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sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

Mulheres cangaceiras realizaram uma verdadeira revolução feminista


No livro "Cangaço, a força do Coronel" JÚLIO JOSÉ CHIAVENATO no tópico "Mulheres o tesão da liberdade" fala sobre a mulheres cangaceiras e o fato marcante desse acontecimento que foi a entrada das mulheres no grupo de Lampião.
Foi um caso marcante e novo, formando um padrão de comportamento antes inexistente dos cangaceiros. Uma das primeiras coisas que podemos notar foi a forma cuidadosa que passaram a ter em suas investidas nos assaltos e roubos, pois nenhum que tinha mulher queria ser ferido ou morto. Outro ponto bastante positivo foi que tornaram-se mais cuidadosos aumentando os tratos físicos individuais por cuidarem mais de sua higiene pessoal.
VAMOS AO QUE ESTÁ ESCRITO:
Quanto à questão amorosa, tinham suas regras e muitas vezes eram aplicadas com rigor, quando alguma mulher traia seu par. O exemplo do triângulo Zé Baiano-Lídia-Bentevi pode ser visto como regra imperiosa para a união dos cangaceiros.
Lídia é sempre citada pelos historiadores como "muito fogosa" e a mais bela das cangaceiras. Conta-se que em uma das ausências de Zé Baiano ela teve um namoro com o cangaceiro  Bentevi, e certo dia, os dois amavam-se no mato e foram observados por Coqueiro, que esperou o amante afastar-se e assediou Lídia, dizendo-lhe que se ela se negasse, ele contaria a Zé Baiano.
Ela recusou, desafiando: "Podi contá. Mas ocê num mi comi!"
Quando Zé Baiano voltou, Coqueiro contou-lhe o ocorrido, na frente de todo o bando. Lídia enfrentou a situação com coragem e confirmou a aventura, dizendo que Coqueiro estava despeitado.
Lampião ouviu calado. Ao perceber a perfídia de Coqueiro, fez um sinal ao cangaceiro Gato, que matou o delator com um tiro na testa. Zé Baiano — a informação é cangaceiros sobreviventes — prendeu a moça para dar sua sentença no dia seguinte.
Maria Bonita pediu a Lampião para salvá-la, mas ele recusou: já tinha justiçado Coqueiro e Lídia era problema de Zé Baiano. A história tem dois finais. Uns contam que Zé Baiano matou a moça a tiros, chorando muito depois. Outros, que ele a matou a cacetadas, começando por quebrar-lhe as pernas e os braços, até desfigurá-la.
Qualquer que seja o epílogo, demonstra a dureza da justiça cangaceira e os novos comportamentos do bando a partir da entrada das mulheres. Esse "justiçamento" induzido pela infidelidade, em lugar de degenerar em violência e desagregação do bando vai consolidar sua identidade cultural.
Significativo é o desfecho do caso de Cristina e Português, chefe de um subgrupo de Lampião. Ela o traiu com Gitirana, do grupo de Corisco. Matreiro e um tanto covarde, Português não quis matar pessoalmente Gitirana. Mandou seu cabra Catingueira fazer o "trabalho". Catingueira chegou ao coito de Corisco e chamou Gitirana para um "particular". Corisco atalhou: "Boi do cu branco qué matá meu rapaiz? Ocê num é homii pra atirá im rapaiz meu!"
Estava armado o quiproquó. A gente de Português avançou, os dois bandos embalaram as armas. Lampião e Maria Bonita olhavam de longe. Maria Bonita aproximou-se e deu uma sugestão para resolver o impasse: matar a culpada, Cristina. Na narração de Correa de Araujo, Corisco respondeu: "Ela deu u qui era dela. Ninguém tem nada cum isso."
"É", argumentou Maria Bonita, mais "Portugueis vai ficá desmoralizado."
"Ele qui cuidi da muié deli. Du meu rapaiz cuido eu."
 Lampião foi o juiz. Decidiu que Corisco tinha razão. Era o cumprimento fiel da lei. Serenaram os ânimos. Cristina abandonou Português e quis ficar no grupo de Lampião. Foi recusada, pois era frívola e causaria disputas entre os homens.
Guardou-a uns dias até que ela pudesse voltar para a casa dos seus pais. Na viagem foi morta: Português "empreitou" sua morte com outros três cangaceiros. O trato foi quebrado, mas Português achou  um "casuísmo" para justificar-se. Alegou que, viva, Cristina era um perigo. Seria pressionada pela polícia e revelaria os esconderijos dos cangaceiros.
Entre outras coisas, esses acontecimentos revelam algo importante: no cangaço. a sertaneja conquista seu direito ao sexo. Corre riscos extremos em defesa de sua liberdade sexual. Ao tornar-se bandida, luta por seus direitos, mesmo transgredindo as regras do grupo e sabendo que morrerá. Nesse aspecto, a infidelidade não é falta de caráter, mas o desafio — consciente ou não — às regras que a oprimem. Maria de Pancada é um exemplo dessa "libido despertada".  Pancada pediu ao companheiro Balão para escoltá-la a um certo local. No caminho, ela "teve vontade" e "cantou" o cabra. "Ocê é muito macho nas brigada, mais eu quiria vê se tu é homi mesmo." Ele refugou, ela provocou. Enfim, o inevitável. Uma vez não a satisfez, obrigou Balão a "provar" mais duas vezes. É provável que mulheres liberadas, descobrindo seu erotismo, aproveitassem a vida do cangaço para satisfazer seus desejos. No entanto, não havia promiscuidade. As pessoas se respeitavam.
A fidelidade, até hoje, é tabu inexorável da moral sexual do sertão. As circunstâncias do cotidiano agudizavam ou amenizavam as transgressões. No cangaço criaram-se novos hábitos necessários à segurança do bando. Por exemplo, a necessidade das "viúvas" permanecerem no grupo. Quando o homem morria, não se pensava em "devolver" a mulher à família. Isso significaria um perigo constante: podiam ser presas e torturadas, revelando segredos. Permanecendo "viúvas", causariam problemas: provocariam disputas, talvez promiscuidade e até prostituição. A solução era "casá-las" o mais rápido possível, de preferência com um amigo do cangaceiro morto.
Esta foi uma norma do cangaço, com excelentes resultados coletivos e pessoais. O cangaço favoreceu o prazer. O sertanejo é rude sexualmente, desinformado de técnicas eróticas. A iminência da morte induzia a uma busca da felicidade máxima — viver só vale a pena "gozando a vida". O sexo florescia, descobriam-se as possibilidades do prazer, o ato sexual não era mais uma "obriga" do casamento normal, quando a mulher "sujeitava-se" ao marido. Por estas razões, apesar do perigo e das leis rigorosas do cangaço, as mulheres cangaceiras realizaram uma verdadeira revolução feminista.