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quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Viajando no Cangaço III - LAMPIÃO: Ele Voltou


Hoje, 30 de novembro, quinta-feira, dei uma 'passadinha' como de costume na residência de meu amigo José Clenaldo, para conversarmos sobre Lampião. hoje está aposentado e dedica-se como hobby ao radialismo, na Rádio Jornal em Aracaju-SE.

Clenaldo é um dos grandes conhecedores da vida do cangaceiro e quando jovem, trabalhava na construção da Hidrelétrica da CHESF em Paulo Afonso, e por escolha própria foi residir na cidade de Poço Redondo, ninho de cangaceiros do estado de Sergipe. Era vizinho de Alcino Alves Costa; o Caipira de Poço Redondo e o via 'matraquear' sua máquina de escrever e muitas vezes lia livros dele antes mesmo que fossem lançados.

O material abaixo (Revista V) é de seu acervo particular e me foi emprestado, assim como diversos outros livros raros. Preparrei os fac-símiles e coloquei foto dele e a frase 'Acervo José Clenaldo' não que ele esteja preocupado, pois não tem nenhuma preocupação com isso, mas é uma forma d'eu homenagear esse guerreiro do cangaço.

Estou lendo diversos escritos seus sobre Lampião e Luiz Gonzaga, a quem se dedicou a efetuar estudos, desde rapaz novo, inclusive seu programa de rádio quase em toda a totalidade é direcionado a essas duas figuras históricas.

A Revista V publicou em seu número 11 de março/abril de 2004 em primeiríssima mão fotos ainda inéditas, quase 70 anos depois, de Lampião e o seu bando, cangaceiros que assombraram o Nordeste nos anos 1920 e 1930.

Um dos capítulos mais importantes e mais populares da história do Brasil teve recuperadas e restauradas as matrizes das suas imagens originais, por muito tempo esquecidas e sob o risco de virar pó. 
Além das fotografias nunca dantes até então publicadas, o projeto Memorial do Cangaço, sediado no Ceará e responsável pelo resgate, apresenta nessa reportagem outras imagens raras e fundamentais do mesmo ciclo.
Esse trabalho é um marco histórico na preservação da memória do meu avô”, declarou Vera Ferreira, neta de Lampião e Maria Bonita, que vive em Aracaju, Sergipe, com a mãe, Dona Expedita Ferreira.

Abaixo fac-símiles da reportagem do jornalista Xico Sá na íntegra e veja as fotos exclusivas de Benjamin Abrahão na edição impressa da Revista V número 11.













Viajando no Cangaço II - os 70 anos da morte de Lampião


 Ancelmo Gois nascido na cidade de Frei Paulo, em Sergipe, no ano de 1948 é um jornalista e colunista brasileiro. Ainda criança foi para Aracaju. Trabalhou na Gazeta de Sergipe. Durante muitos anos assinou o Informe JB, no Jornal do Brasil, no Rio de Janeiro.
Mantém uma coluna diária no jornal O Globo, um dos principais do país, vendido no Rio de Janeiro. Em sua coluna, Ancelmo fala sobre assuntos diversos do Rio de Janeiro e do Brasil, através de notas curtas que ocupam meia página do noticioso diário. Durante anos escreveu coluna semelhante na revista Veja. Sua coluna está dentre as mais lidas na cidade do Rio de Janeiro [carece de fontes?], e comumente dá furos sobre o mercado financeiro e imobiliário, além de noticiar fatos culturais e eventos artísticos e também aqueles que são parte do modo de ser do carioca.

Abaixo sua entrevista, em matéria sobre os 70 anos da morte de Virgulino Ferreira da Silva, o famoso LAMPIÃO, o Rei do Cangaço. Nesta primeira parte ele entrevista Vera Ferreira, neta de Lampião e Maria Bonita. Logo depois da entrevista co Vera Ferreira, ele se dirige à cidade de Piranhas em Alagoas, onde defronte à prefeitura da cidade ele conversa com Vera Barroso, socióloga, jornalista e apresentadora de televisão. É neta do jornalista e escritor Gustavo Barroso (1888-1959), fundador e primeiro diretor do Museu Histórico Nacional (MHN), em 1922, e membro da Academia Brasileira de Letras (ABL), eleito em 1923.
 
Reportagem essa entrecortada com passagens da vida real de Lampião e Maria Bonita e cangaceiros em seu dia a dia, filmados por Benjamim Abrahão, fotógrafo amador que embrenhou-se na caatinga para fotografar e filmar Lampião e seu bando de cangaceiros.
 
PARTE 1
 
 

Na parte 2 da entrevista sobre Lampião e seu bando de cangaceiros, a jornalista Vera Barroso faz uma visita ao Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas e entrevista seu presidente que mostra diversos objetos de Lampião. Também temos logo após a entrevista de Anselmo Góis com o escritor, pesquisador e historiador do cangaço, Frederico Pernambucano de Melo.
 
PARTE 2
 
Na parte terceira, temos Anselmo Góis no Museu do Folclore no Rio de Janeiro entrevistando a antropóloga, pesquisadora e professora da universidade do estado, Witegard Barros que teve familiares aprisionados por Lampião. Também Vera Barroso entrevista Raimundo Santa Helena que teve o pai assassinado pelo facínora e a mãe estuprada e marcada com ferro
 
PARTE 3
 
Na quarta e última parte da entrevista temos o ator Marcos Palmeira e o teatrólogo Almir Haddad falando sobre a peça em que Lampião e Maria Bonita discutem como marido e mulher, como um casal normal. Encerrando a entrevista com Anselmo Góis conversando com Marcos Palmeira e sendo concluído com cenas verídicas e música de Luiz Gonzaga.
 
PARTE 4
 
E a história de Lampião e Maria Bonita cada vez mais  tornando-se um marco fincado na literatura nacional, onde proliferam livros, filmes, peças teatrais, dança, música e turismo nas cidades por onde ele e seu bando passou.
 
 

Viajando no Cangaço I - A reportagem que reinventou Lampião


A reportagem que reinventou Lampião

Há exatos 75 anos, a revista carioca A Noite Ilustrada publicou a maior cobertura da imprensa sobre a morte do mais famoso cangaceiro, fato que evidenciava sua importância como notícia e lenda.
    
Imagem que fez história – A foto das cabeças decepadas de Lampião e seu bando foi estampada nas páginas centrais de A Noite Ilustrada pouco mais de uma semana depois do massacre de Angicos e correu o mundo ao longo do século 20
A capa da edição da quarta-feira 9 de agosto de 1938, da revista A Noite Ilustrada, lançada 11 dias depois do massacre na Fazenda Angicos, município de Piranhas, entre Alagoas e Sergipe, onde morreram Virgulino Ferreira da Silva (1898-1938), o Lampião, Maria Bonita e mais nove pessoas, é emblemática. Em vez de estampar o mais famoso e temido cangaceiro do País, a imagem trazia em destaque outro bandoleiro, Corisco, conhecido pela polícia e pela imprensa como Diabo Louro. A mensagem parecia clara: sem Lampião, o cangaço sobreviveria pelo herdeiro e compadre de seu antigo chefe. Rei morto, rei posto? Não. A legenda explicava que aquela foto havia sido encontrada entre muitas outras em um dos bolsos do famoso criminoso, quando os soldados da “volante” foram saquear seus bolsos, em busca de joias e dinheiro, no momento em que seu corpo jazia, cravado de balas.
Em 28 páginas sobre o massacre, a revista, comandada pelos jornalistas Gil Pereira e Vasco Lima, trazia a primeira grande reportagem sobre o assunto, que se tornou aula e marco do jornalismo na época. Motivo: a publicação tinha conseguido mandar uma equipe – fotógrafo e repórter – do Rio de Janeiro até o local, a dois mil quilômetros de distância, em pouco mais de 24 horas. Ao que parece, foi uma operação de guerra. Tão logo as primeiras notícias da morte de Lampião chegaram às redações do Rio de Janeiro, via telegrama, nenhum jornal ou revista teria se interessado em mandar equipes.
Por mais de dez anos, a grande imprensa acompanhou as muitas caçadas a Lampião, promovidas pela polícia de pelo menos seis estados do Nordeste por onde ele e seu bando circularam e “aterrorizaram” – Bahia, Sergipe, Pernambuco, Alagoas, Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte. A viagem dos jornalistas de A Noite Ilustrada só foi possível porque eles conseguiram embarcar antes do meio-dia em um voo internacional da Pan American, que fazia a rota Miami-Rio de Janeiro-Buenos Aires. As escalas eram feitas em Montes Claros (MG), Barreiras (BA) e Carolina (MA).
Os jornalistas desceram em Barreiras, no cerrado baiano, e de lá cruzaram de carro ou de trem boa parte do território baiano, até chegar à cidade de Piranhas. Na manhã seguinte, eles se depararam com a tropa de 49 homens do tenente João Bezerra na pequena cidade de Pedras, no meio do caminho até Santana do Ipanema, onde ficava o batalhão que realizou a operação militar.
Os enviados se tornaram a primeira equipe de jornalistas a visitar a “gruta” de Angicos, depois do massacre. Acabaram por fazer fotos que se tornaram famosas ao longo dos 75 anos seguintes e foram reproduzidas incontáveis vezes por jornais, revistas e livros sobre o tema. São imagens que chocaram os leitores. Logo na página três, aparecia a cabeça decepada quase em tamanho real da mulher mais famosa do cangaço e um pequeno texto dizia: “Companheira de Lampião, fotografada em Pedra, durante o regresso da ‘volante’ (tropa) do tenente João Bezerra, quando ainda conservava a regularidade dos traços e a serenidade da expressão. Mesmo depois da morte violenta, justificando a alcunha, a cabeça da bandoleira mostra vestígios de tranquila beleza”.

Nas páginas centrais, como pôster de 43 cm x 86 cm, A Noite Ilustrada estampava a foto mais famosa da história do banditismo no Brasil, que se tornou símbolo do grau de selvageria que dominava mocinhos e bandidos nos confins da caatinga brasileira: as cabeças decepadas dos mortos de Angicos, arrumadas na escadaria de uma igreja, identificadas com uma etiqueta ao lado de cada uma. Apareciam, pela ordem de cima para baixo, da esquerda para a direita: Diferente, Desconhecido, Cajarana, Enedina, Caixa de Fósforos, Mergulhão, Elétrico, Luis Pedro, Maria Bonita e, sozinha na parte de baixo, Lampião.
Ao redor, parte dos pertences recolhidos – armas e balas em quantidade, embornais e uma máquina de costura aparentemente da marca Singer. No local do tiroteio, há uma foto que mostra com números e setas como tudo aconteceu: onde estavam os soldados e em que ponto Lampião foi mortalmente atingido, sem ter chance de qualquer reação.
A notícia tinha corrido o Brasil como fogo em pólvora. Todos os grandes jornais destacaram o fato na primeira página. Por 18 anos, Lampião e seu bando atacaram, principalmente, pequenas e miseráveis localidades em que a população vivia sob o chicote e o domínio eleitoreiro das dinastias dos coronéis. A imprensa das regiões Sul e Sudeste sempre se interessou pelo assunto, destacava a crueldade de Lampião e de seus comparsas e o heroísmo da polícia em sua captura. Ficaram famosos nomes como do sargento Odilon Flor que, por oito anos caçou e perseguiu o cangaceiro, e o do tenente Campos de Menezes, que o perseguia desde a década anterior – por diversas vezes, Menezes e seus homens trocaram tiros com Lampião. Mas a glória coube ao desconhecido tenente Bezerra, transformado em herói nacional literalmente da madrugada para o dia.
Não havia qualquer discussão na imprensa sobre as intenções do cangaceiro que eram apenas roubar e saquear a partir de uma índole criminosa natural, como aconteceu depois e o transformou em herói para muitos, por contestar o poder dos coronéis – Lampião seria fruto do inconformismo de um mundo injusto e sem lei. “Ido desta capital de avião, o serviço dos enviados especiais de A Noite Ilustrada ao sertão e à capital de Alagoas trouxe a lume o sensacional acontecimento por todas as suas faces mais empolgantes, acumulando uma sucessão de documentos que se encontram em parte nesta edição”, explicou a revista, em seu editorial. Para seus editores, a publicação havia feito algo extraordinário. Tanto da parte de seus repórteres quanto da polícia, mostrada como heroica. Dizia o título: “O sensacional acontecimento do sertão alagoano”. (Nota: Antônio Correa Sobrinho, de Aracaju, pesquisador do cangaço em 2 de outubro de 2013 às 19:36 fez o seguinte comentário na matéria original - "Com os cumprimentos ao autor pelo valioso trabalho, esclareço que Lampião, sua Maria, nove outros cangaceiros e o soldado da força alagoana, Adrião, morreram em território sergipano, e não em Piranhas, das Alagoas. O massacre ocorreu na grota-coito da fazenda Angicos, em Poço Redondo, à época povoado do município de Porto da Folha. Sergipe que, além de túmulo, deu ao cangaceiro-mor estada, por que não dizer, tranquila."
Prosseguiram eles, na apresentação. “Releva notar o acervo de fotos feitas no próprio local do combate entre a polícia alagoana e o bando do ‘Rei do Cangaço’, a grota situada na fazenda Angicos, das quais se encontram na última página da revista, e testemunham não apenas a coragem, mas a temeridade dos nossos auxiliares.” No mesmo texto, destacou o pequeno vidro encontrado no corpo de Lampião, cheio de um pó amarelo, que, “verificou-se nesta capital, por experiência feita no laboratório de Pesquisas Científicas da Polícia, ser um veneno poderoso. É também um pormenor de sensível interesse”, porque se sabia, “por informações anteriores”, que era uma prevenção para não cair com vida em mãos das autoridades.

Porta-voz de Vargas

A redação de A Noite Ilustrada funcionava na Praça Mauá, 7, centro do Rio de Janeiro, e onde ficavam redações de jornais e revistas, e emissoras de rádio importantes. Lançada em 1930, a publicação surgira como um marco por sua qualidade de impressão, graças ao moderno sistema de rotogravura. Pertencia ao jornal A Noite, mesmo diário fundado por Irineu Marinho e Geraldo Rocha. A Noite sobrevivera ao longo da década de 1930 sob o duro castigo de ter apoiado o grupo derrotado pela Revolução de 1930.
Na ocasião, sua redação foi saqueada e incendiada e Rocha se refugiou em Minas Gerais. O diário sofreu intervenção do governo. Pressionado, Rocha reconheceu em cartório que tinha dívidas e abriu mão de seus bens para os bancos do governo, inclusive de A Noite. O jornal se tornou, então, uma espécie de órgão a serviço de Vargas e radicalizou seu oficialismo com a decretação do Estado Novo, em novembro de 1937, quando assumiu a mesma postura nazifascista do ditador brasileiro. Essa orientação editorial dava o tom na cobertura do massacre de Angicos e no modo de como a tropa do Exército foi tratada.
“Consciente da enormidade de seus crimes, o cangaceiro não suportava a ideia de expiá-los. Pode suceder, também, que um amor próprio a seu modo lhe fizesse intolerável à possibilidade de vir a ser dominado pelos que considerava inimigos odiosos.” Ou seja, sua decisão era de jamais se deixar prender vivo pela política. Cometeria suicídio antes. “Verificou-se ainda que Lampião foi colhido por uma rajada de balas, pois seu famoso punhal, de cabo trabalhado a ouro e marfim, foi atingido numa das lâminas, e a própria cartucheira do bandido, onde o ímpeto de uma das balas que recebeu detonou outra da própria cartucheira do antigo ‘Terror do Nordeste’, que o atingiu mortalmente.”
O que se nota em toda a edição de A Noite Ilustrada é que em nenhum lugar são ditos os nomes do repórter e do fotógrafo, embora eles aparecessem em duas fotos e fossem assim identificados. Em uma delas, o fotógrafo, de óculos, posava à frente dos voluntários e soldados, sorrindo para a câmera. Em outra, o jornalista cumprimentava o aspirante Ferreira, cercados de soldados que apoiavam as mãos nos ombros dos dois. Uma legenda informava: “O corpo do bandoleiro foi identificado e fotografado por um dos enviados de A Noite Ilustrada na grota de Angicos, sendo que outros ali voltaram, ainda, depois, a fim de minudenciar o terreno fotograficamente, facilitando uma reconstituição do choque entre a polícia e os bandoleiros”. A edição trazia também o primeiro episódio de uma série em quadrinhos sobre a vida do cangaceiro, roteirizada e ilustrada por Euclides L. Santos. Com dez quadrinhos cada página, iniciava uma série que seria publicada duas vezes por semana no jornal A Noite, nos cinco meses seguintes.
Singularmente ingrato
Lampião jamais imaginou que poderia ser morto em Angicos. Aquele era seu esconderijo havia muitos anos e ele acreditava, mesmo se traído, uma volante não conseguiria chegar ali. O terreno, no dizer de um geógrafo entrevistado pela revista, contou que o local era “singularmente ingrato”. E explicou que ficava “entalado entre a margem do rio e a montanha pedregosa e íngreme que da mesma margem começa logo a erguer-se, apertada entre gargantas e pequenas contraescarpas de serra, e ingrato, estéril e árido, ostentando rochedos de granito e penhascos inacessíveis. Essa topografia era da conveniência para os cangaceiros que, por isso mesmo, sempre procuravam Angicos, nas imediações de Piranhas, quando se sentiam inseguros e acossados”. Mas a força policial, comandada pelo tenente João Bezerra, reunia veteranos combatentes do cangaço, não teve dificuldades alcançar aquele ponto.
Os cangaceiros haviam chegado a Angicos no dia anterior, 27 de julho, exaustos, famintos. Era noite, chovia muito e todos dormiam em suas barracas. O aguaceiro, em vez de dificultar a aproximação de alguma volante, ajudou, graças ao barulho da água que caía. Tanto que nem os cães de Maria Bonita pressentiram. Bezerra relatou depois que o bombardeio ainda não tinha começado, por volta das 5h15 do dia 28, e teve de ser precipitado. No momento em que os cangaceiros levantaram para rezar o ofício, de acordo com o ritual estabelecido pelo Rei do Cangaço, e se preparavam para tomar café, um cangaceiro deu o alarme. Tarde demais. Bezerra gritou: “Fogo”. Os soldados dispararam suas metralhadoras portáteis, que cuspiram dezenas de balas por minuto, por cerca de 20 minutos. Corisco e os outros que estavam mais distantes, e acabaram protegidos pelos rochedos, conseguiram se arrastar e fugiram.

Lampião foi um dos primeiros a morrer. Dentro dos costumes da época, Maria Bonita, gravemente ferida, teve sua cabeça decepada – fizeram o mesmo com o marido, em seguida. Na euforia que se seguiu, sem se preocupar se alguém tinha escapado, os policiais saquearam os cadáveres e os mutilaram com selvageria. Também foram degolados vivos Quinta-Feira e Mergulhão que estavam  feridos. Um dos policiais, com ódio de Lampião, deu um golpe de coronha de fuzil na cabeça do cangaceiro tão forte que a deformou. Afirmou-se depois que todas as cabeças foram salgadas e colocadas em latas de querosene, com aguardente e cal, enquanto os corpos foram abandonados e devorados por urubus. Para evitar a disseminação de doenças, dias depois foi colocada creolina sobre os corpos. Como alguns urubus morreram intoxicados pela substância, esse fato ajudou a difundir a crença de que eles haviam sido envenenados antes do ataque, com alimentos entregues pelo coiteiro traidor. Outra versão dava conta de que as cabeças não passaram por qualquer processo de conservação nas 48 horas que se seguiram ao massacre. E mesmo inchadas – como se vê nas fotos –, foram vistas por milhares de curiosos nas cidades onde o pelotão passou.
Em Pedra, ao alcançar a volante, a equipe de A Noite Ilustrada conseguiu reunir 47 dos 49 homens que estiveram em Angicos para uma foto histórica. Duas outras mostravam a multidão que se concentrou em uma praça em Maceió para ver as cabeças dos 11 cangaceiros. “Em Piranhas, as tropas chegaram inesperadamente, quando terminara a feira ali erguida, e quando, portanto, ninguém imaginava a possibilidade de acontecimento de tal monta. A polícia alagoana, conduzindo os troféus do sangrento encontro, foi recebida por aclamações populares intensas, mais vivas e constantes, à medida que os populares se inteiravam do êxito completo do combate com o bando de cangaceiros. Ferido, embora sem gravidade maior, o Tenente Bezerra, cuja valentia é conhecida em todo sertão circundante, era visado particularmente nos aplausos do povo aglomerado”.
O mesmo espetáculo foi verificado pela equipe da revista em Pedra e Água Branca, “onde as populações, vítimas durante tantos anos dos sustos constantes pelo perigo de incursões dos cangaceiros, mal podiam acreditar no extermínio do monstro da caatinga”. Em todas essas localidades, o chefe dos volantes determinou a exposição das cabeças. “Visava principalmente evitar alguma lenda de negação do fato, coisa muito natural em face da crença, alimentada pelos próprios acontecimentos, durante tantos anos, da intangibilidade do chefe do cangaço. Os soldados jubilosos pelo resultado da sortida, e sua alegria se misturava à do povo, compondo um espetáculo expressivo da sensação de libertação que pairou sobre aqueles recantos da civilização sertaneja.”
Em Santana do Ipanema, “esse jubilo popular atingiu maiores proporções”. Segundo o repórter, as cabeças dos cangaceiros, que haviam sido fotografadas em Pedra, foram novamente expostas à curiosidade pública “e numerosas pessoas reconheceram a cabeça decepada de Lampião e de outros seus comparsas do crime”. O espetáculo bizarro prosseguiu em Maceió. No Instituto Médico Legal de Aracaju, as cabeças foram medidas, pesadas e examinadas pelo médico Carlos Menezes. Suas observações fizeram com que os criminalistas mudassem a teoria de que um homem bom não viraria um cangaceiro, e este deveria ter características sui generis.
Diferentemente do que acreditavam, as cabeças não apresentaram qualquer sinal de degenerescência física, anomalias ou displasias, apesar da decomposição avançada. Acabaram classificadas como de indivíduos normais. Do sudeste do País, apesar do péssimo estado, seguiram para Salvador. Ali, permaneceram por seis anos na Faculdade de Odontologia da Universidade Federal da Bahia. Nenhuma patologia foi encontrada após novos exames. Por mais de três décadas, ficaram expostas no Museu Antropológico Estácio de Lima, no prédio do IML Nina Rodrigues, no Terreiro de Jesus, em Salvador. Atraíam milhares de curiosos todos os anos, que queriam ver, principalmente, as cabeças de Lampião e Maria Bonita.
Enquanto isso, as fotos de A Noite Ilustrada corriam o Brasil e o mundo. Sem autorias definidas, perderam sua identidade, ao mesmo tempo que se tornavam documento de uma época. Por mais que a revista chamasse Lampião de facínora, o resultado de seu esforço jornalístico mantinha a força de uma história e não conseguiu evitar que de suas páginas nascesse uma lenda que, como tal, ainda fascina. Suas fotos e textos, enfim, por mais que se tenha feito um trabalho de reportagem louvável, não evitou que Lampião continuasse a andar pela caatinga, mesmo como um fantasma, cada vez mais vivo na imaginação das pessoas pela coragem de cabra macho que era em enfrentar os poderosos. Que se publique a lenda.

Lampião lia a Noite Ilustrada

Pelo acaso, lampião acabou por se tornar garoto propaganda de A Noite Ilustrada. dois anos antes de morrer, ele aparecia em uma de suas mais famosas fotos, feita pelo fotógrafo e caixeiro viajante Benjamin abraão (1890-1938), mostrando um exemplar da famosa revista carioca, ao lado de maria Bonita, que aparecia sentada, acariciando os cães ligeiro e Guarany. a edição, de 27 de maio de 1936, trazia na capa a nadadora americana anna evers, uma das promessas da olimpíada de Berlim daquele ano.

Casal bem informado – Lampião com um exemplar de A Noite Ilustrada, de 1936, ao lado de Maria Bonita. O casal gostava de acompanhar pelas revistas as novidades do Brasil e do mundo
Na legenda, lia-se: “a sereia e sua rede… anna evers exibindo um formoso modelo praiano em santa mônica, califórnia”. segundo depoimentos das cangaceiras aristeia e dadá, as fotos foram feitas entre junho e julho de 1936, portanto um mês ou dois depois do lançamento da revista. abrahão seria morto pouco mais de dois meses antes de lampião, em serra talhada, no dia 10 de maio de 1938. de origem sírio-libanesa-brasileira, ele se tornou o responsável pelo registro iconográfico do cangaço e de seu líder, lampião. para fugir do serviço militar em seu país, durante a Primeira Guerra Mundial (1914- 1918), ele veio para o Brasil. chegou em 1915. foi mascate em recife e Juazeiro do Norte, atraído pela frequência de romeiros em busca do padre cícero, de quem se tornou secretário e conheceu lampião, em 1926, quando foi à cidade receber a bênção do célebre vigário e a patente de capitão, para auxiliar na perseguição da coluna prestes. anos depois, obteve do cangaceiro autorização para acompanhar o bando na caatinga e realizar as imagens que o imortalizaram. foi assassinado com 42 facadas e o crime nunca foi esclarecido.
Revista Brasileiros

quarta-feira, 29 de outubro de 2014

O assédio moral é um ato vil e desumano


Assédio moral é a exposição do ser humano a situações humilhantes e constrangedoras, repetitivas e prolongadas durante qualquer fase de sua vida.

São mais comuns em relações hierárquicas autoritárias e assimétricas, em que predominam condutas negativas, relações desumanas e antiéticas de longa duração, de um ou mais pessoas em função ou cargo elevado em ambiente de trabalho ou organização religiosa ou pública.

Por ser algo privado, a vítima precisa efetuar esforços dobrados para conseguir provar na justiça o que sofreu, mas é possível conseguir provas técnicas obtidas de documentos (atas de reunião, fichas de acompanhamento de desempenho, etc), além de testemunhas idôneas para falar sobre o assédio moral cometido contra ela.

Praticamente ignorado no Brasil,  mas que já temos secretarias governamentais para combate-lo, o assédio moral é capaz de resultados mais devastadores que a guerra e que a violência que assola o cotidiano das grandes cidades.

O assédio moral é capaz de destruir um ser humano sem que haja uma gota de sangue sequer e sem qualquer gesto brutal contra ele, utilizando apenas o que se convencionou chamar de violência invisível, aniquilando moral e psiquicamente suas vítimas.

Essa violência invisível, devastadora, perversa e aparentemente insignificante se desenvolve através de: 

1 - Gestos
2 - Palavras
3 - Ações ou omissões

Esses processos podem ter lugar nos seguintes locais:

1 - Família
2 - Casamento
3 - Empresas,
4 - Religião (Seitas)
5 - Vias públicas.

Traduzindo mesquinho mecanismo de manipulação doentia, deixando a vítima incapaz de reagir e de perceber o alcance da destruição que a atinge, o assédio moral é um câncer que tem de ser extirpado da sociedade sob pena de destruir toda e qualquer relação saudável do ser humano.

Os órgãos governamentais e dados que cuidam dos direitos humanos são esses:

Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República

CARTILHA SOBRE ASSÉDIO MORAL E SEXUAL

Projeto de reforma da Lei nº 8.112, sobre assédio moral

Disque 100 - Disque Direitos Humanos

terça-feira, 28 de outubro de 2014

Lampião entrevistado pelo médico Dr. Otacílio Macêdo

Em 1926, quando esteve de passagem por Juazeiro, Lampião concedeu entrevista ao médico Dr. Otacílio Macêdo. Segue a entrevista em sua íntegra, com detalhes sobre a passagem do "Rei do Cangaço" pelo Cariri.

A entrevista teve dois momentos. O primeiro foi travado o seguinte diálogo:
OM: Que idade tem?
L: Vinte e sete anos.
OM: Há quanto tempo está nesta vida?
L: Há nove anos, desde 1917, quando me ajuntei ao grupo do Senhor Pereira.
OM: Não pretende abandonar a profissão?
L: Se o senhor estiver em um negócio, e for se dando bem com ele, pensará porventura em abandoná-lo? Pois é exatamente o meu caso. Porque vou me dando bem com este "negócio", ainda não pensei em abandoná-lo.
OM: Em todo o caso, espera passar a vida toda neste "negócio"?
L: Não sei... talvez... preciso porém "trabalhar" ainda uns três anos. Tenho alguns "amigos" que quero visitá-los, o que ainda não fiz, esperando uma oportunidade.
OM: E depois, que profissão adotará?
L: Talvez a de negociante.
OM: Não se comove a extorquir dinheiro e a "variar" propriedades alheias?
L: Oh! mas eu nunca fiz isto. Quando preciso de algum dinheiro, mando pedir "amigavelmente" a alguns camaradas.
Nesta altura chegou o 1° tenente do Batalhão Patriótico de Juazeiro, e chamou Lampião para um particular. De volta avisou-nos o facínora:
L: Só continuo a fazer este "depoimento" com ordem do meu superior. (Sic!)
OM: E quem é seu superior?
L: (Silêncio).
OM: Está direito...
Quando voltamos, algumas horas depois, à presença de Lampião, já este se encontrava instalado em casa do historiador brasileiro João Mendes de Oliveira.
Rompida, novamente, a custo, a enorme massa popular que estacionava defronte à casa, penetramos por um portão de ferro, onde veio Lampião ao nosso encontro, dizendo:

L: Vamos para o sótão, onde conversaremos melhor.
Subimos uma escadaria de pedra até o sótão. Aí notamos, seguramente, uns quarenta homens de Lampião, uns descansando em redes, outros conversando em grupos; todos, porém, aptos à luta imediata: rifle, cartucheiras, punhais e balas...
OM: Desejamos um autógrafo seu, Lampião.
L: Pois não.
Sentado próximo de uma mesa, o bandido pegou da pena e estacou, embaraçado.
L: Que qui escrevo?
OM: Eu vou ditar.
E Lampião escreveu com mãos firmes, caligrafia regular.
"Juazeiro, 6 de março de 1926
Para... e o Coronel...
Lembrança de EU.
Virgulino Ferreira da Silva.
Vulgo Lampião".

Os outros facínoras observavam-nos, com um misto de simpatia e desconfiança. Ao lado, como um cão de fila, velava o homem de maior confiança de Lampião, Sabino Gomes, seu lugar-tenente, mal-encarado.

L: É verdade, rapazes! Vocês vão ter os nomes publicados nos jornais em letras redondas...
A esta afirmativa, uns gozaram o efeito dela, porém parece que não gostaram da coisa.
OM: Agora, Lampião, pedimos para escrever os nomes dos rapazes de sua maior confiança.
L: Pois não. E para não melindrar os demais companheiros, todos me merecem igual confiança, entretanto poderia citar o nome dos companheiros que estão há mais tempo comigo.
E escreveu.
1 - Luiz Pedro
2 - Jurity
3 - Xumbinho
4 - Nuvueiro
5 - Vicente
6 - Jurema
E o estado maior:
1 - Eu, Virgulino Ferreira
2 - Antônio Ferreira
3 - Sabino Gomes.
Passada a lista para nossas mãos fizemos a "chamada" dos cabecilhas fulano, cicrano, etc.
Todos iam explicando a sua origem e os seus feitos. Quando chegou a vez de "Xumbinho", apresentou-se-nos um rapazola, quase preto, sorridente, de 18 anos de idade.

OM: É verdade, "Xumbinho"! Você, rapaz tão moço, foi incluído por Lampião na lista dos seus melhores homens... Queremos que você nos ofereça uma lembrança...
"Xumbinho" gozou o elogio. Todo humilde, tirou da cartucheira uma bala e nos ofereceu como lembrança...
OM: No caso de insucesso com a polícia, quem o substituirá como chefe do bando?
L: Meu irmão Antônio Ferreira ou Sabino Gomes...
OM: Os jornais disseram, ultimamente, que o tenente Optato, da polícia pernambucana, tinha entrado em luta com o grupo, correndo a notícia oficial da morte de Lampião.
L: É, o tenente é um "corredor", ele nunca fez a diligência de se encontrar "com nós"; nós é que lhe matemos alguns soldados mais afoitos.
OM: E o cel. João Nunes, comandante geral da polícia de Pernambuco, que também já esteve no seu encalço?
L: Ah, este é um "velho frouxo", pior do que os outros...
Neste momento chegou ao sótão uma "romeira" velha, conduzindo um presente para Lampião. Era um pequeno "registro" e um crucifixo de latão ordinário. "Velinha", apresentando as imagens: "Está aqui, seu coroné Lampião, que eu truve para vomecê".
L: Este santo livra a gente de balas? Só me serve si for santo milagroso.
Depois, respeitosamente, beijou o crucifixo e guardou-o no bolso. Em seguida tirou da carteira um nota de 10$000 e gorgetou a romeira.
OM: Que importância já distribuiu com o povo do Juazeiro?
L: Mais de um conto de réis.
Lampião começou por identificar-se:
L: Chamo-me Virgulino Ferreira da Silva e pertenço à humilde família Ferreira do Riacho de São Domingos, município de Vila Bela. Meu pai, por ser constantemente perseguido pela família Nogueira e em especial por Zé Saturnino, nossos vizinhos, resolveu retirar-se para o município de Águas Brancas, no estado de Alagoas. Nem por isso cessou a perseguição. Em Águas Brancas, foi meu pai, José Ferreira, barbaramente assassinado pelos Nogueira e Saturnino, no ano de 1917. Não confiando na ação da justiça pública, por que os assassinos contavam com a escandalosa proteção dos grandes, resolvi fazer justiça por minha conta própria, isto é, vingar a morte do meu progenitor. Não perdi tempo e resolutamente arrumei-me e enfrentei a luta. Não escolhi gente das famílias inimigas para matar, e efetivamente consegui dizimá-las consideravelmente.
Sobre os grupos a que pertenceu:
L: Já pertenci ao grupo de Sinhô Pereira, a quem acompanhei durante dois anos. Muito me afeiçoei a este meu chefe, porque é um leal e valente batalhador, tanto que se ele ainda voltasse ao cangaço iria ser seu soldado.
Sobre suas andanças e seus perseguidores:
L: Tenho percorrido os sertões de Pernambuco, Paraíba e Alagoas, e uma pequena parte do Ceará. Com as polícias desses estados tenho entrado em vários combates. A de Pernambuco é disciplinada e valente, e muito cuidado me tem dado. A da Paraíba, porém, é uma polícia covarde e insolente. Atualmente existe um contingente da força pernambucana de Nazaré que está praticando as maiores violências, muito se parecendo com a força paraibana.
Referindo-se a seus coiteiros, Lampião esclareceu:
L: Não tenho tido propriamente protetores. A família Pereira, de Pajeú, é que tem me protegido, mais ou menos. Todavia, conto por toda parte com bons amigos, que me facilitam tudo e me consideram eficazmente quando me acho muito perseguido pelos governos. Se não tivesse de procurar meios para a manutenção dos meus companheiros, poderia ficar oculto indefinidamente, sem nunca ser descoberto pelas forças que me perseguem. De todos meus protetores, só um traiu-me miseravelmente. Foi o coronel José Pereira Lima, chefe político de Princesa. É um homem perverso, falso e desonesto, a quem durante anos servi, prestando os mais vantajosos favores de nossa profissão.
A respeito de como mantém o grupo:
L: Consigo meios para manter meu grupo pedindo recursos aos ricos e tomando à força aos usuários que miseravelmente se negam de prestar-me auxílio.
Se estava rico?
L: Tudo quanto tenho adquirido na minha vida de bandoleiro mal tem chegado para as vultuosas despesas do meu pessoal - aquisição de armas, convindo notar que muito tenho gasto, também, com a distribuição de esmolas aos necessitados.
A respeito do número de seus combates e de suas vítimas disse:
L: Não posso dizer ao certo o número de combates em que já estive envolvido. Calculo, porém, que já tomei parte em mais de duzentos. Também não posso informar com segurança o número de vítimas que tombaram sob a pontaria adestrada e certeira de meu rifle. Entretanto, lembro-me perfeitamente que, além dos civis, já matei três oficiais de polícia, sendo um de Pernambuco e dois da Paraíba. Sargentos, cabos e soldados, é impossível guardar na memória o número dos que foram levados para o outro mundo.
Sobre as perseguições e fugas deixou claro:
L: Tenho conseguido escapar à tremenda perseguição que me movem os governos, brigando como louco e correndo rápido como vento quando vejo q

Lampião não morreu em Angicos - VERDADE OU MENTIRA?



O porquê de temer ideias, faz que o homem demore mais para sair do atraso. Abaixo vejo dois estudiosos do tema 'Cangaço' trazerem à luz depoimentos importantes e serem contestados e também elogiados.
 
A contestação é legítima e pode ser usada por quem não concorde com o que está sendo apresentado, mas desde que usemos contestações sérias e não diminuindo propositalmente as ideias encontradas do estudioso e nem ferindo a pessoa com palavras duras.
 
O estudioso, o pesquisador, apenas transmite o que encontra. Costumo dizer que o pesquisador e estudioso não pode deixar entrar nos critérios encontrados, palavras de emoção defensora ao transmitir o que encontra. Pode até emocionar-se com o achado, mas só depois de pesquisar melhor o assunto, vir a defende-lo.
 
O pesquisador simplesmente passa o que encontra e pode até mesmo levantar questionamentos. Querem ver?
 
Por exemplo, o artigo do jornal O Globo de 04/10/38 quando entrevistado, José Bezerra disse algumas palavras que podemos levantar contestações, que podem até ser respondidas, mas o que se encontra na entrevista, pode e deve ser contestado:
  
 
"Eu estava ainda bastante cansado. Reuni o meu pessoal e perguntei por "Lampião". Um deles, um soldado de nome Soares que em outros tempos fora seu coiteiro e que depois se regenerou e passou para o lado da lei, disse-me.
- Capitão este aqui é "Lampeão".
- O que está dizendo rapaz, tem certeza?
- Absoluta, capitão, não posso me enganar. É ele sim...
Inútil seria descrever a alegria e a satisfação de que me vi possuído. Esqueci por alguns momentos a dor que sentia no braço, causada pelo ferimento que recebi em combate e esfreguei as mãos de contentamento. Imediatamente ordenei que fossem decepadas todas as cabeças e iniciar a marcha de regresso ao mundo civilizado."
 
Como o homem que perseguira Lampião por tanto tempo, não conhecera seu cadáver? Alguns podem até justificar e dizer que a morte muda a pessoa. Outros poderão até mesmo dizer que ele, Lampião recebera um tiro na cabeça. Mas vejam abaixo a foto da cabeça! Vejam o tipo do cabelo! Vejam a orelha de abano! Vejam o nariz! A cabeça chata na morte e em vida a cabeça comprida!
 
Uma pena que não tenhamos os exames de DNA como garantia. Não se trata de achar que toda a cadeia de informações tenham sido um logro arquitetado. Pode ter havido enganos, desde a identificação do corpo pelo soldado Soares, até os comparativos posteriores.
 
 
 
Mas o interessante é que  estado da cabeça de Lampião (abaixo) ao ser entregue à família, para ser enterrada, parecia bem mais com as fotos dele quando vivo.

 
 
Podemos levantar muitas questões e essas podem ser respondidas com argumentos positivos e negativos, pois os temas cangaço e Lampião, tem variantes mil. Mais uma vez esse tema para mim surge, com a postagem no Facebook feita por nosso amigo Cangaceiros Cariri, finalizando o pôster com as palavras "VALE A PENA VER DE NOVO"
remetendo para o link do artigo "Porque a reunião no coito do Angico?" e comentários dos leitores. Indico também um bom artigo com reservas, para a morte de Lampião, "VERDADE OU MENTIRA?" do  Blog do Haroldo de Queimadas-BA. e comentários de seus leitores também.
 
 
O TEMA É RICO, NÃO PRECISAMOS ESTREITAR O DEBATE.
NO DEBATE CONSTRUIMOS!
 

 
 

 
 
 

segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Lampião a caminho de Juazeiro, a Cidade Santa

LAMPIÃO convocado para fazer parte do Batalhão Patriótico do Juazeiro do ‘Padim Ciço’

A Coluna Prestes transpôs o rio Parnaíba, penetrando no Piauí. E a 18 de janeiro de 1926 atingiu a cidade de Picos, no Piauí, próximo do Ceará, ameaçando assim o Cariri.
O Deputado Floro Bartolomeu, investido pelo Presidente da República com a patente de General, para combater a Coluna Prestes, chegava ao Juazeiro com uma numerosa quantidade de munição, armas, fardamentos e com muito dinheiro no bolso para fazer frente às despesas de uma empreitada dessas.

As restrições que Lampião fizera ao Batalhão Patriótico onde mostrou com suas palavras a falta de disciplina e de um uma escolha de oficiais de comando sem tática, deixou o general desgostoso com ele. Floro Bartolomeu não conseguiu entender até então o que o guerrilheiro mais famoso do Brasil, naquela época, queria dizer e por isso macambúzio veio a relevar a provável ajuda. Quando Floro se convenceu que Lampião tinha razão, mandou logo procurá-lo para entregar-lhe, com a patente de Capitão, um dos comandos de vanguarda do Batalhão Patriótico.
— "Lampião é bandido!"  diziam uns.

— "A História” - replicava Floro, “está cheia de bandidos que se regeneraram, tornando-se grandes homens e até fundadores de império e nações”.
A importância dada a Lampião e seus cangaceiros pode ser sentida por quem conhecia por demais suas proezas e suas táticas de guerrilheiro. Um guerrilheiro bem treinado, vale por cem soldados imberbes ou despreparados. O pequeno bando de Lampião, de cerca de 50 homens valia por 5.000. Fico impressionado, pelas táticas desse homem que nunca veio a ter um preparo militar de caserna. Era guerreiro nato como muitos da história humana.
Era um cabra destemido e valente. Não significando que em algumas fugas do combate, mereça o adjetivo de covarde, assim como alguns infelizmente pensam. Essa é a tática de guerrilha usada em diversas partes do mundo. Para um inimigo poderoso, um ataque e um recuo para não perder forças. Apenas quando Lampião sentia que o enfrentamento era possível, tiroteava por diversas horas com seus inimigos.
A política da época dos coronéis do sertão, o usava de diversas formas, tornando-se seu aliado quando se tirava vantagem e mostrando-o como um bandido sanguinários quando isso lhes era de ajuda.

Lampião Regenerado
 
Somente na mente de um homem voltado para a salvação das almas sertanejas que padeciam pelo abandono do poder público, poderia conceber um plano desses. Padre Cícero já tinha feito que um cangaceiro abandonasse a vida de crimes e enveredado nos caminhos da lei e da ordem, por que não fazia o mesmo com Lampião?

Foi então expedida a ordem de convocação, em cartão oficial, com o timbre do Batalhão Patriótico, Floro assinou e convocou com urgência Lampião.  Na casa do padre Cícero foi chamado João Ferreira, que admitiu seu irmão estar pelas zonas do Pajeú ou do Navio. Padre Cícero então escreveu uma carta ao Coronel Né Pereira, da Carnaúba, em Vila Bela, chamando seu filho, como dizia ele, para se render ao patriotismo, combatendo uma força ilegal, que avançava para o Ceará e com intentos de invadir a terra santa do Juazeiro.
João Ferreira, irmão de Lampião, não quis servir de portador daquela convocação e então foi escolhido e incumbido o Tenente Francisco das Chagas Azevedo, comandante da Trigésima Terceira Companhia do Batalhão Patriótico, que ao chegar em seu destino, a fazenda Carnaúba, apresentou-se ao Coronel Né Pereira, que não fez demora, enviando três ou quatro pessoas, por diferentes direções, para ver se encontrava Lampião. De logo, o encontraram. Suspeitando de cilada, recusou Lampião atender ao chamado, tão somente depois que examinou bem a assinatura do Padre Cícero, cuja letra lhe era familiar, é que se decidiu ir ao Juazeiro.
De imediato, Lampião, agora com quarenta e nove homens, se pôs nas veredas, na direção do Cariri, em busca da patente almejada e para atender seu padrinho santo.

Era de manhã cedo, quando Lampião subiu a serra do Araripe. Ia a cavalo com os seus cabras. Mas receoso, deteve-se ele antes de entrar no pequeno povoado chamado Macapá, hoje Jati, que tinha uma força pública comandada pelo Tenente Luís Rodrigues, mandou-lhe uma carta de apresentação e anexou as de Floro e do Padre Cícero.
Após a leitura, o tenente, devolvendo ao portador as missivas, dizendo-lhe que Lampião podia ficar despreocupado, pois não haveria inguirizia e que aquele documento apresentado por ele, era um passaporte legal e que as portas daquele povoado estavam abertas para Lampião e seus comandados.  
Às três horas da tarde, entrou o Rei do Cangaço, em Macapá, com seu grupo. Viajando em meus pensamentos, os vejo, e minha alegria de admirador não do bandido que era, mas de um homem que fez sua história e deixou gravado nos corações dos nordestinos, e porque não dizer, do Brasil e do mundo quase todo, na escrita e na tradição boca a boca. Todos montados, firmes e olhando pra frente com seus corpos retesados, garbosos, trotando pomposamente, em desfile como sendo o salvador do povo cearense contra a coluna que queriam destruir as terras de ‘Padim Ciço”. Porte de majestade, o Rei dos cangaceiros ia na frente, em um cavalo que imagino branco, mas que segundo o povo, era ruço. Estava ladeado à sua direita por seu irmão Antônio e à esquerda por seu Lugar-Tenente o cangaceiro Sabino, “os três puxando a fila dupla, marchando de costado, com vinte e três pares de cavaleiros e fechada por Luís Pedro, sozinho.”
 
Parou a tropa quase que real defronte da casa do Tenente Barroso. Desceram dos cavalos e formando um semicírculo e segurando suas montarias, onde após os cumprimentos, cordiais e de estilo, o “Tenente Barroso passou em revista a tropa lampiônica. Um a um, foram, minuciosa e demoradamente, apresentados por Lampião, os seus guerrilheiros e explicada a origem de seus nomes de guerra: — Antônio Ferreira (seu irmão), Sabino (lugar-tenente), Seu Chico, Maçarico, Aragão, Jurema, Nevoeiro, Pinica-Pau, Tenente, Mormaço, Cobra Verde, Andorinha, Moita-Brava, Açucena, Cuscuz, Luís Pedro, Moreno, Três Pancadas, Três Cocos, Chumbinho, Pensamento, Juriti, Meia Noite, Criança, Cancão, Coqueiro, Sabiá, Chá Preto, Barra Nova, Bentevi, Lasca Bomba, Azulão, Gato Bravo, Beija Flor, Bom Devera, Pai Velho, Maquinista (literato e secretário), Cravo Roxo, Jararaca, Candeeiro e seu irmão Vareda, Serra do Mar, Lua Branca e seu irmão Vinte e Dois, Colchete, Delicadeza, Fogueira, Arvoredo e Cajueiro.”

A maioria dos cangaceiros, cabras acostumados aos combates era pernambucanos. Uns de Vila Bela, outros de Floresta e do Pajeú de Flores. Mais alguns de Triunfo. Tirante Pai Velho sendo o mais idoso, o resto da cabroeira entre 18 e 30 anos de idade. “E com exceção de alguns curibocas e dois negros, os demais de cor branca, ou amorenados. Na residência de uma idosa senhora, D. Generosa, se reuniram Lampião e seu Estado Maior (Antônio Ferreira, Sabino e Luís Pedro) juntamente com os Tenentes Luís Rodrigues Barroso e Veríssimo Alves Gondim (comandante de volante), o sargento Antônio Gouveia e outros agaloados componentes da polícia militar cearense, para uma conversa informal, amistosa e animada, servida de galinha assada e regada a vinho cerveja. Lá fora, cangaceiros, soldados e povo em perfeita harmonia. Quase consumido o estoque de cigarros, fósforos, bolachas, vinho e perfume da bodega do comerciante Moisés Bento, que gostava de "despachar" os cangaceiros, fregueses esses bons pagadores.”
Lampião não gostava de dever a ninguém, exceto sua ira revoltada contra o sistema que o oprimia e por isso requisitou, pagando corretamente, todas as galinhas dos quintais para mantença de seu bando. Depois, no meio da rua, ordenou Lampião ao sanfoneiro tocasse "Mulher Rendeira". E, enquanto improvisava loas, os cabras, em roda formada, xaxavam e cantavam o famoso estribilho:
— "Olê Mulé Rendêra , ô, mulé rendá,  Chorô pru mim num fica Saluçô vai no borná"

A vibração dos acordes desta canção guerreira contagiou os militares e todo o povo. De súbito, entusiasmados, todos imitavam os alegres visitantes...
Horas inesquecíveis, de alegria e festa, as que Lampião veio trazer àquele pedaço de sertão perdido no Cariri! Durante as despedidas, entregou Lampião ao Tenente Veríssimo um bonito revólver niquelado "Chimite" ("Smith and Wess"), para ser oferecido, como presente, a seu amigo ausente - Capitão Honorato dos Santos Carneiro, da polícia do Ceará.

Prosseguindo na viagem, passou por Porteiras, indo pernoitar no sítio Laranjeiras, cujo proprietário, Antônio Pinheiro, fez troca dos animais cansados e inferiores do grupo, fornecendo outros melhores.”
Daí Lampião e seu bando, partiram como salvadores da pátria e com peitos estufados de orgulho patriótico, entoavam o hino  "Olê Mulé Rendêra , ô, mulé renda...”.  

O Sonho de um Sonhador

Parece que eu estava lá. Em minha mente buliçosa, viajava antes que um piscar de olhos estalasse, vendo aquela alegria contagiante. Lembrou-me, mal comparando, e que Deus me perdoe, do Rei Davi, quando voltava à Jerusalém com a Arca da Aliança, recuperada dos Filisteus, onde o povo cantava e tocava seus instrumentos cantando e louvando a Deus por Davi a ter recuperado.
Marchei junto com eles sem que eles me notassem. E notei a satisfação no rosto de Virgulino Ferreira da Silva, que queria se ver livre de Lampião, e esta era sua oportunidade. Queria ser uma pessoa comum. Era seu sonho e eu no meu sonho, entrava no seu sonho. Queria criar seu gadinho e ter sua roça de algodão e macaxeira. Talvez até mesmo em seus sonhos proféticos, tenha visto sua Maria Bonita, esperando por ele, para criarem em paz os seus filhos.

Infelizmente os homens de poder e os invejosos, não deixaram, uma pena...
Fontes de partes da matéria:

 

quarta-feira, 22 de outubro de 2014

A MORTE DO PAI e DA MÃE de LAMPIÃO

Bico de pena de Lauro Villares com retratos da época
Não querendo faltar com o respeito aos direitos autorais do Padre Maciel, mas solicitando todas as desculpas, transcrevo uma parte da vida e morte desse homem que passei a admirar, que foi José Ferreira e desta mulher que seguiu seu amado esposo, Dona Maria Lopes, em cuidados com seus filhos, e suportarem tantas injustiças, somente e grandiosamente, para proteção deles.

Também fica registrado aqui nesse blog sem pretensão, a não ser no interesse em mostrar as perseguições sofridas por esta duas almas (que Deus as tenha), fatos acontecidos e testemunhados por pessoas que o autor entrevistou.

Quando li esses dois relatos escrito por esse autor, que pesquisou por 30 anos e somente por insistência de amigos, produziu essa preciosa obra, dividida em 6 livros, atinei em registar e incentivar os amigos a lerem essa obra.

Faço isso para aqueles que não tiveram a oportunidade que estou tendo em conhecer a história desde o princípio da saga guerreira de lampião e de seus irmão, Livino, Antônio e depois Ezequiel (quando se deu a morte da mãe e do pai, ele era menininho), que o acompanharam nessa aventura.

Fica também registrado o meu repúdio, aos perseguidores e destruidores de uma família humilde do sertão nordestino. 

Vamos à história, pelas mesmas letras, do livro 'LAMPIÃO, SEU TEMPO E SEU REINADO' de Frederico Bezerra Maciel.

MORTE DE D. MARIA LOPES

21 de maio de 1920.

Ainda escuro, entre o primeiro e segundo canto dos galos, reuniu José Ferreira a família e seus haveres — tão pouco: uma pequena trouxa para cada um! — e partiu, de mudança pela terceira vez* — “os Proscritos!”  Conduzia sua esposa enrolada em desgastado cobertor, de algodão e montada no velho e serviçal Condave. Os seis filhos atrás, olhos arregalados de pavor a que já estavam afeitos, pés no chão para não acabar com as apragatas muito gastas e remendadas, tiritando de frio apesar do exercício do caminhar.
No arrasto da vida e do destino escuros, quiném aquela noite impenetrável, arrastava José Ferreira a família e a miséria. Seguia ele na frente, trôpego, puxando o animal; na outra mão, levantada para alumiar o caminho, o butirão aceso, feito de garrafa de meio litro, com gás e grossa torcida de molambo fumacento.

Caminhava devagar como vagaroso era o seu maginar e raciocinar diante da prepotência do destino nos enigmas das ditriminações divinas. Já perto de chegar, voltou-se, consolador, para sua esposa e disse com resignação e fé:
 — "Maria, é preciso aceitar a vontade de Deus!"

Ela, desde a chegada, continuava sempre amurrinhada. Não se sabe se do cansaço da viagem, embora curta, ou porque sorrateiramente se aproximava a sua hora derradeira. O certo é que, não fossem as tramas ocultas dos perversos, atiçando perseguições e injustiças, não estaria ela assim desacabando a saúde e a vida.
* A primeira mudança da fazenda Ingazeira (Vila- Bela) para a fazenda Poço Negro (Floresta), a quatro léguas de distância; — a segunda, do Poço do Negro para a fazenda Olho d'Agua de Fora (Água Branca, Alagoas), vinte e duas léguas; — a terceira, de Olho d'Água dê Fora para a fazenda Engenho (Mata Grande, Alagoas), quatro léguas; — total: trinta léguas ou sejam cento e oitenta quilómetros! Perseguiram assim José Ferreira ponto por ponto até matá-lo! Dal em diante a família Ferreira não teria mais descanso, tornar-se-ia como Ahasvero, o judeu errante. A perseguição em cima, sem parar. Que se perseguissem os três — Virgulino, Antônio e Livino — que se lançaram no cangaço, compreende-se. Mas a familia que nada tinha a ver com isso? Perseguição inominável! A familia vagueou por Águas Belas, Bom Conselho, Juazeiro do Padre Cícero, Picos no Piauí E com Eurico de Sousa Leão caiu na diáspora!

Não se adornava a natureza sua a uma vida assim acuada por toda parte. Sentia-se desinfeliz, sem poder viver. Inda bem ali não chegara e já as perseguições recomeçaram. Não tinha vindo para ali fugida delas? E ei-las de novo! Sempre injustas, e agora grumitadas pela autoridade. Foi mesmo muito pior ter vindo para Alagoas. O arreliado e vendido comissário de Matinha de Água Branca, o famigerado Amarílio, querendo desarmar seus filhos dela para desmoralizar, corregendo as casas e desassossegando as famílias, prendendo sem motivo e torturando um inocente, botando emboscada, atacando à bala, doido para ganhar mais dinheiro matando... Nessas aflições todas, teve durante o dia dois passamentos. Botaram-lhe até vela na mão, maldando estivesse nas últimas e não resistisse mais.
José Ferreira também agoniado, com as mãos apertando a cabeça e sem encontrar canto para aquietar o juízo, exclamava: "Não! Não é possível viver aqui! Não passo mais um dia nessa terra. Vou falar com o delegado de Mata Grande, que é meu amigo, para poder ficar por lá". Diante da melhora, súbita e surpreendente, da esposa, andando embora devagarinho e pegada, comendo e conversando alegre — não sabia ninguém que era a "visita da saúde" precedendo a morte! — resolveu José Ferreira, de madrugada, selar dois burros e com seu filho João ir logo à Mata Grande trazer remédios e falar com o delegado, seu amigo. Os três filhos mais velhos, tendo espalhado antes que iriam ao brejo de Triunfo, na verdade continuavam ocultos no mato por causa da policia.

Aproveitando a manhã, alegre e de esperança, daquele dia 22 de maio de 1920, conduziram as filhas a mãe para fora, no terreiro de frente da casa, a modo de ela despairecer, tomar um arzinho e uns esquentes do sol brando. Ficou ela sentada numa cadeira, distraindo-se feliz com Ezequiel e Anália, os dois caçulinhas, a brincarem de pega no terreiro. Não demorou muito tempo, deu-lhe nela inexplicável cansaço seguido de sonolência. As três filhas, cada qual com um pote de barro na cabeça, tinham ido vexadas ver água na cacimba. Naquele momento instante, voltando, notaram que sua mãe, de repente, pendia a cabeça de lado e virava os olhos para cima, enquanto o queixo afrouxava entreabrindo a boca.
Compreenderam a evidência do desenlace...

Num sufragante, Virtuosa segurou a mãe pelas costas, levantando-a um pouco para Angélica retirar a cadeira. Ali mesmo foi ela deitada, a cabeça no colo de Virtuosa que se Sentara no chão. Posição essa mais favorável para ajudar a doente a desafogar o peito e a respiração, fazendo passar a agonia. Pela terceira vez — não sabendo que era a derradeira, Mocinha vigiou a vela benta e lhe colocou acesa na mão.
Ezequiel e Anália agarraram-se ao regaço da mãe, chorando e chamando:

— "Mamãe! Querida mamãe!"
Talvez para sua consolação, nesse instante derradeiro, tenha ela ouvido dos lábios infantis de seus caçulas essa doce palavra que traduzia inteiramente tudo o que ela fora na vida — mãe!

O semblante sereno, o olhar fugindo para a eternidade, tendo diante de si a imagem do Senhor Crucificado apresentado por Angélica, que a custo repetia entre soluços:
— "Meu Jesus, misericórdia”, entregou sua alma ao Criador.

— "Sem o mínimo estremeço o modo de um passarim!"
Mocinha apagou a vela. Soprava uma aragem macia e refrescante aliviando aquelas almas transidas de dor... Uma poeira de luz emoldurava aquele quadro de tragédia em terra estranha e de exílio... Lá para o meio-dia chegaram José Ferreira e João, simultaneamente com os três chamados de seus esconderijos. Encontraram a morta deitada numa cama de vento, amortalhada, com os lábios sorrindo para a morte, de vez que há muito deixara de sorrir para a vida!... Na dor e na lágrima lamentaram todos a desdita. Os três filhos perseguidos, às pressas colheram cravos amarelos e bugaris, enfeitaram o leito da mãe defunta e se esconderam de novo. Não podiam ficar velando.

Somente à noite, assim mesmo cismados e precavidos, voltariam para o velório. A família e vizinhos entre lágrimas e soluços de todos, inteiraram a noite fazendo a sentinela com os cânticos lúgubres das incelenças e o ofício das almas.
No dia seguinte domingo, pela manhã, conduzida numa rede pelos filhos, que se revezavam, foi feito o enterro, estrada a fora rezando, e sepultada numa cova do cemitério do povoado de Santa Cruz do Deserto*, após lhe terem o esposo e filhos beijado o rosto frio. Três coroas, lembranças do esposo, dos filhos e dos parentes, além de muitos buquês levados pelos acompanhantes, floriam a sepultura, que mais parecia um canteiro de festa, e de vida.**

* Povoado de Santa Cruz do Deserto no município de Mata Grande (cfr. cap. 24).
** Enviado, cor urgência, de Engenho para Vila Bela, um pombeiro, a fim de avisar aos Ferreiras das ribeiras do Pajeú e do São Domingos esta morte. Dona Mariquinha Ferreira, filha do Cândido Ferreira e prima de Virgulino, ao receber a dolorosa notícia — e ela bem se recorda que ainda na penúltima semana de maio de 1920 — exclamou, os olhos rasos de lágrimas: — "Tá! Maria Lopes morreu..." E ela mesma afirma que José Ferreira foi morto trinta e oito dias depois.

MORTE DE JOSÉ FERREIRA (29 de junho de 1920)

Penúria...
O pobre do José Ferreira, com tanta coisa amarga e trágica sem trégua se sucedendo, ficou desatinado, abatido, sem gosto pra nada na vida, curtindo os penares da dor e da saudade e os sobressaltos de uma desgraça ameaçadora e iminente. Chamou os três filhos que continuavam ocultos, e lhes disse: — "Vocês aqui não podem mais ficar. Vão para Pernambuco que depois eu tomo o mesmo caminho". Não podia, de súbito, se afastar de perto da sepultura da finada esposa. Seguiram os três filhos para Espírito Santo do Moxotó, onde ficaram; trabalhando na propriedade de seu Terto. José Ferreira vendeu os dois burros para comprar roupa de luto para todos de casa.

A diligência do diabo...
Cartas do delegado de Água Branca — comprado por Zé Saturnino — ao Chefe de Polícia de Alagoas, carregando em cores os assucedidos mais recentes: a revolta dos Porcinos; a invasão de "perigosos bandidos" vindos de Pernambuco, onde cometeram "muitos crimes"; o caso do soldado Jagunço em Mata Grande; a desfeita à polícia em Água Branca quando ela, "com bons modos", procurou desarmar aqueles "criminosos bandidos", os quais ao depois desfeitearam o comissário de Paricônia;. um "bandido, ainda jovem, comprando armas"; "a ameaça e o terror ganhando as populações"... Alarmado diante de tudo isso, resolveu o Governo cortar pela raiz todos esses males. Para tal, determinou ao delegado de Viçosa, 2° Tenente José Lucena, famoso por excessos de severidade, fazer uma diligência por aquelas bandas conflitadas. Ao chegar em Água Branca, foi Lucena inteirado de tudo o que ocorrera. Inclusive por carta de Zé Saturnino tivera conhecimento do nome dos "três perigosos bandidos e criminosos": os irmãos Virgulino, Antônio e Livino, além de Antônio Matilde, que, armados, haviam descido do Navio para aquele município alagoano. De primeiro, dirigiu-se Lucena à fazenda Chupete, para perguntar ao Capitão Sinhô pelos irmãos Ferreiras. — "Despachei eles para o Coronel José Abílio, de Bom Conselho; não costumo ter bandido comigo" — descartou-se o capitão. Carecia não se inocentar. Lucena não ofendia coronel e protegido da política de cima. Mas somente cabra solto, isolado ou de grupo. Seguiu, então, Lucena, na pista deles, em direção de Santa Cruz do Deserto.*

* Da fazenda Chupete seguiu Lucena no sucaro dos Ferreiras guiado por Zé Batista Quirino e outros mais da mesma família. Zé Batista sabia exatamente paro onde se havia mudado o velho José Ferreira. Tinham os Quirinos transações com os Ferreiras em razão do carguejamento de mercadorias. A aproximação dos Ferreiras com os Marcos, inimigos dos Quirinos, levou estes à denúncia de traição. Além de seus soldados, compunham a tropa de Lucena alguns cachimbos, juntamente com Amarílio e os Quirinos.
O assassínio...

Na casa de José Ferreira, só tristeza. Tinha ele ido ao cemitério e não compreendia por que desta vez chorara muito mais do que das outras. Revelara aos filhos o que dissera à falecida, já na cova enterrada, que não havia mais sentido para ele continuar a viver. Queria ir pra de junto dela. Repassou, de minúcia e fagueiro, os bons tempos de antanho, de paz e ternura. Recordou particularmente a última festa; do Senhor São João, há dois anos atrás, em que a finada, tão bonita e saudável, tão vistosa e alegre, dançara com ele... Hoje, era ele mais morto do que ela morta! No dia seguinte, 29 de junho, terça-feira, precisamente 38 dias depois da morte de D. Maria Lopes, de manhãzinha, o tempo chuviscoso, ele com mais João e as três meninas fora adjutorar, como alugados, os trabalhos de um roçado vizinho, a modo de trazer para casa alguma coisa de ganho para o de-comer carecente. Voltara logo para casa José Ferreira, cansado e escanchado em Condave, trazendo dependurados, de cada lado das ancas do velho burro, dois sacos contendo quatro mãos de milho plantado em São José e colhido agora para o São João.*
* A mão de milho em Alagoas: 25 espigas não debulhadas; em Pernambuco: 50.

Ao chegar no terreiro de frente da casa, bem perto do lugar em que a esposa falecera, apeiou-se. Correram pressurosos e choramingando de fome os dois menores e lhe tomaram a bênção. Abraçou-os o pai, afetuosa e longamente, acarinhando e beijando. Em seguida tirou os sacos e derramou as espigas num balaio. De cócoras, apanhava as espigas, tirava a palha, que avoava para Condave comer. Debulhava o milho numa gamela para depois fazer xerém no pilão, facilitando assim o trabalho das meninas que, ao regressarem, era só preparar o angu. O qual dessa vez não seria comido puro. Tinha ele comprado um bom taco de carne de bode e um litro de farinha. O "café" (almoço) seria sustancioso.
Estava José Ferreira dessa maneira entretido quando, escornetando a concha da mão na orelha, ouviu um tropel. Com mais, estava sua casa cercada de soldados. A uma distância de três braças gritou Lucena para o velho José Ferreira: — "Cadê os seus três filhos bandidos?" Ferido em seus brios e honra, José Ferreira retrucou, com todo o desassombro e altivez, alto, firme e pausadamente: — "Não, sinhô! Bandidos, não! Meus filhos não são bandidos. Querem forçar eles a ser. Mas eles são é home!..." — "É assim que responde a um oficial, velho malcriado, cachorro da mulesta" revidou furioso Lucena.

E, sem mais, descarregou ele próprio a pistola no peito daquele pobre velho, pacifico e indefeso, que caiu, por estranha coincidência, ali, no mesmo chão onde falecera sua esposa. Na queda, de chofre e de bruços, por cima do balaio, o corpo esparramado, o braço direito estirado segurando na mão um cabucé, torceu o rosto de lado e balbuciou:
— "Coma... coma..."

Pareceu, nessa única palavra, que a derradeira preocupaçao de seu coração paterno era desafaimar 'as crianças. Elas, as crianças, apavoradas, dispararam, aos berros, por dentro do mato. Um soldado para agradar ao comandante deu na direção delas um tiro de fazer medo, provocando gargalhadas nos seus companheiros de selvageria. Lucena vasculhou a casa de Zé. Ferreira, encontrando de arma apenas um quicé!
Ao retirar-se notou dois homens ,vindo, desconfiados e irriquietos, na sua direção. Sem saber nem perguntar quem eram, ordenou uma descarga de fuzil, matando um e ferindo o outro, que correu. Uma senhora e u'a moça que vinham a certa distância ficaram levemente feridas. Não era ele o senhor absoluto da vida e da morte?!

Os dois eram o velho Fragoso e seu irmão Zequinha. Aquele, viúvo e dono da fazenda Engenho, onde, por caridade, cedera uma humilde casa de morador para José Ferreira ficar até que resolvesse seu destino. A senhora era a dona da casa e a moça sua filha. Atentando nos disparos, tinham ido ver, desarmados, o que acontecia, sendo seguidos pelas duas mulheres.*
* É absolutamente autêntica, _ com todos os seus pormenores, a descrição. 'assassínio doi. pobre; manso e indefeso velho José Ferreira., assim como das outras circunstâncias. Em vez de debulhando milho, alguém fantasiou José Ferreira tirando leite de uma vaca ...

Vezo da polícia, para justificar seus crimes: alegar que houve "resistência". Assim fez Lucena: O cúmulo do grotesco: o alquebrado velho José Ferreira enfrentando sozinho uma formidável volante e "tiroteiando" com uma quicé, isto é, com um toco do facas Quando João Ferreira, filho da vítima, em entrevista, usou a palavra "tiroteio", entendeu dizer que houve tiros de um lado, o da volante.
Quase profético o Padre Epifânio Moura, vigário de Água Branca: — "Esse crime vai trazer muita desgraça para o sertão". O povo: — "Mataram dois cidadãos de bem só pru gosto de matar!" — "É do esperar que não fique nisso, não". E, de fato, o povo não se enganou. Tão revoltante crime lançou Virgulino e seus irmãos no cangaço. Criou Lampião! A situação piorou. Diante do ressurgimento do cangaceirismo, agora em forma diferente, recrudescido e desafiador. Chamou o Governador alagoano aquele homem de sua confiança, o único, a seu ver, que enfeixando poderes absolutos e indiscriminados, poderia liquidar, de um golpe, todo aquele mal, muito embora enegrecendo o seu nome e o da História. Este homem: — Segundo Tenente José Lucena de Albuquerque Maranhão. Esteve confabulando no Palácio do Governo, em Maceió, no dia 4 maio de 1921. Depois destituído da delegacia policial de Viçosa, iria com carta branca, acabar com o banditismo em todo o estado. E assim e vexado com uma poderosa volante de vinte e quatro homens, deixaria no dia 10 de maio, a cidade de Palmeira dos Índios “na direção do sertão.” A ação repressiva de Lucena chegou a ser "desumana", conforme ele próprio reconheceu. (Cfr. Adendo ao capítulo 45.)

A desolação da abominação! *
Alarmados pelos tiros, João Ferreira e as três irmãs abalaram para casa.

No maior desespero reviraram o cadáver, fecharam-lhe os olhos e o conduziram para dentro de casa. — "Mas, cadê Ezequiel e Anália?" — "Onde estavam escondidos?" — "Ou será que foram roubados?" — perguntavam-se angustiados uns aos outros, noutro desespero somado. . Feito loucos, saíram João e Angélica às procura deles, chamando-os repetidamente com toda a força dos gritos. Encontraram, enfim, os coitadinhos, com bem cem braças, num estado horrível, assombrados e atordoados, rasgados dos espinhos e tocos de pau, sujos de terra, quase sem mais falar de tão roucos, caídos no chão, semimortos de fome e pavor! Tragédia de rara concepção ou de difícil visualização nesse quadro desumano de miséria e barbaridade! — "Pareciam (as crianças) dois filhotes de ema perdidos no mato, piando de fome!..." Atirados os irmãos aos ombros, retornaram às pressas. No entanto, o grave da situação era que ninguém cia vizinhança, com medo de Lucena, queria se aproximar, para amortalhar e sepultar as vítimas. João Ferreira mandou comunicar o triste acontecido ao delegado de Mata Grande, Maurício de Barros** que atendeu prontamente e pessoalmente veio ao local, providenciando, por sua conta e risco, o enterro, mas de um modo tão atabalhoado, dadas as circunstâncias de terror, que João Ferreira nem viu quando os corpos, altas horas da noite, candeeiro aceso na frente, foram levados! - "José Ferreira também era filho de Deus e não bicho para os urubus..." — dissera Maurício, essa destemida autoridade e mais tarde integrante da polícia pernambucana. Sem que, ninguém da família assistisse, José Ferreira foi sepultado numa cova do cemitério de Mata Grande, na manhãzinha do dia 30 de junho de 1920, a última quinta-feira do mês.***
Unidos à mesma gleba do Pajeú, que os viu nascer, unidos numa vida de vinte e seis anos de amor conjugal; unidos ao mesmo chão do Moxotó em que expiraram o último alento, deveriam seguir o mesmo destino de continuar diante de Deus.

* Naquela época, culto sacerdote-vigário, corajosamente vergastou do púlpito e censurou severamente, condenando esses abomináveis fatos, tomando por tema de confronto as Sagradas Escrituras no famoso texto, cap. 9, v. 27, do profeta Daniel": — "O maldito Coronelismo, simbolizado no deus pagão-político, prepotente, cruel e desumano foi erigido sobre o altar da Justiça — divina por natureza — sob à qual procuravam se abrigar os humildes e ofendidos, os pobres e fracos, cuja vida é um perpétuo holocausto de seus direitos sagrados! Profanação, na linguagem bíblica chamada de "abominação da desolação" ou desoladora e horrorosa abominação".
**. Maurício Vieira de Barros. Lampião, a 29 de novembro de 1930, o prendeu juntamente com um soldado, nas Negras (Aguas Belas), quando ainda estavam deitados e dormindo. Levou-os presos até Pau Ferro (hoje Itaíba) município de Águas Belas. A porta da casa de Maurício, disse Lampião: — "Vou matar o soldado. Você não, porque lhe devo um grande favor: enterrou meu pai! Lhe poupando a vida, paguei a dívida. Se continuar a me perseguir e eu lhe pegar você não tem jeito, não. Morre, visse?!" Apesar das súplicas de Maurício, Lampião matou ali mesmo o soldado e soltou o prisioneiro. Maurício havia verificado praça na Polícia Militar de Pernambuco, chegando a ser sargento. Foi comandante de volante. Era perverso, cometendo muitos crimes. Etelvino Lins, Interventor do Estado, expulsou-o da polícia. Chamava a atenção seu bigodão, Ainda vive com seus noventa anos.

*** Defronte da igreja de Santa Cruz do Deserto visitou o autor deste livro um velho, em sua casa, o qual ajudou no enterro e, sem registro de óbito, no sepultamento de José Ferreira em Mata Grande, território da jurisdição policial do delegado Maurício Vieira de Barros. O nome do velho, o autor não guardou, mas tem como testemunhas o Dr. Tarcísio de Freitas então engenheiro chefe do DNOCS, emt Palmeira dos Índios.