No livro "Cangaço, a força do Coronel" JÚLIO JOSÉ CHIAVENATO no tópico "Mulheres o tesão da liberdade" fala sobre a mulheres cangaceiras e o fato marcante desse acontecimento que foi a entrada das mulheres no grupo de Lampião.
Foi um caso marcante e novo, formando um padrão de comportamento antes inexistente dos cangaceiros. Uma das primeiras coisas que podemos notar foi a forma cuidadosa que passaram a ter em suas investidas nos assaltos e roubos, pois nenhum que tinha mulher queria ser ferido ou morto. Outro ponto bastante positivo foi que tornaram-se mais cuidadosos aumentando os tratos físicos individuais por cuidarem mais de sua higiene pessoal.
VAMOS AO QUE ESTÁ ESCRITO:
Quanto à questão amorosa, tinham suas regras e muitas vezes
eram aplicadas com rigor, quando alguma mulher traia seu par. O exemplo do triângulo
Zé Baiano-Lídia-Bentevi pode ser visto como regra imperiosa para a união dos
cangaceiros.
Lídia é sempre citada pelos historiadores como "muito
fogosa" e a mais bela das cangaceiras. Conta-se que em uma das ausências
de Zé Baiano ela teve um namoro com o cangaceiro Bentevi, e certo dia, os dois amavam-se no
mato e foram observados por Coqueiro, que esperou o amante afastar-se e assediou
Lídia, dizendo-lhe que se ela se negasse, ele contaria a Zé Baiano.
Ela recusou, desafiando: "Podi contá. Mas ocê num mi
comi!"
Quando Zé Baiano voltou, Coqueiro contou-lhe o ocorrido, na
frente de todo o bando. Lídia enfrentou a situação com coragem e confirmou a
aventura, dizendo que Coqueiro estava despeitado.
Lampião ouviu calado. Ao perceber a perfídia de Coqueiro,
fez um sinal ao cangaceiro Gato, que matou o delator com um tiro na testa. Zé
Baiano — a informação é cangaceiros sobreviventes — prendeu a moça para dar sua
sentença no dia seguinte.
Maria Bonita pediu a Lampião para salvá-la, mas ele recusou:
já tinha justiçado Coqueiro e Lídia era problema de Zé Baiano. A história tem
dois finais. Uns contam que Zé Baiano matou a moça a tiros, chorando muito
depois. Outros, que ele a matou a cacetadas, começando por quebrar-lhe as
pernas e os braços, até desfigurá-la.
Qualquer que seja o epílogo, demonstra a dureza da justiça
cangaceira e os novos comportamentos do bando a partir da entrada das mulheres.
Esse "justiçamento" induzido pela infidelidade, em lugar de degenerar
em violência e desagregação do bando vai consolidar sua identidade cultural.
Significativo é o desfecho do caso de Cristina e Português,
chefe de um subgrupo de Lampião. Ela o traiu com Gitirana, do grupo de Corisco.
Matreiro e um tanto covarde, Português não quis matar pessoalmente Gitirana.
Mandou seu cabra Catingueira fazer o "trabalho". Catingueira chegou
ao coito de Corisco e chamou Gitirana para um "particular". Corisco
atalhou: "Boi do cu branco qué matá meu rapaiz? Ocê num é homii pra atirá
im rapaiz meu!"
Estava armado o quiproquó. A gente de Português avançou, os
dois bandos embalaram as armas. Lampião e Maria Bonita olhavam de longe. Maria
Bonita aproximou-se e deu uma sugestão para resolver o impasse: matar a culpada,
Cristina. Na narração de Correa de Araujo, Corisco respondeu: "Ela deu u
qui era dela. Ninguém tem nada cum isso."
"É", argumentou Maria Bonita, mais
"Portugueis vai ficá desmoralizado."
"Ele qui cuidi da muié deli. Du meu rapaiz cuido
eu."
Lampião foi o juiz.
Decidiu que Corisco tinha razão. Era o cumprimento fiel da lei. Serenaram os
ânimos. Cristina abandonou Português e quis ficar no grupo de Lampião. Foi
recusada, pois era frívola e causaria disputas entre os homens.
Guardou-a uns dias até que ela pudesse voltar para a casa
dos seus pais. Na viagem foi morta: Português "empreitou" sua morte
com outros três cangaceiros. O trato foi quebrado, mas Português achou um "casuísmo" para justificar-se.
Alegou que, viva, Cristina era um perigo. Seria pressionada pela polícia e
revelaria os esconderijos dos cangaceiros.
Entre outras coisas, esses acontecimentos revelam algo
importante: no cangaço. a sertaneja conquista seu direito ao sexo. Corre riscos
extremos em defesa de sua liberdade sexual. Ao tornar-se bandida, luta por seus
direitos, mesmo transgredindo as regras do grupo e sabendo que morrerá. Nesse
aspecto, a infidelidade não é falta de caráter, mas o desafio — consciente ou
não — às regras que a oprimem. Maria de Pancada é um exemplo dessa "libido
despertada". Pancada pediu ao
companheiro Balão para escoltá-la a um certo local. No caminho, ela "teve
vontade" e "cantou" o cabra. "Ocê é muito macho nas
brigada, mais eu quiria vê se tu é
homi mesmo." Ele refugou, ela provocou. Enfim, o inevitável. Uma vez não a
satisfez, obrigou Balão a "provar" mais duas vezes. É provável que
mulheres liberadas, descobrindo seu erotismo, aproveitassem a vida do cangaço
para satisfazer seus desejos. No entanto, não havia promiscuidade. As pessoas se
respeitavam.
A fidelidade, até hoje, é tabu inexorável da moral sexual do
sertão. As circunstâncias do cotidiano agudizavam ou amenizavam as
transgressões. No cangaço criaram-se novos hábitos necessários à segurança do
bando. Por exemplo, a necessidade das "viúvas" permanecerem no grupo.
Quando o homem morria, não se pensava em "devolver" a mulher à
família. Isso significaria um perigo constante: podiam ser presas e torturadas,
revelando segredos. Permanecendo "viúvas", causariam problemas:
provocariam disputas, talvez promiscuidade e até prostituição. A solução era
"casá-las" o mais rápido possível, de preferência com um amigo do cangaceiro
morto.
Esta foi uma norma do cangaço, com excelentes resultados
coletivos e pessoais. O cangaço favoreceu o prazer. O sertanejo é rude
sexualmente, desinformado de técnicas eróticas. A iminência da morte induzia a
uma busca da felicidade máxima — viver só vale a pena "gozando a
vida". O sexo florescia, descobriam-se as possibilidades do prazer, o ato
sexual não era mais uma "obriga" do casamento normal, quando a mulher
"sujeitava-se" ao marido. Por estas razões, apesar do perigo e das
leis rigorosas do cangaço, as mulheres cangaceiras realizaram uma verdadeira
revolução feminista.