Quando Lampião à Bahia chegou, com muito dinheiro, iniciou
negócios com o coronel Petro, forte
fazendeiro baiano que possuía mais de trinta fazendas na região e era chefe
absoluto da política local e em entrevista arranjada pelo padre Emílio Moura
Ferreira pároco da cidade de Glória, ficou muito satisfeito com Lampião e
colocou à disposição dele sua fazenda Três Barras, perto de Patamuté, município
de Curaçá, para passar o tempo que quisesse. Quase quatro meses de intensa
atividade desenvolveu Lampião nessa fazenda.
Ali Lampião conquistou os habitantes das caatingas,
fazendeiros e moradores, vaqueiros e agricultores, através do dom de sua
simpatia, fala maneirosa, fineza de trato, cavalheirismo, "extrema
bondade" — politica essa, inteligente e sagaz, de conquista da população,
objetivo-base de sua Grande Guerra de guerrilhas.
Prodigalizou caridade para com os desafortunados e humildes,
não lhes deixando faltar comida e ajudas pecuniárias. A todos atendia, com
prontidão e solicitude, em casos de saúde: partos, estrepadas, mordidas de
cobra... aplicando seus conhecimentos de medicina rústica e à base de raízes.
Bom vaqueiro que tinha sido, era procurado para curar bicheira, pisadura no
lombo, mal triste; extrair bezerro entalado... e por aí em diante, usando a
medicina popular do sertanejo.
Dizia o vigário de Glória, padre Emílio Ferreira: —
"Lampião era melhor conselheiro do que muitos vigários!" Recomposição
de casais desajustados, desfazimento de inimizades, respeito e obediência dos filhos... uma infinidade de casos assim, que ele,
atenta e pacientemente, ouvia e depois dava o conselho "certo e com toda a
clareza e segurança". Não
somente de “vigário-conselheiro” mas também de
juiz que fazia as vezes. Todos os litígios lhe traziam, confiantes na certeza
do julgamento sereno e da decisão justa: limites duvidosos de terras, traçados
de cercados e travessões, direito às cacimbas de beber e de gado, uso comum de
caldeirões, acordos entro parceiros para construção de barreiros e açudecos;
indenização dos prejuízos nos roçados ocasionados pela miunça destruidora,
prisão e expulsão dos ladrões de bode, solução das desonras pelo casamento
imediato, repreessão aos trajes femininos coontrários aos padrões da época,
pagamento dos fiados nas lojas, bodegas e botequins, remuneração de salários
justos aos trabalhadores alugados... - Tudo
isso confirmado pelo cangaceiro Zé Sereno, testemunha de tantos fatos: "Certo rapaz se queixou a Lampião que o dono da fazenda
não queria pagar aos homens do eito. Lampião foi à reuniu os trabalhadores e obrigou o fazendeiro
a pagar. Na saída, disse-lhe Lampião que não queria saber que algum dos trabalhadores
fosse mandado embora..."
Era assim.
Lampião "Gostava das coisas justas e respeitava quem merecia
respeito", testemunhou o cangaceiro Zé Sereno.
Via-se em Lampião o homem de muita fé, e religioso
fervoroso. Todas as noites, antes das festanças, promovia rezas e novenas a
vários santos. Não perdia sentinela de defunto, na qual exigia respeito. Suas
frases prediletas e constantemente repetidas: "Querendo Deus!" e
"Confie em Deus!".
Tomou-se a fazenda "centro de eternas festas". Inculcava
Lampião a alegria de viver. Dizia: "A vida é curta. A gente precisa de
distração boa!" Cocos, xaxados, baiões... Danças: quadrilhas, maxixe, e
principalmente o xote... Contradanças: valsa, polca...
Desafios, repentes,
violeiros, cantadores... Tudo isso dentro do respeito. Os contraventores eram
advertidos ou expulsos. Pelo que, todo o mundo participava das festanças:
coronéis, vaqueiros, roceiros, os rapazes e a meninada e as
famílias...
Nas vaquejadas, e principalmente na pega de boi, revelava-se ele o
vaqueiro exímio e famoso do Pajeú, tornando-se inigualável nos tabuleiros
baianos.
"Como O HOMEM, não tem aqui, na Bahia, quem corra no mato. Só
vendo para crer", dizia-se, a
miúdo, naquela época: "Quem quiser dançar xaxado, Valsa lenta ou baião,
Corra, venha apressado Pras festas de Lampião".
Sim, seu nome próprio, "Virgulino", e seu apelido
de guerra, "Lampião", desapareceram diante das manifestações
inequívocas de sua bondade e benemerências.
Ficou conhecido apenas como "O
HOMEM!" E a palavra "homem" para o sertanejo sempre significou o
máximo do elogio. Assim, todos proclamavam convictos e reconhecidos: — "O
HOMEM é um justiceiro!" E até popularmente era canonizado:
- "O
HOMEM' é um santo!"
A voz consagrante do povo era propalada pelos cantadores ao
pinicar das violas bem ponteadas:
— "O SANTO LAMPIÃO Era um home bem devoto. O SANTO
LAMPIÃO Era um home bem querido".
Apenas com diferença
de área geográfica, tornou-se para toda aquela gente dos sertões baianos O
MESMO QUE FORA O PADRE CÍCERO, no Juazeiro, para seus crentes. E qual o segredo
desse fascínio irresistível e poder de conquista que Lampião possuía?
— “Só
porque LAMPIÃO ERA BOM!" afirmou Manuel Gonçalves de Azevedo, cidadão
probo, agente corretor aposentado da Companhia de Seguros São Paulo, e que
conheceu pessoalmente Lampião.
Ainda, segundo ele, Lampião, "não era
aquele de quem se dizia com exagero: mau, sanguinário..." Com a simpatia
assim diplomaticamente conquistada dos sertanejos, foi fácil ao sagacíssimo
Lampião a eficiente e perfeita organização da rede de coiteiros.
Era assim Lampião, de personalidade contraditória. Ao mesmo
tempo, valente e covarde, frio e sentimental, calculista e violento.
Comportava-se com excepcional bravura para, às vezes, depois de vencer e
dominar o inimigo, sangrá-lo friamente.
Certa vez brigou com um cangaceiro do bando chamado Alazão e o expulsou do bando. O costume quando expulsava alguém do bando, era retirar-lhe os "arreios do cangaço" ou seja, armas, cartucheiras, munições e os enfeites que carregavam. Chamavam isso de "quebrar o orgulho do cabra".
Quando a ordem foi dada, Alazão dirigiu-se diretamente a Lampião dizendo: "Venha quebrar você mesmo se é homem, "seu" covarde!"
Um dos cabras, apontando-lhe a arma para lhe dar um tiro olhou para Lampião, aguardando um sinal para mata-lo e sem se alterar Lampião calmo ordenou ao cabra: "Baixe a arma! Deixe ele ir com "orgulho" e tudo. Um cabra como esse não se mata. Fica no mundo pra tirar raça de macho."
Era assim Virgulino Ferreira da Silva. Tinha rasgos de herói e saídas de poltrão. Inteligente e astucioso, era um homem de vocação perdida.
Já escrevi por aqui, se aquele talento cru fosse devidamente aproveitado, Lampião poderia ter sido, não simplesmente um bravo vaqueiro do Pajeú ou um amaldiçoado chefe de cangaço, mas poderia ter sido um poeta, músico e artista, qualidades que revelou em seus versos, tocando sanfona, confeccionando belos e artísticos objetos de couro.
Poderia ter sido um bispo católico, ou quem sabe um general brasileiro, pois em seus combates que travou, demonstrou acentuada capacidade de estrategista. Não foram poucas vezes em que empregou planos bem arquitetados e bem executados para enfrentar e desestruturar seus inimigos. Possuía tato e qualidades de comando. Era na verdade um estrategista nato.
Fontes:
Lampião e seus cabras - Luiz Luna
Lampião, seu tempo e seu reinado - Frederico Bezerra Maciel