Darcy
Ribeiro foi Ministro da Educação do Brasil e realizou profundas reformas que o
levou a ser convidado a participar de reformas universitárias no Chile, Peru,
Venezuela, México e Uruguai, depois de deixar o Brasil devido ao golpe militar
de 1964. Notabilizou-se fundamentalmente por trabalhos desenvolvidos nas áreas
de educação, sociologia e antropologia. Como ministro da Educação durante
Regime Parlamentarista do Governo do presidente João Goulart (18 de setembro de
1962 a 24 de janeiro de 1963) e chefe da Casa Civil entre 18 de junho de 1963 e
31 de março de 1964, desenvolveu diversos estudos e projetos.
Durante
a ditadura militar brasileira, como muitos outros intelectuais brasileiros,
teve seus direitos políticos cassados e foi obrigado a se exilar, vivendo durante alguns anos no Uruguai.
É
de sua verve de pesquisador e historiador o livro “O Povo Brasileiro: A formação e o sentido do Brasil” onde entre
outras culturas do vasto Brasil, mostra o início da civilização nordestina,
trazendo para nós a figura do sertanejo arcaico, “caracterizado por sua
religiosidade singela tendente ao messianismo fanático e por seu carrancismo de
hábitos, por seu laconismo e rusticidade, por sua predisposição ao sacrifício e
à violência. E, ainda, pelas qualidades morais características das formações
pastoris do mundo inteiro, como o culto da honra pessoal, o brio e a fidelidade
a suas chefaturas.”
Esses
traços peculiares ensejaram muitas vezes o desenvolvimento de formas de conduta
“que envolveram enormes multidões, criando problemas sociais da maior
gravidade. Suas duas formas principais de expressão foram o cangaço e o
fanatismo religioso, desencadeados ambos pelas condições de penúria que suporta
o sertanejo, mas conformadas pelas singularidades do seu mundo cultural.”
Darcy
Ribeiro coloca que até meados da década de 1930, “quando se acelerou a
construção de estradas através do mediterrâneo sertanejo, operava, como forma
de revolta típica da região, o cangaço.” E diz que foi uma “forma de banditismo
típica do sertão pastoril, estruturando-se em bandos de jagunços vestidos como vaqueiros,
bem armados, que percorreram as estradas do sertão em cavalgadas, como ondas de
violência justiceira.”
Em
seu estudo de características, diz que “cada integrante do bando tinha sua
própria justificativa moral para aliciar-se no cangaço. Um, para vingar uma
ofensa à sua honra pessoal ou familiar; outro, para fazer justiça com as
próprias mãos, em razão de agravos sofridos de um potentado local; todos
fazendo do banditismo uma expressão de revolta sertaneja contra as injustiças
do mundo.
Resultaram,
por vezes, na eclosão de um tipo
particular de heroísmo selvagem que conduziu a extremos de ferocidade.”
Daí
cita “os cangaceiros célebres que, se por um lado ressarciam aos pobres de sua
pobreza com os bens que distribuíam depois de cada assalto, por outro, matavam,
estropiavam, violentavam, em puras exibições de fúria. É de assinalar que o cangaço
surgiu, no enquadramento social do sertão, fruto do próprio sistema senhorial
do latifúndio pastoril, que incentivava o banditismo, pelo aliciamento de
jagunços pelos coronéis como seus capangas (guarda de corpo) e, também, como
seus vingadores.”
Avalia
e conforme sabemos, que “freqüentemente, os fazendeiros aliciavam grandes
bandos, concentrando-os nas fazendas, quando duas parentelas de coronéis se
afrontavam nas frequentes disputas de terra. Esses capangas, estimados pela
lealdade que desenvolviam para com seus amos, pela coragem pessoal e até pela
ferocidade que os tornava capazes de executar qualquer mandado, destacavam-se
da massa sertaneja, recebendo um tratamento privilegiado de seus senhores.”
Acresce
Darcy Ribeiro, que cada bando de cangaceiros tinha “seus coronéis coiteiros,
que os escondiam e protegiam em suas terras, em troca da segurança contra o
próprio bando, mas também para servirem-se deles contra inimigos. Nessas
condições, são condicionamentos sociais do próprio sistema que alentaram e
incentivaram a violência cangaceira.”
Agora
vem em sua avaliação e vários autores da Saga Cangaço bem o dizem, que o “mais
relevante, ainda, é o fato de que toda a população sertaneja, renegando os
jagunços pelo pavor que lhe infundiam, tinha
neles padrões ideais de honorabilidade e de valor, cantados nos versos
populares, e via, nos seus feitos mais violentos, modelos de justiça realçados
e louvados. Por tudo isso, o cangaço e seus jagunços, sanguinários mas pios e
tementes a Deus e aos santos de sua devoção, temidos mas admirados, condenados
mas também louvados, constituíram um produto típico na sociedade sertaneja.”
Eram
os heróis invertidos da população desguarnecida de lei e justiça que os viam
como justiceiros, mesmo sabendo que tinha horas que esses heróis viravam
carrascos contra eles.