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segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

O HOMEM Virgulino Ferreira (LAMPIÃO)


Quando Lampião à Bahia chegou, com muito dinheiro, iniciou negócios com  o coronel Petro, forte fazendeiro baiano que possuía mais de trinta fazendas na região e era chefe absoluto da política local e em entrevista arranjada pelo padre Emílio Moura Ferreira pároco da cidade de Glória, ficou muito satisfeito com Lampião e colocou à disposição dele sua fazenda Três Barras, perto de Patamuté, município de Curaçá, para passar o tempo que quisesse. Quase quatro meses de intensa atividade desenvolveu Lampião nessa fazenda.
Ali Lampião conquistou os habitantes das caatingas, fazendeiros e moradores, vaqueiros e agricultores, através do dom de sua simpatia, fala maneirosa, fineza de trato, cavalheirismo, "extrema bondade" — politica essa, inteligente e sagaz, de conquista da população, objetivo-base de sua Grande Guerra de guerrilhas.
Prodigalizou caridade para com os desafortunados e humildes, não lhes deixando faltar comida e ajudas pecuniárias. A todos atendia, com prontidão e solicitude, em casos de saúde: partos, estrepadas, mordidas de cobra... aplicando seus conhecimentos de medicina rústica e à base de raízes. Bom vaqueiro que tinha sido, era procurado para curar bicheira, pisadura no lombo, mal triste; extrair bezerro entalado... e por aí em diante, usando a medicina popular do sertanejo.
Dizia o vigário de Glória, padre Emílio Ferreira: — "Lampião era melhor conselheiro do que muitos vigários!" Recomposição de casais desajustados, desfazimento de inimizades, respeito e obediência dos filhos... uma infinidade de casos assim, que ele, atenta e pacientemente, ouvia e depois dava o conselho "certo e com toda a clareza e segurança". Não somente de “vigário-conselheiro” mas também de juiz que fazia as vezes. Todos os litígios lhe traziam, confiantes na certeza do julgamento sereno e da decisão justa: limites duvidosos de terras, traçados de cercados e travessões, direito às cacimbas de beber e de gado, uso comum de caldeirões, acordos entro parceiros para construção de barreiros e açudecos; indenização dos prejuízos nos roçados ocasionados pela miunça destruidora, prisão e expulsão dos ladrões de bode, solução das desonras pelo casamento imediato, repreessão aos trajes femininos coontrários aos padrões da época, pagamento dos fiados nas lojas, bodegas e botequins, remuneração de salários justos aos trabalhadores alugados...  - Tudo isso confirmado pelo cangaceiro Zé Sereno, testemunha de tantos fatos: "Certo rapaz se queixou a Lampião que o dono da fazenda não queria pagar aos homens do eito. Lampião foi à  reuniu os trabalhadores e obrigou o fazendeiro a pagar. Na saída, disse-lhe Lampião que não queria saber que algum dos trabalhadores fosse mandado embora..."
Era assim. Lampião "Gostava das coisas justas e respeitava quem merecia respeito", testemunhou o cangaceiro Zé Sereno.
Via-se em Lampião o homem de muita fé, e religioso fervoroso. Todas as noites, antes das festanças, promovia rezas e novenas a vários santos. Não perdia sentinela de defunto, na qual exigia respeito. Suas frases prediletas e constantemente repetidas: "Querendo Deus!" e "Confie em Deus!".
Tomou-se a fazenda "centro de eternas festas". Inculcava Lampião a alegria de viver. Dizia: "A vida é curta. A gente precisa de distração boa!" Cocos, xaxados, baiões... Danças: quadrilhas, maxixe, e principalmente o xote... Contradanças: valsa, polca...
Desafios, repentes, violeiros, cantadores... Tudo isso dentro do respeito. Os contraventores eram advertidos ou expulsos. Pelo que, todo o mundo participava das festanças: coronéis, vaqueiros, roceiros, os rapazes e a meninada e as famílias...
Nas vaquejadas, e principalmente na pega de boi, revelava-se ele o vaqueiro exímio e famoso do Pajeú, tornando-se inigualável nos tabuleiros baianos.
"Como O HOMEM, não tem aqui, na Bahia, quem corra no mato. Só vendo para crer", dizia-se, a miúdo, naquela época: "Quem quiser dançar xaxado, Valsa lenta ou baião, Corra, venha apressado Pras festas de Lampião".
Sim, seu nome próprio, "Virgulino", e seu apelido de guerra, "Lampião", desapareceram diante das manifestações inequívocas de sua bondade e benemerências.
Ficou conhecido apenas como "O HOMEM!" E a palavra "homem" para o sertanejo sempre significou o máximo do elogio. Assim, todos proclamavam convictos e reconhecidos: — "O HOMEM é um justiceiro!" E até popularmente era canonizado:
- "O HOMEM' é um santo!"
A voz consagrante do povo era propalada pelos cantadores ao pinicar das violas bem ponteadas:
— "O SANTO LAMPIÃO Era um home bem devoto. O SANTO LAMPIÃO Era um home bem querido".
Apenas com diferença de área geográfica, tornou-se para toda aquela gente dos sertões baianos O MESMO QUE FORA O PADRE CÍCERO, no Juazeiro, para seus crentes. E qual o segredo desse fascínio irresistível e poder de conquista que Lampião possuía?
— “Só porque LAMPIÃO ERA BOM!" afirmou Manuel Gonçalves de Azevedo, cidadão probo, agente corretor aposentado da Companhia de Seguros São Paulo, e que conheceu pessoalmente Lampião.
Ainda, segundo ele, Lampião, "não era aquele de quem se dizia com exagero: mau, sanguinário..." Com a simpatia assim diplomaticamente conquistada dos sertanejos, foi fácil ao sagacíssimo Lampião a eficiente e perfeita organização da rede de coiteiros.
Era assim Lampião, de personalidade contraditória. Ao mesmo tempo, valente e covarde, frio e sentimental, calculista e violento. Comportava-se com excepcional bravura para, às vezes, depois de vencer e dominar o inimigo, sangrá-lo friamente.
Certa vez brigou com um cangaceiro do bando chamado Alazão e o expulsou do bando. O costume quando expulsava alguém do bando, era retirar-lhe os "arreios do cangaço" ou seja, armas, cartucheiras, munições e os enfeites que carregavam. Chamavam isso de "quebrar o orgulho do cabra".
Quando a ordem foi dada, Alazão dirigiu-se diretamente a Lampião dizendo: "Venha quebrar você mesmo se é homem, "seu" covarde!"
Um dos cabras, apontando-lhe a arma para lhe dar um tiro olhou para Lampião, aguardando um sinal para mata-lo e sem se alterar Lampião calmo ordenou ao cabra: "Baixe a arma! Deixe ele ir com "orgulho" e tudo. Um cabra como esse não se mata. Fica no mundo pra tirar raça de macho."
Era assim Virgulino Ferreira da Silva. Tinha rasgos de herói e saídas de poltrão. Inteligente e astucioso, era um homem de vocação perdida.
Já escrevi por aqui, se aquele talento cru fosse devidamente aproveitado, Lampião poderia ter sido, não simplesmente um bravo vaqueiro do Pajeú ou um amaldiçoado chefe de cangaço, mas poderia ter sido um poeta, músico e artista, qualidades que revelou em seus versos, tocando sanfona, confeccionando belos e artísticos objetos de couro.
Poderia ter sido um bispo católico, ou quem sabe um general brasileiro, pois em seus combates que travou, demonstrou acentuada capacidade de estrategista. Não foram poucas vezes em que empregou planos bem arquitetados e bem executados para enfrentar e desestruturar seus inimigos. Possuía tato e qualidades de comando. Era na verdade um estrategista nato.

Fontes:
Lampião e seus cabras - Luiz Luna
Lampião, seu tempo e seu reinado - Frederico Bezerra Maciel

As botijas de Lampião no Raso da Catarina

Lampião quando chegou na Bahia, não conhecia ainda o terreno e escondeu provisoriamente seu tesouro na serra do Tonã. Enterrou-o em um saco de couro e só mais tarde quando veio a conhecer melhor a região, esconderia definitivamente tal tesouro, no Raso da Catarina, provavelmente dinheiro em cédulas de maior valor*, adotando o mesmo sistema que usara no outro lado do rio São Francisco – botijas enterradas em pontos diferentes para maior segurança.
Segundo a crendice popular, a botija enterrada quando o dono morre, seu fantasma não encontra paz até ser encontrada e desenterrada. Os moradores da região do Raso da Catarina dizem que Lampião galopa constantemente em um cavalo branco, cantando “Mulher Rendeira” por trás dos serrotes, “aperreado” por algumas botijas encontrarem-se ainda enterradas, ele vagueia em noites de lua.
Ainda existe muita gente que sonha com as botijas de Lampião nesse árido e esquisito local. Mas se você for “picado” pela mosca da botija, e queira ir ao Raso da Catarina para encontrar e desenterrar esses tesouros escondidos, não deixe de contratar um guia local e levar muita água, pois a região é inóspita e ainda pode se deparar com os perigos de onças suçuarana e cobras cascavéis em seu caminho.
* Quando Lampião conheceu o Coronel Petronildo de Alcântara, poderoso fazendeiro conhecido por Coronel Petro, apresentado pelo vigário de Glória, o padre Emílio Moura Ferreira, o coronel ficou bastante assombrado com a quantidade de dinheiro que Lampião lhe mostrou, só notas graúdas, afirmando que tinha trazido para a Bahia três coisas: fome, nudez e dinheiro. Como Petro era homem ganancioso, convidou Lampião para investir em sociedade, na compra de fazendas. Lampião satisfeito, passou às suas mãos aquela dinheirama toda.
Fonte: Padre Frederico Bezerra Maciel em seu livro "Lampião, seu tempo e seu reinado" livro 4 A Campanha da Bahia.

sábado, 20 de dezembro de 2014

VERSOS DE LAMPIÃO



Alguns versos dessa letra, encontram-se no livro do Padre Maciel. Abaixo transcrevo-os: VERSOS DE LAMPIÃO Livro 1 Lampião “Seu Tempo e Seu Reinado - As Origens”


Página 73 PROSCRITOS

“Que não se julgue feliz
O que vive em bom estado,
Que vem a naufragação
E acaba em mau resultado”.

Página 81 Versos dedicados a avó Jacosa

“Passei meu tempo feliz
Quando no colo materno
Gozei o carinho terno
De quem tanto bem eu quis”

Página 82 Lembrando das brincadeiras de menino

“Quando me lembro senhores,
Do meu tempo de inocente,
Que brincava nos serrados
Do meu sertão sorridente”.

Página 86 Nas relações com os de fora

“Fui até bom camarada.
E tive amigos também”.

Página 93 Lembrando dos irmãos e família

“Junto com meus irmãos
Lutamos como heróis
................................
E a luta que travamos
Destemerosa, honramos
O sangue de nossos avós”.

Página 93 Traçando os anseios de seu ideal

“Cresci na casa paterna
Quis ser homem de bem
Viver de meus trabalhos
Sem ser pesado a ninguém
Fui almocreve na estrada...”

Página 98 Como primeiro vaqueiro do Pajeú
Usando a terceira pessoa ele fez esses versos:

“Gado bravo para ele
Não estando mal montado,
Sendo em cavalo bom,
Julgava o bicho amarrado,
Ou vinha pr’o curral sadio,
Ou com um quart quebrado”.

Página 100 Versos para seus amores

“Tive também meus amores,
Cultivei a minha paixão,
Amei uma flor mimosa,
Filha lá do meu sertão,
Sonhei de gozar a vida
Bem junto à prenda querida
A quem dei meu coração!”.
O livro "Lampião, SEU TEMPO SEU REINADO" do Padre Frederico Bezerra Maciel, VOL.I, pg 204 e 205, fala da famosa poesia e existe apenas uma estrofe.

Lampião teria sido um grande comandante militar se compreendido como cidadão. As circunstâncias o levaram para o mal. Teria também quem sabe, escrito muitos livros de poesias. Uma pena...Luiz Gonzaga quando menino, via foto dele e dizia pra sua mãe: "Mãe, veja que homem bonito!" Lampião também era tocador de 8 baixos e as mocinhas de sua época suspiravam por ele. Como disseram... "Era um Príncipe!"


Chuva cheirosa


 
O céu começou a juntar nuvens de chuva que fundiram-se em uma só e passou a cobrir o sol. A cor? Imaginem vocês. Pois quando se fala em cor de chumbo, vem à mente de alguns aquela cor cinzenta sem vida.
 
Vejo a cor do céu carregado de nuvens de chuva, como sendo a cor eletrizante da vida e não reparo direito, talvez seja a cor mais bonita para o sertanejo nordestino.
 
Quando cai, nas plantas borrifa vida e ao solo deitam e acomodam-se aos desníveis do terreno, exalando um cheiro característico que se pudéssemos extrair a essência, usaríamos para espalhar o cheiro no sertão para que a oração fervorosa do sertanejo, pedindo chuva para molhar suas terras de onde ele tira seu pão, ficasse mais fervorosa ainda.
 
Tem pessoas que não sentem nada ao verem a chuva cair. São em sua maioria citadinos. Alguns até mesmo não gostam dela, por não estarem preparados pra ela, acham que lhe atrapalham nos seus negócios. Quem pena!
 
A chuva para nós sertanejos nordestinos é a vida que escorre nas veias da terra, irrigando o coração dela, que bombeia vida.



Quer experimentar? Venha para cá!
Escute o som gostoso dela. É música divina e quando vem acompanhada de trovões os passarinhos respondem com seus cantos variados, alegres e saltitantes, dando boas vindas à fonte de vida.


Músicas do Cangaço - Cantiga de Jesuíno

O grande historiador, escritor, conferencista e "contador de causos" Ariano Suassuna, extraiu de sua verve poética, essas belas expressões em homenagem a esse cangaceiro justiceiro. O grande músico pernambucano Capiba musicou a letra. Acompanhe na voz de Therezinha do Acordeon:


Meus senhores que aqui estão
Vou contar meu dizatino
A canção do cangaceiro que se chamou Jesuíno
Seu bacamarte de prata
E o luar do seu destino
Num gibão
Todo vermelho
Um punhal no cinturão
Bem montado num cavalo
Cujo nome é Zelação
Jesuíno virou logo, ai, ai, ui, ui
Rei do povo do Sertão.
Ver a terra era seu sonho
Nobre terra do Sertão
Com o povo repartida
Pelo sol da partição
E é por isso, que ele canta
De bacamarte na mão
Eu tenho um espelho de cristal
Foi Jesus Cristo que limpou ele do pó
Mas lá um dia a terra se alumia
E o meio dia se espalha a luz do sol.
Mas os ricos se juntaram
Com o governo da nação
Lhe botaram emboscada
E ele morreu a traição
Mas o povo não esquece
Sonha com ele o sertão
E se diz que ainda hoje
Em qualquer ocasião
Alguém sofre uma injustiça
Nos caminhos do Sertão
Soam tiros do seu rifle, ai, ai, ui, ui
E o tropel de zelação
E Jesuíno brilhante
Volta feito aparição
Queima do dono da injustiça
De bacamarte na mão
Sua voz então se afasta
Cantando a mesma canção
Chamava-se Jesuíno Alves de Melo Calado, nasceu em Patu, Rio Grande do Norte, no ano de 1844. Fez-se chefe de Cangaço devido a intrigas com a família Limão, protegida por influentes potentados rurais das províncias do Rio Grande do Norte e da Paraíba. Seus principais biógrafos são unânimes em reconhecer-lhe o caráter reto e justiceiro. Agiu no semi-árido paraibano e potiguar, quando a instituição do escravismo ainda vicejava de forma proeminente, refletindo as exigências da classe dominante em fazer valer seus interesses em detrimento de valores humanos. O cangaceiro transformou-se em ´Robin Hood´, intervindo em prol dos humildes em diversas oportunidades, com ênfase quando da grande seca de 1877-1879, atacando comboios de víveres enviados pelo governo imperial, distribuindo-os com famintos e desvalidos dos sertões ermos e esquecidos. Jesuíno morreu de emboscada no Riacho dos Porcos, em Belém do Brejo do Cruz, na Paraíba, no final da seca de 1879, atingido por carga de bacamarte disparada por seu inimigo chamado Preto Limão.

sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

Folk-Lore Nordestino - O Samba de Lata

O Samba de Lata é uma manifestação centenária da comunidade de Tijuaçu, no município de Senhor do Bonfim, no norte da Bahia. A origem dessa comunidade Quilombola, vem da história de uma escrava fugitiva de uma senzala do Recôncavo Baiano.
 
A escrava fugitiva, de nome Maria Rodrigues, que era conhecida por Mariinha, refugiou-se na região conhecida como Alto Bonito, que tinha uma estratégica visão da área e fazia que a escrava se protegesse, escondendo-se dos caçadores de recompensas pela recuperação de escravos fugitivos.
 
Mariinha, ou Maria Rodrigues, era uma negra africana Nagô, e veio a casar-se com um homem oriundo do Congo, onde deram inicio ao Quilombo.
 
A oralidade e as tradições como por exemplo, o Samba de Lata são tradições bastante lembradas e a comunidade que compõe o Território de Tijuaçu, tem muitas histórias e costumes passados de geração em geração.
 
O Samba de Lata surgiu enquanto as mulheres caminhavam longos trechos em busca de água. Os moradores dessa região costumam ter cabelos trançados e são bastantes religiosos ligados ao culto de São Benedito.

Confira essa produção da Tv Caatinga.
 
O folclore palavra aportuguesada que vem do inglês folk que é gente ou povo e lore que é conhecimento, é a tradição e usos populares, constituído pelos costumes e tradições transmitidos de geração em geração. Todos os povos possuem suas tradições, crenças e superstições, que se transmitem através das tradições, lendas, contos, provérbios, canções, danças, artesanato, jogos, religiosidade, brincadeiras infantis, mitos, idiomas e dialetos característicos, adivinhações, festas e outras atividades culturais que nasceram e se desenvolveram com o povo.

quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

O Fragello de "Lampeão"

 
 
Esse livro raro publicado no ano de 1931, e que não encontramos mais a não ser nas mãos de colecionadores ou em bibliotecas públicas, traz um apanhado de notícias dos jornais do Rio de Janeiro e da Bahia, relação essa documentada nos quatro primeiros meses do ano de 1931, com hediondas façanhas do famigerado bandido nordestino, Lampião. É de autoria de Pedro Vergne de Abreu, também autor de Os Dramas Dolorosos do Nordeste  - Deixo como como se encontra transcrito, transcrevo para aqueles que não tiveram a oportunidade de ler a introdução do mesmo, que é um libelo contra os crimes de Lampião.
 
"Pro re pauca loquar"
É BREVE A EXPLICACÃO . . .
( Do divino Poeta Mantuano)

Vae para dez mezes que uma voz mais poderosa e mais alta do que todas as vozes humanas me incita ao cumprimento de grandes deveres, até o sacrificio, para com a terra que amo sobre todas e sobre tudo...
 
Ha vinte oito annos, em transe de alma, decidi abandonal-a para consummar um divorcio necessario com a politica que a infelicitava e que, muito além das minhas previsões, continuou a empobrecel-a, dividil-a e devastal-a, até baixar ao que é nos ultimos annos : o "refugio pacifico" das peiores féras humanas!
 
Nos dias e noites de agonia que Vivi, no regresso de minha viagem á Europa, em 1902, a mim mesmo interpellava, para afogar as saudades e as hesitações da minha mocidade e preparar as grandes renuncias a que me votára: "É preciso combater e vencer o homem velho entumecido de orgulho e vaidade"...
 
Após tantos annos de ausencia e voluntario ostracismo, uma visita de poucos mezes aos lares talados de minha adorada Bahia, o contacto com as dores intraduzíveis das populações do seo Nordéste rever, deceram o coração do homem velho e deram aos meos 65 annos toda a paixão, enternecimento e coragem com que desertei outrora: E volto a combater o bom combate... .
 
Os "mestres cantores" que andam pela rama lyrica de suas faias, em livros ou jornaes, a fazer  apologia do cangaço e dos cangaceiros, a entoar-lhes laureas de heroismo e legenda, não podem ter uma ideia approximada dos dramas dolorosos que se desenrolam n'aquelles sertões adustos, taganteados quase diariamente pelas mais monstruosas atrocidades.
 
Intermittentemente, resido no Rio de Janeiro desde 1894, em que tive pela primeira vez assento no Congresso Nacional: tenho presenciado e assistido as mais graves perturbações, revoltas e motins que desde então têm desabado sobre a nossa formosa e culta Capital, e as correrias e precipitadas fugas das familias cariocas, como principalmente em 23 de Novembro de 1910 e 5 de Julho de 1922.
 
Pois nada vi comparavel com as scenas de panico, de homens, mulheres e crianças estonteados em meio do deserto e das caatingas só com a visão d'aquelle 'Monstrum horrendum, informe, ingens" que se chama "Lampeão!..." 
 
E depois dos destroços e ruinas; dos homicidios, violações e incendios; as almas mas penadas e ensandecidas, as Nióbes e Lucrecias para sempre ultrajadas e allucinadas, que pedem a morte como um allivio terminal! Mais humana a serpente de Ténedos, que na mesma pavorosa constricção esmagou Laócoonte e todos os seos filhos...
 
Jurei guerra de morte, com as armas que Deos me deo — a palavra e a penna — ao sombrio e multifário scelerado. E esse dever se impõe a todos os brasileiros; — pois é uma mentira, uma protervia sem nome, dizer-se que esse hediondo salteador é um fructo, da nossa incultura e desgoverno.
 
...0s Monstros florescem ás vezes entre as mais brilhantes civilizações: Londres, Paris e agora Dusseldorf, uma das mais adiantadas e industriosas cidades da Allemanha, têm visto tambem féras sanguinarias, que de humano só tem a "fórma e o aspecto"– Mas todos têm sido supprimidos e jugulados, e agora mesmo Reter Kverten. acaba de ser condemnado á guilhotina, em expiação de uma insignificante dezena de homicidios...
 
Sobre "Lampeão", que ainda vive, pezam muitas centenas de infames attentados..., Não desanimo de vêr desaggravada e vingada a honra do nome brasileiro, e confio que a Nova Republica não deixe expirar o segundo 'semestre de sua vegencia, sem cumprir esse grande e primordial compromisso.
 
No primeiro semestre, que hoje finda, "Lampeão" commetteo mais atrocidades no Nordéste do que nos ultimos dois anos: é o que me asseguram informantes da Bahia, que se têm dado ao cuidado de registrar seos feitos.

Antes de terminar essa explicação, devo rectificar dous involuntarios enganos, em que incidi no meu primeiro "Opusculo", publicado em 1930: — Lampeão" não é "Cearense", nem "afilhado ou discipido do Padre Cicero Romão Baptista",. . . Certamente..foi em Joazeiro (Ceará) que esse inveterado facinora percebeu as honras e as armas de Capitão honorario do nosso exercito, e d'ahi veio directamente irromper na Bailia. De onde, a supposição geral de ser aquella a sua procedencia; pois não disputamos a solicitude de "investigar-lhe a arvore genealogica", nem de cantar-lhe as gestas. Além das insuspeitas informações colhidas no livro do Sr. Gustavo Barroso ("Almas de lama e de aço.") e que transcrevi a pags. 16 e 17 do meu citado folheto .("Dramas do Nordeste"), outras muitas poderia aqui mencionar. 

Para desencargo de consciencia, e para corroborar que me firmei: em factos. históricos, notoriamente conhecidos, reproduzo apenas um suélto do "Globo", desta Capital, em recentissima data:

"No governo Bernardes, quando a coluna Prestes atravessava o Brasil, combatendo, "Lampeão" e seu bando foram chamados ao Joazeiro do Padre Cícero e ahi acolhidos. Receberam armas e muniçoes do exercito. O então deputado cearense, Floro Bartholomeu, nomeado general honorario, attribuiu a "Lampeão" o posto de capitão, concedendo-lhe favores especiaes e vantagens seguras. Data dahi a tenacidade daquelle cangaceiro, que tala os sertõesdo do nordeste a ferro e a .fogo. Depois de ter prestado serviços ao governo federal, sob o patrocinio do Padre Cícero, de Joazeiro, "Lampeão" e seu bando se tornaram flagello. Todos aquelles, que estudaram o problema concluem que os cangaceiros do nordéste vivem sob o patrocinio dos grandes proprietarios que, por interrnedio deiles, servem à politica. O caso de "Lampeão" é typico, Até o governo federal, no tempo de Bernardes. precisou de seus serviços".

Rio, 24 de Abril de 1931.
VERGNE DE ABREU.

domingo, 7 de dezembro de 2014

O PROGRESSO DESCARTA O CANGAÇO


Em seu livro "CANGAÇO A Força do Coronel" o autor, Júlio J. Chiavenato traz um impressionante relato do fim de Lampião e seu bando de cangaceiros, às margens do Velho Chico - Rio São Francisco, em local que estrategicamente para defesa não era bom e mesmo assim o Rei do Cangaço acoitou-se pois a certeza de está seguro ali, mesmo com condições desfavoráveis, sabia que estava "entre amigos" pelas cercanias do local. Foi seu erro, pois forças bem mais poderosas exigiam seu fim. O comandante da volante, o Tenente João Bezerra, fora intimado por seu comandante a exterminar o facínora.

Esses detalhes que podem ser verificados em capítulo final de seu livro, Júlio José Chiavenato, escreve sobre os fatos, sem indicar qual dos autores em sua longa Bibliografia de consultas, tenha indicado suas afirmativas, mesmo que saibamos que essas em parte sejam levantadas por diversos autores, historiadores e pesquisadores da epopeia do cangaço.

O autor inicia esse capítulo dizendo que o bando se deteve em Angico, um dos coitos de Lampião com cerca de 34 cangaceiros — 30 homens e 4 mulheres - divididos em três grupos de 13, 10 e 11 pessoas. Armaram barracas, formaram acampamento. Nas proximidades, outros grupos se escondiam.


Como sabemos, Angico é uma fazenda em Sergipe, na fronteira com Alagoas, no município de Porto da Folha, às margens do São Francisco, onde conta-se que Lampião era proprietário de duas fazendas.
 
Ali, em épocas chuvosas, existe um pequeno riacho com o mesmo nome de Angico que deságua em outro pouco maior, o Tamanduá. Existe até hoje muita especulação sobre o que fazia Lampião em coito tão precário. Aparentemente, sentia-se seguro, pois sabia que pelas imediações estava João Bezerra, que assim como outro oficial das forças governistas, o Major Teófanes Torres da polícia pernambucana, eram acusados de fornecerem armas e munição a Lampião. Bezerra, certamente, não iria atacá-lo, pensava o bandido. Há quem diga, porém, sem poder confirmar, que Lampião estava cansado, doente e que se descuidou da segurança.
 
Isso não é provável pois como todo pesquisador do cangaço sabe que a segurança do bando era tarefa de todos. Outra hipótese da parada em Angico seria que a doença de Maria Bonita que começara a cuspir sangue desde quando ferida num assalto no sertão pernambucano, fora a Propriá, cidade às margens do Rio São Francisco, em Sergipe, para consultar um médico e voltara com a suspeita de estar tuberculosa.

Várias fontes, embora não citadas pelo autor, embora sua lista bibliográfica seja extensa, garantem que Lampião marcara um encontro com João Bezerra para comprar armas — seria por isso que o tenente teria entrado tão facilmente no coito.
 
"E o coiteiro Pedro de Cândida teria vindo trazer as compras e acertar as contas. Um incidente com Pedro de Cândida devia ter alertado Lampião para o perigo. Uma das garrafas de bebida que ele trouxera foi examinada por Sereno, que descobriu um furo de agulha na rolha. Mostrou-a ao chefe e examinou as restantes: todas estavam envenenadas. Propôs abandonarem o local, e Lampião decidiu que partiriam no seguinte. Sereno não aprovou: disse que viriam atacá-los, deviam fugir imediatamente."
 
Conta-se que à noite, Lampião e Maria Bonita tiveram uma discussão pois ela estava com medo de morrer tuberculosa, pois queria sair do cangaço e instigava-o a comprar urna fazenda distante. Existem depoimentos que às vezes Lampião dizia que queria abandonar a vida cangaceira e alguns pesquisadores dizem que em entrevistas com cangaceiros depois do aniquilamento do bando, quando presos, alguns disseram que aquela reunião seria para acertarem isso.

Maria Bonita após a briga, foi conversar com Cila, companheira de Zé Sereno. Cila viu uma luz na escuridão e perguntou a Maria Bonita se não seria lanterna. De humor ruim, ela disse que era vagalumes. Como em uma grota poderia-se ver o que estava no altiplano? O pesquisador Amaury Correia diz que isso seria impossível.

Outras pesquisas, não citadas por Júlio, dizem que a briga tinha se dado da seguinte forma: Após sua recuperação, Maria retorna ao seio do bando, dias antes do combate do Angico. Chega, porém, com uma novidade: cortara o cabelo ‘a la garçon’, então na moda, o que despertou a fúria de Lampião, que não aprovou a “modernidade”. Segundo testemunhas (depoimentos de Dulce e Cila), tiveram um briga feia na véspera do combate.*

Na noite daquele 27 de julho de 1938, Maria, Cila e Dulce sentaram-se no alto de uma pedra para fumarem. Maria botou para fora a raiva que estava de Lampião e as três conversaram bastante, inclusive sobre o que aconteceria se fossem presas. Maria dizendo que se fosse presa por uma volante baiana não teria muitos problemas, pois tinha primos que sentaram praça. Cila, por sua vez, disse que preferia as volantes de Sergipe.

Em determinado momento, Cila chama a atenção das amigas para uma luz que acendia e apagava ao longe. “- Não será luz de pilha (lanterna)”, perguntou?. Maria, que era a mais experiente, não deu bola e disse que era vagalume. Ledo engano. Era a tropa que avançava.

Enfim, jogaram conversa fora e depois voltaram para dormir. Segundo Balão, todos se recolheram por volta das 22h. Enquanto isso os soldados se aproximavam silenciosamente, tentando fechar o cerco.

Na verdade era realmente o tenente João Bezerra, iluminando furtivamente o caminho. Uma volante cercava o bando: quarenta e quatro homens bem armados, levando metralhadoras.

Apesar do alerta de envenenamento, que sempre despertava um cuidado maior, os cangaceiros limitaram-se a patrulhar o local e, não achando rastros, foram dormir sem deixar sentinelas. Pagaram caro: os "macacos" atacaram de surpresa.
 
"Dupla surpresa, pois Lampião não esperava ser traído por Bezerra, de quem era amigo e freguês de armas. Uma das evidências do acordo anterior entre os dois foi a instrução que Bezerra deu antes de avançar: ninguém deveria atirar da "cabeça para cima". Se houvesse marcas de balas no alto das árvores, ele abriria inquérito e puniria os culpados. Isso porque era comum na simulação de combate, geralmente para enganar qualquer "oficialzinho revolucionário", os "macacos" descarregarem suas armas para o alto, sem perigo de ferir ninguém... Tempos depois, já coronel, João Bezerra, ao justificar a ordem, afirmou "que homens com medo atiram Iara cima"."

Por que então Bezerra atacou Lampião em Angico?

Segundo o autor, era porque "o governo já suspeitava de que ele traficasse armas e protegesse o bandido. O interventor, sob as ordens do governo federal, pressionou o coronel José Lucena, chefe geral das forças, que telegrafou ao tenente, ameaçando demiti-lo do comando se ele não matasse imediatamente Lampião. Foi quando Bezerra forçou Pedro de Cândida a trair Lampião, tentando inicialmente envenenar ou debilitar os cangaceiros para a luta próxima.

Essas circunstâncias combinadas, que induzem à traição de Bezerra e Pedro de Cândida (tentando envenenar e indicando o caminho do coito), mais o descuido de Lampião, liquidam o bando. De qualquer forma, mesmo o ataque sendo traiçoeiro, percebe-se que não era difícil para uma tropa decidida vencer Lampião. Na madrugada de 28 de julho de 1938 os "macacos" chegaram perto a ponto de ouvir a conversa dos cangaceiros. Lampião desperta e sai para a frente da barraca. O cangaceiro Amoroso vai buscar água no riacho e chega tão perto dos soldados que quase urina-lhes em cima. Soa o primeiro tiro e ele morre urinando. O tiro inicial foi de Abdom, o mesmo que usava o "escalpo de vagina" como talismã.

A fuzilaria é simultânea, as metralhadoras varrem o acampamento, não há tempo para a defesa. Poucos empreendem uma fuga desordenada. E o fim. Os soldados começam a brigar pelos despojos. Arrancam dedos a golpes de facão, em busca dos anéis. Esvaziam bornais e cintos, roubando ouro e dinheiro. Essa ânsia de ladrões prejudica a perseguição ao resto do bando. O tenente Bezerra teme que o saque histérico possibilite a algum cangaceiro mal ferido matar alguém. Intervém a chutes e golpes de coronha para acalmar seus comandados. Notam que Maria Bonita não morreu.
 
Ferida na perna, rasteja até Lampião, que ainda respira. Pede que o poupem, quando é arrastada pelos cabelos pelo soldado Cecílio. A coronha do fuzil abate-se sobre seu crânio e ela é degolada viva, mas a cabeça fica pendurada no pescoço. Enquanto isso, a disputa pelos despojos se reacende: Luís Pedro, homem de confiança de Lampião, tem as mãos cortadas — já não há tempo para decepar apenas os dedos. Tais fatos são confirmados pelo tenente Bezerra. Conforme o costume, os militares cortam a cabeça dos cangaceiros para levar às autoridades, exibir ao povo, dar aos cientistas que estudam as "taras sertanejas" . O corpo de Maria Bonita foi colocado em posições grotescas, para risos da volante. Há um depoimento fantástico de um dos participantes da chacina, José Panta de Godoy. Foi ele quem deu o primeiro tiro em Maria Bonita. Explicando as degolas, Godoy confessa tranquilamente como se comportou com os restos de Maria Bonita:
"...nóis ficamos levantando a saia dela com a boca do fuzi, pra vê a calçola, qui era encarnada. Quando nóis tava alí olhando, Wenceslau foi para ali i achô os dois borná dela. (...) Eli ficou com um borná eu cum outro. Nu borná dele tinha noventa i nove conto i no meu dizesseis conto. Fiquei tambem cum a cartuchera de ombro de Lampião i o cantil deli. Nu borná. de Maria Bonita tinha um poquinho de oro quebrado."
 
Godoy acabou de separar a cabeça de Maria Bonita:
 
"Dipois de cortá a cabeça, qui até tive qui batê no osso, saiu monto sanguí i eu inflei o dedo dentro do tutano que tinha í barriei tudo, qui era dum branco danado. (...) A carça dela era incarnada mais tava melada di sangui do tiro."
 
A regra do jogo. apesar da encenação de João Bezerra de tentar confiscar o saque, era que os soldados ficassem com os pertences dos cangaceiros que matavam. Godoy deixa bem claro: "...o qui eu peguei de Maria eu iscondi e num devolvi." O depoimento de José Panta de Godoy foi feito no local da chacina, em Angico, registrado por Antonio Amaury Correa de Araujo em Assim morreu Lampião.
 
Assim acabou Lampião. Restava apenas liquidar o pequeno grupo de Corisco. Acabava-se o cangaço, mas a polícia, muito pior que o banditismo, sobreviveu — essa sobrevivência que ainda mantém o sertão submisso ao latifúndio.

Matam um aleijado: o fim do cangaço

Culpa-se muito Lampião pelo descuido. Mas ele estava seguro da amizade de João Bezerra. Mesmo porque, quando Pedro de Cândida foi entregar as compras, levou dois sacos de balas enviadas pelo tenente. Vários depoimentos confirmam que João Bezerra abastecia Lampião, mas ele sempre negou. Tendo matado o cangaceiro, as autoridades aceitaram suas explicações. Justificou inclusive as degolas, em livro que publicou em 1940, Como dei cabo de Lampião: era impossível levar os corpos,. portanto cortou as cabeças; as cabeças provavam ao povo que Lampião tinha mesmo morrido; além do mais, garantiu que ripo houve degola — segundo ele, degola é só quando se corra o pescoço de "animais vivos". Acrescentou, cinicamente, que houve "uma simples operação anatômica, se bem que malfeita, porque não me consta que meus homens conhecessem esse ramo da ciência." Não é preciso repetir o conhecido passeio das cabeças exibidas em cidades, levadas à capital, expostas em museus e reproduzidas em fotografias por jornais de todo o mundo. Inútil determo-nos nas pretensões científicas de charlatães que estudavam crânios e crebros procurando a "inferioridade racial" do nosso povo. Cinco dias depois da chacina de Angico, Corisco vingou-se cruelmente. Invadiu a casa de um coiteiro que julgou ser traidor e responsável peio massacre de Lampião e matou quatro homens e duas mulheres, só deixou escapar as crianças, a pedido de Dadá. Embrulhou as cabeças numa rede e mandou-as ao tenente João Bezerra, com uma carta desaforada: "Faça com essas .cabeças uma fritada. Matei duas mulheres, para vingar a morte de duas que foram assassinadas em Angico." Mas ao encontrarem com uma volante, Corisco foi metralhado. Nunca se recuperou: o braço esquerdo "secou". a mão direita ficou paralítica. Doente, começou urna longa fuga pelo sertão, abatido, disfarçado de vaqueiro, ele e Dadá procurando algum refúgio distante. O governo oferecia bom trato aos cangaceiros que se entregassem. Corisco preferiu não acreditar. O casal foi cercado, em 1940. por Zé Rufino. Corisco estava desarmado — nem podia sustentar o revólver — trêmulo, um homem acabado, sem a imponente cabeleira loira que foi sua marca
característica. Foi metralhado na barriga, e quando Dadá tentou socorrê-lo recebeu um tiro na perna. Corisco sobreviveu quase dez horas, com os intestinos à mostra. Dadá teve o pé decepado. Enterraram Corisco em Jeremoabo, mas a Justiça mandou desenterrá-lo: os cientistas reivindicavam sua cabeça e o braço direito para estudos. José Rufino, mitificado junto com Corisco, não foi um "matador de cangaceiro" — assassinou um aleijado.
 
O cangaço terminara.

Este livro não é nenhuma tese. Apenas reforça o que me parece uma evidência despercebida: o cangaço foi usado pelo latifúndio para controlar a população sertaneja. Foi um banditismo de controle social. Os cangaceiros eram bandidos cruéis, sem consciência social, que se aliavam ao poder do latifundiário. Deixaram de existir quando não foram mais necessários. Mas seus aliados e inimigos são piores. O banditismo cangaceiro morreu. As forças que o geraram e usaram continuam vivas no Nordeste brasileiro, fazendo uso de métodos mais refinados e cruéis. Em quarenta anos de cangaço, os cangaceiros não mataram tanta gente quanto as condições injustas da posse da terra matam hoje no Nordeste. Morrem diariamente de sub-nutrição mais crianças nordestinas que todas as vítimas dos cangaceiros em quarenta anos reunidas."

As estórias são muitas, abaixo um link para outras, a respeito do assunto. Creio também que se as autoridades tivessem se importado mais com o povo nordestino abandonado à sanha dos coronéis e cangaceiros e tendo como madrinha a seca, a história seria outra. Inclusive registro aqui a ida de Lampião à cidade de Juazeiro do Ceará, terra do Padre Cícero, que sem gostar daquela situação que seu correligionário e amigo Floro Bartolomeu, que desfez o convite a Lampião para fazer frente à Coluna Prestes, e esse não foi de conhecimento do bandido, teve que recebe-lo a contra-gosto, além de ter que inventar uma nomeação que não foi aceita pelos oficiais da polícia pernambucana, rechaçando Lampião e sua patente de Capitão. Quando Lampião tentou voltar ao Juazeiro, depois da refrega, certamente para reclamar ao padre Cícero, a não aceitação de sua patente, Cícero Romão Batista não quis mais recebe-lo e Lampião volta ao cangaço novamente e desta vez com mais ira e bestialidade, por ter sido renegado até mesmo por seu padrinho, se bem que nunca se ouviu de sua boca, também renegar o santo do sertão.

O ÚLTIMO COMBATE DE LAMPIÃO

sábado, 6 de dezembro de 2014

Lampião e a música internacional "The bandit" - Mulher Rendeira

 
 
Esse foi um dos estrondosos sucessos de Tex Ritter cantor norte-americano de música country e também ator de cinema conhecido nas décadas de 1930 a 1960. Gravou essa música baseada no versos de Lampião MULHER RENDEIRA. Foi baseada na música criada por Lampião e ficou muito popular nos Estados Unidos no meado da década de 1950. Intitulada The Bandit, foi gravada e divulgada pela Capitol Records em 1954. A música era uma adaptação do original, e as palavras se referem a um bandido brasileiro desconhecido. É claro que em 1931, o jornal New York Times chegou a apresentá-lo como um Robin Hood da caatinga, que roubava dos ricos para dar aos pobres. Lampião já era conhecido internacionalmente, saindo reportagem sobre ele nos principais jornais do mundo.

Woodward Maurice Ritter, mais conhecido como Tex Ritter (Murvaul, 12 de janeiro de 1905 - Nashville, 2 de janeiro de 1974) foi um cantor norte-americano de música country e também ator de cinema conhecido nas décadas de 1930 a 1960, possuindo uma estrela na Calçada da Fama em 6631 Hollywood Boulevard.
 
Ritter nasceu em Murvaul, Texas, filho de James Everett Elizabeth Ritter e Martha Matthews. Ele cresceu na fazenda de sua família no Condado de Panola e frequentou a escola da classe em Carthage. Ele frequentou a South Park High School, em Beaumont. Após graduar-se com honras, ele entrou na Universidade do Texas em Austin, ele estudou pré-direito e, sobretudo o governo, ciência política e economia.
Foi casado com a atriz Dorothy Fay com quem teve um filho, o ator John Ritter, já falecido. É avô do também ator Jason Ritter, filho de John Ritter e de Nancy Morgan.

LAMPIÃO EM SERGIPE - A descrição de Lampião

 
Foi no ano de 1929, no mês de abril, que a história da pequena localidade de Poço Redondo, no sertão sergipano, que Virgulino Ferreira da Silva, o famoso Lampião, encontrou-se com o padre Artur Passos, Pároco de Porto da Folha, cidade vizinha e sede do município, que estava em visita pastoral e iria realizar a celebração da Santa Missa naquele pequeno povoado.
 
Lampião humildemente como lhe era peculiar quando tratava-se de religiosos da Igreja Católica, pediu licença para assistir a missa com seus cangaceiros, o que foi permitido pelo padre que dissera, em seu papel de pastor de almas: “Esses homens cujas vidas têm sido um amontoado de crimes, delitos e abominações, mas homens todavia”.
 
Após a missa, Lampião em conversa com ele, escreveu numa lista, os nomes de seus comandados, informando a idade, e o apelido de cada um deles, passando a lista para o Padre.
 
Tinha Lampião 29 anos e estava acompanhado do seu irmão Ezequiel, o Ponto Fino, de 20 anos, Virgínio Fortunato, o Moderno, com 28, Luiz Pedro da Silva, o Esperança, com 24, Cristino Gomes da Silva, o Corisco, com 23, Mariano Gomes da Silva, o Pernambuco, com 25, Hortêncio Gomes da Silva, o Arvoredo, com 24, José Alves dos Santos, o Fortaleza, sem indicação de idade, José Vieira da Silva, o Lavareda, com 27, e Antonio Alves de Souza, o Volta Seca, com 18. 
 
O Padre Artur Passos descrevendo Lampião para a imprensa, diz que ele era “Alto, acaboclado, robusto, andar firme e compassado, cabeça um tanto inclinada, o olho direito inutilizado, com uma grande mancha branca, olhos brancos de aro de ouro, ou metal dourado, um sinal preto na face direita. Na cabeça, grande, alto, vistoso chapéu de couro, ainda novo, bem trabalhado, a imitar os antigos chapéus de dois bicos, com as pontas para os lados, tendo as largas abas da frente e de detrás erguidas e enfeitadas. Uma estreita tira de couro, ornada, o prende a testa, uma outra à nuca, e uma terceira, o barbicacho, aos queixos. Este chapéu fica, assim, bem seguro e apesar da altura não deve cair com facilidade. Cabelos estirados, cortados à Nazarena, inteiramente bem barbeado. Blusa e calças - perneiras de caqui. Aos pulsos – guarda – pulsos – de couro, de uns quatro dedos de largura. Anéis em todos os dedos, teria na ocasião uns cinco ou seis na mão direita e uns seis ou oito na mão esquerda.
 
Duas grandes cartucheiras de um lado e duas iguais do outro, cruzam-se sobre o peito. À cintura, à guisa de cinturão, uma larga cartucheira com duas ou três ordens de cartuchos. Tudo bem enfeitado de ilhois e placas de metal. Na mão, inseparavelmente, arma terrível que tantas mortes já vomitou, no rápido crepitar, no lampejar contínuo do qual, segundo consta, se origina o seu nome de guerra. Esta arma não é um rifle. É sim um mosquetão de cavalaria, ou coisa semelhante: arma de cinco tiros, que tem o ponto curvo. Á frente, passando entre as cartucheiras, o já conhecido punhal, de uns três palmos, cabo e bainha de metal branco, arma forte, bonita, malgrado a aplicação que tem, de ótima têmpera. Com ela pelo cabo observei abrir, com facilidade, uma garrafa de conhaque sergipano, sem ultrajar a rolha. Ao lado e às costas, pendentes de fortes bandoleiras, as sólidas mochilas, bem recheadas de balas, formando uma larga e saliente roda, de grande peso. Tudo isto liga-se ao corpo de modo tal, que forma uma espécie de couraça fixa, sem prejudicar os movimentos rápidos. Ao voltar-se para qualquer parte e em qualquer posição, nada desse arsenal se desloca. Usa uma espécie de sapato de grossas solas e bem feitas. Trás esporas e rebenque e, ao montar, calça umas luvas de pano marrom que cobrem apenas as costas das mãos. No bolso das calças, donde várias vezes a vi retirar, uma carteira bem recheada, além da qual deve trazer, em um lenço ou carteira, sob a blusa, o grosso dos “cobres”. Anda sempre bem barbeado. E em qualquer casa de barbeiro, por onde passa, manda escanhoar, desembainhando o terrível punhal que conserva voltado para o operador, segue atento a operação. Em tudo guarda serenidade e presença de espírito. Este o homem.”
 
LAMPIÃO EM SERGIPE
 
Antes de chegar a Poço Redondo em 29 de abril de 1929, Lampião esteve em Ribeirópolis, Pinhão e no povoado do Alagadiço, pertencente a Frei Paulo. Parecia procurar alguém ou reconhecer um terreno onde contava com amigos, como Otoniel Dória, de Itabaiana, terra de Volta Seca. A amizade entre Lampião e Otoniel Dória certamente evitou a entrada do cangaceiro e do seu grupo em Itabaiana. No dia 21 de abril Lampião estava em Ribeirópolis, de lá foi para o Pinhão, voltou para Ribeirópolis, foi a Alagadiço, seguindo viagem até chegar a Poço Redondo, a terra que mais contribuiu com gente, homens e mulheres , para os bandos de cangaceiros.

Entrando e saindo de Sergipe, Lampião escolhia a dedo o roteiro e o lugar de suas visitas. A sua presença em Capela, em novembro daquele mesmo ano, é a mais conhecida e relatada, graças aos depoimentos de Jackson Alves de Carvalho, incluindo o relato que fez ao conterrâneo Nelson de Araújo, publicado no jornal A Tarde, da Bahia, e aos artigos de Zózimo Lima, no Correio de Aracaju e na Gazeta de Sergipe. Os dois informantes foram protagonistas dos acontecimentos na Capela e mereceram de Lampião toda a atenção. Um deles chegou a ser procurado no cinema da cidade. Zózimo Lima era dos Correios e Telégrafos, posto chave para evitar que a notícia da presença ali do cangaceiro fosse comunicada às autoridades. Antes e depois de Capela, o capitão esteve em Nossa Senhora das Dores.

A rota de Virgulino Ferreira da Silva em Sergipe era guardada por um grande círculo de amizades, transformadas quase sempre em coitos e em fornecimento de víveres, armas, munições, animais, dinheiro e outras coisas necessárias à sobrevivência do chefe e do seu bando. Um dos bons amigos de Lampião foi o capitão médico Eronídes de Carvalho, que depois da revolução de 1930 passou a ser figura destacada da vida política sergipana, ocupando o Governo da Interventoria e sendo, com a constitucionalização de 1934, Governador do Estado.

Em agosto de 1929, ano que Lampião passou quase todo em Sergipe, na fazenda Jaramantaia no município de Gararu, houve um encontro entre os dois amigos. Foram longas conversas documentadas pela câmera fotográfica de Eronídes de Carvalho, em fotos que o cangaceiro usa perneiras, o que era raro. Além de ser amigo do militar, Virgulino Ferreira da Silva tinha fortes laços com Antonio Carvalho, o Antonio Caixeiro, pai de Eronídes e influente senhor de terras em Canhoba, Gararu e Porto da Folha e em outros locais do sertão do São Francisco. A notória amizade estimulava os comentários de que a família de Eronídes de Carvalho fornecia armas e munições novas, modernas, tornando Lampião melhor armado do que as forças que o perseguiam.

O rio São Francisco era a ponte para Lampião, seu grupo, e os grupos de outros chefes, como Zé Sereno e Corisco, que freqüentemente andavam em solo sergipano. Sendo comum a travessia, nem sempre foi fácil fixar com precisão, quantas foram e quando foram as visitas dos cangaceiros a Sergipe. O que se sabe é que Sergipe foi bem freqüentado e viveu dias de medo, e sobressalto, debaixo da presença sempre surpreendente dos cangaceiros. Sabe-se também, que os senhores de terra e de engenhos davam quantias significativas a Lampião, atendendo aos seus pedidos, quase sempre escritos em cartões de visita com sua foto ao lado, ou em simples pedaços de papel.

Antes de ter encontrado com o padre Artur Passos em Poço Redondo, Lampião pode ser assistido missa em Canindé, o arruado antigo que desapareceu do mapa para que surgisse, com a barragem do rio, uma nova cidade. No entanto, não houve o registro nos moldes do que foi feito pelo padre Artur Passos. A presença de Lampião em Sergipe permaneceu no noticiário dos jornais e nas conversas das cidades, povoados, nas feiras e nas ruas e estradas sergipanas, até sua morte na gruta de Angicos, nos domínios geográficos de Poço Redondo, no dia 28 de julho de 1938. O ataque da força alagoana atraiu a imprensa do Brasil, enquanto por coincidência ou não, Eronídes de Carvalho, na chefia do Governo, novamente como Interventor, pagava matéria publicitária de Sergipe, nos jornais do Rio de Janeiro.

A morte de Virgulino Ferreira da Silva não encerrou o ciclo. Corisco, que escapou do massacre por ter chegado atrasado para o encontro com Lampião, vingou o chefe degolando moradores de fazendas da margem sergipana do rio São Francisco. O rei do cangaço mereceria ainda, a atenção de escritores sergipanos, como Ranulfo Prata e Joaquim Góis. O primeiro era médico, escritor premiado como contista e como romancista, autor de Dentro da Noite, Navios Iluminados, Lírio da Corrente, escreveu Lampião, documentário editado em 1937 (Rio de Janeiro: Ariel) quando ainda vivo Lampião alimentava o imaginário social com suas façanhas. Joaquim Góis, investigador de polícia, integrante de uma das volantes sergipanas, revelou-se excelente narrador ao escrever Lampião – O Último Cangaceiro (Aracaju: Sociedade de Cultura Artística de Sergipe, 1966). Outro sergipano, José da Costa Dória, radicado na Bahia, testemunha ocular da presença de Lampião no sertão baiano, deixou inédito Vida e Morte do Cangaceiro Lampeão. Padre Artur Passos fez registro do seu encontro com Lampião em Poço Redondo em série de artigos publicados em pequenos jornais de Penedo, Alagoas e de Rosário do Catete e outros lugares de Sergipe. O jornalista baiano radicado em Aracaju, Juarez Conrado é o autor de A Última Semana de Lampião, publicado em 1983, adaptado para especial na televisão. O acadêmico e magistrado José Anderson do Nascimento escreveu Cangaceiros, Coiteiros e Volantes, editado em 1998. Sila: Uma Cangaceira de Lampião é o livro de Ilda Ribeiro de Souza, a Sila, mulher de Zé Sereno, com seu depoimento sobre as andanças dos grupos pelo Nordeste. E Alcino Alves Costa, político de Poço Redondo, tem contribuído com informações e análises para a compreensão do fenômeno do cangaceirismo e especialmente sobre a presença de Lampião em Sergipe. Depois de publicar Lampião Além da Versão, em 1996, acaba de lançar O Sertão de Lampião, ambos editados sob os auspícios da Secretaria de Estado da Cultura. Vera Ferreira, filha de Expedita e neta de Lampião e de Maria Bonita tem pesquisado e estudado o cangaço, publicando livros esclarecedores, sozinha ou em parceria com o incansável Antonio Amaury Corrêa de Araújo, odontólogo e escritor radicado em São Paulo.
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