Se a Guerra de Canudos teve, como todas as guerras, traços arcaicos e bárbaros, ela também foi extremamente moderna. Não apenas pelo emprego de avançada tecnologia militar, mas enquanto guerra psicológica, orquestrada por ferrenha produção propagandística na imprensa brasileira. E também na internacional.O telégrafo instalado pelo exército entre as vilas de Queimadas, estação ferroviária mais próxima do teatro de guerra, e Monte Santo, base de operação das forças legais, a 70 km de Canudos, permitia a transmissão rápida de notícias para o país e para o mundo, mas também a censura e as restrições ao trabalho dos correspondentes de guerra: só os bem-comportados podiam se servir desse moderno e rápido meio de comunicação.
Tudo isso é conhecido. Surpreendente é saber que aquela guerra no distante sertão brasileiro, quase fora da civilização, teve cobertura mundial. Durante meses as vicissitudes da quarta expedição estiveram presentes na grande imprensa das Américas e da Europa, com mil detalhes, fatos, mentiras e boatos, que as representações diplomáticas do Brasil tentavam manipular. As notícias saíam do sertão para as redações de Salvador, São Paulo e principalmente Rio de Janeiro, eram transmitidas para as agências noticiosas de Londres e só então seguiam para as redações de Berlim ou Paris, passando às vezes por Nova York, Lisboa e Buenos Aires.
O interesse da Europa por Canudos torna-se constante a partir da derrota da terceira expedição, comandada pelo coronel Moreira César, em 3 de março de 1897, e vai até a vitória final do exército, em 5 de outubro. Durante esses sete meses, o Vossische Zeitung, grande diário liberal berlinense, publica 16 artigos ou notas dedicados à guerra brasileira, e sete ganham a primeira página. No mesmo período, The Times, de Londres, produz 15 artigos direta ou indiretamente relacionados a Canudos. Enquanto isso, em Paris, o Le Temps traz 22 matérias sobre o tema.
No Brasil, alguns poucos letrados indignaram-se diante do modo pouco civilizado com que a civilização era imposta aos sertanejos, crítica que ganharia expressão de acusação e protesto com Euclides da Cunha no livro Os Sertões (1902), mas que não teve repercussão na imprensa europeia da época. Esta refletia a visão das elites do Brasil, embora deixasse transparecer também algum respeito pela combatividade dos sertanejos. Em princípio, os três jornais europeus não contestam as afirmações e as metas do governo, torcendo claramente pela vitória das armas legais. As únicas críticas referem-se aos comunicados precipitados de vitória, aos erros de estratégia militar e às suspeitas de corrupção contra o alto comando da quarta expedição. A principal fonte dessas objeções era o carioca Jornal do Commercio, conhecido por seu ceticismo para com os republicanos extremistas e no qual escreveu, por curto período, um dos poucos correspondentes críticos em relação ao exército, Manuel Benício, obrigado pelo alto comando a abandonar o teatro de guerra em julho de 1897.
Tratar Canudos como uma insurreição era facilitado pelo fato de as palavras messias, fanático, insurgente e rebelde serem facilmente traduzíveis. Mais complicado era explicar outro conceito-chave da imprensa brasileira, o calunioso jagunço, descartado pelos europeus. Ainda assim os conselheiristas eram desqualificados com expressões incriminadoras, como “salteadores” e “ladrões de gado”. Porém, na escrita relativamente sóbria desses jornais, não havia espaço para cobrir o exército com um manto de heroísmo.
Se fossem deixados em paz, talvez os conselheiristas não se tornassem tão perigosos. Esta inteligente observação sobre o caráter defensivo do movimento aparece no jornal alemão e no londrino, que retoma a mesma ideia várias vezes depois. O Times mantém-se em descrença em relação à suposta conspiração monarquista, posição nem sempre partilhada pelos outros jornais, que parecem mais próximos do governo brasileiro. Em março, o Vossische Zeitung traduziu um artigo quase inteiro do Times mas omitiu dois importantes elementos: o empastelamento de jornais monarquistas no Rio e a avaliação do correspondente de que o apoio dos monarquistas ao Conselheiro carecia de evidências.
Em abril, o jornal berlinense tenta explicar a espantosa derrota da expedição Moreira César sem criticar demais o seu comandante, reduzindo seus erros à subestimação do número de inimigos. O artigo exagera a quantidade de combatentes canudenses e de soldados mortos, tendência geral dos jornais brasileiros e europeus. Enquanto no primeiro artigo os inimigos figuravam apenas como fanáticos, no seguinte eles são chamados de rebeldes e insurgentes. A legitimidade de uma guerra contra meros desgarrados mentais e ideológicos pode ser posta em dúvida, mas contra insurgentes não há como hesitar, pois subvertem a ordem estabelecida, ameaçam a vida e as propriedades. O artigo evoca o perigo, na realidade nunca existente, das capitais do litoral serem invadidas pelos seguidores do Conselheiro, preocupação espalhada por alguns jornais brasileiros.
O maior artigo publicado sobre Canudos fora do Brasil naquela época foi provavelmente o do Times de 12 de junho de 1897. Em carta, seu correspondente no Rio recorre a uma sintaxe elaborada e a um raciocínio ora descritivo, ora analítico, para situar a guerra no contexto político e econômico nacional. Atenua as alegadas superstições dos sertanejos e refuta a tese de Canudos ser uma revolução dirigida contra o governo. Se ele é perigoso, isso se deve à repressão – mas agora que esta começou, tem que ser levada até o fim. O correspondente mostra-se preocupado com o endividamento do Brasil, agravado pelas altíssimas despesas com a guerra, o que prejudica, portanto, o crédito internacional do país.
O grande assalto fracassado do exército, em 18 de julho, passa quase despercebido pela imprensa estrangeira, pois, devido à censura, nem os jornais brasileiros souberam explicar o que ocorreu naquele dia. Artigo do Vossische Zeitung de 10 de agosto levanta pela primeira vez a tese do comunismo como princípio de organização igualitária de Canudos, elogiando sua disciplina interna. Na primeira página de 8 de outubro, o jornal alemão noticia a tomada de Canudos em longo artigo com um balanço da guerra, mas recai em erros aparentemente já superados, como a tese da conjuração monarquista – útil talvez para explicar a longa duração do conflito e o desempenho decepcionante do exército. Os leitores alemães são informados do fim da guerra quase tão rápida e amplamente quanto os brasileiros. Já os londrinos souberam da tomada de Canudos no dia anterior, 7 de outubro, algumas horas antes dos brasileiros devido à diferença de fuso horário.
O Vossische Zeitung ainda ignorava, porém, a total destruição do arraial. Supunha a sobrevivência de Canudos como cidade e Antônio Conselheiro mais tarde perante um tribunal. As matanças sumárias e o extermínio a ferro e fogo de toda uma comunidade não entram na imaginação do redator alemão. A biografia resumida do Conselheiro dá ênfase a seu papel de profeta, anacoreta (monges cristãos que viviam solitariamente) e messias, juntamente com o de fanático, provavelmente uma tentativa de lidar com um fenômeno social insólito inserindo-o na lógica do cristianismo. Chamar a guerra de conflito entre brasileiros e fanáticos significa, implicitamente, excluir os canudenses da nação. Por outro lado, enfocar a situação econômica como uma das causas da popularidade do Conselheiro é uma explicação quase materialista, não frequente nos observadores brasileiros da época. A cena dos fanáticos agarrando-se aos canhões atiçou a fantasia dos leitores, pois aparece em vários artigos e livros sobre a guerra – é um topos, cena emblemática inspirada pelo romance Quatrevingt-treize, do francês Victor Hugo (1874), relatada e ficcionalizada também por Euclides da Cunha.
Entre os três artigos do Le Temps sobre a queda de Canudos, consta a observação verídica de que o fim da guerra fora um "massacre". Curioso é que o periódico mais citado por outros jornais, o The Times, com correspondente próprio no Rio, pouco noticiou o fim da guerra, resumido apenas em notas nos dias 7 e 9 de outubro de 1897. O órgão central das elites europeias ficou devendo um balanço da guerra, mas no geral sua cobertura foi a mais completa, ponderada e objetiva de todas, a mais confiável à luz das pequisas modernas sobre Canudos.
Berthold Zilly 1/12/2014