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quinta-feira, 31 de janeiro de 2019

Lampião em Mossoró e Cartas de Amigos


Acabo de receber pelos Correios o livro Lampião em Mossoró de autoria do nosso saudoso amigo Raimundo Nonato, que foi enviado pelo professor Francisco Pereira, grande livreiro paraibano. Aproveito para falar também do meu Amigo e Pai, Francisco Meneleu, em seu livro "Coisa Julgada e Cartas de Amigos" onde registrou seus tempos de revolucionário da Revolta Comunista de 1935 no Rio Grande do Norte e do seu convívio com amigos, onde fazia parte de uma CORRENTE DA AMIZADE*, título da Confraria de Intelectuais que uma vez por ano reuniam-se na Serra do Martins, para confraternizarem a amizade. E entre eles estava o amigo  Raimundo Nonato, que tive o privilégio de conhecer.
Chamava meu Velho Pai de LAMPIÃO DE CASCA DE MELANCIA, por seu envolvimento na famosa Intentona Comunista. Meu pai diz, em seu livro, como introdução ao capítulo reservado a RAIMUNDO NONATO, O Jagunço, como ele assinava as cartas a meu pai:

"Lampião de Casca de Melancia. Era assim que ele me chamava, carinhosamente. Retirante da seca de 1915 veio para Mossoró e aí começou toda uma luta... Com muita
perseverança e resistência venceu dificuldades e tomou-se mais tarde um dos melhores e mais inteligentes professores
de Mossoró. Como mestre ensinou a várias gerações, inclusive à minha, de cuja época tenho saudades... Depois de muitos anos o nosso professor, batalhador de nascença, já casado com a Professora Edith Bessa fundaram um Curso para o ensino Normal, na antiga Praça do Moinho, onde eu e Adeú** (Aloísio Solino) tomamos umas aulas para enfrentarmos o curso "elefante".
Autor de obras de valor inestimável para a bibliografia norte-río-grandense, principalmente, tornou-se um dos
maiores nomes da literatura potiguar. "Memórias de um retirante" é o seu clássico (livro de memórias).
Nonato deixou saudades, mas antes de tudo, deixou seu nome registrado nos anais da História. dezenas de cartas foram extraídas durante estes anos. a última, a de Primeiro de Março de 1992 ficou para terminar nossa correspondência da corrente da amizade. com o falecimento do meu professor, que me ensinou em várias épocas, no dia 22 de agosto de 1993 ficou um vácuo que nunca será preenchido peço que Deus ilumine o seu espírito para acompanhar os seus amigos aqui neste mundo velho de maldades. Muito obrigado Nonato por tudo!"

* membros da confraria: Vingt-Un Rosado; Raimundo Soares de Brito; Renato Rebouças; Enélio Lima Petrovich; Josinete Câmara; Zenaide de Almeida; José Gonçalves Pinheiro e   Juvêncio Cunha Filho, o Pucunino.

**Aloísio Solino, meu Padrinho de batismo

quinta-feira, 17 de janeiro de 2019

O Vaticano de Aracaju

Descobrindo Aracaju depois de 38 anos aqui residindo fico aflito por ter perdido tanto tempo. Mas precisava trabalhar para o sustento meu e dos meus. Talvez isso, seja o alívio para minha consciência. Alguns podem até pensar, " que besteira " é essa de sentir-se assim. Mas quando digo isso,  não o digo com consciência pesada, como se fosse um grande pecado. O digo, por não ter tido interesse em saber a história da cidade. Depois de aposentado, estou fazendo o que não podia fazer antes.
Aracaju tem ainda, muitos casarões do século 19. Alguns deles tive a oportunidade de ver, antes de serem demolidos. Outros, que ainda estão em pé, este, da Esquina da Rua de Santa Rosa com Avenida Ivo do Prado, somente o conhecia por passar em frente nas minhas idas ao mercado municipal. 

Nunca tinha procurado saber a procedência de sua construção. E chegou o dia de saber mais sobre o belo casarão, tão mal cuidado, uma pena...
Quem acendeu a luzinha de minha consciência foi o meu médico otorrino, Doutor Marcelo Ribeiro, em uma ida a seu consultório para uma limpeza, pois tenho que fazer isso pelo menos semestralmente, pelo acúmulo de cerume e por vez em quando ter crise de otite.
Marcelo Ribeiro, além de médico é escritor, membro da academia Sergipana de letras e da academia Sergipana de medicina, da Sociedade Brasileira de médicos escritores, do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe e da Academia de Letras e artes do Nordeste. Quando faço essas visitas periódicas a seu consultório, creio que seus clientes que estão na fila de espera depois de mim, devem ficar espantados com a demora do atendimento à minha pessoa. É que já nos conhecemos há vários anos desde quando militávamos no Partido dos Trabalhadores e Marcelo fora eleito deputado estadual. Torna-se uma farra de ideias e conversas quando lhe visito.
Pois bem, nesta última, falei-lhe sobre minha visita à cidade de São José do Belmonte, em Pernambuco, por ocasião do Grande Encontro da Confraria Cariri Cangaço, onde reuniu-se pesquisadores e escritores das coisas nordestinas, cujo tema maior foi as desavenças, das famílias Carvalho e Pereira, verdadeira guerra no sertão nordestino. Foi quando Marcelo Ribeiro passou a me contar sobre Mário Cabral, que em sua época de menino, tomou ojeriza por um dos mais importantes ícones da literatura Sergipana, por questões de família, quando Mário Cabral em seu livro Roteiro de Aracaju, obra publicada em 1948, quando Mário escreveu no capítulo Vaticano, uma crítica, que a meu ver depois de ler a história, achei de péssimo mau gosto, pois pelo menos naquela ocasião, não tivera o vislumbre de uma obra de época, que hoje enfeita o centro histórico de Aracaju. Foi uma crítica lamentável, mas que depois na edição de 1955, foram tais expressões substituídas, como se pode ver abaixo, onde todas essas expressões grifadas foram suprimidas pelo autor. Esse relato, está no livro do Doutor Marcelo Ribeiro, intitulado Cabral, Mário Cartas Abertas.


Texto de Mário Cabral, onde ele conversa com uma fictícia amiga:
"Não se trata do Vaticano de Roma, a cidadela do catolicismo, a suntuosa residência do Chefe da Igreja. Trata-se do Vaticano de Aracaju.
O Vaticano, querida, é um monstruoso prédio construído na esquina da Avenida Otoniel Dória com a Avenida Getúlio Vargas. Aconteceu assim: José da Silva Ribeiro (um capitalista) idealizou, certa vez, levantar um grande edifício na capital sergipana. E como dinheiro não lhe faltasse, meteu mãos à obra. 
E começou a construir, improvisadamente. O maior edificio da cidade, no seu tempo. Não havia planta, nem projeto, nem engenheiro. Havia, apenas, dinheiro e a idéia esquesita do capitalista José da Silva Ribeiro. Os alicerces foram feitos, enormes, pesados, alicerces de fortaleza. Ao depois, rapidamente, subiram as pare-
des. Depois das paredes, aqui e ali, foram surgindo as divisões internas, as salas, os quartos, os corredores, os mais diversos e exóticos apartamentos do mundo.
Ao terminar a sua gande loucura  (grande obra), gastara, José Silva Ribeiro (esse capitalista), no monstrengo arquitetônico, milhares de cruzeiros, uma boa parte da sua sólida fortuna. Quisera lhe mostrar, querida, O Vaticano de outrora, sem as modificações introduzidas 
posteriormente.
Você penetraria um largo Pórtico, pórtico de museu ou de igreja. 
E subiria, logo depois, uma escadaria imponente. Ao chegar ao primeiro pavimento você estaria perdida, desorientada,
em um terrível meandro de salas, quartos e corredores sem saber recuar nem prosseguir. Você atravessaria dezenas de salas, dezenas de quartos, dezenas de
corredores, você subiria e desceria dezenas de pequenas escadas, mas, ao fim de ingente esforço, voce necessitaria o auxílio de um morador no sentido de acertar com a porta de saída. Eis o Vaticano, minha amiga.
Uma multidão de seres reside ali, naquele labirinto intrincado. Operários, canoeiros, soldados, prostitutas e marinheiros. Em baixo, no andar térreo, ficam os
bilhares, as casas de jogo, os bares frequentados pela pela gente do cais, pelos estivadores e pelos maloqueiros. A cachaça corre com fartura errar a noite não sucede um conflito, luta corporal, luta de peixeiras afiadas e reluzentes ponto mas, embora no centro da cidade, a ronda policial evita intervir Nas questões internas do Vaticano. Hoje o Vaticano está modificado. O labirinto foi desfeito. Mas assim mesmo, é interessante percorrer as suas dependências. Você verá o Vaticano de Aracaju. Lá não há luxo e esplendor, mas sujeira e Miséria. Os ratos vírgulas enormes, nojentos e agressivos, também São donos do Velho Casarão. Assim é o Vaticano de minha Terra, a obra-prima do capitalista José da Silva Ribeiro."

Hoje, quase que esta construção do século 19 está desvirtuada. A foto acima mostra como era, em sua construção original. As demais, abaixo, são recentes, retiradas do Google Mapa, onde onde vemos as modificações.
O poder público e autoridades devem concientizar-se que tal casarão tem que ser preservado assim como outros que foram adquiridos pelo governo e que servem de escolas, universidades, museus e repartições públicas. Restam bem poucos casarões da época. Preservá-los é fundamental para nossa história.