Translate

segunda-feira, 27 de junho de 2016

Polígono das Secas X Cangaceiros




Maria Christina Matta Machado no ano de 1978 lançou pela Editora Brasiliense o livro As táticas de guerra dos cangaceiros e em sua conclusão que transcrevo abaixo, e em entre parágrafos, aponho uma poesia (em negrito) que fiz em 1981 e publicada em livro (já esgotado) e que tem o título de Aboio da Agonia que mostro a vida do sertanejo naquela época de seca nos sertões nordestinos, onde 1.348 municípios formam o polígono das secas e estão situados nos Estados de Alagoas, Bahia, Ceará, Minas Gerais, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte e Sergipe, compreendendo grande parte do Nordeste brasileiro. São repetidas crises de prolongamento das estiagens e, consequentemente, nem sempre, objeto de especiais providências do setor público. Não para combate-la pois são forças da natureza, mas para criar projetos que amainassem para o homem do campo as agruras dela. Por quanto tempo isso abateu-se sobre esse polígono? Talvez alguns milhares de anos, pois é inerente nessa parte do mundo e isso já era conhecido desde as incursões de desbravadores em sua ocupação de terras desde o descobrimento do Brasil. Quem sempre pagou caro por esse fenômeno natural foi o homem pobre, que sempre desde o início da humanidade foi usado, e continua a ser usado por aqueles mais afortunados. É o siclo da natureza.

Hoje estamos em melhor situação que aquelas vividas pelos que fizeram parte da saga dos cangaceiros, que foi um movimento de revolta daqueles que foram injustiçados de alguma forma pelos senhores do sertão. Lógico que entraram nesse movimento, criaturas de índole perversa e má, que o fizeram por formação bandida, mas a grande maioria foi por motivos de perseguição, por não baixarem suas cabeças para fazer as vontades dos coronéis.

Vejamos com interesse, em comparar o ontem e o hoje, e tiremos lições. Viajemos nas asas da imaginação e vivamos um pouco do passado, olhemos para o presente, e vejamos o que no futuro existirá em relação ao homem residente no polígono das secas. Com certeza essa conclusão de Maria Christina Matta Machado no ano de 1978 em seu livro As táticas de guerra dos cangaceiros os ajudará a fazer essa viagem. Ela diz... 

...Em 1938, poucos antes de morrer no cêrco de Angico, Virgulino Ferreira, ou Lampião, como queiram, usou de uma frase que ficou histórica para todos aquêles que se interessam em estudar o problema do cangaço no Nordeste, e o desenvol-vimento do sertão: 

"Num adianta nada. O sertão continua o mesmo". 

Árvores retorcidas, secas e mortas,
na caatiga, alto sertão.
Os galhos do umbuzeiro,
muito triste meu irmão.


O sertão talvez progredisse, porque o elemento humano é bom e trabalhador, possuindo energia suficiente para lutar por seus direitos, por sua terra e família. Se não o conseguiu, foi tão sómente porque interessava aos poderosos manter o "status quo", para manter seu "progresso", explorando o trabalho de muitos, e levando a inércia ao sertão. O desvio de comportamento dos cangaceiros é uma prova do potencial de energia sertaneja. Representaram, eles, todo um sentimento de revolta contra a injustiça. Eram homens que não baixavam a cabeça. 

O povo da terra rachada do sol,
gente velha e acabada,
pois no sertão meu irmão,

os jovens vão de arribada.

"Lá, nas fazendas de cana, eles apanham de relho na cara, aqui, eu só queria vê isso. Home que apanha e num reage, num é home não" — disse-me Ângelo Roque, vulgo Labareda, ex-cangaceiro de Lampião.

Os bodes berram na caatinga,
pedindo a chuva do umbú,
meu coração ressequido chora,

pensando em quem arribou para o sul.

Mas em 1938, entra em decomposição o cangaço, movimento armado contra a injustiça, porque a repressão policial foi maior, e melhor armada, e as estradas possibilitaram a fuga do sertanejo, que, em vez de matar para ser morto em seguida, preferiu tentar novas terras ... 

Tudo seco no sertão,
chuva que é bom, não vem não,
esperando o que Deus quiser,

aguardando uma motivação...

Em 1940, com a morte de Corisco, e a rendição de outros chefes como Ângelo Roque e Zé Sereno, o bando de Lampião deixa a caatinga para passar à História. Agora, quando a injustiça é ainda praticada pelo coronel, e pelas autoridades, nada resta ao sertanejo, senão abaixar a cabeça e ficar amôrfo, parado, angustiado. Ou então, colocar a trouxaria nas costas, e seguir pelas estradas, as mesmas que extinguiram o cangaço. 

...de esperar os que se foram,
e aguentar mais um pouquinho,
o sol castigar o chão,

que se racha devagarinho.

O sertanejo parou. Por que não luta mais? Por que se tornou um passivo? Houve alguma melhora na sua condição de vida? Não há mais abuso do coronel, ou o homem enfraqueceu? Virou água o sangue do sertanejo? — Não?... Agora, há uma esperança. Em vez de embrenhar-se na caatinga, fugindo e matando, o melhor é seguir as estradas à procura de outras terras, onde se possa plantar, onde se possa colher. E o caminhão vem trazendo, para favelas e para mocambos, cangaceiros e místicos frustrados. 

Já mandei minha mulher,
que se foi com meus filhinhos,
de retirada pr'onde chove,

nem que seja um bocadinho.

Vieram para trabalhar num mundo que não é o deles. É a terra tão cobiçada, a floresta de cimento armado, tão dura e tão fria... E ele olha para cima, sem saber que é pequeno demais para viver. 

Nas fábricas: "Não aceitamos favelados". 

O gado berra, o caboclo grita,
que já não aguenta mais,
até o aboio de seu peito,

já não é como o de atrás.

Se aceitassem já seria difícil. Eles não têm mão-de-obra especializada, e além disso... êles são favelados. São párias da sociedade. São fracos... são sertanejos e estão sós neste mundo que não é o seu. Tudo que deixaram pra trás, foi um chão duro, que mesmo assim dava milho, dava feijão e... o gado vivia. Era só poder ficar... Era só poder viver ... mas no sertão tudo endureceu. 

Árvores secas... mortas,
terra rachada; muitos vão de arribada.
Coração seco; caboclo sem aboio.

Tudo isso é o sertão; terra abandonada.

O sertão de pedra no chão, virou pedra de cimento armado, e êle ficou só... 

...Só numa luta que apenas ele tem dentro de si, uma luta de que ninguém quer compartilhar. Hoje, em plena era espacial, chegamos à dura conclusão de que o sertão continua na mesma miséria. Sua lavoura ainda é feita com os mais incipientes meios.

Não experimentou ainda a melhoria da técnica na agricultura, e o sertanejo ainda olha para os céus, pedindo à "chuva que nos acuda". Ao homem da cidade, essa espera pode parecer uma inércia, o que não corresponde à verdade. O sertanejo não pode esperar outra coisa a. não ser a chuva... Sem ela, não há plantação e, conseqüentemente, haverá fome. Daí ele aceitar, tranquilamente, os fenômenos sobrenaturais. O misticismo passa a ser, assim, a fôrça-maior no sertão. 

E que fôrça poderia ele esperar numa região onde não existe o mínimo de garantia? Com a seca vem a tragédia para o camponês. O coronel despede os empregados, para que seu gado não morra de fome. O gado do coronel precisa pastar na rocinha de milho e feijão, que até então pertencia ao empregado. 

O sertanejo, de um momento para outro, perde sua roça, que representa sua alimentação, fica sem teto e sem trabalho, parque nessa época ninguém vai empregá-lo. Isto acontece hoje, com muita freqüência, e o coronel, senhor absoluto das suas fronteiras, não encontra qualquer resistência. Muito pelo contrário, êle tem até ao seu lado o pistoleiro, seu capanga, que é contratado para "resolver" as diferenças políticas, mas que também pode ser usado contra "um empregado rebelde". 

Na época do cangaço, era diferente. O coronel temia que um dos seus vaqueiros se transformasse em cangaceiro, e voltasse para a vingança. A par disso, não se deve esquecer que todo cangaceiro foi um vaqueiro, e que compreendia muito bem a submissão imposta ao camponês, pelo coronel. Sabia perfeitamente, que o dono da terra, na época da seca, negava qualquer alimento ao povo, que comia raiz de mucumã para sobreviver, enquanto o gado do patrão se alimentava na roça feita pelo próprio empregado, despejado da terra. 

O gado, fonte de renda para o senhor, servia-se inicialmente, da roça do empregado despedido, e se a seca continuasse dura, sua alimentação era na base do xique-xique, do faxeiro e do mandacaru. Isso era trabalho para dois ou três empregados. O resto, o coronel mandava pra rua. Nessa época de seca, é comum o quadro de miséria pelas estradas. Homens e mulheres famintos, crianças com barrigas estufadas, gente morrendo... Filas de retirantes com suas trouxas às costas, fugindo da terra que os repeliu. 

"As serpentes e os ratos, passeiam pelas estradas e por dentro das casas, enfurecidos, loucos". 

Eles também não têm o que comer e, se não mordem aquela gente, é porque sabem que não há mais carne; o pouco que sobra está podre. A poeira nem deixa mais ver as caras; podem ser pretas ou azuis, que ninguém sabe. É tudo igual. E eles ficam sem ter uma saída. Se ficam morrem, se vão destroem-se. 

Tudo se arrepia nessa desolação. Até os gravetos se abrem pro céu pedindo perdão. É só um pouco d'água, e eles podem voltar. A seca em tudo bole, mata tudo de arrastão. Criança que já andava, volta a engatinhar e fica abobada. A barriga estufa, a perna afina... é só osso. O coronel sabe disso, mas nunca deu importância. Ele jamais saiu de sua terra por causa de seca. Este fenômeno jamais o atingiu pessoalmente. 

Os cangaceiros também nunca sofreram qualquer problema com a seca, porque eles roubavam aquilo que o coronel negava aos empregados. Lampião, por várias vezes, acudiu o sertanejo, matando o gado, fosse lá de quem fosse, para alimentá-lo. Lampião não foi o flagelo do sertão, mas o flagelo dos coronéis. 

E o sertão continua com os mesmos problemas. Muita coisa se pensou em fazer . Muita coisa se quer fazer. Muito tempo já passou e muita desgraça ocorreu; muita vida foi ceifada; muita desonra existiu; muita tristeza, muita luta. E muito nordestino sai de suas terras, muita gente morre de fome. Muito pouco desenvolvimento aconteceu. Muito pouco se fêz, numa terra tão grande. 

O sertão continua, embora quase desaparecendo na poeira e na chuva. O nordestino sai. O que aconteceu? Onde está a máquina do progresso? Onde está o desenvolvimento? Onde estão as escolas? Onde está a vida, se não se pode lá viver? A verdade é que o coronel de ontem é o mesmo de hoje, com a mesma mentalidade medieval, com os mesmos costumes, e acreditando ainda na sua prepotência, com o mesmo orgulho, e representando o maior entrave para o desenvolvimento social, econômico e político do Nordeste. E o sertão continua a ser a mesma terra castigada, e o sertanejo hoje é um submisso. Que será do sertão? Como poderá Ele progredir? 

AS TÁTICAS DE GUERRA DOS CANGACEIROS - CHRISTINA MATTA MACHADO