Alguns historiadores em suas dissertações a respeito de Virgulino Ferreira, O Lampião, procuram mostrar que ele não era um guerrilheiro enquanto pensamento político e têm razão, pois se tornou cangaceiro pelas circunstâncias de rixas familiares e não por política partidária e alguns chegam a afirmar a maldade dele já estava no sangue desde jovem.
O que quero demostrar
aqui, é que ele poderia até não ser
um militante político que partiu para a luta armada, mas que era um guerrilheiro estrategista de primeira, ninguém pode
duvidar.
Chegou até mesmo a ser
reconhecido por um oficial combatente seu, onde desde a primeira batalha entre
os dois, narrada por Frederico Bezerra Maciel em sua sextologia ‘Lampião, Seu Tempo
e Reinado’ no segundo livro ‘A Guerra de Guerrilhas’ onde o Tenente José Lucena
e Lampião ficaram temendo-se mutuamente .
De sua parte José
Lucena temendo e receando a sagacidade
de Lampião e da parte do temível cangaceiro, respeitando a força do Tenente
pelo poderio bélico e também sagacidade,
pois nunca andava fora das estradas reais, usando dessa tática para não
aventurar-se ‘no mato’, território do cangaço.
O relato abaixo se encontra
no referido livro e dará a você leitor, uma visão das estratégias do Rei do
Cangaço em batalha real com seu grande inimigo, José Lucena. Vamos visitar a história, lendo o relato:
ISCAS DE FOGO PARA LUCENA
Acompanhado de seus
irmãos Antônio e Livino, deixou Lampião, mais uma vez, a sepultura de sua
estremecida mãe, no cemitério de Santa Cruz do Deserto. Com lágrimas nos olhos
e ódio no coração. Uniu-se, com seus dois irmãos, aos Porcinos, aos Marcos, a
Antônio Fragoso e a seu tio Antônio Matilde, formando, com mais outros dois
cabras do coronel José Abílio, um grupo de treze homens. Subiu o vale do
Moxotó, cortando seus areais frouxos e escaldantes de semi-deserto, e a 1de
junho de 1921, atacou Santa Clara (Tupanatinga), no município de Buíque. Em
seguida, desceu o mesmo vale, passando pelo povoado de Caboclo e pela vila de
Pau Ferro (Itaíba), e atravessou a fronteira alagoana do município de Mata.
Grande acrescentado de mais quatro homens, agora num total de dezessete, cada
qual armado de rifle e punhal e municiado com 450 cartuchos nutrindo as
cartucheiras e amojando os bornais. A 5 de junho deu combate aos tenentes
Optato Gueiros e Eutíquio na fazenda Pilão do Gato, sem prejuízos de parte a
parte, a não ser de objetos.
Depois atacou a
residência de Firmino Brandão e levou o terror às populações sertanejas de
Capiá, Maravilha e outras localidades e fazendas que, de sobrosso, corriam para
Santana de Ipanema. Tudo isto Lampião fazia por estratagema, com o fito de
atrair o tenente José Lucena para um ajuste de contas: — "Quero quebrar e
sujicar o sedém deste peste de Zé Lucena".
Entrementes, em Jatobá
de Tacaratu (Petrolândia), reunidos quatro oficiais de Pernambuco, capitães
Teófanes Torres e José Caetano e tenentes Carneiro e Campos, e um oficial
alagoano, tenente José Lucena, para consertarem, em ação combinada, combate
eficaz a Lampião, com o acordo simultâneo das fronteiras interestaduais. De
volta a Santana de Ipanema, saiu Lucena com uma volante de sessenta praças para
ôlho Dágua do Chicão (Ouro Branco), ausente dez léguas a noroeste. Tendo disto
notícia, frechou Lampião, com mais de vinte homens, numa disparada para ali. E
a 9 de junho o atacou furiosamente quiném onça faminta. Foi apenas um golpe de
mão.
O todo-poderoso
Lucena, acostumado a correr atrás de cangaceiros, que dele se sumiam
apavorados, ficou estarrecido com o atrevimento do ataque e a afoiteza da
ofensiva inusitada. Por desforra, matou, em caminho, o pacato José Porcino, que
não havia participado da luta. E, temeroso face às perspectivas de rumos
desconhecidos e novos, que parecia a luta contra o banditismo tomar, requisitou
destacamentos e volantes por perto, perfazendo sua força um total de cento e
vinte praças bem equipadas. Por seu turno, Lampião arrebanhou mais gente,
perfazendo um grupo de mais de quarenta cabras e com muita privinição de armas
e munições.
A PRIMEIRA GRANDE BATALHA
a) no rumo de Poço Branco
Passou Lampião pelo
Espírito Santo (Inajá), deixando para Lucena pista visível e fácil. Vadeou o
leito seco do rio Moxotó a uma légua de distância, e fez arranchação de
pernoite na casa de seu amigo José Mandu, no Poço Branco, posição estratégica
que escolheu para dar combate. Casa grande essa do Mandu, de varanda na frente,
olhando para o sul. Na frente, o terreiro ligando-se com o caminho largo,
variante da estrada real, que passa ao nascente, unindo Espírito Santo à Mata
Grande, localidades separadas entre si por cinco léguas. Atrás, o rio Moxotó,
largo, margeado de frondosas caraibeiras e graciosas palmeiras catolé, com suas
flabelas farfalhantes encobrindo pejados cachos de pequeninos cocos amarelos.
Um dos belos espetáculos daquela ribeira.
b) base da emboscada
O despertar cedo,
naquela madrugada fusca e fria de 20 de junho. Depois do café gordo, reforçado
com muita carne-seca para dar sustança, distribuiu Lampião o seu pessoal por
trás de pés de-pau, de pedras, de barrocas e cercas, as emboscadas para O
combate.
A casa com o curral,
ponto mais difícil, porque perigoso, decerto seria o primeiro alvo visado pelo
inimigo. Essa posisição reservou ele para si. A direita da casa, oculto pela
serroteira, seu irmão Antônio, com o bote pronto para dar retaguarda, operação
esta de que me tornaria, depois, exímio mestre. A esquerda da casa, por trás
das cercas de pedra, seu irmão Livino, vanguardeiro, peitudo, indômito. E, mais
adiante deste, também camuflado no mato e atrás de pedras, Antônio Matilde.
A cada um coube dez a doze homens.
Larnpiãó fez privinição
quiném experimentado cabo de guerra: - "Os macacos não vêem todos juntos,
não. Antônio Matilde, sustente no fogo os que chegarem no coice. A gente só faz
fogo quando os primeiros chegarem na frente da casa. Espero o sinal meu. Não
gastar munição à toa. Se a gente tem de fugir é por detrás, pelo rio. Mas
esperem eu dar o sinal".
c) cabreirices de Lucena
Em desde o Espírito
Santo, vinha Lucena no rasto claro, certo e seguro, deixado por Lampião, na
estrada de Tacaratu, paralela à margem direita do rio Moxotó. Mas, quando os
rastos entraram no mato, em direção do rio, desconfiou de cilada ao mesmo
tempo, assuntou que Lampião, tudo indicava, havia tomado o rumo da fazenda Poço
Branco. Apiançando dar um golpe de surpresa pela retaguarda — a hora do dia
cedo era favorável para pegar na desprivinição os cangaceiros —, mais que
depressa voltou, vadeou o rio, tomando a estrada real que vai para Mata Grande
e penetrando na boca do desvio que chega a Poço Branco. Mais uma vez
desconfiando, fez alto. Por segurança, saiu caminhando por dentro do mato,
beiradeiando a variante.
d) a
batalha
Todos os cálculos de
Lampião deram certo. Lucena não o atacaria pelo outro lado, a retaguarda. Teria
sua tropa dizimada no atravessar do leito seco e arenoso do rio. Acertou
também: a tropa veio dividida. Na frente, Lucena com bem oitenta homens. Atrás,
pouco distante, o tenente Enéias Barros com uns quarenta. Logo que a cabeça do
pelotão de Lucena chegou defronte da casa, fez alto, a modo de observar,
através do mato, aquele misterioso silêncio e de ganhar posição. Antes que isto
acontecesse, Lampião deu o sinal convencionado com um tiro de pistola, rompendo
o tiroteio da casa e do curral contra a tropa. Esta, num sufragante, deitou
corpo e tratou, arrastando-se, de logo se mofumbar e entrincheirar para
responder ao fogo. O pelotão de Enéias acelerou o avanço, mas foi detido pelo
fogo de Antônio Matilde. A peitada não foi de graça, não. Parecia um ridimunho
dos infernos! Na tiroteiação, balaços açoitavam as pedras num baticum
enervante, ou assobiavam doidamente no meio do panavueiro chamando a morte, ou
barbavam o mato, torando as folhas, estalando os galhos... Os cangaceiros,
animosos, lançavam, no parraxaxá, desafios, insultos e xingos... gargalhavam
sarcasticamente de mangação... rinchavam e zurravam feito animais...
Infuleimado o sangue
com a quentura das armas cuspindo fogo e escoceiando nas detonações, as
gargantas torturadas de sede com a abafação da atmosfera produzida pela pólvora
queimada, os olhos zaros e ardendo e a vista alazã, sem trégua para tomar
alento, depressa ficaram os combatentes bebos de raiva virando feras. Lampião
levava vantagem dentro de melhores emboscadas, cuidadosamente escolhidas.
Sob as ordens de
Lampião, rápido deslocou-se seu irmão Antônio, com seus homens, bem agachados,
para atacar, de retaguarda, o flanco esquerdo da tropa de Lucena. Ao impacto
inesperado e violento, a parte atacada se desatou do grosso da tropa e recuou
com cerca de trinta soldados.
Para salvaguardar a
perigosa situação, destacou Lucena imediatamente uns quarenta soldados em
contraofensiva. Nesse quando, chamando seu irmão Livino, tentou Lampião o
envolvimento do flanco direito da parte da tropa de Lucena que ficara na linha
de fogo. Oficial instruído em curso de caserna, compreendeu Lucena o jogo tático de seu
adversário: aniquilar ou afugentar sua tropa para, ao depois, cair sobre a do
tenente Enéias. Realmente, muito tempo adiante, narrando a amigos aquela
batalha, confirmou Lampião a sua intenção no momento. Isso, porém, não teria
passado de mera tentativa se na ocasião tivesse ele, pelo menos, outro tanto do
efetivo de Lucena e um poder bélico muito superior. Mesmo assim, saliente-se,
nesse movimento de cerco dentro da batalha, talvez tivesse de sacrificar muita
gente. Ademais, enquanto a polícia usava carabina-fuzil de longo alcance, semiautomático,
e bala de aço de grande poder perfurante; Lampião utilizava rifle papo-amarelo*
ou cruzeta, arma de repetição, que esquenta muito após quarenta tiros, de muito
menor alcance, e bala calibre 44, de chumbo, chata, de poder antes rompedor que
penetrante. Refez e uniu Lucena sua tropa fragmentada e, num trancão impetuoso
de fogo cerrado, empurrou Lampião e seus irmãos para as linhas primitivas.
Durante a contra ofensiva, houve um corpo-a-corpo, desesperado e sangrento:
engalvinharam-se o valente cangaceiro Cavanhaque e um "macaco",
rapidamente passando os dois apronto.
* O rifle Winchester, desde 1866, ano de sua
invenção 'por Oliver Ficher Winchester, que fundou no Connecticut a
"Winchester Repeatring Arms Company", fez parte da história de todos
os povos: Estados Unidos, México, Peru, Brasil, Chile, Argentina, Espanha,
França, Rússia, Turquia, China... tanto na guerra, como na paz. Recorde-se sua
adotação pela Polícia Montada do Noroeste dos Estados Unidos e pelo presidente
Roosevelt nos safáris das selvas africanas... Mesmo depois de ter adotado o
mosquetão ern 1926, • jamais deixou Lampião de utilizar .o
"papo-amarelo", talvez porque arma mais fácil de conseguir. Tem o
rifle esse nome por causa da pequena placa de metal amarelo — o papo — na parte
infe-rior, a cujo impulso a cápsula salta para cima. Diga-se de passagem que se
tornou muito conhecida, naquele tempo, a casa co-mercial "A
Sertaneja", de Pesqueira, pertencente a Orestes de Almeida Maciel, a qual
possuía permanente estoque de rifles e munição apropriada. Consultando-se o
velho Arquivo Comercial da "A Sertaneja", chega-se a saber, através
de faturas emitidas por Herm Stoltz e pelo Armazém do Caboclo. quais as armas
então vendidas na referida firma: revólveres "Colt" (preto) e "Smith
and Wess" (niquelado), americanos, calibre 32; revólver "Azul",
espanhol, calibres 32 e 38; pistola "Comblain" (Fogopagô), belga 320
e 380; pistolas de pente:, "Mauser" (')Vf..ausa") 6,35 e 7,35,
"Remington" 380, e "FN", belga, 6,37 e 7,35; rifle
"Winchester"-7,44-..,(PaPo-amarelo); espingardas de caça ou de
passarinhar (de 'cartucho), e^ (de I.a7s+rino, famoso milanês fabricante de
espingardas no século XVI), de can° fino e comprido, de encher pela boca, em
três cores, verde, amarelo e encarna4o. Para espingardas desse último tipo,
vendiam-se também. acessórios: canos, fechos, varetas, ouvidos... além de
espoletas BB. Note-se que a primeira pistola que apareceu no sertão foi levada
por um Carvalho (cf. cap. 4, nota 7). Antes existiam apenas o bacamarte¡ e
pistola de encher boca.
O sol se incrisava.
Lampião verificando a
munição ficando escassa, deu sinal de retirada — cinco tiros secos de pistola
para o ar. Correndo agachados e atirando, os cangaceiros cruzaram o lençol de
areia enxuta do rio e fizeram pousada num arredado perto, embiocados.
Lucena não saiu na
inculca deles. Voltou, com a 'tropa em muxibas, trambecando, para Santana de
Ipanema. Além dos dois mortos na luta corpo-a-corpo, não foi possível obter-se
informação exata do resultado da batalha. A tarde se arriara, por coincidência,
sombria e triste, envolta em tons arroxeados. E com ela, a catinga começava a
adormecer, toda desarranjada e destroçada pelo espasmo da luta, parecente, de
mesmo, um espojeiro de monstros anti-diluvianos...
e) oficial do Exército?
A seu amigo, Padre
José Bulhões, vigário de Santana de Ipanema, comentou Lucena a batalha do Poço
Branco: — "Figurei, em dado momento da luta, que Lampião queria mesmo
acabar comigo, Depois, diante de seus estratagemas, me veio uma dúvida: Não é
possível! Seria mesmo Lampião o comandante? Ou esses cabras estão sendo
comandados por algum oficial
estrategista de alta patente, egresso do exército?!...”
Classificou também
ele, a retaguarda de Antonio Ferreira de “manobra magistral”.
Nova Ordem do Cangaço
Vemos nessa bela demonstração do grande
estrategista que foi Lampião: A partir do ano de 1929, passou a acontecer uma
das mudanças mais radicais no modo do famoso cangaceiro portar-se perante seus
inimigos, vindo a tornar-se muito mais perigoso ainda. Mulheres passaram a
integrar seu bando e ele passou a dividi-lo em grupos e subgrupos.
Que estratégia
incrível para os padrões ‘cangaceirísticos’ daquela sua época. Ninguém ainda
tinha feito isso. Eram uma espécie de clãs familiares e autônomos sob a direção
de homens de sua inteira confiança. Era a Nova Ordem do Cangaço que se
apresentava. Chamava menos atenção e seus inimigos não tinham a menor ideia
onde ele se encontrava, pois o bando dividido, a população os via em muitos
lugares e as autoridades ficavam sem saber onde centrar fogo, com números
maiores de contingente.
Essa estratégia, ou
por querer ou por necessidade e imposição do destino, fez que Lampião,
perseguido sem descanso pelas Forças Volantes de Pernambuco, teve de fugir e
refugiar-se na Bahia com cinco companheiros que lhe restavam e maltrapilhos e
famintos ali chegaram para a recomposição mais espetacular de sua vida. Era o ‘Fênix’
que retornava mais forte e das cinzas ressurgia sua têmpera de ‘cabra macho’
que não temia ninguém .
Lampião veio a
entender por conta da situação em que seus inimigos contavam com armas melhores
e poderosas, que deveria mudar de estratégia. Em sua mente de guerreiro
privilegiado e líder, compreendeu que já não tinha condições de dirigir um
número considerável de cangaceiros. Além disso o sertão ficava aos poucos modernizado, com
estradas, vias férreas e pipocava o progresso. Sua vida e de seus cabras agora
dependiam mais da ‘inteligence’ que de seus músculos, coragem e pontaria pois
deixava aos poucos de ser um território virgem e impenetrável. O Governo estava
agora em toda a parte com suas construções de progresso e sua ‘gana’ de
exterminar o banditismo naquela região.
Élise Grunspan Jasmin em
seu livro ‘Lampião, Senhor do Sertão’, veio a tecer um comentário de pé de
página onde o chama de ‘O Guerreiro Sedentário’ justamente por substituir seus
ataques violentos, embora vez em quando o fizesse, por essa nova ordem familiar
tornando-se menos nômades.
Em suas notas, Élise
Grunspan Jasmin aponta para António Silvino que tentara “resistir a construção
da estrada de ferro pela companhia Great Western no sertão da Paraíba. Em 1906,
ele perseguia os engenheiros ingleses encarregados de executar os trabalhos,
ameaçava os operários, cortava os fios telegráficos, deteriorava as vias já
instaladas e extorquia os passageiros do trem. Constatando a ineficácia de sua
empresa, enviou uma carta aos diretores da Great Western por meio de Francisco
de Sá, um de seus empregados, dizendo que permitiria a construção da estrada de
ferro mediante uma indenização de 30 contos de réis. Ver, a esse respeito.
Sempre que tinha
oportunidade. Lampião ameaçava ou assassinava os operários que trabalhavam nos
canteiros. Em 1929. fez interromper a construção de uma estrada que devia ir de
Juazeiro a Santana da Glória, CE, e que devia passar por seu refúgio predileto,
o Raso da Catarina. Em outubro desse mesmo ano, constatando que sua ameaça não
tinha sido levada em consideração, matou um dos operários. Em 1930, perto de
Patamuté. BA. atacou um grupo de operários e matou um deles. Em 1932. no sitio
Carro Quebrado, entre Chorrochó e Barro Vermelho, na Bahia. Lampião executou
nove operários.
No Estado de Sergipe.
em fevereiro de 1934, atacou operários e paralisou a construção da estrada. As
autoridades governamentais nunca levaram em conta as ameaças de Lampião, e a
partir de 1930 intensificaram os projetos de abertura do sertão ao
"progresso". No dia 9 de junho de 1935, por ocasião de uma reunião
organizada em Águas Vermelhas, na fronteira de Pernambuco. Carlos de Lima
Cavalcanti, governador desse Estado, e Osman Loureiro, governador de Alagoas
propuseram um plano de construção de estradas e vias férreas nas zonas do
sertão afetadas pelo cangaço.
Elas deviam cortar
sistematicamente em diversos eixos as regiões mais freqüentadas por Lampião e
facilitar o transporte das Forças Volantes por caminhão, enquanto os cangaceiros
se deslocavam quase sempre a pé. Os canais e as vias fluviais também deveriam
ser controlados, pois permitiam o envio de armas aos cangaceiros. Lampião sabia
que as conquistas tecnológicas com as quais as Forças Volantes tinham sido
municiadas e a penetração das vias de comunicação através do sertão poderiam
anunciar seu fim próximo e pôr em perigo sua autoridade na região (Informações
extraídas das obras de Frederico Pernambucano de Mello, op. rir., 1985, e
Quengo: !Amplio?, 1993).
Cristino Gomes da
Silva Cleto, conhecido como Corisco nasceu em 1907 em Marinha de Água Branca,
no Estado de Alagoas. e foi morto no dia 25 de maio de 1940, no Estado da
Bahia, pelo tenente José Rufino. Da mesma forma que Jararaca. ele também chefe
de subgrupo, Corisco tinha-se alistado no Exército em 1924, em Aracaju. Desertou,
foi perseguido e encontrou refúgio no cangaço. Seu conhecimento das técnicas de
guerra lhe valeram o interesse de Lampião, bem como sua confiança. Depois de
inúmeras tergiversações.
Corisco alia-se a
Lampião em 1926. em Vila Bela (Pernambuco), e lhe permanecerá fiel para sempre.
Em 1927. começou a dirigir um grupo de cangaceiros e sempre reivindicou certa
autonomia com relação a Lampião, embora sempre o considerasse seu superior
hierárquico. Segundo Frederico Pernambucano de Mello, como Lampião, Corisco se
fazia chamar de "Capitão" e assinava assim os pedidos de resgate que
dirigia a suas vítimas: "capitão Corisco, chefe de grupo dos Grandes Cangaceiros"
(grad Frederico Pernambucano de Mello, op. rir., 1985, pp. 88-89). Corisco, o
"diabo louro", distinguia-se por sua brutalidade e crueldade.
Depois do anúncio da
morte de Lampião, que ele vingará mediante um ato punitivo de rara violência.
Corisco tentou retomar o lugar deixado vago pela morte de seu chefe e procurou
reestruturar os grupos restantes de cangaceiros. Essa tentativa redundou em
fracasso, devido, principalmente à sua falta de diplomacia para com os coronéis
e coiteiros.
Sua morte anuncia a
extinção definitiva do cangaço.
Em um artigo do Diário
de Pernambuco de 11/6/1935 intitulado "Assentado Medidas para a Extinção
do Banditismo", dedicado aos acordos firmados entre as forças policiais de
Pernambuco e Alagoas, o major Lucena diz ao jornalista que Lampião dirigindo
apenas um grupo de 30 a 35 cangaceiros, dividiu-o em pequenas unidades de 5 ou
6 homens.
Outro artigo do Mujo
de Pernambuco, datado de 24/11/1937, intitulado "O Problema do Banditismo
na Zona Sertaneja" e ilustrado com uma fotografia do tenente Luís Mariano,
feita possivelmente no sertão, também evoca a divisão do grupo de Lampião,
divisão a que ele parece acomodar-se para levar uma vida tranqüila, dando-se o
luxo de se esconder ou de se exibir em público como e quando lhe bem
aprouvesse: "Lampeão nestes ultimos tempos tem-se embrenhado nas caatingas
do Estado de Sergipe e se demora principalmente nos municípios de Poço da
Folha. [...] e São Paulo, sendo neste que o bandido chefe, faz com uma certa
segurança o seu quartel general.
De vez em quando
Lampeão, á frente de uma parte do seu grupo invade a Bahia, entrando ahi pelos
municipios de Geremoabo. [...] Nessas excursões pratica grandes roubos e
depreciações e, retorna aos logares que lhe servem de coito, onde descansa meus
occulro e guardado por ectiteiros de sua absoluta confiança. [...] Depois de
descansar a vontade em Alagoas. o bandido com seu grupo, procura ser visto nas
caatingas de Aguas Bellas, esconde depois os rastros para promover a confusão,
e desorientar os pequenos troços de volantes desorganizados. que o perseguem.
Violentamente regressa ás caatingas de Alagoas. occultando-se de preferencia na
zona do Serrote do Carié, Riacho do Canapy. Poeira [...] dos Municipios de
Marta Grande e Pão de Assucar.[...] Enquanto Lampeão e sua Maria De Déa de José
Felippe e meia duzia de bandidos descansam, os bandidos de nomes Corisco. Luís
Pedro. Portuguez. Angel Roque. Moreno. Moita Brava, Chumbinho, Pedro Rocha e
outros chefes de grupos matam, roubam, promovem incendios. praticando, enfim,
toda sorte de miseria".
Em artigo do Diário de
Pernambuco. 11/5/1935. intitulado "Luís Pedro. do bando de lampeão.
visitou Pernambuco. O prefeito de Macia Grande esteve sequestrado 15 dias —
Virgulino está em Sant'Anna do Ipanema", faz-se referéncia ao rapto do
prefeito de Mata Grande por Luís Pedro. o homem de confiança de Lampião, em
troca de uma importância elevada.”
Benjamin Abrahão
Um dos historiadores
mais ousados de Lampião e seus cangaceiros foi Benjamin Abrahão Botto, que após
a morte de Padre Cícero, solicitou e obteve do "Rei do Cangaço" a
permissão para acompanhar o bando na caatinga e realizar as imagens que o
imortalizaram. O próprio Lampião assegurou o testemunho, em um bilhete, de que
todas as suas imagens eram produto do trabalho de Abrahão. Abaixo as palavras
do cangaceiro escritas em um de seus famosos bilhetes:
Illmo
Sr. Bejamim Abrahão
Saudações
Venho lhi afirmar que foi a primeira peçoa que conceguiu filmar eu com todos os meus peçoal cangaceiros, filmando assim todos us muvimento da noça vida nas catingas dus sertões nordestinos.
Outra peçoa não conciguiu nem conciguirá nem mesmo eu consintirei mais.
Sem mais do amigo
Capm Virgulino Ferreira da Silva
Vulgo Capm Lampião
Saudações
Venho lhi afirmar que foi a primeira peçoa que conceguiu filmar eu com todos os meus peçoal cangaceiros, filmando assim todos us muvimento da noça vida nas catingas dus sertões nordestinos.
Outra peçoa não conciguiu nem conciguirá nem mesmo eu consintirei mais.
Sem mais do amigo
Capm Virgulino Ferreira da Silva
Vulgo Capm Lampião
Benjamin em seus
trabalhos, diz ter encontrado vários grupos de cangaceiros, dentre eles o de
Corisco, Zé Sereno e Gato, o que confirma a estruturação do grupo de Lampião em
pequenas unidades relativamente autônomas. Ele fotografou os chefes dos grupos
e os grupos separadamente. Apesar de esses diferentes "subgrupos"
estarem com toda a evidência sob a autoridade de Lampião, não se conhecem
fotografias apresentando o conjunto dos cangaceiros.
Devido então a esses
testemunhos, vemos em Lampião um grande estrategista, que aprendeu na lida
todos esses ‘truques’ que o tornaram um inimigo a ser respeitado pelas volantes
e seus comandantes.