Quando um Metamorfo toma a forma da pessoa que escolheu para se transformar, eles literalmente mudam a sua pele, dentes e unhas. Quando eles mudam para a pessoa que desejaram, eles acessam os pensamentos dessa pessoa que estão imitando. A única coisa que pode matar um Metamorfo é prata, bala ou lâmina no coração.
Alfa de Lampião |
Lampião metamorfoseado |
Sua metamorfose iniciou muito cedo, ainda menino, quando se destacava na escola como um jovem de inteligência maior que a dos outros.
Era muito ágil, dificilmente foi acertado por um tiro ou golpe; poucas vezes o foi. Tinha a capacidade de saber se a pessoa que falava mentia ou tentava o enganar, assim como metamorfos leem a mente de outras pessoas. Era impenetrável mantendo o bloqueio em sua mente contra qualquer um que tentasse decifrar seus pensamentos. Atraia suas vitimas, com ardis e usava seu poder de metamorfose para viajar sem ser notado. Alguns diziam que fazia isso em forma de animal, como uma coruja, um lobo e ate morcegos. Usava óculos sem ter necessidade de lentes corretivas. O jornal O Povo de Fortaleza, de 5 de agosto de 1928, descreve esses óculos "com vidros esfumaçados, engastados em tartaruga e ouro, com o fim de encobrir um extenso leucoma da córnea do olho direito" - tudo bem que fosse isso, mas podemos pensar que era para esconder as mutações que seus olhos realizavam, deformando-se pavorosamente ao olhar para as pessoas e essas não desmaiassem de pavor.
Seu corpo esquelético sofria mutações e deformações, como a cor da pele, pés e mãos. Lampião foi aquele que Elise Grunspan-Jasmin disse que era "guerreiro valoroso, e não um homem alquebrado, que sobrevive apesar dos ferimentos". Temos vários relatos de "repentes" que Lampião tinha, inclusive criar uma mística qualidade de prever algo ou receber avisos de forças estranhas.
Em seu livro, "Lampião: o homem que amava as mulheres : o imaginário do cangaço" Daniel Soares Lins diz que "ao pesquisador do imaginário enveredar tanto no campo dos discursos quanto na estrutura das práticas históricas, buscando encontrar nos "fatos históricos" os "resíduos" colados aos personagens. O sonho, a quimera, a mística, a paixão, o "tempo mágico" e os rituais deveriam ser compreendidos como práticas racionais, respondendo, contudo, a uma outra ordem simbólica, a uma outra organização dos signos e dos imaginários."
Continuando com Daniel Soares Lins, que diz "...em síntese, ao contrário do historiador que não "ama os acontecimentos", o estudioso do imaginário reivindica, de certa maneira, sua vinculação ao campo das temporalidades e dos acontecimentos, da cultura e da subjetividade."
Isso é importante na criação do misticismo que envolveu Lampião, pois muitas estórias foram contadas e muitas foram também inventadas, por aqueles que o admiravam.
A esse respeito, o tenente João Gomes de Lira, ex-oficial das Forças Volantes, contou que um colibri um dia se chocou com a aba do chapéu de Lampião que viu nisso um mau presságio e teria dito a seus companheiros que era preciso retroceder. No dia seguinte ele teve a confirmação de que uma Força Volante lhe tinha preparado uma cilada naquele local. Sabendo que se tratava de nazarenos, ele teria feito o seguinte comentário: "Se tivesse passado por lá, teriam acabado comigo" (Pedro Tinoco, "A Superstição Ronda o Cangaço", Jornal do Commercio, 8/7/1997, p. 2).
Numa entrevista que concedeu ao Diário de Pernambuco, João Bezerra, o militar que cercou e matou Lampião e Maria Bonita, juntamente com alguns cangaceiros, evoca o recurso aos sonhos, ao sobrenatural e às premonições entre as Forças Volantes antes de iniciar um combate contra Lampião, tanto este lhes parecia ser dotado de uma dimensão sobrenatural.
"Às vezes, noite alta, ouvia-se um rumor, o chefe da volante percorria os subordinados um a um, no escuro, passando a mão pelo rosto para conhecer seus cabras, temendo pela vida de todos, isolados na caatinga bravia, longe de homens mais humanos. Na perseguição de cangaceiros. rastejavam horas seguidas. arrastando a barriga contra a aspereza da terra, olho atento e ouvido apurado, esperando a qualquer momento o soar da fuzilaria, rezando com medo de ensopar a terra com seu sangue já que a chuva não a queria molhar..." - (Afranio Mello, "Como Correu Sertão a dentro a Noticia da Morte de Lampeão". Diário de Pernambuco 5/8/1938, p. 5).
Só também um homem que acreditasse no sobrenatural, e usando os desígnios que o destino lhe pusera nas mãos, poderia acabar com Lampião e isso com o consentimento de uma autoridade superior. A única coisa que pode matar um Metamorfo é prata, bala ou lâmina no coração e isso, em sentido figurado, o militar João Bezerra recebeu dessas entidades superiores, quando acabou com Lampião.
A Saga Cangaço é muito rica e enseja inclusive a nós viajarmos nas ondas desse grande mar que se chama imaginação. A clarividência de Lampião, esse seu terceiro olho com sua capacidade de "ver" ou de "sentir" o perigo que o ameaçava, não era a única arma mágica de que dispunha para escapar aos seus inimigos. Lampião teria também o dom da invisibilidade, graças a proteções sobre-naturais, às orações fortes que trazia consigo e que podia invocar em situações extremas. E apenas essas proteções, essas entidades escondidas sobre o manto do destino, poderiam retirar dele e dá-la para outro homem, que pela força de leis que não conhecemos, foi dada ao militar João Bezerra.
Mãos compridas, que semelham garras; os dedos cheios de anéis de brilhantes, falsos e verdadeiros; ao pescoço, vasto e vistoso lenço de cores berrantes, preso no alto por valioso anel de Doutor em Direito; sobre o peito, medalhas do Padre Cícero, escapulários e saquinhos de rezas fortes; chapéu de cangaceiro, tipicamente adornado de correias e metal branco; ensimesmado toda vez que defronta uma turba de curiosos, folgazão quando entre poucos estranhos ou no meio de seus comparsas; não se esquecendo dum guarda-costa vigilante, à direita, sempre que desconhecidos o rodeiam; paletó e camisa de riscado claro, calças de brim escuro; alpercatas reluzentes de ilhoses amarelos; a tiracolo, dois pesados embornais de balas e bugigangas, protegidos por uma coberta e xale finos; tórax guarnecido por três cartucheiras bem providas; ágil como um felino, mas aparentando constante estropiamento e exaustão; às mãos o fuzil e à cinta duas pistolas “Parabelum” e um punhal de setenta e oito centímetros de lâmina: esse era Virgolino Ferreira da Silva – O LAMPIÃO – duende das estradas, assombração das matas e caatingas!