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quarta-feira, 19 de agosto de 2015

O DIA EM QUE PAPAI E MAMÃE FICARAM MUITO DOIDOS

Juninho está preocupado. Seus pais decidiram experimentar um baseado para saber o que o filho via de tão bom nisso.

– JUNINHO, eu e sua mãe decidimos fumar um baseado com você.

O menino ficou olhando para os pais, sem acreditar no que escutava. Depois de tantos anos insistindo em conselhos, castigos e orações, seu pai e sua mãe resolveram experimentar para saber o que afinal o filho tanto via num cigarro de maconha. O importante era a união da família.

Juninho ficou tão surpreso, atordoado mesmo, que quando deu-se conta já havia entregue o baseado e seus pais estavam sentados em sua cama, fumando e tossindo. Juninho recusou-se a fumar também, inventou uma desculpa qualquer. Mas a verdade é que alguém tinha de ficar careta para segurar a onda.

– Não tô sentindo nada – reclamou a mãe.

– Calma, Vanda, demora um pouco – explicou o pai com ar de entendido. – Não é, Juninho?

– Você tá bem, mãe?

– Tô ótima, quer dizer, tô normal. Normalíssima – respondeu a mãe, rindo.

– Eu também – disse o pai. – Aliás, nunca me senti tão normal em toda a minha vida.

– Mãe, qualquer coisa tem leite na geladeira, viu?

– Vanda, há algo errado com minhas orelhas?

– Suas orelhas? – ela olhou curiosa para o marido. – Não, Afonso, por quê?

– Elas estão maiores, não?… – Ele apalpava as orelhas, intrigado.

– É normal, pai. É viagem.

– É normal as orelhas crescerem? – perguntou o pai, indo conferir no espelho do banheiro.

– Pois eu continuo normalíssima – observou a mãe, rindo. – Eu e minhas orelhas.

– Tem gente que não viaja da primeira vez, mãe.

– Vanda!!! Vem aqui correndo!

A mãe correu assustada. Chegou ao banheiro e deu com o marido se observando atentamente ao espelho.

– Eu sempre fui assim, Vanda? Sempre?

– Assim como? – Ela não compreendia. Juninho, atrás dela, muito menos.

– Como você pôde aturar essa barba horrorosa durante todos esses anos? Heim?

– Ué? Você sempre disse que era o seu charme…

– Sei não, acho que eu ficaria melhor sem barba.

– Pai… – Juninho começava a se preocupar.

– Não acredito! – exclamou a mãe, erguendo as mãos. – Minhas preces foram ouvidas!

– Mãe, não deixe… – pediu Juninho, assustado com o rumo das coisas. – Isso é viagem, mãe, é viagem…

– Então não se meta na viagem de seu pai – ralhou a mãe.

– Vanda, faz quantos anos que você não solta seu cabelo? – perguntou o pai de volta do banheiro, retirando de repente a fivela da cabeça da mulher. Ela tentou impedir mas foi tarde.

– Afonso! Dá aqui, dá!

– Não fica melhor assim, filho? Sempre falei mas ela nunca escutou.

– Pai, eu acho que… será que… vocês…

– Juninho, você tem algum CD aí pra eu dançar com sua mãe? O que é isso aqui?

– É rap. Acho que vocês não vão gostar muito não…

– Tá vendo, Vanda? Precisamos comprar uns CDs pra nós dois.

– Pai, bota um pouco desse colírio aqui…

– Afonso… – disse a mãe, o tom da voz levemente lânguido, como havia muito tempo ela não experimentava. – A noite está ótima… Bem que a gente podia ir dançar. Inaugurou um barzinho aqui perto…

– Sabe que você teve uma grande ideia?

– Não precisava pingar tanto, pai. Mãe, você tem certeza que…

– Vou tomar logo meu banho. Será que ainda sei dançar?

– E por que a gente não toma banho junto? Economiza água…

– Economiza água… Ahahahah!!! Economiza água… – repetiu a mãe, morrendo de rir.

Naquela noite eles voltaram para casa às três da manhã. Juninho ainda rolava na cama, preocupado. Não conseguira dormir e muito menos estudar para a prova. Escutou abrirem a porta e experimentou um alívio imenso. Os dois entraram se esforçando para não fazer barulho – mas não conseguiram.

– Afonso, você ficou um gato sem a barba…

– Aqui não, Vanda, vai acordar o Juninho…

Juninho virou para o outro lado. Não devia ter permitido, sabia que não devia. E se tivessem realmente gostado? E se ficassem viciados, o que podia acontecer? Seu pai tirara a barba depois de vinte anos, ficou tão estranho, não conseguiu olhar direito para ele. E se chamassem os amigos para fumar, o que eles achariam? E o trabalho do pai, não podia prejudicar? E a mãe então, nunca vira a mãe rir tanto, parecia uma… uma louca. E se dessem muita bandeira e a polícia descobrisse, a vergonha que seria… Não podia fazer mal à saúde deles? Não era perigoso fumar e sair por aí?

Juninho puxou o lençol, fechando os olhos, tinha de acordar muito cedo. Bem, talvez fosse só empolgação, ele pensou, primeira vez é assim mesmo, pai e mãe são muitos inexperientes para fumar maconha. Do corredor ainda chegavam as vozes, abafadas:

– Afonso, onde será que ele guarda?

Este conto integra o livro Baseado Nisso – Liberando o bom humor da maconha, de Ricardo Kelmer