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terça-feira, 28 de outubro de 2014

Lampião entrevistado pelo médico Dr. Otacílio Macêdo

Em 1926, quando esteve de passagem por Juazeiro, Lampião concedeu entrevista ao médico Dr. Otacílio Macêdo. Segue a entrevista em sua íntegra, com detalhes sobre a passagem do "Rei do Cangaço" pelo Cariri.

A entrevista teve dois momentos. O primeiro foi travado o seguinte diálogo:
OM: Que idade tem?
L: Vinte e sete anos.
OM: Há quanto tempo está nesta vida?
L: Há nove anos, desde 1917, quando me ajuntei ao grupo do Senhor Pereira.
OM: Não pretende abandonar a profissão?
L: Se o senhor estiver em um negócio, e for se dando bem com ele, pensará porventura em abandoná-lo? Pois é exatamente o meu caso. Porque vou me dando bem com este "negócio", ainda não pensei em abandoná-lo.
OM: Em todo o caso, espera passar a vida toda neste "negócio"?
L: Não sei... talvez... preciso porém "trabalhar" ainda uns três anos. Tenho alguns "amigos" que quero visitá-los, o que ainda não fiz, esperando uma oportunidade.
OM: E depois, que profissão adotará?
L: Talvez a de negociante.
OM: Não se comove a extorquir dinheiro e a "variar" propriedades alheias?
L: Oh! mas eu nunca fiz isto. Quando preciso de algum dinheiro, mando pedir "amigavelmente" a alguns camaradas.
Nesta altura chegou o 1° tenente do Batalhão Patriótico de Juazeiro, e chamou Lampião para um particular. De volta avisou-nos o facínora:
L: Só continuo a fazer este "depoimento" com ordem do meu superior. (Sic!)
OM: E quem é seu superior?
L: (Silêncio).
OM: Está direito...
Quando voltamos, algumas horas depois, à presença de Lampião, já este se encontrava instalado em casa do historiador brasileiro João Mendes de Oliveira.
Rompida, novamente, a custo, a enorme massa popular que estacionava defronte à casa, penetramos por um portão de ferro, onde veio Lampião ao nosso encontro, dizendo:

L: Vamos para o sótão, onde conversaremos melhor.
Subimos uma escadaria de pedra até o sótão. Aí notamos, seguramente, uns quarenta homens de Lampião, uns descansando em redes, outros conversando em grupos; todos, porém, aptos à luta imediata: rifle, cartucheiras, punhais e balas...
OM: Desejamos um autógrafo seu, Lampião.
L: Pois não.
Sentado próximo de uma mesa, o bandido pegou da pena e estacou, embaraçado.
L: Que qui escrevo?
OM: Eu vou ditar.
E Lampião escreveu com mãos firmes, caligrafia regular.
"Juazeiro, 6 de março de 1926
Para... e o Coronel...
Lembrança de EU.
Virgulino Ferreira da Silva.
Vulgo Lampião".

Os outros facínoras observavam-nos, com um misto de simpatia e desconfiança. Ao lado, como um cão de fila, velava o homem de maior confiança de Lampião, Sabino Gomes, seu lugar-tenente, mal-encarado.

L: É verdade, rapazes! Vocês vão ter os nomes publicados nos jornais em letras redondas...
A esta afirmativa, uns gozaram o efeito dela, porém parece que não gostaram da coisa.
OM: Agora, Lampião, pedimos para escrever os nomes dos rapazes de sua maior confiança.
L: Pois não. E para não melindrar os demais companheiros, todos me merecem igual confiança, entretanto poderia citar o nome dos companheiros que estão há mais tempo comigo.
E escreveu.
1 - Luiz Pedro
2 - Jurity
3 - Xumbinho
4 - Nuvueiro
5 - Vicente
6 - Jurema
E o estado maior:
1 - Eu, Virgulino Ferreira
2 - Antônio Ferreira
3 - Sabino Gomes.
Passada a lista para nossas mãos fizemos a "chamada" dos cabecilhas fulano, cicrano, etc.
Todos iam explicando a sua origem e os seus feitos. Quando chegou a vez de "Xumbinho", apresentou-se-nos um rapazola, quase preto, sorridente, de 18 anos de idade.

OM: É verdade, "Xumbinho"! Você, rapaz tão moço, foi incluído por Lampião na lista dos seus melhores homens... Queremos que você nos ofereça uma lembrança...
"Xumbinho" gozou o elogio. Todo humilde, tirou da cartucheira uma bala e nos ofereceu como lembrança...
OM: No caso de insucesso com a polícia, quem o substituirá como chefe do bando?
L: Meu irmão Antônio Ferreira ou Sabino Gomes...
OM: Os jornais disseram, ultimamente, que o tenente Optato, da polícia pernambucana, tinha entrado em luta com o grupo, correndo a notícia oficial da morte de Lampião.
L: É, o tenente é um "corredor", ele nunca fez a diligência de se encontrar "com nós"; nós é que lhe matemos alguns soldados mais afoitos.
OM: E o cel. João Nunes, comandante geral da polícia de Pernambuco, que também já esteve no seu encalço?
L: Ah, este é um "velho frouxo", pior do que os outros...
Neste momento chegou ao sótão uma "romeira" velha, conduzindo um presente para Lampião. Era um pequeno "registro" e um crucifixo de latão ordinário. "Velinha", apresentando as imagens: "Está aqui, seu coroné Lampião, que eu truve para vomecê".
L: Este santo livra a gente de balas? Só me serve si for santo milagroso.
Depois, respeitosamente, beijou o crucifixo e guardou-o no bolso. Em seguida tirou da carteira um nota de 10$000 e gorgetou a romeira.
OM: Que importância já distribuiu com o povo do Juazeiro?
L: Mais de um conto de réis.
Lampião começou por identificar-se:
L: Chamo-me Virgulino Ferreira da Silva e pertenço à humilde família Ferreira do Riacho de São Domingos, município de Vila Bela. Meu pai, por ser constantemente perseguido pela família Nogueira e em especial por Zé Saturnino, nossos vizinhos, resolveu retirar-se para o município de Águas Brancas, no estado de Alagoas. Nem por isso cessou a perseguição. Em Águas Brancas, foi meu pai, José Ferreira, barbaramente assassinado pelos Nogueira e Saturnino, no ano de 1917. Não confiando na ação da justiça pública, por que os assassinos contavam com a escandalosa proteção dos grandes, resolvi fazer justiça por minha conta própria, isto é, vingar a morte do meu progenitor. Não perdi tempo e resolutamente arrumei-me e enfrentei a luta. Não escolhi gente das famílias inimigas para matar, e efetivamente consegui dizimá-las consideravelmente.
Sobre os grupos a que pertenceu:
L: Já pertenci ao grupo de Sinhô Pereira, a quem acompanhei durante dois anos. Muito me afeiçoei a este meu chefe, porque é um leal e valente batalhador, tanto que se ele ainda voltasse ao cangaço iria ser seu soldado.
Sobre suas andanças e seus perseguidores:
L: Tenho percorrido os sertões de Pernambuco, Paraíba e Alagoas, e uma pequena parte do Ceará. Com as polícias desses estados tenho entrado em vários combates. A de Pernambuco é disciplinada e valente, e muito cuidado me tem dado. A da Paraíba, porém, é uma polícia covarde e insolente. Atualmente existe um contingente da força pernambucana de Nazaré que está praticando as maiores violências, muito se parecendo com a força paraibana.
Referindo-se a seus coiteiros, Lampião esclareceu:
L: Não tenho tido propriamente protetores. A família Pereira, de Pajeú, é que tem me protegido, mais ou menos. Todavia, conto por toda parte com bons amigos, que me facilitam tudo e me consideram eficazmente quando me acho muito perseguido pelos governos. Se não tivesse de procurar meios para a manutenção dos meus companheiros, poderia ficar oculto indefinidamente, sem nunca ser descoberto pelas forças que me perseguem. De todos meus protetores, só um traiu-me miseravelmente. Foi o coronel José Pereira Lima, chefe político de Princesa. É um homem perverso, falso e desonesto, a quem durante anos servi, prestando os mais vantajosos favores de nossa profissão.
A respeito de como mantém o grupo:
L: Consigo meios para manter meu grupo pedindo recursos aos ricos e tomando à força aos usuários que miseravelmente se negam de prestar-me auxílio.
Se estava rico?
L: Tudo quanto tenho adquirido na minha vida de bandoleiro mal tem chegado para as vultuosas despesas do meu pessoal - aquisição de armas, convindo notar que muito tenho gasto, também, com a distribuição de esmolas aos necessitados.
A respeito do número de seus combates e de suas vítimas disse:
L: Não posso dizer ao certo o número de combates em que já estive envolvido. Calculo, porém, que já tomei parte em mais de duzentos. Também não posso informar com segurança o número de vítimas que tombaram sob a pontaria adestrada e certeira de meu rifle. Entretanto, lembro-me perfeitamente que, além dos civis, já matei três oficiais de polícia, sendo um de Pernambuco e dois da Paraíba. Sargentos, cabos e soldados, é impossível guardar na memória o número dos que foram levados para o outro mundo.
Sobre as perseguições e fugas deixou claro:
L: Tenho conseguido escapar à tremenda perseguição que me movem os governos, brigando como louco e correndo rápido como vento quando vejo q