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sexta-feira, 3 de novembro de 2017

O Batismo de fogo de Zé Saturnino












O Batismo de fogo de Zé Saturnino foi na fazenda Favela. O major Teófanes nomeou Zé Saturnino ao posto de segundo-sargento e lhe deu instruções de combate.  Este recebeu o comando de uma volante de 100 soldados e auxiliado pelo anspeçada, nome que se dava antigamente ao posto militar acima de soldado e subordinado ao cabo, a Manoel Neto, meteu-se nas caatingas a procura de Lampião. 


Zé Saturnino
Manoel Neto
Rapazes valentes, mas sem quase nenhuma noção de estrategia militar, embrenharam-se pela noite adentro viajando com fachos acesos para iluminar o caminho, expondo-se a emboscadas pelos cangaceiros. Por conta dessa inexperiência, quase vinte por cento da tropa desertou. 

Zé Saturnino e Manoel Neto, passando por Santa Maria (atual Tupanaci), no dia 10 de novembro de 1926, teve noticia que Lampião acabava de sair dali e que tinha dançado a noite toda. 

Seguindo a pista deixada pelos cangaceiros, a tropa passou por Campos Bons, Cachoeira, Exu e Arapuá, indo pernoitar na fazenda Icó. No dia 11 de novembro de 1926, antes do raiar do sol, a volante reiniciou a marcha. Como havia uns rastros em direção à fazenda Favela, de Antonio Novaes, os comandantes resolveram ir para a mesma a fim de se informar se havia noticia dos cangaceiros. 

A Fazenda Favela, que visitei no dia 13 de outubro de 2017 acompanhando a comitiva do Cariri Cangaço, fica a poucos quilômetros  da cidade de Floresta-PE. 


Lá chegando Zé Saturnino postou-se com uma parte da volante dentro de uma capineira, por trás da parede do açude em frente a casa-grande, e Manoel Neto seguiu com os outros homens para a outra casa que ficava no alto. 

Bateu na porta. De dentro, uma voz perguntou:

— Quem tá ai? 
— Aqui é Mané Neto! 
— Apois quem tá aqui é Antonho Ferrera!!! 

(alguns pesquisadores divergem dessa informação pois colheram dados que Antônio Ferreira. irmão de Lampião, estava com ele, na antiga sede da fazenda.)

E de repente a porta e janela se escancararam, e dos vãos abertos choveram balas em cima da tropa. Os soldados, por não esperarem uma reação daquela ordem, ficaram atarantados, e foram alvo fácil para os cangaceiros. Manoel Neto colou-se na parede, sem saber o que fazer, vendo seus comandados serem abatidos impiedosamente. 

Lampiao estava dormindo em outra casa com uma parte do grupo e ao escutar o tiroteio veio dar retaguarda a outra parte do bando, barrando a fuga dos soldados que corriam naquela direcão. Melhor sorte não teve Zé Saturnino, que ficara entocado no capinzal, não sabendo que justamente alí estava acampado o grupo de Sabino Gomes — quando os homens de Zé Saturnino correram para socorrer os companheiros, toparam de frente com os cabras de Sabino, e em face disso fugiram. Vejam as explicações nesse documentário:


O grupo de Sabino investiu então contra os soldados que ainda lutavam no terreiro da casa, e estes, atacados de todos os lados, debandaram em absoluta desordem. Muitos feridos, sabendo que se ficassem ali seriam sangrados pelos cangaceiros, juntaram as últimas forças e também correram, encorajados pelo valente Manoel Neto, que saiu carregando um ferido nos ombros e arrastando outro pelo braço, repetindo isso três ou quatro vezes.

Quando os dois comandantes se encontraram, abraçaram-se, sem ter o que dizer, escutando os gritos dos companheiros sendo sangrados. A sua volta só se viam uns 20 soldados. Pensaram que o resto tinha morrido. Ficaram felizes quando souberam que a maior parte havia fugido. 

Morreram na fazenda Favela seis soldados: Antonio Freire Panta, Gaudêncio Pereira da Silva, Francisco Pereira, Joao Gregório Neto, Agripe Lopes dos Santos e Cicero Petronilo da Silva. Feridos, quase todos. Entre os cangaceiros, apenas um morreu e cinco receberam ferimentos. 

Por conta dessa emboscada que sofreram, o Capitão Muniz de Farias jogou toda a culpa em cima de Manoel Neto, mas mesmo assim, por conta de sua valentia, Manoel Neto foi promovido a cabo mas Zé Saturnino perdeu o comando da volante e incorporou-se na volante de Euclides Flor. Corn o tempo, voltou a chefiar pequenos grupos. Quando em 1928 Lampião se transferiu para a Bahia, Zé Saturnino acompanhou a volante de Euclides em três incursões pelas terras baianas. Em 1° de junho de 1931, desligou-se da policia. Explicou suas razoes: 

— Se Lampião vorta para Pernambuco, brigo cum ele, mais nun vou largá mia fazenda e mia famia par andá fazeno papé de besta na Bahia, cumo quem procura uma aguia num paiero!

Em parte desse texto, o autor do livro Lampião, Raposa das Caatingas, nos ajuda a ver como essa batalha que ficou conhecida por "Fogo da Favela" - mas indico também outro livro, editado recentemente, chamado As Cruzes do Cangaço, onde os autores, em nossa visita nos relataram no local,  O Fogo da Favela.


Observações: 
- Mesmo o que está escrito acima e as informações faladas nos vídeos, nesse encontro do Cariri Cangaço 2017 em Floresta - PE. não invalida essa história.



Virgulino Torna-se o Cangaceiro Lampião

Lampião, senhor do sertão: vidas e morte de um cangaceiro*

Um artigo do Diário de Pernambuco de 18 de dezembro de 1931 relata que, tendo assumido a direção do grupo de Sinhô Pereira, Lampião passou imediatamente a devastar o sertão do Nordeste, principalmente o de Pernambuco, de onde era natural. 

Não esquecera tampouco sua inimizade com os nazarenos os quais enfrentou já em 1923, logo após sua entronização. Lampião decidira assassinar Antônio Gomes Jurubeba, o patriarca e chefe da numerosa família dos Jurubeba, mas se deparou com uma resistência "colossal": a comunidade inteira, incluindo as mulheres, envolveu-se num combate de mais de três horas que transformou o território dos nazarenos em "verdadeiro inferno". 

Lampião teve de bater em retirada. A resistência daqueles valentes sertanejos foi seguida da incorporação de uma parte dos nazarenos às Forças Volantes, o que marca o início de uma luta sem trégua entre Lampião e os nazarenos. 

Segundo o jornalista, em 1928 a família Jurubeba contava com vinte de seus membros incorporados à Força Volante do tenente José Belarmino Higino. O mesmo jornalista, que acompanhou de perto a luta entre os nazarenos e Lampião desde 1923, reencontrou o velho Gomes Jurubeba em 1931 que, cercado de seus dezesseis filhos e netos, declarava-se "sempre preparado a dar festiva recepção aos bandoleiros, a qualquer circunstâncias'. ("Sobre a ação do Bando de Lampião através dos Sertões Nordestinos, Narra ao Diário da Noite, do Rio, o Senhor Cícero Rodrigues de Carvalho", Diário de Pernambuco. 18/12/1931.)

A resistência dos sertanejos foi posta em destaque pela imprensa com muita frequência a partir dos anos de 1930, deixando bem claro que a população não estava incondicionalmente submetida a Lampião.

Na visão dos jornalistas do litoral, o sertão é uma região caracterizada por uma cultura violenta da qual o cangaceiro é o herdeiro natural, porém Lampião continua sendo, aos olhos dos sertanejos, não a figura tradicional do cangaceiro valoroso, mas um criminoso sanguinário. 

Se um bom número de cenas de tortura, humilhações e violências descritas com pormenores escabrosos e cores carregadas na imprensa da época, nem sempre parece verídico, é certo que Lampião sempre se distinguiu por sua crueldade e pela extrema violência dos seus atos. 

Eis o testemunho de Cícero Rodrigues de Carvalho, reproduzido na imprensa, que tem por objeto os começos de Lampião no cangaço à frente de um grupo em 1924:

Seguiu-se um período de horripilantes chacinas praticadas pelo bando lampionico contra indefesos agricultores. Foram, barbaramente, assassinados os srs. José Martins, João Cocô, José Capote, Belisário Zuza e José Calixto. 

A ultima dessas vitima sofreu atrozmente. Sangraram-no lentamente, cortaram-lhe as orelhas. Sua esposa padeceu os maltratos mais vis, sendo obrigada a salgar as orelhas do marido, já morto para entrega-las, depois em mãos de Lampião. Cena das mais infames que registra a historia do cangaço. 
Em fins de maio, em plena rua comercial da vila de Betânia, a legião da morte havia assassinado quatro pessoas, inclusive dois soldados pertencentes ao destacamento local. As vitimas foram friamente degoladas com facas de lamina larga, tendo os vampiros, para gáudio de suas taras abomináveis, introduzido, a coice de armas, um cartucho em cada olho das mesmas. ("Como Lampeão se Fez Chefe de Bando", Diario de Pernambuco, 18/12/1931)

Ressalte-se que Lampião pode ser visto de maneira negativa mesmo no sertão. Os versos de cordel de João Martins de Athayde, escritos quando Lampião ainda estava vivo, apresentam-no não somente como um indivíduo perverso e sanguinário mas, também como aquele que traiu certos princípios fundamentais próprios da cultura do sertão, a saber, o sentido de honra e o respeito a Deus: 

Lampião é um bandido 
De muita perversidade 
No logar onde elle passa 
Vai deixando a orfandade 

E não pode ter conceito 
Os crimes que ele tem feito 
Fora e dentro da cidade
É ladrão assassino 

E tambem deflorador 
Fez do rifle um seu amigo 
Consagrando grande amor 
E desgraçado e perjuro 
E mais sujo que o monturo 
Que nada tem valor. *

*(Carlos Alberto Doria, O Cangaço, 1981. p. 59 (transcrição do cordel de João Martins de Athayde, Novas Proezas de Lampeão).

Pg 93 do livro Por Elise Grunspan-Jasmin