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domingo, 17 de abril de 2016

O TERCEIRO OLHO DE LAMPIÃO


Temos vários relatos de "repentes" que Lampião tinha, inclusive criar uma mística qualidade de prever algo ou receber avisos de forças estranhas.

Cristina Matta Machado em seu livro "As Táticas de Guerra dos Cangaceiros" segunda edição, à página 37 nos fala do inicio dele no cangaço, aos 21 anos, no bando de "Sinhô Pereira" que se tornaria chefe dois anos depois, teve uma dessas intuições que deixou a todos pasmos.

"Pouco tempo depois de ter entrado no cangaço, Sebastião Pereira estava acordado com seu grupo, na casa de um fazendeiro em Pernambuco. Querendo agradar aos cangaceiros, o proprietário ordena ao feitor:

- Vá estourar umas pipocas pros meninos...

Lampião, que estava passivo, olhar fixo numa só direção, como se estivesse meditando, retrucou:

- Estourar vão ser as balas, num demora mais que cinco minutos.

Houve risos e o fazendeiro confirmou a certeza de todos, de que na região não havia o menor sinal de volante.

Não demorou nem os cinco minutos, o cerco já estava formado e as balas cruzando o ar.

De outra feita, aconteceu lá para os idos de 1920. O grupo cansado da perseguição sofrida, chegaram em uma fazenda de um amigo e esfomeados pediram para matar um bode para comerem.

Os cangaceiros mataram o bode e quando estavam preparando-o fora surpreendidos pelas palavras de Lampião: 

- Vamo saí daqui, porque a volante num leva 15 minuto pra chegá.

Não houve dúvidas e, num instante, todos entranharam na caatinga e foram embora, ouvindo a volante chegar em sua pista.

Daí então começou a crescer o respeito de todos por aquele jovem, não somente pelo seu grande poder de percepção, coragem, boa pontaria e disposição, mas principalmente pela capacidade de estratégia que já se manifestava desde cedo.

Quando o chefe de bando Sebastião Pereira deixou o grupo por achar-se velho e querer acabar seus dias mais sossegado, não foi por acaso que Virgulino Ferreira tornou-se chefe em seu lugar. Era um líder natural.

O terceiro olho, também conhecido como Ajna, o sexto chakra, situa-se no ponto entre as sobrancelhas. Conhecido como "terceiro olho" na tradição hinduísta, está ligado à capacidade intuitiva e à percepção sutil. Quando bem desenvolvido, pode indicar um sensitivo de alto grau. Acredita-se que a glândula pineal, localizada no centro do cérebro e no meio da testa, tenha relação com tais capacidades indutivas e percepção sutil. Essa glândula possui semelhanças com o globo ocular, ambos possuem membrana cristalina e receptores de cor. Segundo lendas, seres supra-humanos possuíam o terceiro olho como um órgão que era capaz de exercer faculdades de telepatia e clarividência. Até hoje, muitas pessoas trabalham, através da meditação e outras técnicas, psicologicamente essa glândula para recuperar tais poderes divinos que teriam sido perdidos ao longo da regressão da espécie. (Fonte: O Terceiro Olho)


Bem, voltemos então à Lampião e vejamos como podemos enxergar pelos exemplos de sua vida, a questão de sua enorme capacidade intuitiva.

Em seu livro, "Lampião: o homem que amava as mulheres : o imaginário do cangaço" Daniel Soares Lins diz que "ao pesquisador do imaginário enveredar tanto no campo dos discursos quanto na estrutura das práticas históricas, buscando encontrar nos "fatos históricos" os "resíduos" colados aos personagens. O sonho, a quimera, a mística, a paixão, o "tempo mágico" e os rituais deveriam ser compreendidos como práticas racionais, respondendo, contudo, a uma outra ordem simbólica, a uma outra organização dos signos e dos imaginários."

Fico a imaginar Lampião sentindo seu terceiro olho, enxergar o que seus comandados não viam. Era no canto de uma ave, era no rastejar de uma cobra. No piar do caboré e da coruja. Na borra do café. No voo rasante do urubu. No sonho que tivera. No cantar do galo em hora que não era dele. A correria de uma raposa. Uma aranha que visse. Um mocó cavando o chão. O cão uivando sem motivo. Tudo isso ensejava a Lampião enxergar algo, com esse olho extra que tinha e que lhe valeu muito quando perdeu um dos olhos, literalmente.

No livro "Lampião, senhor do sertão : vidas e mortes de um cangaceiro" de Elise Grunspan-Jasmin, nos traz o poema de Francisco das Chagas Batista intitulado "História do Capitão Lampeão, desde o seu Primeiro Crime até a sua Ida a Juazeiro'', que faz referência à cerimônia de fechamento do seu corpo. Segundo esse poema, Lampião permaneceria invencível enquanto o feiticeiro que o protegia estivesse vivo:

Foi a casa de Macumba
E ele fez o serviço, 
Fechou o corpo do rapaz
P'ra bala, faca e feitiço, 
Então disse a Lampeão: 
Não havera valentão 
Que pise no teu toitiço 

Primeiro ele sujeitou-se 
A um processo arriscado 
Em um caixão de defunto 
Passou uma noite trancado 
O feiticeiro lhe ungiu 
E quando ele de lá saiu 
Estava de corpo fechado. 


Disse-lhe o velho Macumba: 
Agora podes brigar, 
Bala não te fura o couro, 
Faca só faz arranhar 
Feitiço não te ofende 
E a polícia só te prende 
Depois que eu acabar. 

Porém depois que eu morrer 
Ficarás de corpo aberto, 
Tudo pode acontecer-te, 
Pelos maus serás vencido, 
Deves viver prevenido 
Que a morte terá por certo. 

Continuando com Daniel Soares Lins, que diz "...em síntese, ao contrário do historiador que não "ama os acontecimentos", o estudioso do imaginário reivindica, de certa maneira, sua vinculação ao campo das temporalidades e dos acontecimentos, da cultura e da subjetividade."

Isso é importante na criação do misticismo que envolveu Lampião, pois muitas estórias foram contadas e muitas foram também inventadas, por aqueles que o admiravam e reunidos em rodinhas de bodegas nas esquinas das cidadezinhas do agreste nordestino, falavam sobre suas peripécias, cujas aventuras e proezas admiravam.


A esse respeito, o tenente João Gomes de Lira, ex-oficial das Forças Volantes, contou que um colibri um dia se chocou com a aba do chapéu de Lampião que viu nisso um mau presságio e teria dito a seus companheiros que era preciso retroceder. No dia seguinte ele teve a confirmação de que uma Força Volante lhe tinha preparado uma cilada naquele local. Sabendo que se tratava de nazarenos, ele teria feito o seguinte comentário: "Se tivesse passado por lá, teriam acabado comigo" (Pedro Tinoco, "A Superstição Ronda o Cangaço", Jornal do Commercio, 8/7/1997, p. 2). 

Por parêntesis quero registrar também, que não era só Lampião que tinha esses repentes e superstições. As Forças Volantes também atribuíam um grande valor aos sonhos e aos sinais premonitórios. 

Numa entrevista que concedeu ao Diário de Pernambuco, João Bezerra evoca o recurso aos sonhos, ao sobrenatural e às premonições entre as Forças Volantes antes de iniciar um combate contra Lampião, tanto este lhes parecia ser dotado de uma dimensão sobrenatural: "Pela manhã, os policiais tinham cinco minutos para contar uns aos outros os sonhos da noite. Eram sempre historias de mulher bonita, de caboclas cheirando como flor de manacá. olhos beijando seus rostos queimados pelo sol, envolvendo-os de doçuras perigosas. Terminado o prazo, as bocas se fechavam a contragosto com vontade de comunicar ainda os detalhes esquecidos, dos cabelos das moças evocadas, das donzelas encontradas na beira das estradas."

"Às vezes, noite alta, ouvia-se um rumor, o chefe da volante percorria os subordinados um a um, no escuro, passando a mão pelo rosto para conhecer seus cabras, temendo pela vida de todos, isolados na caatinga bravia, longe de homens mais humanos. Na perseguição de cangaceiros. rastejavam horas seguidas. arrastando a barriga contra a aspereza da terra, olho atento e ouvido apurado, esperando a qualquer momento o soar da fuzilaria, rezando com medo de ensopar a terra com seu sangue já que a chuva não a queria molhar..." - (Afranio Mello, "Como Correu Sertão a dentro a Noticia da Morte de Lampeão". Diário de Pernambuco 5/8/1938, p. 5). 

Sim amigos, as estórias são muitas. A Saga Cangaço é muito rica e enseja inclusive a nós viajarmos nas ondas desse grande mar que se chama imaginação. A clarividência de Lampião, esse seu terceiro olho com sua capacidade de "ver" ou de "sentir" o perigo que o ameaçava, não era a única arma mágica de que dispunha para escapar aos seus inimigos. Lampião teria também o dom da invisibilidade, graças a proteções sobre-naturais, às orações fortes que trazia consigo e que podia invocar em situações extremas. Mas esse assunto, deixaremos para um próximo artigo.