Translate

terça-feira, 12 de abril de 2016

“O Povo Brasileiro: A formação e o sentido do Brasil”

Darcy Ribeiro foi Ministro da Educação do Brasil e realizou profundas reformas que o levou a ser convidado a participar de reformas universitárias no Chile, Peru, Venezuela, México e Uruguai, depois de deixar o Brasil devido ao golpe militar de 1964. Notabilizou-se fundamentalmente por trabalhos desenvolvidos nas áreas de educação, sociologia e antropologia. Como ministro da Educação durante Regime Parlamentarista do Governo do presidente João Goulart (18 de setembro de 1962 a 24 de janeiro de 1963) e chefe da Casa Civil entre 18 de junho de 1963 e 31 de março de 1964, desenvolveu diversos estudos e projetos.

Durante a ditadura militar brasileira, como muitos outros intelectuais brasileiros, teve seus direitos políticos cassados e foi obrigado a se exilar, vivendo  durante alguns anos no Uruguai.

É de sua verve de pesquisador e historiador o livro “O Povo Brasileiro: A formação e o sentido do Brasil” onde entre outras culturas do vasto Brasil, mostra o início da civilização nordestina, trazendo para nós a figura do sertanejo arcaico, “caracterizado por sua religiosidade singela tendente ao messianismo fanático e por seu carrancismo de hábitos, por seu laconismo e rusticidade, por sua predisposição ao sacrifício e à violência. E, ainda, pelas qualidades morais características das formações pastoris do mundo inteiro, como o culto da honra pessoal, o brio e a fidelidade a suas chefaturas.”

Esses traços peculiares ensejaram muitas vezes o desenvolvimento de formas de conduta “que envolveram enormes multidões, criando problemas sociais da maior gravidade. Suas duas formas principais de expressão foram o cangaço e o fanatismo religioso, desencadeados ambos pelas condições de penúria que suporta o sertanejo, mas conformadas pelas singularidades do seu mundo cultural.”

Darcy Ribeiro coloca que até meados da década de 1930, “quando se acelerou a construção de estradas através do mediterrâneo sertanejo, operava, como forma de revolta típica da região, o cangaço.” E diz que foi uma “forma de banditismo típica do sertão pastoril, estruturando-se em bandos de jagunços vestidos como vaqueiros, bem armados, que percorreram as estradas do sertão em cavalgadas, como ondas de violência justiceira.”

Em seu estudo de características, diz que “cada integrante do bando tinha sua própria justificativa moral para aliciar-se no cangaço. Um, para vingar uma ofensa à sua honra pessoal ou familiar; outro, para fazer justiça com as próprias mãos, em razão de agravos sofridos de um potentado local; todos fazendo do banditismo uma expressão de revolta sertaneja contra as injustiças do mundo.
Resultaram, por vezes, na eclosão de um tipo particular de heroísmo selvagem que conduziu a extremos de ferocidade.”

Daí cita “os cangaceiros célebres que, se por um lado ressarciam aos pobres de sua pobreza com os bens que distribuíam depois de cada assalto, por outro, matavam, estropiavam, violentavam, em puras exibições de fúria. É de assinalar que o cangaço surgiu, no enquadramento social do sertão, fruto do próprio sistema senhorial do latifúndio pastoril, que incentivava o banditismo, pelo aliciamento de jagunços pelos coronéis como seus capangas (guarda de corpo) e, também, como seus vingadores.”

Avalia e conforme sabemos, que “freqüentemente, os fazendeiros aliciavam grandes bandos, concentrando-os nas fazendas, quando duas parentelas de coronéis se afrontavam nas frequentes disputas de terra. Esses capangas, estimados pela lealdade que desenvolviam para com seus amos, pela coragem pessoal e até pela ferocidade que os tornava capazes de executar qualquer mandado, destacavam-se da massa sertaneja, recebendo um tratamento privilegiado de seus senhores.”

Acresce Darcy Ribeiro, que cada bando de cangaceiros tinha “seus coronéis coiteiros, que os escondiam e protegiam em suas terras, em troca da segurança contra o próprio bando, mas também para servirem-se deles contra inimigos. Nessas condições, são condicionamentos sociais do próprio sistema que alentaram e incentivaram a violência cangaceira.”

Agora vem em sua avaliação e vários autores da Saga Cangaço bem o dizem, que o “mais relevante, ainda, é o fato de que toda a população sertaneja, renegando os jagunços pelo pavor que lhe infundiam, tinha neles padrões ideais de honorabilidade e de valor, cantados nos versos populares, e via, nos seus feitos mais violentos, modelos de justiça realçados e louvados. Por tudo isso, o cangaço e seus jagunços, sanguinários mas pios e tementes a Deus e aos santos de sua devoção, temidos mas admirados, condenados mas também louvados, constituíram um produto típico na sociedade sertaneja.”

Eram os heróis invertidos da população desguarnecida de lei e justiça que os viam como justiceiros, mesmo sabendo que tinha horas que esses heróis viravam carrascos contra eles.