Esse livro raro publicado no ano de 1931, e que não encontramos mais a não ser nas mãos de colecionadores ou em bibliotecas públicas, traz um apanhado de notícias dos jornais do Rio de Janeiro e da Bahia, relação essa documentada nos quatro primeiros meses do ano de 1931, com hediondas façanhas do famigerado bandido nordestino, Lampião. É de autoria de Pedro Vergne de Abreu, também autor de Os Dramas Dolorosos do Nordeste - Deixo como como se encontra transcrito, transcrevo para aqueles que não tiveram a oportunidade de ler a introdução do mesmo, que é um libelo contra os crimes de Lampião.
"Pro re pauca loquar"
É BREVE A EXPLICACÃO . . .
( Do divino Poeta Mantuano)
( Do divino Poeta Mantuano)
Vae para dez mezes que uma voz mais poderosa e mais alta do que todas as vozes humanas me incita ao cumprimento de grandes deveres, até o sacrificio, para com a terra que amo sobre todas e sobre tudo...
Ha vinte oito annos, em transe de alma, decidi abandonal-a para consummar um divorcio necessario com a politica que a infelicitava e que, muito além das minhas previsões, continuou a empobrecel-a, dividil-a e devastal-a, até baixar ao que é nos ultimos annos : o "refugio pacifico" das peiores féras humanas!
Nos dias e noites de agonia que Vivi, no regresso de minha viagem á Europa, em 1902, a mim mesmo interpellava, para afogar as saudades e as hesitações da minha mocidade e preparar as grandes renuncias a que me votára: "É preciso combater e vencer o homem velho entumecido de orgulho e vaidade"...
Após tantos annos de ausencia e voluntario ostracismo, uma visita de poucos mezes aos lares talados de minha adorada Bahia, o contacto com as dores intraduzíveis das populações do seo Nordéste rever, deceram o coração do homem velho e deram aos meos 65 annos toda a paixão, enternecimento e coragem com que desertei outrora: E volto a combater o bom combate... .
Os "mestres cantores" que andam pela rama lyrica de suas faias, em livros ou jornaes, a fazer apologia do cangaço e dos cangaceiros, a entoar-lhes laureas de heroismo e legenda, não podem ter uma ideia approximada dos dramas dolorosos que se desenrolam n'aquelles sertões adustos, taganteados quase diariamente pelas mais monstruosas atrocidades.
Intermittentemente, resido no Rio de Janeiro desde 1894, em que tive pela primeira vez assento no Congresso Nacional: tenho presenciado e assistido as mais graves perturbações, revoltas e motins que desde então têm desabado sobre a nossa formosa e culta Capital, e as correrias e precipitadas fugas das familias cariocas, como principalmente em 23 de Novembro de 1910 e 5 de Julho de 1922.
Pois nada vi comparavel com as scenas de panico, de homens, mulheres e crianças estonteados em meio do deserto e das caatingas só com a visão d'aquelle 'Monstrum horrendum, informe, ingens" que se chama "Lampeão!..."
E depois dos destroços e ruinas; dos homicidios, violações e incendios; as almas mas penadas e ensandecidas, as Nióbes e Lucrecias para sempre ultrajadas e allucinadas, que pedem a morte como um allivio terminal! Mais humana a serpente de Ténedos, que na mesma pavorosa constricção esmagou Laócoonte e todos os seos filhos...
Jurei guerra de morte, com as armas que Deos me deo — a palavra e a penna — ao sombrio e multifário scelerado. E esse dever se impõe a todos os brasileiros; — pois é uma mentira, uma protervia sem nome, dizer-se que esse hediondo salteador é um fructo, da nossa incultura e desgoverno.
...0s Monstros florescem ás vezes entre as mais brilhantes civilizações: Londres, Paris e agora Dusseldorf, uma das mais adiantadas e industriosas cidades da Allemanha, têm visto tambem féras sanguinarias, que de humano só tem a "fórma e o aspecto"– Mas todos têm sido supprimidos e jugulados, e agora mesmo Reter Kverten. acaba de ser condemnado á guilhotina, em expiação de uma insignificante dezena de homicidios...
Sobre "Lampeão", que ainda vive, pezam muitas centenas de infames attentados..., Não desanimo de vêr desaggravada e vingada a honra do nome brasileiro, e confio que a Nova Republica não deixe expirar o segundo 'semestre de sua vegencia, sem cumprir esse grande e primordial compromisso.
No primeiro semestre, que hoje finda, "Lampeão" commetteo mais atrocidades no Nordéste do que nos ultimos dois anos: é o que me asseguram informantes da Bahia, que se têm dado ao cuidado de registrar seos feitos.
Antes de terminar essa explicação, devo rectificar dous involuntarios enganos, em que incidi no meu primeiro "Opusculo", publicado em 1930: — Lampeão" não é "Cearense", nem "afilhado ou discipido do Padre Cicero Romão Baptista",. . . Certamente..foi em Joazeiro (Ceará) que esse inveterado facinora percebeu as honras e as armas de Capitão honorario do nosso exercito, e d'ahi veio directamente irromper na Bailia. De onde, a supposição geral de ser aquella a sua procedencia; pois não disputamos a solicitude de "investigar-lhe a arvore genealogica", nem de cantar-lhe as gestas. Além das insuspeitas informações colhidas no livro do Sr. Gustavo Barroso ("Almas de lama e de aço.") e que transcrevi a pags. 16 e 17 do meu citado folheto .("Dramas do Nordeste"), outras muitas poderia aqui mencionar.
Para desencargo de consciencia, e para corroborar que me firmei: em factos. históricos, notoriamente conhecidos, reproduzo apenas um suélto do "Globo", desta Capital, em recentissima data:
"No governo Bernardes, quando a coluna Prestes atravessava o Brasil, combatendo, "Lampeão" e seu bando foram chamados ao Joazeiro do Padre Cícero e ahi acolhidos. Receberam armas e muniçoes do exercito. O então deputado cearense, Floro Bartholomeu, nomeado general honorario, attribuiu a "Lampeão" o posto de capitão, concedendo-lhe favores especiaes e vantagens seguras. Data dahi a tenacidade daquelle cangaceiro, que tala os sertõesdo do nordeste a ferro e a .fogo. Depois de ter prestado serviços ao governo federal, sob o patrocinio do Padre Cícero, de Joazeiro, "Lampeão" e seu bando se tornaram flagello. Todos aquelles, que estudaram o problema concluem que os cangaceiros do nordéste vivem sob o patrocinio dos grandes proprietarios que, por interrnedio deiles, servem à politica. O caso de "Lampeão" é typico, Até o governo federal, no tempo de Bernardes. precisou de seus serviços".
Rio, 24 de Abril de 1931.
VERGNE DE ABREU.