo de fé e monoteísmo puro. Essa idéia simplesmente caiu na aceitação geral e se consolidou.

Voltando a Canaã, Abraão decidiu uma disputa de terras entre seus pastores e os de seu sobrinho, Ló, que viera com ele do Egito. Para isso, não recorreu a uma luta, apenas deixou que o mais moço decidisse. Ló escolheu seguir para o viçoso vale do rio Jordão, até a costa sul do mar Morto, local das cidades de Sodoma e Gomorra. Abraão – que o futuro consagraria como um pacificador – contentou-se em permanecer entre as montanhas e os desertos da Terra Prometida, instalando-se temporariamente sob os carvalhais de Manre.

A essa altura, Deus havia aparecido a Abraão, reafirmando sua dádiva: Ergue os olhos e olha desde onde estás para o norte, para o sul, para o oriente e para o ocidente, porque, toda esta terra que vês, eu ta darei, a ti e à tua descendência, para sempre. [...] Levanta-te, percorre esta terra no seu comprimento e na sua largura, porque eu ta darei. No antigo Oriente Médio, percorrer uma propriedade era um ritual para tomar posse definitiva de um trato de terra. O Gênesis não menciona se Abraão teria cumprido a ordem de Deus para percorrer a área. O Gênesis Apócrifo, um texto interpretativo encontrado na década de 40 entre os Manuscritos do Mar Morto, porém, preenche essa lacuna, descrevendo em pormenores uma jornada feita por Abraão pela Terra Prometida.

Para mostrar sua gratidão a Deus, ele construiu um altar em Hebron, situada numa depressão nas montanhas de Judá, cerca de 25 quilômetros a sudoeste de Jerusalém. Embora, em janeiro de 1997, Israel retirasse boa parte de suas forças militares dessa cidade de população predominantemente árabe, como parte de um processo de paz com a Autoridade Palestina, o governo israelense manteve o controle de uma faixa que abriga uma pequena comunidade judaica ao longo da rua Al Shudada, no centro da cidade antiga. Tendo como vizinhos 210 mil árabes, cerca de 450 judeus vivem na rua, que estava fechada para o trânsito de cidadãos árabes e era guardada nos dois extremos por sisudos soldados israelenses. Foi perturbador passar de carro por aquela rua silenciosa e vazia, com suas lojas de portas fechadas.

Em hebron Abraão subitamente viu-se na posição de comandante militar. Um emissário levou-lhe a notícia de que Ló fora capturado em Sodoma por quatro reis belicosos. O Gênesis, que às vezes é bem preciso, relata que Abraão convocou 318 de seus agregados e atacou os inimigos durante a noite, perseguiu-os na direção norte, passou pela cidade de Damasco, na Síria, e enfim libertou Ló.

Abraão regressou triunfante e chegou a Salem – a cidade que mais provavelmente se tornou Jerusalém, sagrada para judeus, cristãos e muçulmanos. Pode ter sido ali que ele teve uma “conversa” com Deus na qual expressou suas dúvidas acerca das promessas divinas. “Esse primeiro entendimento com Deus revela uma dimensão humana de Abraão não vislumbrada até então”, salienta Robert Alter, da Universidade da Califórnia em Berkeley. A ansiedade por uma recompensa divina levou Abraão a lamentar que ainda não vira Deus cumprir as promessas feitas anteriormente. Ele comentou: “Senhor Deus, que me haverás de dar se continuo sem filhos [...] A mim não me concedeste descendência”. Deus replicou: “Olha para os céus e conta as estrelas [...] Será assim tua posteridade”. Naquele dia, continua o Gênesis, Deus firmou uma aliança com Abraão: “À tua descendência dei esta terra, desde o rio do Egito até o grande rio Eufrates”.

De Salem Abraão foi para Manre e Hebron, onde passou boa parte do tempo. Eu o imagino um venerável ancião, sentado sob uma árvore, ministrando sábios conselhos, supervisionando as finanças da família e conversando com Deus.

Nesse ponto o Gênesis registra um evento que influenciaria profundamente o rumo da história mundial. No antigo Oriente Médio, as esposas incapazes de gerar filhos incentivavam o marido a procriar com escravas e concubinas. Assim, Sara, que já sabia ser estéril, convenceu Abraão a ter um filho com Hagar, uma escrava egípcia que provavelmente estava com eles desde que o faraó os expulsara do Egito.

Foi o nascimento de Ismael, o primeiro filho de Abraão, que prenunciou a emergência, no século 7 de nossa era, de uma nova religião dominate na Arábia – o Islã – conduzida pelo profeta Maomé. O Corão refere-se ao primeiro filho de Abraão como um mensageiro e um profeta [...] dos mais aceitáveis aos olhos de seu Senhor. A linhagem de Ismael conferiu legitimidade à nova fé, mas o Corão não menciona em nenhum trecho o nome de Hagar.

Abraão e depois Ismael são os modelos perfeitos de devoção para os fiéis do islamismo. O nome de Abraão aparece em 25 dos 114 capítulos do Corão, e até hoje Ibrahim e Ismael são prenomes comuns entre os muçulmanos, sobretudo na Arábia. “O Corão nos explica que todas as verdadeiras revelações provêm de Deus”, afirma John Voll, professor de história islâmica do Centro de Aproximação entre Muçulmanos e Cristãos da Universidade de Georgetown. “É o registro da grande revelação divina, comum a todos os textos sagrados.” Parece não haver dúvida de que Maomé e seu círculo mais íntimo de discípulos sempre consideraram Instados a cumprir o hajj – a peregrinação anual de oração e devoção da fé islâmica –, multidões seguem a Meca para circundar a Caaba, o santuário que Abraão (ou Ibrahim, como os muçulmanos o chamam) e seu filho Ismael edificaram por ordem de Deus. Mais de 1 bilhão de pessoas – cerca de um sexto da humanidade – são muçulmanas. O alicerce de sua fé é a submissão de Abraão a Deus, e seu livro sagrado é o Corão. Para os muçulmanos, esse texto divino, revelado ao profeta Maomé no século 7, é o remédio para as distorções religiosas surgidas na esteira dos profetas anteriores ao Islã – Moisés e Jesus.

Reacendendo a chama da fé, padres da igreja ortodoxa grega testemunham a Paixão de Cristo durante uma procissão da Sexta-Feira Santa em Jerusalém. A linhagem espiritual dos cristãos liga Jesus a Abraão, cujo sacrifício, obediência e dedicação prefiguraram a vinda do messias. “Abraão personifica a necessidade e o desejo humanos de ter uma relação com Deus, pois o pecado original nos impede de entrar no reino dos céus por iniciativa própria”, explica Frank Marangos, padre grego ortodoxo. “Jesus salva do pecado não só os que vêm depois dele, mas também todos os que vieram antes – inclusive Abraão.”

O nacionalismo palestino há muito reivindica seu direito sobre Jerusalém, considerada a terceira cidade mais importante da fé islâmica. Muitos israelenses, contudo, garantem que seus laços milenares com Jerusalém – o centro da história judaica – predominam sobre os dos palestinos. Essas visões conflitantes culminam no “epicentro espiritual” da cidade, que os judeus chamam monte do Templo e os muçulmanos, nobre santuário. Uma resolução apoiada pelo falecido rei Hussein, da Jordânia, foi determinar que naquele lugar a soberania é de Deus. “Nos moldes do direito internacional normal, a proposta pode parecer bizarra, mas esse pedaço de terra específico não é normal”, diz o escritor israelense Gershom Gorenberg.

Terá gerou a Abrão, a Naor e a Harã; e Harã gerou a ló. Morreu Harã, na terra de seu nascimento, em Ur dos Caldeus, estando Terá, seu pai, ainda vivo. (Gênesis, 11:27-28)

Quando contam suas histórias sagradas em Jerusalém, muçulmanos, judeus e cristãos se vêem como personagens. Nesse drama, Deus cria o mundo, expulsa Adão e Eva do Paraíso, provoca um dilúvio e ordena a Abraão que parta em missão. Os muçulmanos crêem que tal missão lhes foi revelada por Maomé, descendente de Ismael, filho de Abraão. Os judeus dizem ter herdado a bênção divina com outro filho de Abraão, Isaac, e seu filho Jacó. Para os céticos essas histórias foram escritas apenas para fins de autoglorificação tribal. Se isso fosse verdade, replicam os crentes, como explicar a árvore genealógica tão fragmentada, capaz de gerar confusão sobre quem de fato recebeu a bênção de Deus?

Com suas coberturas apontando para o céu, casas em Harã, no sudeste da Turquia, deixam entrever a paisagem que acolheu Abraão há 4 mil anos. Embora a Bíblia não indique o motivo de o patriarca ter deixado sua terra natal, Ur dos caldeus, uma antiga história judaica preenche essa lacuna: o rei Nimrod viu nas estrelas o presságio de que um homem se levantaria contra ele e sua religião pagã. Perseguido por Nimrod, Abraão fugiu para Harã, onde Deus falou com ele pela primeira vez: “Sai da tua terra, da tua parentela e da casa de teu pai, e vai para a terra que te mostrarei. De ti farei uma grande nação”.

Fonte do texto: National Geographic EDIÇÃO 20/DEZEMBRO DE 2001



sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

Sonhos de dormir


Impressionante essa questão de sonhos. Você sonha com cada coisa que tem certeza de nunca ter passado. Pelo menos nessa vida atual em que vive. Vou relatar um sonho que tive hoje pela manhã, depois das quatro. E porque sei que foi depois das quatro? Simples, tinha levantado por essa hora, para ir ao banheiro, e como sempre faço, liguei a luz do mesmo e olhei para o relógio.

Tive dois sonhos, interligados, irei relatar apenas o segundo, pois no primeiro, fico envergonhado em dizer o que foi. Então vamos ao segundo, que foi a sequencia do primeiro. Estava eu saindo do ambiente em que tive o primeiro sonho e como que desnorteado buscava não sei o que, deparei-me em um imenso local, construção de vários pavimentos, e entre eles, um quarto tipo hospital, onde uma pessoa amiga que não sei dizer quem era, estava sendo atendida por outras, que acho que eram enfermeiros. 

De repente encontro em comitiva, uma grande personalidade, que também não sei quem era, e um dos participantes dessa comitiva lhe dizia, "você tem que visita-lo agora, ele já está partindo!" - esse partir eu não sei dizer que tipo de partida era, e agora que estou escrevendo, fiz a análise e bem que com quase certeza, partia na morte, pois se estava em um quarto de hospital?

Saindo dali apressadamente em busca de não sei o que, abri uma grande porta dessas tipo Palácio de Versailhes, dessas tipo imponente e alta, com detalhes bem acabados e pintados de ouro e nesse local bem amplo e iluminado, deparei-me com uma banda de músicas e passei abobalhadamente entre ela e a assistência onde vi muitas crianças.

Estava eu com uma camisa amarela, com dizeres que não sei quais eram. Senti os cabelos molhados, pois no sonho em que não quero contar, tinha tomado banho e como não tinha encontrado a camisa branca que estava vestido, tomei emprestada uma, que me foi dada pela pessoa que estava comigo nesse sonho que não quero narrar.

Fui passeando e agora em uma linda praça, dentro da construção primorosa tipo Versailhes, encontrei uma criança que falava comigo como se me conhecesse e admirasse, logo após esse encontro, senti um braço leve e caliente me segurar, entrelaçando-o entre o meu direito, uma senhora bastante jovem que não era bonita e nem feia para meus padrões me falar com uma voz doce e prazerosa o que não entendi o que estava dizendo, mas isso me acalmava.

Ela perguntou meu nome e eu lhe disse, Raul, e acrescentei, "ao contrário é luar, pois sou uma pessoa romântica" e dei uma risadinha. Perguntei seu nome e senti que ela não gostava do seu, pois bem baixinho e olhando para o chão, falou: Atlântida. Achei (e acho) esse nome lindo, e daí olhei para o lado e vi um rapaz que ela disse que era seu marido. perguntei-lhe seu nome e ele me falou com uma voz também suave, que se chamava Luiz Jorge, e eu estupidamente disse a esse casal de desconhecidos: beleza! São Jorge em seu cavalo branco, mergulha fundo nas águas de Atlântida, e arrematei que era brincaira, e que eu era um estúpido por dizer essa besteira.

O sonho termina ai, fiquei um pouco assustado e preferi acordar.

Escrevendo esses sonhos agora, lembrei que teve um terceiro, e isso é que é interessante pois vez em quando tenho esse sonho: eu chegando em uma rodoviária bastante limpa e cuidada, tentando comprar passagem, não sei para quando e nem para qual destino, mas que nesse sonho, acredito que estou indo pra casa.

NOTA DA FOTO: Os apanhadores, ou caçadores, de sonhos têm sua origem em um povo nativo americano que, ao longo da década de 60, começou a popularizar esses objetos confeccionados à mão para vendê-los aos turistas em suas reservas. Os apanhadores de sonhos devem ser colocados nas cabeceiras das camas ou sobre os berços das crianças. Sua finalidade é de fazer desaparecer os pesadelos ou visões ruins que as pessoas podem ter de vez em quando. s apanhadores filtram nosso descanso noturno. Assim, enquanto dormimos, os pesadelos ou sensações ruins ficam presos nessa “teia de aranha” central. Enquanto os sonhos bons e as sensações positivas descem pelas penas inferiores, para discorrer pouco a pouco até nós. Quando amanhece, as luzes mornas do sol fazem com que os pesadelos desapareçam para sempre do apanhador de sonhos.

quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

Irmandades religiosas no Brasil: luta e resistência negra

Entende-se por movimento negro no Brasil as diversas maneiras de atuação por parte dos negros diante da ordem racista vivenciada no dia a dia. Neste caso, a Irmandade do Rosário dos Pretos, em Salvador, configura-se como uma das formas assumida pelo movimento negro ao longo de sua história de resistência. Constituindo-se enquanto grupo, esta irmandade religiosa compostas por negros em muito atuou como canal de acesso ao meio social brasileiro, bem como um espaço de reconstrução da identidade étnico-racial.

Independentemente da diversidade cultural encontrada no Brasil, no início de sua formação era impossível viver outra forma de manifestação religiosa que não fosse a católica. Para Portugal, a formação social do Brasil implicou, dentre outras coisas, na unificação moral e política das raças aqui presentes contra os “hereges” protestantes, representados em  figuras diversas.

Aos poucos, vários grupos étnicos, na tentativa de ocupar uma posição de prestígio na sociedade brasileira,começaram a experimentar em vários lugares públicos uma certa “intimidade”, com os santos católicos, forma  esta de se refugiar das punições estabelecidas pela estrutura social vigente na época.

No caso específico das experiências negras, apesar de terem se moldado à forma católica, traços culturais africanos se mantém ou re-significaram. Enquanto a colônia interpreta os cultos afro-brasileiros como uma forma profana de se adorar aos Deuses, informando ao Santo Ofício naquele tempo que se tratava de “folclore”, nada diferente dos dias atuais, onde é tratada como diversão e não como sagrado,  a população negra conseguiu preservar fatores centrais de continuidade de sua ancestralidade.

Estudos sobre o culto afro no Brasil fazem alguns pesquisadores  intuirem que, na experiência particular entre os elementos culturais africanos e os símbolos do catolicismo fatores estruturais  incidiram no fenômeno do “sincretismo”. Dessa maneira , as conformidades existentes entre os santos da Igreja Católica e os orixás do Candomblé além de terem ocorrido por força da imposição católica da época,decorreriam também das influências estruturais imbricadas nos símbolos religiosos.

Dentro desse contexto, a presença de negros nas várias confrarias religiosas é um dos indicadores desta postura da Igreja Católica, mesmo porque, não é de admirar-se que nessas condições o homem de cor reagisse no Brasil exatamente como nos Estados Unidos e que transformasse esse catolicismo do qual se queria fazer como um meio de controle social e de integração numa sociedade que o maltratava, num instrumento, pelo contrário, de solidariedade étnica e de reivindicação social.


Para a Igreja Católica, as irmandades foram um dos meios mais eficazes de converter ou até mesmo submeter diversos grupos étnicos, tais como índios, mouros e negros, ao catolicismo. Alguns estudiosos afirmam que, no Brasil, várias irmandades estiveram por muito tempo sob o controle da coroa portuguesa, submetidas à fiscalização do setor eclesiástico. 

As confrarias religiosas já existiam em Portugal desde o século XIII e dividiam-se em irmandades e ordens terceiras. Ao longo de suas existências, muitas irmandades negras foram elevadas à categoria de ordem terceira, como foi o caso da Irmandade do Rosário dos Pretos do Pelourinho. Atividades como empréstimo de dinheiro a juros para os membros integrantes das confrarias foram revividos no Brasil, primeiro por irmandades mais ricas, constituída por brancos  e depois copiada por outras irmandades.

É importante destacar que as irmandades religiosas compostas por negros, além de assumirem a assistência médica e jurídica, o socorro em momentos de crise financeira, e os funerais tanto de membros dessas associações quanto de seus familiares, também se responsabilizavam pela compra de alforrias de outros escravos.

A partir do compromisso, lei que estabelece os estatutos da organização e da sua aprovação pelas autoridades eclesiásticas, estas associações eram reconhecidas no meio social. Era obrigação de todos os membros dessas confrarias seguir à risca os seus mandamentos.

Contavam como requisitos básicos na sua estruturação a categoria sócio-econômica e a cor da pele. As Irmandades do Rosário, trazidas pelos jesuítas, foram as mais numerosas em todo o Brasil colonial, tradicionalmente dividida entre as de crioulos (negros nascidos no Brasil), mulatos e de africanos. Estas, como as demais confrarias religiosas, estruturavam-se em torno de uma mesa presidida obrigatoriamente por alguém da “raça”. Dentro dessa exigência, deveria ser escolhido um juiz ou presidente, no caso das irmandades, e um prior no caso das ordens terceiras.

A Irmandade do Rosário dos Pretos foi erguida e confirmada na Sé Catedral,  no inicio do século XVIII, entre 1703-1704. Os membros da confraria conseguiram levantar a sua própria capela às Portas do Carmo. Era de fundamental importância a obtenção de um espaço próprio para que fossem realizados tanto os rituais religiosos como as atividades sociais dirigidas ao negro. 

Durante grande parte do século XVIII, depois de sucessivas tentativas para a concessão de um terreno por  D. João V, é que se dá a construção da igreja, concluída em 1812. Ainda hoje, situada no Pelourinho, apresenta-se como um dos principais símbolos para a população negra da cidade.

Para se fazer parte da irmandade algumas qualidades básicas eram exigidas aos membros que se candidatassem para fazer parte da mesa das confrarias. De acordo com o compromisso de 1820, era preciso ser pessoa livre, para estar  apto, exercer e satisfazer os atos de Irmandade, livre de  qualquer infâmia a que está sujeita a condição servil.

Ressaltava que pessoas " sujeitas" poderiam exercer os cargos de mordomo da festa, desde quando pudessem cumprir suas obrigações e satisfazer as exigências econômicas de costume,assim como, serem Irmãos da Mesa desde quando tivessem bom procedimento e seu cativeiro fosse suave.

No entanto, acentuava que em nenhum caso, poderiam ser escravos, os elementos responsáveis pela direção da Irmandade, ou seja, juizes, escrivães, tesoureiro, etc. Os membros da mesa do Rosário dos Pretos deveriam, principalmente, ter boa conduta e ser reconhecidos socialmente, a fim de assegurar a confiança entre os demais integrantes da confraria.

Além dessas qualidades, os confrades deveriam possuir boas condições econômicas, pois era, sobretudo, através das contribuições materiais dos seus membros que as irmandades realizavam seus rituais fúnebres e festivos, ornamentavam sua capela, garantindo a ascensão social e econômica da irmandade e de seus membros.

Por conta disto, ainda hoje, a Igreja do Rosário dos Pretos no Pelourinho, apresenta-se como um dos lugares ou territórios no qual são revividas experiências culturais negras, constituindo-se fator de identificação para os movimentos negros, mesmo diante da  nova realidade religiosa. 

Durante a escravidão, as irmandades e outras expressões negras, representaram ponto central de encontro de cidadãos negros. A diversidade de elementos culturais africanos presentes no Brasil influenciou, a composição dessas organizações. É desse modo que percebemos o significado da Irmandade do Rosário dos Pretos do Pelourinho, enquanto movimento social da população negra, no passado, que ainda ressoa na atualidade.

Contribuição de Luciane Reis

As Irmandades Religiosas de Salvador Até o Século XIX

Foram várias às Irmandades religiosas na Bahia. Constituído para servir os irmãos e orientá-los nos seus problemas. Funcionava com objetivos sociais e de grande poder nas igrejas de suas confrarias.
Relaciono abaixo as mais concorridas:

Igreja da Barroquinha 

- Igreja de São Roque: Irmandade da Boa Morte, Rainha dos Anjos, composta de uma devoção das irmãs do  Martírios. Já existia desde 1851. E na mesma igreja tinha a Irmandade de Nossa Senhora da Angústia – composta de devotos brancos nacionais.

Igreja do Pelourinho 

– Nossa Senhora do Rosário – Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos. Quando foi feito o alicerce, no inicio do século XVI, os irmãos da confraria mandou vir de Portugal uma coleção de azulejos, cada parte colocado nas paredes laterais, representam; circuncisão, adoração dos Reis Magos, Rosário de São Domingos.

“A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Quinze Mistérios dos Homens Pretos, foi festejada em 1811 na antiga Matriz de São Pedro (demolida) fundamentalmente religiosa católica, foi fundada em 1701 pelos irmãos proprietários de uma quadra no cemitério do Campo Santo, na área pobre, fora dos muros, nas encostas. Possui, no centro, pequeno monumento com um cruzeiro. É também conhecido como “cemitério dos escravos”. 

Capela dos 15 Mistérios edificada na esquina da Praça dos Quinze Mistérios no mesmo Bairro de Santo Antonio Além do Carmo.
Capela dos 15 Mistrérios e a Confraria de Nossa Senhora dos 15 Mistérios dos Irmãos Pretos.

Irmandade de Santo Antonio de Categerona, fundada em 1699 na Igreja de São Pedro (demolida) como também tinha a Irmandade de São Pedro Velho – devotos brancos e as Irmandade de S. Sacramento e Irmandade do Senhor do Mártires fundada em 1764.
Constituiram em 1689 até 1746 a Irmandade do Rosário dos Pretos.

Enquanto era associação étnica, formada pelos africanos benguelas, vindo  da região sul de Angola, que dividiam com os jejes da região do Daomé os cargos da mesa diretora Por desentendimento com o vigário. Teria iniciado a construção da Capela na rua grande de São João Pereira Guimarães, ficando conhecida como Irmandade do Rosário de João Pereira em 1784.

Igreja de São Francisco – Irmandade de São Benedito já existia o culto de São Benedito antes de 1623 – Devotos brancos que criaram a Irmandade de José de Ribamar na  Igreja do Corpo Santo fundada em 30 de agosto de 1891.

Igreja da Conceição da Praia – Irmandade de Nossa Senhora da Conceição da Praia – devotos, os portugueses.

Igreja de Brotas – Irmandade do Senhor da Cruz – devotos, os pardos.

Igreja de Nossa Senhora da Sant’Anna – devotos, todos os crentes.

Irmandade do Santíssimo, Passos e Carmo. Na Igreja do Carmo – Santo Antonio Além do Carmo – exclusivamente de brancos.

Irmandade de Santa Efigênia e de Santo Elesbão – devotos, os pretos e pardos.

Irmandade do Senhor Bom Jesus da Redenção – composta de pretos africanos da Capela de São Pedro Gonçalves S. Telmo, vulgarmente conhecido como Igreja do Corpo Santo. Devotos, escravos marinheiros.

Filial da Matriz da Igreja da Conceição da Praia, dita no livro como a 2ª igreja construída na Bahia. ( Fonte do livro: Padre Manuel Dendê Bus – Figura do movimento libertador de 1822 – vigário da Conceição da Praia.)

Em 3 de maio de 1752, alguns negros gêges instituíram na Igreja do Corpo Santo, filiada a Igreja Matriz da Conceição da Praia. A Irmandade do Senhor Bom Jesus das Necessidades e Redenção com a aprovação de D. José Botello de Matos, 8º Arcebispo da Bahia. Criou-se assim a Irmandade de Nª. Sª. Do Rosário dos Pretos da Praia. 

Era gosto dos devotos constituirem Irmandades nas Igrejas. Todas as Irmandades tinham que seguir às ordens do Arcebispado, mesmo que as confrarias fossem regidas por estatutos. As Irmandades arrecadavam dízimos dos seus participantes para reverter nas próprias necessidades dos irmãos. Era o que acontecia nas Irmandades em que figuravam os negros escravos ou forros. Mas, muitas confrarias sucumbiram no decorrer dos anos, pelo simples fatos do poder financeiro dos associados caírem e houve também a descrença de vários componentes das Irmandades com a Igreja. 

Perdeu-se a verdadeira característica que fora a abolição dos escravos e a importância que os irmãos tinham na sociedade, isto só aconteceu depois da libertação total dos escravos.

Como a Bahia era a Capital mais católica do país, restou muitos católicos brancos e poucos católicos negros. Só aqueles negros que foram criados e trabalharam nas instituições religiosas católicas é que mantiveram as suas crenças na Igreja. Outros voltaram as suas crenças de origens e a maioria ficaram com as duas religiões a católica e a africana.

Hoje temos pouquíssimas confrarias, a mais famosa ainda é a Irmandade do Rosário dos Homens Pretos. Continua na Igreja do Rosário na ladeira do Pelourinho, sua morada maior aonde se abraça todos os santos negros descendentes de africanos.

É BOM SABER: No dia 20 de março de 1788 na Quinta feira Santa teve incêndio na Igreja da ORDEM 3ª DO CARMO. O incêndio foi total da Igreja e com ela todas as alfaias e mais objetos que ornavam o primeiro templo. A Venerável Ordem 3ª do Carmo foi constituida em 19 de outubro de 1636 sua padroeira Santa Tereza de Jesus. A Igreja foi lançado a 1ª pedra no alicerce da Sacristia em 30 de outubro de 1709 e não se sabe quando finalizou a obra. (Fonte: Estatuto da V.O.3ª do Carmo)

Contribuição de Álvaro B.Marques