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quinta-feira, 6 de março de 2025

BackLands Novela - Maria Bonita


Set in the sparse frontier settlements of northeastern Brazil--a dry, forbidding, and wild region the size of Texas, known locally as the Sertao--Backlands tells the true story of a group of nomadic outlaws who reigned over the area from about 1922 until 1938. Taking from the rich, admired--and feared--by the poor, they were led by the famously charismatic bandit Lampiao. The gang maintained their influence by fighting off all the police and soldiers the region could muster.

A one-eyed goat rancher who first set out to avenge his father's murder in a lawless land, Lampiao proved to be too good a leader, fighter, and strategist to ever return home again. By 1925 he commanded the biggest gang of outlaws in Brazil. Known to this day as a "prince," Lampiao had everything: brains, money, power, charisma, and luck. Everything but love, until he met Maria Bonita.

"You teach me to make lace, and I'll teach you to make love"--this was the song the bandits marched to, across the vast open reaches of their starkly beautiful backlands, and it was Maria Bonita who made it come true. She was stuck in a loveless marriage when she met Lampiao, but she rode off with him, becoming "Queen of the Bandits." Together the couple--still celebrated folk heroes--would become the country's most wanted figures, protecting their extraordinary freedom through cunning.

Victoria Shorr's stunning literary debut tells Maria's story, her narrative of the intense freedoms, terrors, and sorrows of this chosen life, the end of which is clear to her all along. With the federal government in Rio mobilizing against the bandits, Backlands describes the epic final days of Lampiao's "fatal month," July on the River of Disorder, as the gang struggles to summon their good star to save them one more time.

Tradução 

Ambientado nos escassos assentamentos fronteiriços do nordeste do Brasil — uma região seca, proibida e selvagem do tamanho do Texas, conhecida localmente como Sertão — Backlands conta a história real de um grupo de bandidos nômades que reinaram sobre a área de 1922 a 1938. Tirando dos ricos, admirados — e temidos — pelos pobres, eles eram liderados pelo famoso bandido carismático Lampião. A gangue manteve sua influência lutando contra todos os policiais e soldados que a região conseguia reunir.

Um criador de cabras caolho que primeiro partiu para vingar o assassinato de seu pai em uma terra sem lei, Lampião provou ser um líder, lutador e estrategista bom demais para voltar para casa novamente. Em 1925, ele comandava a maior gangue de bandidos do Brasil. Conhecido até hoje como um "príncipe", Lampião tinha tudo: cérebro, dinheiro, poder, carisma e sorte. Tudo menos amor, até que ele conheceu Maria Bonita.

"Você me ensina a fazer renda, e eu te ensino a fazer amor" — essa era a canção que os bandidos marchavam, através dos vastos confins abertos de suas terras belíssimas, e foi Maria Bonita quem a tornou realidade. Ela estava presa em um casamento sem amor quando conheceu Lampião, mas ela partiu com ele, tornando-se "Rainha dos Bandidos". Juntos, o casal — ainda celebrados heróis populares — se tornariam as figuras mais procuradas do país, protegendo sua extraordinária liberdade por meio da astúcia.

A impressionante estreia literária de Victoria Shorr conta a história de Maria, sua narrativa das intensas liberdades, terrores e tristezas desta vida escolhida, cujo fim está claro para ela o tempo todo. Com o governo federal no Rio se mobilizando contra os bandidos, Backlands descreve os épicos dias finais do "mês fatal" de Lampião, julho no Rio da Desordem, enquanto a gangue luta para invocar sua boa estrela para salvá-los mais uma vez.

sábado, 1 de março de 2025

Resumo do livro "Cangaceiros Envultados, A Crendice Popular como Registrada" de Raul Meneleu

Resumo do livro "Cangaceiros Envultados, A Crendice Popular como Registrada" de Raul Meneleu  
Raul Meneleu, em "Cangaceiros Envultados, A Crendice Popular como Registrada", investiga a interseção entre história e folclore no Nordeste brasileiro, focando nos cangaceiros — figuras históricas como Lampião, transformadas em mitos pela imaginação popular. O livro explora como esses bandidos, muitas vezes violentos, foram elevados à condição de heróis ou entidades sobrenaturais, refletindo tensões sociais e aspirações coletivas de comunidades marginalizadas.  

Contexto e Transformação Mítica  
A obra situa os cangaceiros no cenário árido e desigual do sertão do século XIX e XX, destacando sua dualidade: criminosos para as elites, mas símbolos de resistência para o povo. Meneleu analisa como lendas atribuíam a eles poderes invulgarmente, como invulnerabilidade a balas ou pactos com o diabo, transcendendo sua humanidade. Essas narrativas, muitas vezes disseminadas por literatura de cordel e relatos orais, serviam tanto para explicar sua resistência quanto para criticar estruturas opressivas.  

Crenças Sobrenaturais e Tradição Oral
O autor detalha superstições como a ideia de que os cangaceiros escondiam tesouros protegidos por assombrações ou que seus espíritos vagavam pelo sertão. Essas crenças, enraizadas no sincretismo religioso (misturando catolicismo e tradições indígenas/africanas), eram perpetuadas por "beatos" e repentistas. Meneleu destaca o papel da oralidade na preservação desses mitos, mostrando como histórias transmitidas geracionalmente humanizavam figuras históricas, integrando-as ao imaginário coletivo.  

Cultura como Resistência e Identidade  
A obra argumenta que a mitificação dos cangaceiros representou uma forma de resistência cultural, convertendo opressão em narrativas de bravura e justiça. Ao examinar fontes como folhetos de cordel, relatos orais e manifestações artísticas, Meneleu demonstra como esses mitos reforçaram a identidade nordestina, oferecendo uma leitura alternativa da história oficial.  

Conclusão e Abordagem Interdisciplinar  
Com uma abordagem interdisciplinar — mesclando história, antropologia e literatura —, Meneleu conclui que os cangaceiros "envultados" (envoltos em mitos) revelam mais sobre as dinâmicas sociais do que sobre os indivíduos em si. O livro destaca a capacidade do folclore em ressignificar o passado, transformando figuras controversas em emblemas de resistência e pertencimento, essenciais para compreender a complexidade cultural brasileira.

sexta-feira, 28 de fevereiro de 2025

Resumo do livro "Lampião, Nordeste, Coronéis, Capangas e Jagunços" de Raul Meneleu

Resumo do livro "Lampião, Nordeste, Coronéis, Capangas e Jagunços" de Raul Meneleu

O livro de Raul Meneleu mergulha na complexa teia social, política e cultural do Nordeste brasileiro no início do século XX, centrando-se na figura emblemática de Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, e no fenômeno do cangaço. A obra explora como as condições históricas da região — marcadas por secas cíclicas, desigualdades brutais e o poder oligárquico dos "coronéis" (grandes latifundiários) — alimentaram a violência e o banditismo.  

Meneleu contextualiza o cangaço não apenas como criminalidade, mas como um reflexo de resistência e sobrevivência em um ambiente hostil. Lampião surge como líder astuto, cuja habilidade estratégica e carisma o transformaram em símbolo ambíguo: tanto um "justiceiro" para os oprimidos quanto um bandido temido. O autor analisa como sua atuação desafiava a autoridade dos coronéis, que mantinham controle através de "capangas" e "jagunços" (pistoleiros contratados), criando um cenário de conflitos armados e alianças instáveis.  

A obra também discute a estrutura de poder coronelista, destacando a fragilidade do Estado na região, que permitia a esses líderes locais governarem como senhores feudais. Meneleu contrasta a violência dos cangaceiros com a dos jagunços, enfatizando que ambos eram produtos de uma sociedade desigual, embora servissem a interesses distintos.  

Além da análise histórica, o livro aborda o legado cultural de Lampião, mitificado na literatura de cordel e no imaginário popular, e reflete sobre como sua história ilustra tensões entre opressão e resistência. Meneleu não romantiza o cangaço, mas reconhece seu papel na exposição das fissuras sociais do Nordeste.  

Conclusão: A obra de Meneleu oferece uma visão multifacetada do Brasil rural, unindo história, sociologia e cultura para explicar como figuras como Lampião e instituições como o coronelismo moldaram a identidade nordestina. É um estudo essencial para compreender as raízes da violência e da luta por poder em um contexto de abandono estatal e injustiça estrutural.

A Dignidade de Virgulino Ferreira antes de ser Lampião

Resumo do livro "A Dignidade de Virgulino Ferreira antes de ser Lampião" autoria de Raul Meneleu:  
A obra de Raul Meneleu aborda a vida de Virgulino Ferreira, posteriormente conhecido como Lampião, antes de sua ascensão ao mito do cangaço. O livro explora as origens humildes de Virgulino no sertão nordestino, contextualizando a realidade socioeconômica marcada pela seca, miséria e pelo poder opressor dos coronéis. O autor destaca a infância e a juventude do protagonista, enfatizando seus laços familiares e os eventos traumáticos que o levaram a abandonar uma vida pacífica, como a morte violenta do pai em conflitos com autoridades locais.  

Meneleu humaniza Virgulino, retratando-o não como um bandido natimundo, mas como um homem movido por circunstâncias adversas, busca por justiça e sobrevivência em um ambiente hostil. A narrativa enfatiza sua "dignidade" intrínseca, mostrando como valores como honra, lealdade e resistência moldaram suas escolhas antes de adentrar o cangaço. O livro também discute a complexidade moral de suas ações, questionando a linha entre heroísmo e criminalidade, e reflete sobre como a história oficial frequentemente simplifica figuras como Lampião, ignorando seu contexto de luta contra a opressão.  

Ao mesclar elementos históricos e ficcionais, a obra convida o leitor a repensar o legado de Lampião, não apenas como um símbolo de violência, mas como produto de um sistema desigual que marginalizou milhões no sertão brasileiro. Temas como resistência, identidade e a construção de mitos permeiam a narrativa, oferecendo uma visão crítica e sensível da trajetória de um dos personagens mais enigmáticos do Brasil.

Lampião, o rei dos cangaceiros

Lampião: O Rei dos Cangaceiros
Por Raul Meneleu 
Virgolino Ferreira da Silva (1897–1938), conhecido pelo apelido Lampião, foi o líder mais emblemático do cangaço, um movimento de banditismo social no sertão nordestino do Brasil. Ativo entre as décadas de 1920 e 1938, ele se tornou uma figura mítica, misto de herói popular e vilão, cuja história reflete as complexidades de uma região marcada pela seca, desigualdade e ausência do Estado.

Contexto Histórico e o Cangaço  
O "cangaço" surgiu no árido "Sertão nordestino, onde a pobreza, as secas cíclicas e a concentração de terras geravam conflitos. Os cangaceiros eram grupos armados que vagavam pela região, alternando entre ações de resistência, saques e violência. Embora alguns fossem vistos como "justiceiros", sua relação com as comunidades era ambígua: protegiam ou extorquiam, dependendo da circunstância.

A Ascensão de Lampião  
Nascido em Pernambuco, Lampião entrou para o cangaço após conflitos familiares com fazendeiros e a polícia. Seu apelido, que significa "lampião", teria origem na rapidez de seus disparos, que "iluminavam a noite como um candeeiro". Sua liderança destacou-se pela astúcia, organização e habilidade em escapar de perseguições.

Características e Iconografia  
Lampião cultivava uma imagem distinta:  
- Trajes elaborados: Chapéus de couro com estrelas, gibões bordados, cartucheiras cruzadas no peito.  
- Armamento: Carabina Winchester, facão e revólver.  
- Simbolismo: Sua estética misturava elementos do sertão e do misticismo, reforçando sua aura lendária.  

Em 1930, uniu-se a Maria Bonita, considerada a primeira mulher a integrar o cangaço ativamente. Ela simbolizou a quebra de padrões em um mundo predominantemente masculino.

Queda e Morte  
Em 28 de julho de 1938, Lampião, Maria Bonita e parte de seu bando foram surpreendidos por uma força policial em Angicos (Sergipe), após uma denúncia. Onde 11 cangaceiros foram mortos a tiros,  inclusive Virgolino Ferreira e Maria Bonita. Seus corpos foram decapitados, e as cabeças expostas publicamente como troféus (posteriormente enterradas em 1969).

Legado e Controvérsias  
- Mito vs. Realidade: Enquanto a cultura popular o romantiza como "Robin Hood do Sertão", historiadores ressaltam sua brutalidade, incluindo saques e execuções.  
- Cultura Brasileira: Lampião inspira cordéis, filmes (como "O Baile Perfumado"), música (Luiz Gonzaga) e festivais, simbolizando resistência e identidade nordestina.  
- Debate Social: Representa a luta contra a opressão, mas também a falência de políticas públicas no sertão.  

Lampião permanece um ícone complexo, encapsulando o espírito rebelde do Nordeste e as contradições de uma época em que a lei era ditada pela força e sobrevivência.

quinta-feira, 21 de novembro de 2019

CANGACEIRISMO E FOLCLORE

CANGACEIRISMO E FOLCLORE


Nesse artigo, enfoco as circunstâncias que levaram homens antes pacatos e religiosos, a tornarem-se cruéis assassinos e tornarem-se cangaceiros. Inicio com comentários sobre a entrevista concedida pelo Professor e Catedrático de Medicina Legal das Faculdades de Direito e de Medicina da Universidade da Bahia, Estácio de Lima, Diretor do Instituto Nina Rodrigues ao Jornal do Estado, de São Paulo, em 10 de junho de 1956. Foi nesse Instituto que cometeu-se um dos grandes crimes com os auspícios do Estado. Ali foram retidas as cabeças de Virgulino Ferreira o Lampião, sua mulher, Maria Bonita, Cristino Gomes o Corisco, entre outros. Também trago apreciações a respeito do folclore, especificamente os que os escravos africanos trouxeram para o Brasil.

Em agosto de 1938, o Instituto Guilherme II, de Berlim, chegou a enviar telegrama solicitando a cabeça de Lampião para a sua coleção de “criminosos célebres”, mas o destino de todos os cangaceiros trucidados em Angico seria o Museu de Antropologia Criminal do Instituto Nina Rodrigues, em Salvador, mesmo local que abrigou, até um incêndio em 1905, as cabeças de Antônio Conselheiro e Lucas da Feira.

As cabeças foram analisadas para comprovar que eram provenientes de pessoas consideradas degeneradas. Essa análise tinha origem nas teses positivistas defendidas pelo criminologista italiano Cesare Lombroso, segundo as quais as pessoas ligadas à criminalidade tinham uma predisposição biológica à prática de crimes e a comportamentos antissociais, perceptíveis através da análise das feições das pessoas e do formato de seus crânios.

Não acreditavam que eram condições sociais que levavam à prática de crimes, mas sim a formação biológica. As teses inseriam-se em uma ideologia racista desenvolvida principalmente na Europa, em fins do século XIX e início do século XX.

As cabeças ficaram expostas no museu do Instituto entre 1938 e 1969, quando foram entregues aos familiares.

Entre esses estudiosos, estava o Professor Estácio Luiz Valente de Lima, que nesse artigo encontro suas palavras ao repórter do jornal que o entrevistou, dizer:

"estar absolutamente provado que o cangaceirismo é um problema de ordem social e não policial, donde é forçoso concluir-se que não se deve tentar resolvê-lo pela repressão policio-judicial. Removidas as causas de ordem mesológico-social resolve-se o problema" disse ele. E continuando falou que “A experiência demonstrou que todos os cangaceiros são indivíduos readaptáveis e de fato, readaptam-se facilmente a vida social.”

Com tais palavras o Emérito Professor, mostrava que a teoria de Cesário Lombroso estava errada, sendo Ele próprio a contradizer a teoria abraçada por Nina Rodrigues, Ele próprio e mais alguns acadêmicos ilustres de sua época.

CAUSAS D0 CANGACO

Entrando no tema da conferencia do Professor EL Ele novamente adentra na teoria Lombrosiana para nossa decepção. Sabemos que são várias as causas do cangaço, mas não podemos de forma nenhuma concordar com essa teoria que pessoas ligadas à criminalidade tinham uma predisposição biológica à prática de crimes e a comportamentos antissociais,

Nas regiões do nordeste do Brasil a primeira cаusa é a de natureza social e está provado pela ciência, que a genética  
é a ciência que estuda a transmissão das características hereditárias ao longo das gerações. Por volta de 1986, Gregor Mendel postulou duas Leis que serviriam como ponto de partida e até hoje são a base do estudo da hereditariedade. A molécula de ácido desoxirribonucleico (DNA) carrega todas as informações e características genéticas dos seres vivos. Os cromossomos são constituídos por uma longa fita de DNA que se enovelam com uma proteína, denominada histona. Os cromossomos estão organizados aos pares no interior do núcleo das células diploides e cada par é denominado cromossomo homólogo. O conjunto de cromossomos de uma célula forma o cariótipo, onde em seres humanos, 22 pares correspondem aos cromossomos autossomos e 1 par aos cromossomos sexuais.

Os fragmentos de DNA em um cromossomo são denominados genes, responsáveis pela síntese de uma proteína específica que condiciona por exemplo, a cor dos olhos, dos cabelos, podem também trazer doenças hereditárias. Mas nunca trará o pensamento, a mente, o que se pensa, pois estas características são adquiridas no meio em que o indivíduo é formado.

Interessante é que no trabalho da Professora de Biologia Roberta das Neves, ela traz para a sala de aula, uma experiência feita pelos cientistas: “Durante muito tempo, os cientistas acreditaram que variações anatômicas entre os animais fossem consequência de diferenças significativas entre seus genomas. Porém, os projetos de sequenciamento de genoma revelaram o contrário. Hoje, sabe-se que 99% do genoma de um camundongo é igual ao do homem, apesar das notáveis diferenças entre eles. Sabe-se também que os genes ocupam apenas cerca de 1,5% do DNA e que menos de 10% dos genes codificam proteínas que atuam na construção e na definição das formas do corpo.

Algumas moléculas de DNA não codificantes regulam atividade de regiões codificantes. Assim, podem interferir no fenótipo dos seres vivos e cita um exemplo formidável para nosso entendimento.

Mas o que é fenótipo?

A compreensão do que é fenótipo possibilita entender melhor as diferenças apresentadas entre os organismos e suas mudanças ao longo do tempo.

Fenótipo é um importante conceito adotado em Genética e costuma ser definido como o conjunto de características observáveis de um organismo. Nesse sentido, incluem-se nesse conjunto as características morfológicas e fisiológicas de um indivíduo.

O que determina o fenótipo?

Como dito anteriormente, o fenótipo nada mais é que a totalidade das características observáveis de um indivíduo, as quais são determinadas pelo conjunto de nossos genes. Diante disso, podemos dizer que o fenótipo é a expressão do genótipo. Entretanto, é importante salientar que o fenótipo não é determinado apenas pelos genes, sofrendo influência também do meio no qual esteja inserido um indivíduo.

Costuma-se resumir a relação entre genótipo e fenótipo da seguinte forma:

Genótipo + Ambiente Fenótipo

Um exemplo fácil de ser compreendido em relação ao fenótipo é a cor da nossa pele. Imagine que uma pessoa apresente pele clara, mas, após alguns dias na praia, verifica-se o seu escurecimento por causa da produção de melanina. A cor de pele clara foi determinada geneticamente, entretanto, seu tom é influenciado pelo meio, nesse caso, pela exposição ao sol na praia.


O CANGACEIRO

Com o que vimos acima, onde foi descoberto pelos cientistas, que 99% do genoma de um camundongo é igual ao do homem e nem o camundongo é humano e nem o humano é camundongo, podemos concluir que seres vivos têm características quase iguais, diferenciando o corpo físico mas indicando a genética parecida.

O CANGACEIRO tornou-se cangaceiro, sofrendo a influência do meio, assim como um pessoa de cor branca pode escurecer sua pele por se expor ao sol.

Quando os seguidores de Cesare Lombroso dizerem que é o fator genotípico, lembremos desse exemplo da pele exposta ao sol.

Infelizmente o Professor AL e Nina Rodrigues, mesmo sendo pessoas com inteligência elevada, estavam acreditando em uma teoria que à época foi abraçada por parte da comunidade científica mundial, se vivos fossem, por certo estariam agora convencidos do erro desta teoria.

Mas ai vemos nessa entrevista, uma frase do nobre Professor, onde nos indica que ele estaria no caminho certo para reformular a compreensão Lombrosiana quando disse: "Algo de anormal осогre com os filhos de cangaceiros. Há uma espécie de marca de hereditariedade sobre os descendentes dos "lampiões” Essa "marca" decorre do fator genético mais o meio". Hoje Ele veria que não há até hoje correlação clara entre morfologia e alterações genéticas. Assim que o espermatozoide penetra no óvulo, as chances de fertilização já são grandes. No entanto, já sabemos que algumas alterações de morfologia são resultado de alterações genéticas e que os descendentes meninos poderão herdar as mesmas alterações de morfologia por serem propensos à por exemplo, doenças hereditárias.

Eureka Professor! Acabei de descobrir que o Senhor se vivo estivesse, iria abandonar essa teoria de Cesário Lombroso! E se Nina Rodrigues também estivesse vivo, iria se curvar à ciência atual!

Apenas seria corrigido a formulação; “Essa "marca" decorre do fator genético mais (+) o meio" pois a genética  como vimos, é a ciência que estuda a transmissão das características hereditárias ao longo das gerações e o comportamento é estudado como sendo o procedimento de alguém face a estímulos sociais ou a sentimentos e necessidades íntimos ou uma combinação de ambos, nada tendo efeitos sobre a matéria.

As causas principais, todavia, do cangaço são de cunho social, afirmou o conferencista, mostrando-nos seu entendimento, faltando apenas se livrar de Lombroso. O homem que se tornou cangaceiro, desde muito cedo, foi obrigado a lutar, em seus locais de nascimento, contra uma Justiça e uma Polícia mal orientadas, defeituosas.
Sua família, vítima de violências, de desrespeito, de atos de verdadeiro barbarismo e tanto a Justiça quanto a Policia nada fez para punir os malfeitores, principalmente quando havia interesses em acoberta-los.
Isso gerou no homem trabalhador, ordeiro e religioso, o espírito de revolta, de ódio que se notava em todos os cangaceiros. Eram seres humanos descontentes com a Justiça e com a Polícia. Lampião foi um desses casos. Vítima de injustiças da Justiça. O recurso foi bandear-se para o cangaço.

TERRA E AGUA

Afirmou o professor El em sua entrevista, desta vez ao Diário de São Paulo de 10 de junho de 1956, que outro fator determinante do cangaço tem caráter econômico. “Sempre foi comuns os despejos pela força. Dos simples lavradores que por longos anos se dedicavam a cuidar de suas terras.
Quando as colheitas se anunciavam fartas, vinham pessoas mais poderosas e os desalojavam violentamente, atirando-as à mais absoluta miséria.” Estas perseguições, estas Injustiças contra eles praticadas foram também uma das causas decisivas do cangaço, que é, no fundo, um sentimento de vingança.

“O arame farpado é outro problema muito sério a considerar” disse o conferencista. As melhores terras e águas, estiveram protegidas por trás das cercas de arame farpado, que assinalavam os limites das propriedades de senhores semifeudais”.

O arame farpado também motivou conflitos nos EUA nos anos pós 1876 quando este foi inventado. Os novos colonos não hesitaram em demarcar terras que pertenciam a tribos indígenas. E não é surpreendente que os índios tenham apelidado o arame farpado de "corda do diabo". Os cowboys também o odiavam. Antes acostumados a ver os animais pastando livremente, agora tinham que lidar com feridas e infecções. E milhares de animais morriam enganchados nas cercas durante tempestades de neve. "Me irrita", escreveu um vaqueiro em 1883, "quando penso nas cebolas e batatas crescendo onde cavalos deveriam estar se exercitando". Se os cowboys estavam furiosos, imaginem os indígenas.

A grande maioria das economias modernas se baseiam na propriedade privada - o conceito legal de que quase tudo tem dono. Sendo assim, a forma como o arame farpado transformou o Velho Oeste é também a história de como os direitos de propriedade mudaram no mundo. Aqui no Brasil não foi diferente.





O professor Estácio de Lima, diretor do Instituto Nina Rodrigues e catedrático de Medicina Legal das Faculdades de Direito e de Medicina da Universidade da Bahia, quando foi convidado pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, Capital, para integrar a banca examinadora do concurso para provimento da cadeira de Medicina Legal daquele estabelecimento, concedeu entrevista ao Jornal do Estado, de 10 de junho de 1956 onde abordou sucintamente, os estudos e pesquisas que foram desenvolvidos no Instituto Nina Rodrigues da Bahia sobre o problema do cangaceirismo.

Lembrou, inicialmente, que o Instituto Oscar Freire, SP tem como núcleo a cadeira de Medicina Legal da Faculdade de Medicina, criado a  semelhança do Instituto Nina Rodrigues, pois Oscar Freire, encarregado da sua organização, fora assistente no instituto baiano, mas que no entanto, as atividades do instituto de Salvador seriam mais amplas. Assim, disse ele "no terreno da Medicina Legal e pericial que estão intimamente associados, os assistentes do catedráticos de Medicina Legal das Faculdades de Medicina e de Direito da Bahia, também são os médicos-legistas do Estado, o que não ocorre em São Paulo, onde coexistem o Instituto Oscar Freire e o Serviço Médico-legal do Estado, este encaminhando àquele, para perícia, somente os casos mais raros, que demandem estudo. Em consequência, as atividades médico-legais, do ponto de vista do ensino prático, são mais amplas no
Instituto Nina Rodrigues do que no Oscar Freire." 

Segundo o professor Estácio de Lima, o sistema de poder realizar no Nina Rodrigues todas as pericias teria bem melhores resultados, não se verificando, caso de quebra do sigilo profissional, por parte dos estudantes, que estão a par de todos os casos de natureza médico-legal ocorridos na capital baiana.
Por outro lado, disse ele, que mantendo a tradição do cientista cujo nome ostenta, o Instituto Nina Rodrigues continua sendo importante centro de estudos de criminologia, de etnologia e de folclore.

No campo da criminologia, preocupam-se especialmente o professor Estácio de Lima e seus assistentes, com o problema do cangaceirismo; no campo da etnologia, com o estudo do tipo nordestino, e no do folclore, com sobrevivência brasileiras, sobretudo, com os candomblés de origem sudanesa.

Interessantes observações fez o professor baiano acerca do cangaceirismo, durante a entrevista, discorrendo, com erudição em fatos e dados colhidos pessoalmente, sobre esse problema, onde ressaltou inicialmente, "estar absolutamente provado que o cangaceirismo é um problema de ordem social e não policial, donde é forçoso concluir-se que não se deve tentar resolvê-lo pela repressão policio-judicial. Removidas as causas de ordem mesológico-social resolve-se o problema" disse ele. E continuando falo que “A experiência demonstrou que todos os cangaceiros são indivíduos readaptáveis e de fato, readaptam-se facilmente a vida social.”

Segundo o professor Estácio de Lima, “foram recuperados e reintegrados na comunhão social todos e os antigos companheiros de Lampião, verificando-se entre eles somente um caso de reincidência: um antigo cangaceiro, que cumpria pena em uma prisão de Pernambuco que ao ser esbofeteado, revidou matando seu agressor. Neste caso, ainda, se não se tratasse de legitima defesa, circunstancia que exclui a criminalidade, poder-se-ia falar na atenuante da violenta emoção provocada por ato injusto da vítima”.

Como membro do Conselho Penitenciário da Bahia, o professor Estácio de Lima tinha como seu auxiliar, entre outros, Ângelo Roque, que sob o nome de guerra "Labareda", era um dos mais famosos cangaceiros do bando de Lampião, que gozava de liberdade condicional e que tinha se reintegrado perfeitamente na sociedade, da mesma forma que seus antigos companheiros. Segundo o professor Estácio de Lima, muitos destes cangaceiros do bando de Lampião eram pacatos motoristas profissionais, que conduziam, principalmente, os caminhões conhecidos por "paus-de-arara" e que trafegavam entre São Paulo e os Estados do Nordeste.

Outro fato interessante segundo a reportagem, conforme dito pelo professor EL (doravante me referirei ao Professor Estácio de Lima usando as iniciais de seu nome) é que entre eles subsistia a solidariedade do grupo e os membros do bando ainda continuavam a respeitar seus antigos chefes. Como se sabe, o bando de Lampião dividia-se em pequenos subgrupos de 10 a 12 homens, cada um com seu chefe. Jamais operavam juntos e somente no celebre ataque a Mossoró se empenhou o bando todo; juntos.
Divididos em pequenos grupos os cangaceiros não só se locomoviam mais rapidamente como também podiam defender-se melhor, obrigando as forças policiais a se subdividirem também. Pois bem, o professor EL disse para demostrar esse respeito: “ainda hoje, os antigos subordinados de "Labareda" não deixam de prestar-lhe conta de seus atos, apresentando-lhe conta de seus atos, apresentando-se a ele regularmente e dando as notícias dos outros companheiros, porventura ausentes. Só que não o chamam mais pelo apelido de "Labareda" pois passou a ser "seu" Roque, o que é um indicio de sua reintegração na vida social.”

Em sua origem, o cangaceirismo é resultante de fatores de ordem mesológico-social disse o professor EL.   Esta ciência dedicada ao estudo das relações recíprocas entre o ambiente e os seres que nele vivem, também pode ser entendida como sendo a "influência do meio" sobre o indivíduo. Portanto é fácil de entender o porquê da irritação de homens que se tornaram cangaceiros pela injustiça social, que se pode apresentar sob vários aspectos agindo de acordo com o punitivo código de honra do sertão, onde o sertanejo cometia seu primeiro crime. Daí o professor EL dizer que tratava-se de “um criminoso ocasional, perseguido, muitos abrigando-se à sombra dos "coronéis", deixando de ser um criminoso ocasional, para entrar no grupo dos habituais.”
Esta portanto é a fase do bando armado e organizado, é a fase do cangaço.

Fator de importância fundamental na gênese do cangaceiro nordestino, é também, o fator econômico, pois impotente para se fixar no meio hostil que era o sertão, uma vez que as melhores terras e as aguadas estavam nas mãos dos grandes proprietários, o sertanejo é obrigado a emigrar, o que contribui ou determina, inicialmente, seu desajustamento.
O arame farpado é, segundo as palavras do professor EL, um dos grandes inimigos do sertanejo, impedindo a sua fixação no meio em que nasceu.

Prosseguindo, o professor EL, a sede do cangaço se deslocou das regiões do Nordeste para a zona do cacau, espraiando-se na fronteira entre os Estados de Minas Gerais e Bahia. Aliás, é sabido que os cangaceiros, como medida de defesa, jamais se internam profundamente em território de um Estado, agindo sempre na periferia, ao longo das fronteiras, para escapar à ação das polícias
Militares estaduais, que não podem ir além dos limites de sua circunscrição.

Batidos pela seca, impotentes para se fixar na terra natal, esse nordestinos procuram o sul. São Paulo sobretudo. Porém, muitos e muitos deixam a viagem em meio, localizando-se na zona cacaueira. Pelas suas condições, esta é uma zona favorável ao desenvolvimento do cangaceirismo, assemelhando-se, na opinião do professor EL, às zonas pioneiras do oeste Norte-americano, ao tempo de seu devassamento.

“Os nordestinos, de passagem, recebem propostas interessantes dos donos das terras do cacau. Com seu trabalho, valorizam o solo, plantam cacau, para afinal, serem despejados, sumariamente. Nesse conflito de interesses nasce o cangaceiro, Posteriormente, então, intervém o "coronel" e o processo caminha até o estágio final, do bando armado do cangaço. Evidentemente, é esse um esquema simplista, a grosso modo serve para compreensão do fenômeno.” Acentuou o professor EL.

“A necessidade de os poderes públicos volverem sua atenção para os bandos de cangaceiros que se estão definindo na zona cacaueira, para resolver desde logo o problema, não em termos de repressão policial, mas sim levando em conta os fatores de ordem social, econômica e mesológica que estão na sua origem. Os estudos etnológicos constituem uma das preocupações dos alunos, de professores, assistentes e do Instituto Nina Rodrigues.”

Mais abaixo comento a respeito dos cinco grupos apontados pelo diretor do Instituto Nina Rodrigues em que textualmente “julga ser o nordestino o mais definido, do ponto de vista étnico.”

Para o professor EL outrossim, continua verdadeira a afirmação de Euclides da Cunha: "O sertanejo é, antes de tudo, um forte".
De fato só dois animais suportam e conseguem sobreviver às longas caminhadas na zona semiárida do polígono das secas: o sertanejo é a cobra cascavel. E a prova de que o sertanejo é um forte é dada, segundo o professor EL pelo biótipo do cangaceiro. Não se conhecem cangaceiros do tipo chamado pícnico, tipo gordo, na classificação de Kretschmer. Todos são longilíneos, tipos secos apenas, perfeitamente adaptados ao meio.

A biotipologia faz uma relação entre corpo e caráter+temperamento. Kretschmer fez um trabalho com tratamento estatístico e dividiu os seres humanos em três tipos, quanto ao caráter (acrescento que aí também está o temperamento):
1. o magro e alto: esquizotímico (tipo Don Quixote);
2. o baixo e gordo: ciclotímico (tipo Sancho Pança);
3. o que tem suas medidas em equilíbrio: ixotímico (tipo "sarado");
4. o que tem suas medidas em grande desarmonia: não há tipo específico.

O tipo 1 ele chamou de leptossomático.
O tipo 2 ele chamou de pícnico.
O tipo 3 ele chamou de atlético.
O tipo 4 ele chamou de displásico.

Para o professor de Medicina Legal da Bahia, exageraram e não levaram em conta os fatos, aqueles que consideram o sertanejo um fraco. Se ele sobrevive em um meio hostil como o do Nordeste, na região batida pela seca, alimentando-se mesmo não eficientemente, é porque se trata mesmo, antes de tudo, de um forte. Mas sabemos que na zona de caatingas, a sobrevivência é difícil, e discordando um pouco do nobre Professor EL, muitos sofrem fome e grandes necessidades, faltando uma política governamental de convivência com a seca. Realmente o professor de Medicina Legal da Bahia não exagerou e não levou em conta alguns acharem que o sertanejo fosse fraco, mas perdura até nossos dias o sofrimento do sertanejo que reside nessas áreas e em minhas incursões pelo nordeste, vejo poucas famílias residindo na zona seca das caatingas, preferindo as cercanias das cidades, em casebres, pois poderão sobreviver, mesmo sem nenhuma dignidade.



TIPOS ETNICOS BRASILEIROS

“Os estudos etnológicos constituem uma das preocupações dos alunos e de professores, assistentes e do Instituto Nina Rodrigues.” - Disse o Professor EL. De acordo com ele, estariam se definindo no Brasil, cinco grupos étnicos, perfeitamente distintos:

a) o amazônico;
b) o gaúcho;
c) o caipira mineiro;
d) o paulista;
e) o nordestino.

Quanto ao paulista,  o Professor EL, expôs que “resulta de uma fusão de numerosos grupos estrangeiros e nacionais”, pelo que concordamos plenamente. A propósito, ele disse que São Paulo é a maior forja etnológica da América do Sul. E realmente diversas culturas e biótipos se misturam em uma nova raça que ainda não está, mesmo em nossos dias, plenamente estabelecida.

Desses cinco grupos apontados, pelo diretor do Instituto Nina Rodrigues, julgamos ser o nordestino o mais definido, do ponto de vista étnico. Para o professor EL na ocasião da entrevista, continuava verdadeira a afirmação de Euclides da Cunha: "O sertanejo é, antes de tudo, um forte".

E disse: “De fato só dois animais suportam e conseguem sobreviver às longas caminhadas na zona semiárida do polígono das secas: o sertanejo e a cobra cascavel.” E a prova de que o sertanejo é um forte é dada, segundo o professor EL, pelo biótipo do cangaceiro. Não se tem e nem se conheceu cangaceiros gordos. Todos são longilíneos, tipos secos, perfeitamente adaptados ao meio.

Portanto em qual grupo podemos indicar os cangaceiros? Creio que podemos escolher o tipo 3 sem sombra de dúvidas.








CANDOMBLÉS é FOLCLORE

Por folclore entendemos as manifestações da cultura popular que caracterizam a identidade social de um povo. O folclore pode ser manifestado tanto de forma coletiva quanto individual e reproduz os costumes e tradições de um povo transmitidos de geração para geração. Sendo assim, todos os elementos que são parte da cultura popular e que estão enraizados na tradição desse povo são parte do folclore.

As manifestações do folclore dão-se por meio de mitos, lendas, canções, danças, artesanatos, festas populares, brincadeiras, jogos etc. O folclore é parte integrante da cultura de um povo e, por isso, é considerado pela Unesco como Patrimônio Cultural Imaterial, sendo imprescindível a realização de esforços para a sua preservação.

Passando a falar dos candomblés baianos, o Professor EL lembrou, de início, que no Brasil as religiões afro-brasileiras podem ser abrangidas em 3 grupos:

1) norte africano, grupo dos negros muçulmanos, entre os quais, por exemplo, se podem citar os fulas; nada ou quase nada nos resta da cultura desses negros, a não ser na filologia e na arte culinária;

Os fulas singularizavam-se pela cor opaca, tendendo para o pálido, e o gentílico em pouco tempo se tornou um qualificativo comum para todo negro com a mesma compleição (fulo, negro fulo, negrinha fula) e, mais tarde, por extensão, passou a aplicar-se à ausência momentânea de cor nas faces da pessoas, negros ou brancos (fulo de raiva).

2) grupo centro-africano, sudanês, cuja religião se conservava, em relativo grau de pureza, não obstante os sincretismos;

Nina Rodrigues percebeu pela primeira vez a predominância sudanesa na Bahia, no que foi confirmado por Artur Ramos.  Este destacou no grande grupo a predominância dos iorubas, também chamados nagôs (embora esse nome seja normalmente estendido a outras etnias) da Nigéria, dos gegés (ewes) do Daomé, dos minas da costa norte-guineana, além dos tapas, bornus e galinhas; identificou a presença importante dos hauçás do noroeste da Nigéria, de influência muçulmana, a qual marcou também os fulas (mais claros, de origem berbere-etiópica) e os malês (ou mandingas, de tradição guerreira, considerados altivos e perigosos pelos lusos, que lhes atribuíam feitiçarias).

Entre os sudaneses originários da costa da Guiné, amplamente predominantes como vimos, a presença comum da língua pertencente ao grupo linguístico ioruba talvez explique a predominância dos elementos dessa cultura em nosso candomblé e nas influências negras de nossa linguagem.

3) grupo sul-africano ou banto (angola, congo), cujas sobrevivências estão profundamente mescladas, pelo fenômeno de sincretismo.

A designação Bantu nunca se refere a uma unidade racial. A sua formação e expansão migratória originaram uma enorme variedade de cruzamentos. Há aproximadamente 500 povos Bantu. Assim não se pode falar de raça Bantu mas de povos Bantu, isto é, comunidades culturais com civilização comum e línguas aparentadas.

De acordo com a tradição de Nina Rodrigues, e do Professor EL e seus assistentes, estudaram principalmente o grupo sudanês.

Na entrevista ao jornal, perguntado se não achava procedente a crítica que Gilberto Freire fizera a Nina Rodrigues, o professor EL evitou totalmente a pergunta direta pois, se era a favor ou contra a tese de Nina Rodrigues
no seu livro “Os Africanos no Brasil”, onde Nina Rodrigues destaca logo no primeiro capítulo a diferença entre a condição da população negra na América latina e as condições dessas populações nos Estados Unidos. “Se nos Estados Unidos o cruzamento entre negros e brancos é evitado, no Brasil ele “[...] incorporou-se à população local no mais amplo e franca mestiçagem.”

Para Nina Rodrigues “o problema brasileiro” seria a mestiçagem. A mistura entre negros e brancos constituiria um povo degenerado, isso porque Rodrigues acreditava que o negro estava em um estágio evolutivo inferior ao do homem branco, sendo impossível que o encontro dessas duas “raças” pudesse formar uma sociedade mais homogênea.

Assim, como Rodrigues, médicos da época e intelectuais de outros segmentos que atuavam nas academias e por vezes na vida social e política do país, recebiam fortemente na segunda metade do século XIX as teorias importadas da Europa como o darwinismo social, bem como a influência da antropologia criminal, está última desenvolvida pelo médico italiano Cesare Lombroso, figura muito influente na constituição e no desenvolvimento das pesquisas de Nina Rodrigues no Brasil.

Sua admiração pelos principais teóricos do grupo da antropologia criminal italiana e pelos da escola médico-legal francesa permaneceu inalterada, ainda que se considere discutível a aplicação de alguns de seus postulados no cenário brasileiro, e não há dúvidas de que o trabalho deles serviu de exemplo a atividade que desenvolveu na Bahia. Com todas essas referências, Nina Rodrigues desenvolveu sua pesquisa sobre um minucioso trabalho de campo, construindo um método etnográfico e dando sentido a uma nova ciência no Brasil, a antropologia urbana.

Se para Nina Rodrigues a mestiçagem era um problema para Gilberto Freyre era a “solução”.
A obra de Nina Rodrigues e a de Gilberto Freyre estavam separadas por um curto espaço de tempo. Apesar disso, suas análises tinham bases em escolas distintas que lhes permitiram trabalhar com determinado viés sobre as questões que envolviam a mestiçagem.

Em 1930 o debate sobre a miscigenação continuava presente, no entanto nesse período muitas das questões levantadas por teóricos do final do século XIX começavam a “cair por terra”, com as descobertas científicas mais recentes abria-se um leque maior para se pensar a miscigenação na sociedade brasileira.
Gilberto Freyre não deixa de reconhecer as contribuições que Nina Rodrigues trouxe para o campo da ciência, principalmente sobre os povos Africanos que foram traficados para o Brasil. No entanto, suas experiências com a antropologia americana de Franz Boas, antropólogo teuto-americano um dos pioneiros da antropologia moderna que foi chamado de "Pai da Antropologia Americana", possibilitaram ao sociólogo a pensar as questões que envolvem o negro através do culturalismo. Em outras palavras, as noções de raça ligadas à biologia não eram o enfoque de Gilberto Freyre sobre negros e mestiços.
O autor observa a miscigenação por uma ótica que difere da maioria dos intelectuais de sua época, sendo a miscigenação a característica que nos dá unidade.

Longe do segregacionismo em que se encontravam as populações negras nos Estados Unidos, Nina Rodrigues já havia observado no Brasil, pois a mistura entre brancos, negros e indígenas havia ido além da herança genética. Todo brasileiro, mesmo o alvo, de cabelo loiro, traz na alma, quando não na alma e no corpo – a muita gente de jenipapo ou mancha mongólica pelo Brasil – a sombra, ou pelo menos a pinta, do indígena ou do negro. No litoral do Maranhão ao Rio Grande do Sul, e em Minas Gerais, principalmente do negro. A influência direta, ou vaga e remota, do Africano.
Para a historiadora Lilia Schwarcz e André Botelho, Gilberto Freyre ao declarar no clássico Casa Grande & Senzala a forte influência africana no Brasil, não teria negado os antagonismos que se constituíram no interior da sociedade brasileira. Todavia, acreditava que a relação entre negros e brancos convergia para uma convivência menos conflituosa, se comparadas às dos Estados Unidos, por exemplo.

Longe de ter se tornado uma sociedade mais igualitária, muitas das bases racistas continuam presentes na sociedade brasileira, claro que com um novo verniz no contexto em que Gilberto Freyre escreve. Sob uma nova ótica, o autor pernambucano acreditava que seríamos um país mestiço desde o início da colonização, pois a gênesis da nossa sociedade já seria um encontro.

A singular pré-disposição do português para colonização híbrida e escravocrata dos trópicos explica-a em grande parte seu passado étnico, ou antes cultural, de povo indefinido entre a Europa e a África. Nem
Intransigentemente de uma nem da outra, mas das duas.
Diversamente das proposições sobre a mestiçagem propagadas no final do século XIX - de que a mistura de raças teria sido um verdadeiro atraso para a construção da sociedade brasileira – Gilberto Freyre acreditava que a mestiçagem foi o que fez os portugueses triunfar sobre a colonização em detrimento de outros colonizadores europeus.
A mistura das raças não seria como Nina Rodrigues dizia, degenerativa, mas ao contrário a miscigenação “[...] foi para os portugueses vantagem na sua obra de conquista de colonização dos trópicos. Vantagem para sua melhor adaptação, se não biológica, social.” - Casa Grande & Senzala (FREYRE).

Voltando à reportagem do Jornal do Estado, São Paulo, em 10 de junho de 1956, o Professor após ser perguntado sobre a “miscigenação” ou mistura das raças, passou a discorrer:

Fato que declarou que, por motivos ainda não bem esclarecidos, na Bahia, mesmo o sudanês, enquanto em outros Estados do Brasil domina o elemento sul-africano. Destarte, em esse respeito a Nina Rodrigues e seu grupo predomina mesmo o sudanês para estudo, enquanto em outros Estados do Brasil domina o elemento sul-africano. Destarte, em se tratando da Bahia, justifica-se a preocupação, por assim dizer exclusiva, dos etnólogos, com relação ao grupo centro-africano.

Além do que, enquanto os bantos não conseguiram fugir ao sincretismo, nem preservar seu patrimônio cultural, os sudaneses o conseguiram. Isto, evidentemente, não significa que estes tenham escapado ao processo de sincretismo, mas sim que conseguiram preservar muito melhor seus traços culturais próprios, entre os quais sua religião. Para o professor EL a explicação disso reside, provavelmente, na diferença biotipológica entre "nagôs", "geges", "ketos". De um lado, e angolas e congos, de outro, ou seja, entre sudaneses bantos, autistas, com possibilidades maiores, pois, de conservar sua cultura.

Os candomblés, pelo seu valor folclórico, devem, na opinião do professor EL, ser preservados. Não obstante, terem sofrido perseguições policiais, sobretudo por parte de autoridades ignorantes, e creio eu, que estavam por certo sendo incentivados por religiosos. Assim é que nos primeiros dias da ditadura do "Estado Novo", a polícia baiana iniciando severa campanha contra os candomblés, varejou e depredou vários centros, destruindo peças de inestimável valor, dignas de museu.

Na ilha de ltaparica, por exemplo, em um candomblé de velha tradição, foram despedaçadas a facão 12 preciosas e antigas cadeiras de jacarandá trabalhadas a mão, em que se sentavam os "ogãs". Em outro candomblé, também a facão os policiais quebraram um "Exú", imagem de mais de 250 anos de idade, pelo qual, na época, haviam recebido ofertas de dezenas de contos de réis.

Nessas ocasiões e em outras, disse o Professor EL que o Instituto Nina Rodrigues, pela voz de seus diretores, professores e assistentes, sempre tem protestado, contra os atentados ao nosso patrimônio folclórico, objetivando impedir tais atentados.

Ainda nessa ordem prosseguiu o professor EL falando da defesa do patrimônio musical dos candomblés. Disse o Professor, que os norte-americanos já “descobriram a Bahia" e, os motivos musicais dos candomblés, os quais, convenientemente tratados e estilizados, geraram mais de 250 rumbas, que se ouve por ai. Segundo o professor EL há cerca de mais de dois mil temas ou motivos musicais usados nos candomblés, que deveriam estar registrados em, disco, pelos órgãos governamentais de caráter cultural, para que se pudessem adotar, na esfera legal, as necessárias medidas de proteção. E esse é um filão rico, mas que escapará de nossas mãos se não forem adotadas as providencias que se impõem, disse o eminente Professor.

Aqui eu gostaria de tecer comentário em que nos EUA na época da escravidão, não foi o governo americano quem apoiou a coleta das músicas populares que surgiam entre os negros e brancos empobrecidos que moravam fora das cidades. Essa coleta foi feita por abnegados cidadãos. Assim como nós, os estudiosos da história do Nordeste, com o cangaceirismo, os movimentos religiosos, as músicas populares e instrumentais e etc. Gastamos do nosso bolso para deixar registrado para a posteridade os eventos marcantes dessa grande matriz cultural com seu caudal gigantesco de acontecimentos.

Aliás, a mesma coisa diz, em livro recentemente publicado sobre religiões, Sincretismo Religioso Afro-brasileiro do Professor Waldemar Valente, da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Recife, o qual, à custa, registrou em disco e em fotografia muita coisa dos "xangôs" de Pernambuco. Pelos recursos financeiros que exige, essa é obra que deveria sim, o Ministério da Educação incentivar. Infelizmente a Cultura só é levada a sério por abnegados.

Aqui em Sergipe, desenvolvi alguns trabalhos em Candomblés para registrar detalhes da língua, da música e dança. Trabalho praticamente interrompido devido a raridade desses cultos na atualidade.

Realmente urge seja iniciada pesquisas apuradas na Bahia. Pois apenas para sentirmos a problemática, em 1956, ano da entrevista do Professor EL, a língua falada nos candomblés sudaneses da Bahia falava-se 8 idiomas, dos quais 5 não têm verbos, sendo o sentido das orações completado pela mimica. Não é preocupante não ter-se estudos aprofundados?

No Instituto Nina Rodrigues, o professor EL conta nessa entrevista há mais de sessenta anos atrás que no que concerne à língua dos candomblés, com o auxílio de um negro, Hilário, que domina perfeitamente os idiomas "gege", "keto" e "nagô", e com a baiana Raimunda, que conhece, profundamente, os aspectos musicais do culto dos orixás, Aliás, por coincidência, disse ele, “tivemos oportunidade de conhecer Raimunda, durante a festa da Lavagem do Bonfim, em janeiro último, em Salvador, fotografando-a juntamente com outras baianas.” Eu quando lembro que esse povo dessa época quase todos já faleceram me pergunto; o que se fez? Alguém, fora o professor EL e seus alunos, registraram para a posteridade? A resposta eu obtenho positivamente e isso me acalma.

O CURRICULUM VITAE
Estácio Luiz Valente de Lima (Marechal Deodoro – AL 11 de junho de 1897 — Salvador, 29 de maio de 1984) foi um médico e professor brasileiro.

Filho de Luiz Monteiro de Amorim Lima e Maria de Jesus Valente Lima, graduou-se em Direito, pela Faculdade de Direito do Recife em 1915. Doutorou-se pela Faculdade de Medicina da Bahia (1921), com a tese Agonia. Fixou-se em Salvador e conquistou, em 1926, por concurso, a cátedra de Medicina Legal da Faculdade de Medicina da Bahia, com as teses Capacidade Civil e Seus Problemas Médicos Legais e Indagação Sanguínea da Ascendência. Dirigiu por longo período o Instituto Médico Legal Nina Rodrigues. Em 1953, por concurso, tornou-se catedrático da Faculdade de Direito da UFBA, com a tese Infanticídio na Legislação Brasileira. Foi, ainda, catedrático da Escola Baiana de Medicina e Saúde Pública (então ligada à Universidade Católica de Salvador). Presidiu, durante 40 anos, o Conselho Penitenciário do Estado da Bahia.

Em 1968, foi-lhe conferido o título de professor emérito da UFBA (das Faculdades de Medicina, Direito e Odontologia) e da Universidade Católica do Salvador.
Foi também presidente da Academia de Letras da Bahia, da Academia de Medicina da Bahia e do Conselho Penitenciário do Estado da Bahia. Também dirigiu o Instituto Médico Legal Nina Rodrigues.

Escreveu várias obras teóricas e científicas. Também foi autor de ensaios, publicados em revistas especializadas, na área de folclore. Dentre seus livros mais conhecidos, destacam-se O mundo estranho dos cangaceiros (1965) e O mundo místico dos negros (1975).*

* Dados fornecidos pela Wikipédia – Enciclopédia Livre




BIBLIOGRAFIA e Créditos
·        Desenho da capa Lampião e Maria Bonita: Vavá Salviano
·        Wikipédia – Enciclopédia Livre
·        Jornal do Estado, SP de 10 de junho de 1956
·        Perfil do Negro Brasileiro - Édison Carneiro
·        História do Negro Brasileiro - Clóvis Moura
·        Blogue Raízes Bantu
·        Casa Grande & Senzala (Gilberto Freire).
·        Vanessa Florêncio de OLIVEIRA – TRÊS PERSPECTIVAS DISTINTAS SOBRE A MISCIGENAÇÃO
·        Conceitos básicos da genética - Roberta das Neves
·        Brasil Escola - Vanessa Sardinha
·        Diário de São Paulo de 10 de junho de 1956
·        Como o arame farpado mudou a propriedade privada - Tim Harford

terça-feira, 25 de julho de 2017

Um relato da Volante do Sargento Quelé

Sargento Quelé X Cangaceiro Bom Deveras


Clementino José Furtado, o Clementino Quelé
Foto tokdehistoria.com.br
"Preocupado com o crescente prestígio dos cangaceiros, principalmente porque vinham impondo derrotas sucessivas às volantes, o governo de Pernambuco encetou uma forte campanha contra o bando de Lampião e outros, com atuação na zona sertaneja, ampliando-a até aos coiteiros pobres e remediados. Os coiteiros ricos pouco sofreram com o projeto, não só em razão do poderio econômico que detinham, como em função da força política desfrutada no interior, com reflexos na capital. 

A ação governamental exercida por intermédio do chefe de polícia Eurico de Souza Leal, consistiu em aumentar os efetivos policiais no interior, com relevo na área afetada pelo flagelo do banditismo; contratação de homens da região para servirem de rastejadores, facilitando assim a mais rápida mobilização das volantes e do cerco aos coiteiros, procurando impedir que se contactassem, ou mesmo auxiliassem os bandidos. 

Com idêntico objetivo, reuniram-se no Recife, no mês de dezembro, os chefes de polícia dos estados da Bahia, Paraíba, Alagoas, Rio Grande do Norte e Ceará. Do encontro, resultou um pacto de mútua assistência no combate ao banditismo, incluindo-se na pauta de deliberações a permissão do livre acesso das volantes àqueles estados da Federação, independentemente de qualquer autorização superior. Tal medida aterrorizou as populações locais, que passaram a ser hostilizadas pelas tropas policiais dos estados vizinhos. 

Essas providências oficiais dificultaram um pouco a atuação dos cangaceiros. Porém, Lampião, bastante arguto, minimizou a situação, contornando os obstáculos impostos, por meio de excelente relacionamento mantido com parte dos sertanejos rurícolas. Em conseqüência disso obteve resultados satisfatórios. As volantes faziam justamente o contrário, ao invés de conseguirem a amizade da população, primavam pelos espancamentos, humilhações e odiosidades. 

As brutalidades cometidas pelos policiais eram tão acentuadas que se chegou ao ponto de alinhar-se cangaceiros e coiteiros como um único corpo social à margem da lei. Por isso, as volantes redobravam os espancamentos, pois com o bando de Lampião muitos sertanejos nordestinos tinham filhos, ou irmãos, tios ou sobrinhos, amigos de infância, compadres e os milita-res exigiam notícias desses seus parentes ou amigos. 

Toda espécie de barbaridade praticava-se contra o coiteiro, com a desculpa de que ele era um indivíduo nocivo à sociedade, desprezível, abjeto, vil, desmerecedor de qualquer piedade e respeito. Atento à mobilização oficial, Capitão Lampião dividiu o bando em três partes, determinando a Sabino Gomes e a Bom Deveras, chefes dos sub-bandos, que não poupassem os seus inimigos e os de seus amigos. Ordenou que devastassem o sertão, promovessem saques e toda sorte de tropelias. 

Bom Deveras foi o primeiro a sair do coito e, obedecendo às decisões do capitão, tocou fogo na fazenda Retiro, de propriedade de Olegário Carvalho, inimigo de parentes de Sinhô Pereira, o ex-comandante de Lampião. As pastagens trans-formaram-se em cinzas. O gado, conduzido ao curral, foi abatido a tiros e depois untaram as reses de querosene, incendiando-as, a seguir. 

Informado das atrocidades de Bom Deveras, o sargento Severino reuniu a sua volante e saiu no encalço do bandido. Fez pousada na fazenda Pedras, por onde havia transitado o cangaceiro com seus quinze asseclas, fazia poucos dias. 

No outro dia, seguiu para o povoado Preguiça, na esperança de adquirir informações, por meio do bodegueiro Zequinha, que lhe serviu uma lapada de anis-estrelado. Soube, somente, que Sabiá tinha estado atrás da noiva, agregada da Fazenda Poção, de propriedade de Donana Pereira, viúva do major Fernando Pereira. 

O sargento marchou imediatamente para a fazenda de Donana, mas nada conseguiu. Sebastiana havia fugido com o cangaceiro, sem deixar qualquer pista. Donana achava-se indignada com a atitude da sua ex-serviçal. Os soldados foram alojados no depósito de algodão, ficando sempre dois de guarda, em revezamento de quatro em quatro horas. 

Sargento Severino farejava cangaceiros. Passaram a noite inteira vigiando a fazenda, com o intuito de encontrar alguma anormalidade, que pudesse levantar suspeitas e incriminar Donana como coiteira, contudo nada de incomum surgiu. Tomaram café com beijus servidos por Perpétua, na cozinha da casa grande e rumaram para a fazenda Glória, onde passaram a tarde e a noite, sem que soubessem notícias dos bandidos. 

Quando o sol ia despontando, chegavam à fazenda dois homens, com trajes de vaqueiro, dizendo-se soldados. O cabo Pedrão, aproximou-se dos recém-chegados e perguntou: 

— Sordado de gibão e perneira? 
— Somos sordados sim e queremos falá com o sagento pois temo um recado prá ele. 
— O sagento num tá não. De qui volanti ocês são? 
— Nóis é da volanti de Quelé 
— respondeu o mais moço dos dois. 
— Qui recado ocês tem prá dá pru sagento? 
— indagou o cabo. 
— E qui nossa volanti deu urna brigada cum Bom Deveras e nosso comandante soube pur Zequinha da budega da Priguiça qui o sagento Severino teve nesta bandas e mandou nóis percurá e vim chamá ele, pois nossa volanti tá isperando na fazenda Três Coração.

O sargento Severino estava observando a conversa, sentado em um tamborete e ordenou a retirada: 

— Eu tava aqui cabôco e iscutei a cunveça toda. Si fô mintira de ocês. Si fô cilada eu mato os dois — falou asperamente o militar. 

— Vamo simbora, pessoá. Mais rápido do qui imediatamente. — bramiu o cabo Pedrão. 

Sem demora, seguiram para onde se encontrava a volante de Quelé. A primeira coisa que viram, quando chegaram, foi o vaqueiro da fazenda amarrado no esteio do alpendre da casa onde morava. 

— O xente... Pur qui é qui este home tá assim amarrado — perguntou o sargento Severino. 

— Este safado é um coiteiro sem-vergonha, qui veve protegendo cangacêro — respondeu Quelé. 

— Desamarra o homi, rapais. Purqui ocês de Nazaré fazem isso? Irra véis de brigarem cum Bom Deveras ou mêrmo Lampião, ocês vevem judiando estes pobes. Ele pur exempo sabe onde tá Lampião? Onde tem cangacêro? — questionou Severino. 

— Ele sabe e já dixe onde ele tá. 

— Num é pussive, ocês tem a informação qui pricisam i ainda martratam um homi deste? Isto é baixeza, é uma covardia, nóis não usamo isto não. A gente só judiamos cabra-safado mêrmo. 

Soltaram o vaqueiro e as volantes reunidas foram para o coito indicado. Depois de muitas cautelas invadiram o esconderijo, mas este já se achava vazio. Os cangaceiros haviam desaparecido. No rastro dos bandidos as volantes passaram no Riacho Seco e, no outro dia, ainda seguindo as pegadas dos cangaceiros, chegavam à fazenda Aroeira. 

Quelé percebeu que a sua tropa estava sem suprimento e mandou Patativa, um contratado, juntamente com dois soldados, em busca de mantimentos no povoado Olhos d'Agua. Quando os gêneros de primeira necessidade chegaram, as volantes marcharam em rota batida, passando pela fazendinha de João de Beto, depois por Lagoinha e daí direto para a fazenda Cauã. 

Era um dia de sábado e o sargento Severino resolveu seguir para Triunfo, onde faria a feira. Quelé acompanhou o sargento e, quando estavam a pouca distância da cidade, o cabo Pedrão dirigiu-se ao seu comandante dizendo: 

— Ói... Num vão pra Triunfo não, purgue nóis vamo brigá cum cangacêro e não demora mais não. 

— Mais tá todo mundo istrupiado, ninguém güenta mais não. Vamo descansar uns dias e asdispois nóis vamo vortá. 

— Ocês vão simbora — aparteou Cabo Roxo. É purgue num querem brigá com os cabras, hoje faz oito dia qui nóis tamo seguindo as pegadas deles, só Deus é qui pode impatá de nóis brigá cum eles. Si eu fosse ocês num ia simbora, ficava para ver como é qui si briga cum cangacêro qui ocês num sabem. Vamo ficá pur aqui qui nóis sabe nutiça já da cabruada de Bom Divera. 

Quelé parou e resolveu pensar no que dizia seu auxiliar. 

— E verdade. Acho qui nossa tropa vai ficá e percurá mais os cangacêro — rugiu Quelé. 

Entretanto, não havia meios para demover a volante de Severino. Seus homens desejavam ir à feira e não atenderam às ponderações do sargento. Quelé e seus camaradas deram meia volta e foram para a fazenda Boa Vista. A volante acomodou-se na falda de um serrote, bem próximo da sede da fazenda. Já fazia oito dias que os soldados viajavam e todos estavam exaustos, mas a obstinação de encontrarem os cabras era muito maior, como a vontade de brigar com os cangaceiros estava acima de todos os esforços físicos. 

Ao amanhecer, Quelé, com aspecto de quem estava morrendo de sono, voltou a seguir as pegadas e estas iam diretas para a fazenda Boa Vista, onde residia João Rufino, coiteiro de larga experiência. Cabo Roxo perguntou aos seus companheiros: 

— Como é, gente? Vamo chegá de supetão na casa do coiteiro ou vamo vigiá-lo premêro? 

— Vamo chegá de uma veis só, já tá muito chata esta viage. Parece qui os bichos sumiro da terra. 

— É perigoso, Quelé. Não vamo chegá assim de supetão não. O safado do João Rufino avisa os cabras num minuto. 

— Será qui os cabras tão aí? Eu penso qui não. 

— Uma coisa mim diz qui tá todo mundo aqui. Ocê vai vê. De quarquer manêra nóis vai ficá argumas horas vendo a casa. Vamo vê si tem gente indo i vindo i si João tá im casa. 

Permaneceram observando a casa por algum tempo, mas Bal divisou no céu urubus voando em círculo e comentou: 

— Quelé!!! Oi ali. Tá vendo aqueles urubus? Aposto qui é coito de cangacêro. 

Quelé olhou, coçou o queixo e resolveu: 

— Vamo todos fazê medo a João Rufino. 

Desceram a rampa do serrote numa velocidade impressionante, cercando a casa do coiteiro, o qual estava acocorado consertando a cincha da sela, no alpendre da moradia. Assustado, levantou-se segurando no braço do seu filho Gustavo, que ficou agitado diante do cerco e da casa repleta de soldados. Falou alto para ser ouvido até na cozinha, onde se encontrava sua mulher preparando a refeição matinal. 

— Menininha... Bota o café no fogo, é os homi de Quelé e cabo Roxo qui chegaram. Dirigindo-se ao cabo, velho conhecido, perguntou-lhe: 

— Anda caçando cangacêro, Roxinho? 

— Não, nóis não andamo caçando bandido, não — respondeu Roxo. Nóis andamos é caçando urubu. Aqueles qui estão voando ali, é na carniça de uma rês ou é no coito de Bom Deveras? 

— Ali não é nada não. 

— Tá tremendo, coitêro, nóis vamo lá. Se fô um coito, si prepare pra morrê. Coiteiro mintiroso. — disse Quelé. 

— Qual nada. Os cangacêros tão longe daqui. 

— Coiteiro safado, nóis vamo simbora; um dia eu lhi pego. Vamo, turma, deixe este cabra mangando de nóis, ele pensa qui somos umas bestas. 

Do mesmo modo que chegaram à casa do coiteiro, retiraram-se. Partiram para a caatinga e, assim que caminharam numa trilha encontrada no espesso arranhento, Quelé levantou o braço, mandando parar a tropa. 

— Ocês viram que João tava morto de medo? Ói, os cabras tão pur perto, vamo vortá e cercá a casa e, no redor da fazenda não é prá passá ninguém, vamo passá o dia inteiro e si fô priciso inté a noite por aqui no cerco, arguma pessoa vai vim do coito prá fazenda ou da fazenda pru coito. 

O cerco foi estabelecido. Ninguém conseguia passar nas imediações da casa do coiteiro, sem ser percebido pelos membros da volante. Quelé e Roxo, trepados em um umbuzeiro, observavam pacientemente tudo que se passava na sede da fazenda. As horas corriam sem qualquer anormalidade. Entretanto, depois de um longo período de espera, Quelé divisou um rapaz que gesticulava ao lado de João Rufino, saindo, a seguir, com o cabresto na mão. 

— Pedro Zamba — disse Quelé — vá com Paulinho e prendam aquele rapais e tragam ele aqui. 

— Agora mêrmo — respondeu o soldado. 

O rapaz vinha assobiando, sem nunca imaginar que quatro olhos e dois rifles engatilhados o espreitavam numa curva. Tinha média estatura, moreno, queimado do sol, cabelos lisos puxado a cabo-verde. Trajava calça de pano barato, de cor que devia ter sido, quando nova, cinza-escuro, mas que surrada pelo uso, parecia vestes de cigano pobre; a camisa, era de fazenda fina, com listras brancas e azuis, e os pés vinham calçados de um tipo de alpercatas de couro curtido, conhecidas como "pargatas-de-até-logo". 

Caminhava tranqüilo, quando, de repente, tomou um tremendo susto, ao escutar: 

— Têje preso, cabra... Si corrê, morre. Era Pedro Zamba que lhe falava em voz firme, apontando-lhe o rifle, à altura da cabeça. 

O rapaz não se moveu, viu os dois soldados saírem do mato, recuou um pouco e parou. 

— Pra donde vai? 

— Vô pegá um burro. 

— Vamo ali. Asdispois ocê pega o seu burro. 

Levaram o rapaz até onde se encontrava Quelé. Este o interrogou: 

— Não minta. Si eu pegá ocê na mintira, eu lhi arrombo os miolo. Diga... Adonde tão os bandido, vamo, diga. 

— Seu sagento, eu não sei não, eu ia pegá um burro.

— E quem qué sabê se ocê vai pegá burro ou não. Eu quero sabê adonde é o coito. 

Justo, um soldado muito malvado, ouvia o interrogatório, já irritado disse: 

— Cabra-safado, ou ocê fala a verdade ou morre agora mêrmo. 

Em vista da ameaça de morte, o prisioneiro viu que a sua situação não era das melhores, quanto mais quando se tratava da volante de Quelé, conhecidíssima pelas violências que praticava contra cangaceiros e coiteiros. Tratou de salvar a sua denunciando. 

— É, vou falar a verdade; eu ia dá um recado a Bom Divera, qui seu João mandou. Os cangacêro já sabe qui ocês tão pur aqui e tão privinidos. 

— Bom Divera tá no coito? 

— Tá, sim sinhô. 

— Minha gente — disse Quelé. — Bom Divera tá no coito e já sabe da nossa presença. Não foram imbora, não. Tão isperando. É macho mêrmo... Ai... Ai... Ai... Quem mi dera o majó tá hoje pur aqui, ou mêrmo Mané Neto. 

— Quelé! — falou Bal. — O bandido vai tê uma surpresa, ele tá pensando qui a gente não sabe qui ele tá isperando por nóis. 

— É mêrmo — frisou o sargento. — Vão prendê João Rufino. 

— Quelé... É mió i a turma toda, a gente pega o home e leva ele mais nóis. Si argum de nóis morrê, ele também morre — propôs Roxo. 

A sugestão de Cabo Roxo foi aceita. Quando menos esperava, João Rufino dos Santos Oliveira foi preso pelos homens que julgava bem distantes, razão por que antes havia avisado Bom Deveras. Não sabia, porém, que o mensageiro tinha sido apreendido e a notícia não chegara ao coito. 

— João... — gritou cabo Roxo. — Vá levá a gente no coito e não diga nada, pois já tô cheio das sua mintiras. Vamo... Vamo... Num demore, não. 

João Rufino nada respondeu. Colocou o chapéu na cabeça. Pálido de medo, a voz trêmula, suplicou: 

— Quelé... Pode mim mata, mais eu não digo adonde Bom Divera tá. Eu sei qui ocês tem razão de tá caçando cangacêro, mais eu não vô traí um home como Bom Divera, pruquê, quando eu tive um fio doente, ele mi deu cinquenta mil réis prá eu tratá o minino. Si compadeceu de mim. Ele é um cabra bom mêrmo, de verdade. 

— Tá certo, João, mais a gente sabe onde ele tá. Este rapais qui eu prendi, de nome Quincas Futucado, já mim dixe adonde é o coito, mais si nóis não soubesse adonde era o coito ocê ia dizê de quarqué manêra. Os cangacêro dão dinhêro a ocês, prá ocês não enganarem eles. Peça a Deus e à Vige Maria Santíssima qui ninhum de nóis morra. Fique preparado; si argum de nóis morrê e si nóis chegá no coito e os cangacêro já tivere ido, eu vorto aqui e acabo cum tudo. Viu? coiteiro sem-vergonha. Fique dentro de casa, si saí, morre. 

Com Futucado servindo de guia, os soldados seguiram para o coito. Fizeram pousada à sombra de uma quixabeira, para combinarem o cerco ao esconderijo dos bandoleiros. Como tudo indicava que Bom Deveras estava nas proximidades, redobraram a atenção. Quelé dirigiu a palavra aos comandados, advertindo: 

 Ocês sabem o qui é um combate e ainda mais na presença de Bom Divera, um dos escolhidos de Lampião para comandar cangacêro. Vamo cercá o coito, mais é priciso cuidado, muita cautela com a retaguarda, pruquê ele é mestre em atacar pela frente e pelas costa. Cerca todo mundo e deixa o pessoá dibaixo de fogo cruzado. Qui ninguém caminhe de peito aberto, todo mundo caminhe de lado. Vamo de dois em dois, ou de treis im treis. Ói, num quero qui ninguém entre no coito pra brigá no punhá ou na faca. Principalmente ocê — apontou para Pedro Zamba, perito no manuseio de um punhal ou facão. — Não devemo nos arriscá em uma luta de punhá, si fô dois contra um, num tem remédio. Ocês já pensaram, nóis chegá e dizê pru majó qui um dos nosso morreu pruquê tava brigando de punhá? Ele, o majó já dixe qui quem briga cum unha é gato. O revorve é qui dicide a briga. 

Beberam água, o soldado Justo tomou uma bicada de cachaça que carregava no cantil, e quietos, silenciosos, sem provocação de qualquer ruído, avançaram. Quando estavam a poucos metros do coito, separaram-se em grupinhos. O esconderijo do famoso cangaceiro estava situado no lado sul de um morro. Altas árvores amparavam os bandidos, muitas pedras circundavam o local e o acesso era dificílimo. O lugar tinha sido habilmente escolhido. 

Quelé perguntou ao prisioneiro: 

— Ocê sabe adonde fica os guarda e quem é eles? 

— Onte de tarde quem tava era Cobra Verde e Velocipe. Cobra tava lá im riba, na cabicêra do morro e o outo no arto daquelas peda. Só era dois. 

 Ocê tem certeza qui Bom Divera tá no coito? 

— Onte ele tava. Ontonte, tamém. 

— Minha gente, vamo seguir pur dentro destas baixadas — disse Quelé aos seus camaradas. — Vamo bem de mansinho. Vamo subi devagarinho as barrancas, pois eu acho qui o coito é ali no sopé do morro. Cuidado... muito cuidado cum as sintinela. 

A volante seguiu de acordo com as instruções do seu comandante e a cada passo mais se aproximava do coito. Bal avistou de relance uma tolda estendida no tronco de uma braúna. Que estava circundada por enormes bancos de macambira e gravatás amarelos, tudo misturado a um enorme número de moitas de cipós-de-leite. 

O soldado rastejou até bem perto de Quelé e sus-urrou: 

— Quelé... Psiu... Óia... Ali tem uma barraca e eu penso qui é a de Bom Divera. O chapéu qui tem lá é o dele, pode ter certeza. Vamo cercá-la; si fô mêrmo, eu quero vê si o cabôco é bom brigadô. 

— Vamo cercá, turma. Tomara qui seja ele mêrmo, hoje é o dia — dizia alegre Quelé, com a perspectiva de um encontro com o chefe do bando. 

Quando os soldados cercaram a barraca, ficaram alarmados porque não era barraca e sim um pano estendido, e não havia ninguém por perto. Quelé, com medo de uma cilada, acenou para os companheiros, a fim de recuarem apressadamente. Amparados pelas barrancas da baixa que circundavam o sopé do morro, os combatentes relaxaram um pouco e procuraram novas posições.

Nessa movimentação abrandaram a vigilância imposta a Quincas Futucado, e este, aproveitando o enfraquecimento da precaução que tinham consigo, partiu gritando: 

— Oi os sordados... Ói os sordados... Os sordados de Quelé... 

Nada mais disse, porque foi alvejado mortalmente, com dois tiros nas costas, produzidos por Justo e Bal. Quando os gritos do fugitivo ressoaram, o que se viu foi um tiroteio infernal. Rebentou urna fuzilaria espetacular, mais parecendo urna trovoada. Para felicidade dos integrantes da volante os tiros não os alcançavam, visto que estavam amparados nas rampas do morro. Quelé espalhou a soldadesca e respondeu à altura o tiroteio. 

Ao fim de uma hora, o silêncio voltou a reinar naquela parte do sertão, somente sendo ouvido o crepitar do mato seco e aos poucos a invasão de uma fumaça que a cada momento mais se avolumava. Os cangaceiros haviam incendiado a caatinga e a mata adjacente facilitando a fuga. Quando a volante, depois de muita luta com o fogo, penetrou no coito, encontrou morto o cangaceiro Braúna. Justo decapitou o cadáver e saiu a exibir entre os colegas a cabeça do cangaceiro, pendurada pelos cabelos. 

Cabo Roxo estava desaparecido com mais quatro companheiros. Seguiam a trilha dos cangaceiros, em meio a mandacarus e palmatórias. De uma elevação do terreno, Bom Deveras viu abobalhados na clareira os militares. Voltou-se para Cobra Verde, e disse: 

— Vá ali cum uns dos home e dê uma carrêra naqueles macaco. Num mate não, só faça medo a eles... 

— Cumpade!... — replicou Cobra Verde. Home cuma Roxinho num si dá carrêra, não. É mió deixá o infiliz im pais qui fazê medo. Num vamo mexê o cão cum vara curta, não. 

— É mêrmo... — disse Juriti. — Ou nóis acaba cum ele de uma veis só, ou deixa ele im pais. Fazê medo, dá carrêra a Roxo é mêrmo qui buli cum casa de marimbondo. 

Diante dos conselhos dos companheiros, Bom Deveras desistiu de escorraçar o Cabo Roxo e os seus camaradas. Sentou-se numa pedra roliça, os cangaceiros acompanharam seu gesto e Juriti começou a falar sobre o tiroteio havido naquele dia.

— Eu nunca vi tanta sorte cuma a destes macaco não morrerem todos hoje. Não vão morrê nunca mais. Si o coitêro do Futucado não corre gritando, eles ia ficá no cerco da gente, não ia ter saída não. Si a gente sabe qui o diabo do coitêro ia corrê, nóis dava pra matá uns quatro, mais a gente queria acabá cum aqueles cachorro, num deu certo. O qui vai si fazê?... Vamo isperá outa... Eu ainda acho qui nóis divia acabá cum Roxinho agorinha mêrmo. É menos um pra andá atrais da gente. 

— Não — intercedeu Cobra Verde. — É mió a gente pegá Roxo e Quelé duma só veis. 

— E... É mió mêrmo — aprovou Bom Deveras, que prosseguiu: — Mais, si Braúna não atira, a gente tinha pegado todos ele. Nóis cerquemo e quando eles subisse, as baixa era a hora. Eu sabia qui eles não ia recuá, apôis Quelé e Roxo são valentes mêrmo. Fez urna pausa, acendeu um cigarro e continuou: — Parece qui não perdemo ninguém. De uma coisa pode ficá certo: os macaco de Quelé num tem medo.

— Cumpade!!! Cumpade Bom Divera... O Braúna num tá, não — advertiu Velocípede, apavorado. — Será qui ele foi baliado no tiroteio? Ou correu do fogo? 

— Braúna? Braúna não é home de corrê de fogo não — salientou Candeeiro. — Nunca vi falá qui ele tivesse corrido de macaco e de tiroteio. Acho qui aconteceu arguma coisa a ele. 

— Vamo vortá... Vamo vortá pru coito. Num sei adonde eu tava quando deixei aqueles macaco covardes — enfurecido, gritava Bom Deveras. — Macaco só vai morrendo mêrmo. Os quinze qui nóis dexêmo vivo num paga um home cuma Braúna — finalizou. 

Agitados, com a possibilidade de não mais encontrarem Braúna com vida, os cangaceiros apressaram-se em retornar ao local do combate. Numa caatinga rala, alcançaram mandacarus, em cuja moita estava o cangaceiro desaparecido, morto, decapitado, com um ferimento no abdome, provocado por instrumento pérfuro-contundente. 

Entre a tropa de Quelé* e o bando de Bom Deveras ocorreram embates violentíssimos, até que o famoso cangaceiro foi liquidado no princípio de 1927 e alguns dos seus cabras se espalharam pela caatinga, com medo da repressão que lhes encetavam as diversas volantes de Pernambuco." 

* O Sargento Clementino Furtado, o famoso QUELÉ, faleceu em 1955 na paz de sua aposentadoria, no leito familiar.

Fonte: CANGACEIROS, COITEIROS E VOLANTES (José Anderson Nascimento) pgs 97-104