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Francisco Meneleu e Lourdinha Mascarenhas: dois esquecidos?

 
Centro de Direitos Humanos (http://www.dhnet.org.br/) prepara documentário sobre o gráfico revolucionário de 1935 que foi preso com 17 anos e recebeu autorização do vigário de Mossoró para casar com uma menor.
 
Especial de Luiz Gonzaga Cortez
 
  
 
Parte I
 
Quem é Maria de Lourdes Mascarenhas dos Santos? E Francisco Meneleu dos Santos? O caro leitor sabe? Não, porque a grande maioria dos moradores de Mossoró, mormente a sua nova geração, desconhece a existência desse casal da feliz idade, naturais de Areia Branca/RN, mossoroenses de coração e residentes em Fortaleza/CE, onde completaram a educação e a solidificação de uma família ( doze filhos e trinta e três netos), apesar das mil e umas dificuldades.
 
Dona Lourdinha é esposa de Meneleu, este perto dos 85 anos, um gráfico aposentado e um dos responsáveis pela edição do único jornal da revolta comunista de 23/27 de novembro de 1935 em Natal, A Liberdade. Natural que o mossoroense jovem não conheça Lourdes e Meneleu. Também pudera, José Gurgel Guará, um ex-remador de iole do rio Potengi, em Natal, também octogenário, disse à imprensa natalense ( Diario de Natal, Cidades, 28.11.2001), que nunca ouviu em Meneleu.
 
Realmente, Meneleu, morou poucos anos em Natal, Foi preso em 1935, jogado nas masmorras da repressão até 1943, após passar por presídios da capital e de Mossoró. Lá, na “capital do oeste”, Meneleu conheceu a jovem Lourdinha, com quem se casaria em 1941. Hoje, eles são pais de Dasvirgens, Ivahy, Ivanova,
Izolina, Raul, Ivanize, Meneleu Filho, Ivanira, Ivanilda, Maria Albertina, Antonio Neto e José Meneleu.
 
Em junho, o casal completará 62 anos de casados. Mas foi em Mossoró que Meneleu conheceu figuras respeitadíssimas da sociedade local, desde o mais humilde carcereiro da Cadeia Pública até o vigário, o padre Mota, passando pelos políticos, sindicalistas, empresários, administradores e intelectuais. Fez (e mantém) amizade com Vingt-Un Rosado, Raimundo Soares de Brito, Raimundo Nonato da Silva, Raimundo Nunes (estes últimos já partiram para o céu), dentre outros nomes da cultura mosssoroense. Creio que Guará também nunca ouviu falar em Vingt-Un, Raibrito, etc...
 
Estive no apartamento do casal, em Fortaleza, em pude consultar cartas, bilhetes, autógrafos de escritores potiguares e de fora das fronteiras da taba potiguar, como uma dedicatória do jornalista e pesquisador Fernando Morais, na primeira página de um dos mais recentes livros, “Corações Sujos”- A História da Shindo Renmei: “Ao companheiro Meneleu, que é parte da História do Brasil, com a admiração do Fernando”.
 
Raimundo Nunes, potiguar das bandas de Pau dos Ferros, que era da Sociedade Brasileira de Escritores Médicos, em 17 de julho de 1984, mandou um dos seus trabalhos para ele e tratando-o como “um abraço afetuoso”. Numa página de “Esparsos e Avulsos”, R. Nunes, em janeiro de 1989, chama Meneleu de “nobre
amigo, com a expressão da estima habitual”.


E para registrar como aconteceu esse “romance” de um preso acusado de participação numa revolução comunista em Natal, e uma modesta e jovem estudante de Mososró, pedi que dona Lourdes prestasse um depoimento, escrito por ela mesmo. Eis as suas memórias:
 
“Era festa de fim de ano em Mossoró. Passeávamos sempre, minhas amigas e eu, no Jardim da Cidade (também chamado Passeio Público), onde retretas e bandas da cidade tocavam músicas lindas, dentre elas valsas, dobrados, marchinhas. E os jovens demonstravam alegria e os casais momentos de felicidade. Assim era a minha cidade: terra que sempre amei, terra de recordações, das amizades dos meus pais, de minhas amigas, de minhas professoras, do Grupo Escolar 30 de Setembro, de nossa casa na rua 30 de setembro, enfim, de lugares e momentos que só recordações nos trazem. Foi numa noite como essa que conheci Meneleu.

Tinha eu 15 anos incompletos e ele 21. Aquele encontro me fez sentir uma forte emoção, nunca antes sentida, que para mim era novidade. Tal reação foi correspondida, pois ele quis falar comigo logo que me conheceu. Senti-me atraída por ele. Minha idade talvez lhe tenha revelado uma certa ingenuidade que, decerto, não impeliu o inicio do nosso namoro.

“Meus pais começaram a tomar conhecimento do que se passava, e não estavam dispostos a aprovar tal relacionamento, pois me consideravam ainda uma criança. Entretanto, soube que nossos pais se conheciam e eram amigos, inclusive na mesma profissão, logo, não foi difícil continuarmos namorando, pois o consentimento partiu do fato de que eles se calaram diante da situação. Concluímos que quem cala consente.

Depois de namorarmos oito meses, chegou o dia da verdade. Meneleu recebera a notícia de que ia passar seis anos e seis meses na prisão. Nada pude compreender diante de tamanha revelação, mas contou-me ele toda a verdade, em relação ao que lhe tinha acontecido em 1935, em Natal. Fiquei perplexa com o que me contara e não podia avaliar o que poderia acontecer nos dias que se seguiriam. Tentou advertir-me em relação ao nosso namoro, propondo um rompimento imediato, pois, segundo ele, eu deveria entender que ainda era muito jovem e não poderia, assim, perder a mocidade. Entretanto, depois de várias reflexões, não aceitei desistir de nosso relacionamento.

Tudo começou a ficar triste, pois , como temia, meus pais pediam-me que desistisse de continuar namorando Meneleu. Minhas amigas começaram a se afastar de mim, influenciadas, mesmo, pelos próprios pais. No entender dessas pessoas, Meneleu era um indivíduo perigoso, pois diziam que era comunista. Os amigos dos meus pais procuravam influenciá-los, para que eles interferissem em minha conduta que, segundo eles, eu era de menor de idade e não poderia fazer uma escolha de tamanha importância.
 
Acusavam-me, ainda, de fazer meus pais sofrerem com aquela “loucura”, expressão usado por eles. Passavam-se os dias, quando meu sofrimento e de meus pais foi amenizado por um convite especial de uma pessoa muito importante na cidade. Tratava-se do doutor Raul Caldas, diretor de uma grande firma onde trabalhava Meneleu. Por ter grande influência junto às autoridades
do lugar, doutor Raul Caldas conseguira o adiamento da prisão de Meneleu. Entretanto, chegou um dia em que a vontade política dos que estavam no poder falou mais alto, conseqüentemente, Meneleu foi recolhido à prisão, juntando-se a outros presos políticos que já se encontravam na Cadeia Pública de Mossoró.

Estávamos no mês de novembro, e mais precisamente, ao meio-dia, recebi o primeiro bilhete de Meneleu que dizia: “Estou preso. B..... Meneleu”.
 
Um sentimento de tristeza invadiu o meu coração, tornando aquele dia um dos mais difíceis para mim. Não gosto mesmo de pensar quanta infelicidade envolveu-me, dando-me uma sensação de mudez e de morte. Contava eu apenas 15 anos e oito meses de idade. Para uma adolescente sem conhecimento e sem experiência de vida, eram momentos de extrema revolta e sofrimento sem mesmo idealizar o que poderia estar a me esperar.
 
Nota: Veja mais detalhes no vídeo do link abaixo:
 
Relato de Dona Lourdinha feito na casa de seu filho Raul Meneleu em Aracaju.