Translate

sábado, 26 de setembro de 2020

Jararaca ataca a Vila de Carnaiba de Flores

Em 3 de abril de 1927 Jararaca ataca a Vila de Carnaíba.

Já se passaram 93 anos desde que a outrora bela e formosa Vila de Carnaíba de Flores, foi atacada pelo famigerado cangaceiro Jararaca.

Nesta linda e aprazível cidade interiorana de Pernambuco,
nasceu um dos poetas "mais grandes" da cultura nordestina. Compositor de temas vibrantes, poeta e folclorista, conhecido pelo nome de Zé Dantas.

José de Sousa Dantas Filho tinha apenas 6 anos de idade quendo isso aconteceu.
Vou aqui homenagear, aproveitando o espaço, o Grande Poeta:

Zé Dantas, grande compositor sertanejo, conhecido por suas belas canções, como “O xote das meninas”, “Derramar o Gás”, “A Volta da Asa Branca”, “O Forró de Mané Vito”, “Vozes da Seca”, “Vem Morena”, “Algodão”, “Cintura Fina”, “Imbalança”, “Mané e Zabé”, “Minha Fulô”, “Noites Brasileiras”, “São João na Roça”, “Paulo Afonso”, “Riacho do Navio”, “Sabiá”, “Samarica parteira”, “Siri Jogando Bola” entre outras obras.

Pois bem, voltemos ao ataque do cangaceiro Jararaca.
Carnaíba das Flores, que está situada à margem direita do lendário Rio Pajeú. Foi assaltada pelo temível cangaceiro Jararaca e seu grupo de 13 cabras. Aqui esse artigo, iremos dissertar o histórico que o Padre Frederico Bezerra Maciel escreveu no seu livro CARNAÍBA, A PÉROLA DO PAJEÚ:  

"Procedente das bandas de Sítio dos Nunes, ao chegar ele, alta madrugada, em Carnaíba velha,  espécie de subúrbio com casas separadas e esparçadas do outro lado do rio. Aprisionou o fogueteiro Faustino para que servisse de guia indicando as casas do telegrafista e dos comerciantes da vila.

De 4 horas e 30 minutos para as 5 horas da manhã atravessou o denso e fofo areal do rio sêco com seu grupo e o prisioneiro guia entrando na rua principal pela passagem ao oitão esquerdo do vapor do descaroçador de algodão de manuel josé da silva.

Em todo o percurso da longa, alinhada e bela rua, arborizada de cajaranas e findando na igreja do orago  Santo Antônio, foi o guia mostrando as casas comerciais e residenciais dos principais homens de dinheiro Manuel José, Zé Martins, Major Saturnino Bezerra, Zé Dantas (pai), enfim já perto da igreja do lado esquerdo de quem ia, a casa do telegrafista Emídio de Araújo conhecido por Emídio Grande. Na realidade não devia este ser chamado de telegrafista e sim de telefonista pois o que havia era um telefone na repartição pública federal para passar telegramas. Aproveitando-se ali de um descuido do grupo, conseguiu o fogueteiro fugir pela e cercas de pau a pique e avelós dos roçados das vazantes.

No largo patamar da igreja, os cabras, entre talagadas de cachaça, xaxavam,   batendo como coice das armas na calçada e cantando mulher rendeira, com isso despertando os habitantes do lugar, que logo compreenderam tratar-se de cangaceiros. Em seguida, o próprio Jararaca deu três tiros na porta da entrada da casa
do telegrafista, o qual respondeu, de dentro, com um tiro. Isto fez o grupo temer
entrar na casa. Então, após uns quatro tiros na porta da casa vizinha, residência.
de Zé Veríssimo, que logo fugiu com a esposa pelo portao do muro, rebentaram
a porta da frente e nela entraram. Abriram a mala, quebrando-lhe a fechadura
estragaram as roupas encontradas, rasgando um vestido e queimando outro, nada roubando porque seus donos quase nada possuiam. Vivia o pobre Zé Verissimo
do modesto emprego de caixeiro de balcao na loja do major Saturnino, Na outra
casa, pegada à de Verissimo, morava o cabo Severino, comandante do destacamento, que saiu correndo por detrás, sem detonar um tiro. Os cinco soldados do destacamento, que moravam juntos, em acanhado casebre de António Conserva, guarda da linha, situado no mesmo correr da rua, porem mais em cima, bem no oitão direito da igreja e distante do patamar da igreja de apenas 4 metros, também correram pelos fundos. O soldado Zé Inácio que morava bem na frente do telegrafista e que estava doente de febre tifoide, temendo por sua sorte, enrolou-se num cobertor e saiu pela cerca do quintal para a residència de Joaquim Leandro da Silva, conhecido por Joaquim Borrego, atrás da lgreja, o qual estava ausente.
A familia deste, como todas as outras da vila, deitadas no chão, temendo as balas.
Depois da casa de Veríssimo, entraram os cangaceiros, forçando porta e janela, na residéncia do major Saturnino, situada a 18 casas abaixo. O major estava fora. E sua esposa, D. Naninha Grande, ficou sozinha com a fuga de seu filho, Zé Bezerra, pelo quintal. Os cabras respeitaram a mulher, mas roubaran
rifle e dinheiro. Daí seguiram para a residència de Manuel José,  no outro cordão de rua, bateram na porta.  A esposa Maria Brasileiro foi atender. Dois cangaceiros entraram e foram logo exigindo dinheiro. Manuel José apareceu e disse que o dinheiro estava guardado na loja. Enquanto um cangaceiro acompanhava Maria Brasileiro até a loja, o outro ficou mantendo o esposo como refém.  Na loja Maria teve a presença de espirito de não mostrar o cofre mas tão somente a gaveta do balcão com o apurado do dia e que na ânsia foi logo raspado pelo cangaceiro. Muito dinheiro miúdo em moedas e cédulas, importancia total pequena. O outro companheiro tão preocupado em manter o refém nem atinou mandar abrir o baú onde estavam guardadas as jóias, no qual se sentara de propósito Manuel José. Logo que o primeiro voltou e os dois iam começar contar o dinheiro, ouviram-se tiros do lado de fora. Os dois fugiram levando o dinheiro.

Os carnaibanos começaram a se movimentar para a reação. Ora, cada comerciante
mantinha cabras para defesa em casos como este. Por exemplo, Major Saturnino tinha os cabras João Mororó e João Teotônio; Zé Martins tinha Mané Quitola; Luís e Eliseu Cassiano tinham João Lessa; Zé Dantas tinha Zé Marques, Manuel José tinha seu cunhado Zé Vital... .
E muitos possuíam armas próprias. Uns 20 decididos carnaibanos pulavam de um muro para outro a fim de estabelecer os planos de resistência e tomavam posição nas entreabertas das janelas e em outros resguardos. Os soldados voltaram para o embate. Dois deles que estavam no quartel estabelecido numa casa quase em frente da de Manuel José não podendo fugir começaram a atirar para o ar a fim de intimidar, mais com isso gastando multa munição atoa. Nesse então, das janelas da rua começaram a partir tiros esparsos de ponto. Depois fechou-se o tempo.

Por trás do antigo cemitėrio morava um cidadão da Barra de São Serafim, chamado Manuel Florentino. Conseguiu ele entrar no beco formado pelo vapor de Zé Jordão e o chalé de Zé Martins e fazendo frente ao beco de Manuel José. Deitado, amparou-se nuns paus, ali colocados deitados, a modo de dique para as águas das enxurradas da rua nos tempos de chuva. Dali atirava de ponto na direção do beco de Manuel José, para onde havia corrido alguns cangaceiros por causa dos tiros disparados de vários pontos da rua. Nessa corrida um dos cangaceiros deixou cair seu fuzil no meio da rua. Parte dos cangaceiros, da porta e das janelas da
morada de Manuel José, atirava para dentro da rua respondendo aos detensores.
Outra parte, da esquina do fim do muro da mesma casa respostava ao beco. Pedro
Orenuno ordenou a seu companheiro recém-chegado, Pedro Martins, a ir ver o
Fuzil caido para com ele fazer boca de fogo, isto é, lhe dar cobertura sustentando o fogo.
Arrastando-se, o xará apanhou o fuzil e permaneceu ali, no mesmo ponto, deitado, atirando. Quando o tiroteio já com quase 2 horas cessou um pouco, disse Pedro Florentino ao outro: só se tomar o portão do oitão.
Quando atravessou a rua entrou no beco, recebeu Pedro Florentino as cargas de um rifle peiado e de um fuzil, 
utilizados por dois cangaceiros. Por sorte apenas um balaço de fuzil o atingiu na parte superior da coxa atravessando-a sem atingiu o osso. Colando-se na parede, revidou Pedro Florentino e
de ponto no cangaceiro do rifle, acertando-lhe na mão, o qual deixou a arma no canto da parede e nesta imprimindo de sangue sua mão ferida. 
Pelo portão detrás do muro, ainda na mesma casa fugiram os restantes cangaceiros. Abrindo a porteira do curral, pularam a cerca que dá para a vazante e desta ganhararm o 
rio. Prenderam Manuel Torquato para mostrar o caminho do Sítio dos Nunes.
Pegaram dois cavalos para os baleados. Torquato safou-se, dizendo; - Lá vem a policia! Rumaram eles para o Serrote do Capim ou para a serrinha dos Eustórgios. Atrás deles, saíram alguns mascates de Carnaiba, como Zé Agostinho
conhecido por Zé Boa Vista, Elpidio do Velho Brejeiro, os empregados de Zé Martins, além de João Mororó... não os encontrando, nem deles tendo noticia.
Também não tinham rastejadores para tomarem a pista. Afora o rifle, peiado
com um lenço grande, deixado no beco, foi encontrado, dentro da roça, um bornal com farinha, carne e rapadura, cuja correia partira, de certo, no momento de seu possuidor pular a cerca.

Os cangaceiros, como os militares da policia, não possuíam tática de guerra.
Tipico o ataque de Jararaca a Carnaíba. Por isso, o que Ihes faltava em estratagema, sobrava em desmandos e perversidade. Somente Lampião, naquela época
no Sertão, sabia usar de tática e que táticas geniais! Mais tarde surgiria seu irmão
Ezequiel com pendores táticos, mas prematuramente morto."

Do livro CARNAÍBA, A PÉROLA DO PAJEÚ do escritor Padre Frederico Bezerra Maciel. 

quinta-feira, 24 de setembro de 2020

FLOR DO PARNASO


FLOR DO PARNASO 
- Por Raul Meneleu
Quando no Parnaso estou, Com altos pensamentos antológicos, buscando entrar no coração desta mulher - pois flor é - encontro-me em uma sala de visitas. Quisera ir até à cozinha, pois sei que é lá que a encontrarei como realmente é.

Quando insisti, ela abriu o sorriso largo de boas vindas, como se quisesse me fazer um afago. Lá chegando mostrou-me seu eu recitando
OS LÍRIOS.

"Certa madrugada fria
irei de cabelos soltos
ver como crescem os lírios.

Quero saber como crescem
simples e belos — perfeitos! —
ao abandono dos campos.

Antes que o sol apareça
neblina rompe neblina
com vestes brancas, irei.

Irei no maior sigilo
para que ninguém perceba
contendo a respiração.

Sobre a terra muito fria
dobrando meus frios joelhos
farei perguntas à terra.

Depois de ouvir-lhe o segredo
deitada por entre os lírios
adormecerei tranqüila."

Emocionei-me por esta pequena flor ter me dado um pouco de seu perfume, e pedi mais... ela então recitou-me SERENA,

"Essa ternura grave
que me ensina a sofrer
em silêncio, na suavidade
do entardecer,
menos que pluma de ave
pesa sobre meu ser.

E só assim, na levitação
da hora alta e fria,
porque a noite me leve,
sorvo, pura, a alegria,
que outrora, por mais breve,
de emoção me feria."

Bibliografia
Henriqueta Lisboa (1901-1985)
OS LÍRIOS, de A Face Lívida (1945)
SERENA, de Azul Profundo (1950-1955)


Natureza Belicosa Que Possuimos

Essa natureza belicosa que possuímos.

Senti a pequenez do homem perante o universo quando comecei a raciocinar como somos dependentes uns dos outros. Emocionamo-nos com tantas coisas! Um animalzinho que passa à nossa frente, sendo ele um gatinho, cão, beija-flor ou outro qualquer que vejamos até mesmo em filmes. Por que somos assim? Ao mesmo tempo em que amamos, odiamos; ao mesmo tempo em que queremos paz fazemos guerra? Emocionamo-nos em ver a pureza de uma criança e sorrimos, pois desejamos que o mundo seja visto pelos olhos dela. Somos e estamos mais pretensos a viver do lado do amor e da paz.

Essa natureza belicosa que possuímos algum dia será perdida, pois ao avançarmos como civilização, indo à busca de bons relacionamentos com o próximo, seremos pessoas amáveis e mansas. Sim, estamos sendo ainda preparados para nos tornar membros de uma grande confraria do universo onde residem outros seres que já são mansos e como nós, no passado também tiveram de empreender esforços da convivência pacífica.

É lógico que o processo tanto para nós como para algumas dessas entidades que vivem em planos diferentes do nosso, não está totalmente completo, pois alguns poucos ainda insistem em sua belicosidade. Mas o exemplo da maioria que se esforça vencerá e em algum momento todo o universo jubilará e as palavras de Isaias, um dos maiores profetas da antiguidade, irá se cumprir:

“O ermo e a região árida exultarão, e a planície desértica jubilará e florescerá como o açafrão. Sem falta florescerá e realmente jubilará com exultação e com grito de júbilo. Terá de se lhe dar a própria glória do Líbano, o esplendor do Carmelo e de Sarom. Haverá os que verão a glória de Deus, com seu esplendor.

Fortalecei as mãos fracas e firmai os joelhos vacilantes. Dizei aos de coração ansioso: “Sede fortes. Não tenhais medo. Eis que vosso próprio Deus chegará com a própria vingança, Deus, até mesmo com retribuição. Ele mesmo chegará e vos salvará.”

Naquele tempo abrir-se-ão os olhos dos cegos e destapar-se-ão os próprios ouvidos dos surdos. Naquele tempo o coxo estará escalando como o veado e a língua do mudo gritará de júbilo. Pois no ermo terão arrebentado águas, e torrentes na planície desértica. E o solo crestado pelo calor se terá tornado como um banhado de juncos, e a terra sedenta, como fontes de água. No lugar de permanência de chacais,  um lugar de repouso, haverá grama verde com canas e plantas de papiro.

E certamente virá a haver ali uma estrada principal, sim, um caminho; e chamar-se-á Caminho de Santidade. O impuro não passará por ela. E será para aquele que anda no caminho, e nenhuns tolos vaguearão nele. Ali não virá a haver leão e não subirá nele a espécie feroz de animais selváticos. Não se achará ali nenhum deles; e ali terão de andar os resgatados. E retornarão os próprios remidos por Deus e certamente chegarão a Sião com clamor jubilante; e sobre a sua cabeça haverá alegria por tempo indefinido. Alcançarão exultação e alegria, e terão de fugir o pesar e o suspiro.”

Infelizmente esses que “chegarão a Sião” não são o Israel de Deus. Israel na atualidade assim como no inicio da EC deixou de ser o povo de Deus, não quiseram aceitar a vinda de Jesus Cristo e por Ele foi dito: “Jerusalém, Jerusalém, matadora dos profetas e apedrejadora dos que lhe são enviados — quantas vezes quis eu ajuntar os teus filhos, da maneira em que a galinha ajunta a sua ninhada de pintinhos debaixo de suas asas, mas vós não quisestes isso! Eis que a vossa casa vos fica abandonada. Eu vos digo: De modo algum me vereis até que digais: ‘Bendito aquele que vem em nome de Deus!’”

Até hoje Israel não bendisse Jesus Cristo o filho de Deus. Enganam-se aqueles que acham que esse Israel que ai está é povo de Deus. Povo de Deus são todos aqueles que aceitam Jesus Cristo como seu Salvador. A salvação só vem pelo sangue de Cristo derramado a favor da humanidade, que para merecer tem que aceitar o sacrifício feito por Ele, o Filho de Deus.

Por mais de 1.500 anos antes da vinda de Jesus como o prometido Messias, a nação carnal de Israel foi o povo especial de Deus. Apesar de constantes advertências, a nação, como um todo, mostrou-se infiel. Quando Jesus apareceu, foi rejeitado por esta nação. De modo que Jesus disse aos líderes religiosos judeus: “O reino de Deus vos será tirado e será dado a uma nação que produza os seus frutos.”

A nova nação é congregação cristã, nascida em Pentecostes de 33 EC. Os primeiros membros dela eram discípulos judeus de Jesus, que o aceitaram como seu Rei celestial. No entanto, eram membros da nova nação de Deus não à base da ascendência judaica, mas à base da fé em Jesus. De modo que este novo Israel de Deus era algo ímpar: uma nação espiritual. Quando a maioria dos judeus se negou a aceitar Jesus, fez-se aos samaritanos e depois aos gentios o convite de fazer parte da nova nação. Esta nova nação foi chamada por São Paulo de “o Israel de Deus”.

Em cumprimento das palavras de Jesus, em Pentecostes, quando se derramou o espírito santo e o Israel de Deus nasceu, o Reino foi tirado do Israel carnal e dado à nova nação espiritual.

Sim, como disse no principio, estamos sendo ainda preparados para nos tornar membros de uma grande confraria do universo onde residem outros seres que já são mansos e que nunca tiveram de empreender esforços da convivência pacífica.

Por enquanto o Israel atual é um país beligerante com seus vizinhos e seus vizinhos beligerantes com Israel. Têm que chegar a um acordo. A paz e a tranquilidade só chegará, quando o principal poder bélico, Israel, ceder aos anseios da população palestina, assim com seus anseios foram agraciados quando o Estado de Israel foi fundado.  Os palestinos têm o mesmo direito que o povo judeu tiveram em maio de 1948 em terem seu próprio Estado.

Com certeza podemos dizer também que a criação de um Estado Palestino não iria resolver de imediato o conflito. Pelo menos ajudaria a amenizar um dos principais problemas que foi a não delimitação do território da Palestina em maio de 1948.

Devemos lembrar que a região em que se encontra a cidade de Jerusalém, em Israel, é também considerada sagrada para três das maiores religiões monoteístas do mundo: o cristianismo, o judaísmo e o islamismo. Em alguns lugares do planeta você percebe a convivência pacífica dessas três religiões, assim como na cidade medieval de Toledo na Espanha. O problema no Oriente Médio é político. Os demais problemas, como o religioso, serão resolvidos por certo pois o Deus dos mulçumanos, dos judeus e dos cristãos é o mesmo.

Sim, só o longo aprendizado relativo à paz baseada no amor de Cristo fará que o mundo se transforme. Jesus em suas palavras maravilhosas e seu exemplo ímpar, disse: “Eu sou o pastor excelente; o pastor excelente entrega a sua alma em benefício das ovelhas. O empregado, que não é pastor e a quem não pertencem as ovelhas como suas próprias, observa o lobo vir e abandona as ovelhas, e foge — e o lobo as arrebata e espalha — porque é um empregado e não se importa com as ovelhas. Eu sou o pastor excelente, e conheço as minhas ovelhas e as minhas ovelhas conhecem a mim, assim como o Pai me conhece e eu conheço o Pai; e entrego a minha alma em benefício das ovelhas. E tenho outras ovelhas, que não são deste aprisco; a estas também tenho de trazer, e elas escutarão a minha voz e se tornarão um só rebanho, um só pastor”.

em 7 de agosto de 2014

Raul Meneleu às 08:07:00

quarta-feira, 23 de setembro de 2020

Lampião, o eterno fugitivo.

Lampião, o eterno fugitivo.
Por Raul Meneleu
Toda vez que tentamos enquadrar e definir Lampião, ele foge. Talvez até por conta de dificuldades que temos nos dias de hoje em estudar sua história, por conta de não termos mais referências vivas dos que andaram com ele ou o combateu, que possam tirar dúvidas surgidas por novas avaliações.
Herói ou bandido? Violento ou amoroso? Justiceiro ou generoso?  É isso. Toda vez que  procuramos definir Virgulino Ferreira da Silva, encontramos em sua história diversos caminhos que nos levam achá-lo bandido, herói violento, amoroso justiceiro e generoso.
Querem saber: ninguém está pondo em dúvida a existência de Lampião, assim como não podemos ver com cem por cento de garantia as histórias que se fala sobre ele e que cobrem a sua figura. E o que é pior, é que, com o passar dos tempos, vai ser cada vez maior o volume de versões a seu respeito,  cada vez fica mais longe da verdade em tal história. Não que duvidemos 100% da história dita oficial.
Se formos verificar, existem pelo menos dois "Lampiões". Um é aquele que cresceu em um ambiente violento onde a palavra do coronel, decidia sobre a vida e a morte daquelas pessoas que moravam ao seu redor e marcados por lutas sangrentas entre famílias de grandes proprietários de terra. O outro Lampião, é aquele jovem que trabalhava como tropeiro para seu pai, varando as veredas do sertão, levando mercadorias para as vendas das cidades, chamadas bodegas e também levar mercadorias para os comerciantes de ferramentas, tecidos, utilidades domésticas  e até mesmo para pequenos industriais com seus alambiques e engenhos de fabricar rapaduras e mel. Chegou até mesmo transportar mercadorias para o grande industrial Delmiro Gouveia em sua fábrica de linhas, no distrito de Pedras, atual Delmiro Gouveia, município brasileiro no estado de Alagoas.
Lampião, aliás virgulino, era também um bom artesão. Ele fabricava celas, arreios, capas para facões, chicotes de couro e também era um bom domador de cavalos e burros Era bastante conhecido na região. Além disso ele era um ótimo versejador e tocava sanfona de 8 baixos que acompanhava os seus versos. Ora, era um rapaz que por ter seu trabalho, seu ganho e seu sustento, quando estava em casa principalmente nos fins de semana, onde ia para aquelas festinhas, aqueles arrasta-pés tão famosos no sertão, com dinheiro no bolso para consumir bebidas e gastar com os seus amigos, só podia ser famoso mesmo! Isso causava inveja a alguns rapazes e entre eles o Zé Saturnino, que era filho de um fazendeiro que possuia mais posses que o pai de Lampião, Zé Ferreira.
Virgulino foi poeta, foi amigo, foi valente, foi namorador. Tornou-se o homem que viveu à margem da lei depois que passou a ser perseguido pelos seus inimigos que tinham inveja de sua juventude e da sua capacidade em conquistar amigos.
A partir de 1922, quando assumiu o grupo de cangaceiros que participava, conseguiu criar a seu redor, um imaginário fabuloso. Quando se tornou uma pessoa bastante perseguida pelas volantes policiais, que constantemente estavam no seu encalço, foi criado então esse imaginário. Criado Por muitos repentistas que faziam os seus cordéis para serem vendidos nas feiras das cidades do nordeste, onde
alguns deles chegavam a tocar sanfonas e violas, mostrando nos seus versos  versões imaginárias desse homem tão perseguido. Eram histórias mirabolantes nessa cultura que se escrevia e que explodia nos cantos da pobreza e da própria fome dos sertanejos.
Lampião nunca apresentou pra ninguém uma plataforma política ou um programa de reinvindicações sociais, mas traduziu como ninguém a  insatisfação popular contra um regime autoritário que já perdurava há muito tempo e que infelizmente até os dias de hoje persiste. Regime autoritário de nossa história, que ficou conhecido como República Velha, se bem que na República Nova, que já se iniciou corrupta, pois tinha os mesmos personagens corruptos da Velha, na sua linha de frente. Não é a toa que Jornais da época que recebiam benesses do governo, procurassem mostrar Lampião com imagem de criminoso de alto grau de delinquência, procurando com isso denegrir totalmente o lado humano e social vivido por lampião e seus cangaceiros.
Contrário a isso,  de Lampião traduzir como ninguém a insatisfação popular, os poetas de cordel que estavam constantemente nas feiras das cidades do nordeste, mostraram um Lampião valente, com alto grau de capacidade libertadora dos pobres, suas lutas contra os poderosos e que até hoje é lembrado e cantado pelos poetas e repentistas. É Por isso que, tão impressionante figura lendária de Lampião seja um pretexto para acabar com as injustiças sofridas pelos mais pobres.
Aqueles que persistem em falar mal de Lampião, não vêem ou fazem que não ver, que em um ambiente seco do sertão, na catinga nordestina, outras crianças, com suas famílias, sofrem o descaso das autoridades até os dias de hoje.
Lampião tem de ser examinado pelos olhos da sociologia e não pelo olhar policial, pois já fazem mais de 80 anos de sua morte. Foram muitas histórias de ódio, mas também teve muitas histórias de amor e de generosidade, pois Lampião também foi capaz de amar.
Realmente meus amigos, falarmos desse personagem histórico, desse mito, nunca é, colocar um ponto final nessa história. Porque Muitas ainda estão escondidas e à medida que o tempo passa,  se refaz cada versão dessa história.

segunda-feira, 7 de setembro de 2020

O Sete de Setembro

Do amigo José Bezerra


Amanhã, 7 de setembro, será feriado. De quê? Não venham me dizer que é da independência do Brasil.
Engana-se quem pensar que o Brasil se tornou independente “num estalar de dedos”, com uma simples proclamação de D. Pedro de Alcântara.
O “grito” de Dom Pedro na beira do Riacho do Ipiranga, proclamando a independência do Brasil, assistido apenas pela comitiva que o acompanhava, não passou de um *ato simbólico* num episódio galante em que um príncipe português, confiando em que não sofreria represálias de seu pai, declarou o rompimento com Portugal. Porém, na prática, quase nada mudou com o 7 de Setembro. A independência do Brasil era uma coisa fictícia, pois Portugal continuou considerando o Brasil parte integrante do *Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves* e pretendia reconduzi-lo à condição de simples *colônia*.
A proclamação de D. Pedro no Ipiranga poderia vir a ter o mesmo desfecho de episódios anteriores, tais como, a *Inconfidência Mineira* (1789), a *Conjuração Carioca* (1794), a *Conjuração Baiana* (1796), a *Conspiração dos Suassunas* (1801), a *Revolução Pernambucana* (1817) e a *Confederação do Equador* (1824). O episódio do Ipiranga em 7 de setembro de 1822 encontrou eco efetivo apenas no Rio de Janeiro, Minas e São Paulo. Portugal reagiu. Cinco províncias brasileiras – Bahia, Piauí, Maranhão, Grão-Pará e Cisplatina – continuaram leais ao rei e às Cortes de Lisboa.
Quanto aos fatos precedentes da independência, a historiografia oficial pôs seus holofotes sobre a Inconfidência Mineira, enfatizando exageradamente a sua importância. *A Inconfidência Mineira não foi nada em comparação com a Revolução Pernambucana de 1817*. O que houve em Minas Gerais não passou de uma conspiração inocente de *intelectuais platônicos* que se reuniam em saraus literários.
O Brasil tornou-se de fato politicamente independente foi nas lutas travadas nos mares e campos baianos, que culminaram no *2 de julho de 1823*, quando as tropas portuguesas foram expulsas.
Infelizmente os historiadores não dão a devida importância ao episódio do 2 de Julho. Os próprios baianos se encarregaram de transformar a comemoração do 2 de Julho num folguedo folclórico e os políticos aproveitam a ocasião para subir nos palanques. O Aeroporto de Salvador denominava-se *Aeroporto Internacional 2 de Julho*, mas um deputado baiano desmiolado propôs e seus pares aprovaram a mudança do nome, pondo eu seu lugar o de um político inexpressivo.
Nós, nordestinos, precisamos conhecer a história da nossa terra. Costumo dizer que a melhor forma demonstrarmos amor à nossa terra é estudando a sua geografia e a sua história.
Você quer conhecer em profundidade a Revolução Pernambucana de 1817, a Confederação do Equador e os fatos que precederam o 2 de Julho? No meu *Capítulos da História do Nordeste* eu conto em detalhes, praticamente dia a dia, mês a mês, os entreveros ocorridos entre 1921 e 1923, destacando a figura heroica de Cipriano Barata, a morte de sóror Joana Angélica, as lutas travadas em Itaparica, Cachoeira e outras vilas do Recôncavo, a atuação do bravo general Labatut e de Lorde Cochrane, a Batalha de Pirajá, o cerco à cidade de Salvador e a capitulação do comandante português, general Madeira de Melo.
Confiei a venda do meu livro ao *Professor Pereira – contato pelo WhatsApp (83) 9 9911-8286*. (Gosto de escrever, mas não sei vender meus livros: se pudesse dava todos de graça aos amigos.)

Dr. Leandro Cardoso responde ao amigo José Bezerra:

Duas palavras sobre a inpendência do Brasil:
Uma das mais sangrentas batalhas pela nossa Independência foi a Batalha do Jenipapo, ocorrida em 13 de março de 1823, nas margens do Riacho Jenipapo em Campo Maior, Piauí.
O Piauí era uma província estratégica para Portugal, tanto é que D. João VI designa para comandá-la o Major João José da Cunha Fidié, experimentado militar nas lutas contra Napoleão Bonaparte. Portugal, ao que parece, já sabia que não conseguiria manter todo o território brasileiro sob suas asas, então concentrou sua atenção e suas forças na província do Piauí, pois do Piauí para o oeste (Maranhão e Grão Pará) não havia simpatia ou focos de “independência”. Ou seja: o Brasil de quebraria no Piauí.
E Portugal garantiria para si todo o Norte.
Entretanto, o Juiz João de Deus e Silva e o grande comerciante de Parnaiba Simplicio Dias da Silva, proclamam a independência em Parnaíba (norte do Piauí), influenciados pelos cearenses. Vale lembrar que a capital do Piauí na época era Oeiras, muito distante de Parnaíba. Então quando Fidié soube do ocorrido, arregimentou seus soldados e a artilharia e marchou sobre Parnaíba com força total, deixando desguarnecida a capital Oeiras. Esse foi seu erro.
Quando ele chega em Parnaíba e se apossa da cidade (os que proclamaram a independência fugiram para o Ceará, pois não tinham homens suficientes para confrontar Fidié), e manda rezar um TeDeum na igreja de Nossa Senhora das Graças em homenagem a Dom João VI.
Nesse ínterim, Oeiras é tomada por Manuel de Sousa Martins (futuro Visconde da Parnaíba), que tomar o quartel e a casa da pólvora.
Quando Fidié fica sabendo que Oeiras caiu, fica possesso. Deixa alguns soldados em Parnaiba, guardando a cidade e volta no rumo de Oeiras para retomar a cidade, pois ele achava que não teria qualquer resistência dos piauienses. Ledo engano.
No meio do caminho, na altura de Piracuruca ele tem o primeiro confronto com os brasileiros: o combate do Jacaré, que foi uma pequena escaramuça.
Ele segue adiante e na altura de Campo Maior nas margens do Riacho Jenipapo ele se depara com os brasileiros (piauienses, maranhenses e cearenses), armados com foices, fações, espadas e poucas armas de fogo, na sangrenta Batalha do Jenipapo, onde mais 200 brasileiros perderam a vida. Fidié os massacra, mas comete outro erro: julga que Oeiras estaria fortemente guardada. Ledo engano. Os poucos brasileiros que guardavam Oeiras não seriam sequer ameaça a Fidié.
Mas o que ele faz: atravessa o Rio Parnaíba na altura do Porto de Estenhado (hoje cidade de União) e vai para o Maranhão para tomar Caxias importante ponto comercial da região.
Os brasileiros se reorganizam e cercam Fidié em Caxias, pois este havia sofrido muitas deserções e acaba sendo preso em Caxias e conduzido para São Luis.
Essa foi, portanto, batalha que garantiu a unidade da região meio norte e Norte do Brasil.
Nós perdemos a batalha, é verdade; mas ganhamos a guerra.
LEANDRO CARDOSO: Outra história interessante sobre as lutas da Independência no Piauí:
Um dos revolucionários e propagadores do movimento era Leonardo Castelo Branco. Ele foi traído e entregue aos portugueses no Porto de Melancias, no Rio Parnaíba. Foi conduzido para São Luis e de lá para a Famosa Prisão do Limoeiro em Portugal. Escreveu cartas para a família usando o próprio sangue como tinta, e fez uma promessa a Nossa Senhora das Dores que se saísse com vida de lá, acrescentaria o nome da Mãe de Deus ao seu próprio nome. E assim foi feito.
Foi libertado, mudou o nome para Leonardo de Nossa Senhora das Dores Castelo Branco e faleceu em 1873 em Campo Maior.

domingo, 6 de setembro de 2020

Padre Cícero e o homem que o olhava no caixão

Sempre quando olhava e olho essa foto do Padre Cícero morto no seu caixao, ficava e fico imaginando quem eram essas pessoas ao redor.
Hoje consegui identificar a pessoa que está ao lado do Padre olhando para seu rosto. Trata-se do Senhor José Bezerra, fazendeiro em Juazeiro, pai do ex-governador do Ceará Adauto  Bezerra.
Veja Aqui

sexta-feira, 14 de agosto de 2020

Pão de Açúcar - Celeiro do Cangaço

Pão de Açúcar - Celeiro do Cangaço

Por Raul Meneleu

Estive recentemente na cidade alagoana de Pão de Açúcar nas barrancas do Velho Chico onde muitas histórias de Coronéis e Cangaceiros se misturaram com autoridades policiais.

Fui especialmente para acompanhar o lançamento de um livro do escritor Antônio Pinto, que fala sobre um dos antigos residentes da cidade e que este era Lampião.

O livro "Lampião - A sua verdadeira morte" narra a história do Senhor João Novato, que chegou à cidade no início dos anos 60 e fixou residência. Vinha acompanhado de sua esposa, que se chamava Maria Rita.

Mas fora desta história entrevistei algumas pessoas (link) e existem outras que precisam ser expostas (link).

Fico imaginando por que essa região foi praticamente esquecida pela maioria dos pesquisadores da grande saga que desenrolou-se no Nordeste brasileiro e mais ainda nesta região. Podemos citar a Professora Luitgarde de Oliveira Cavalcanti Barros, nascida nessa região alagoana como um destaque em falar sobre a saga e o jornalista Melchiades da Rocha.

Vamos elencar aqui alguns vultos representativos destas três vertentes: coronelismo, autoridades policiais e cangaceiros, e no bojo destas três vertentes, pistoleiros e capangas.

Coronéis:

A conversa do Coronel Joaquim Rezende com Lampião

Joaquim Rezende (à esquerda) conversa com Melchiades da Rocha. Foto: Maurício Moura – Jornal A Noite.

No dia 30 de julho de 1938 em Santana do Ipanema, Alagoas, onde as cabeças iriam ser expostas, estava o prefeito recém-eleito de Pão de Açúcar, Joaquim Rezende, identificado por alguns como sendo coiteiro e amigo de Lampião.

O Coronel Joaquim Rezende foi prefeito de Pão de Açúcar entre 1938 e 1941. Este Morreu assassinado em 1954, quando ocupava o cargo de delegado de Polícia. Os assassinos formam os irmãos Elísio e Luiz Maia. Elísio era então prefeito do município.

Melchiades da Rocha, em seu livro Bandoleiros das Catingas, lançado em 1942, recorda do encontro que teve com Joaquim Rezende em Santana do Ipanema.

Ele se refere ao prefeito de Pão de Açúcar como sendo “um abastado proprietário em seu município” e que ele estava em Santana também “à espera da cabeça de Lampião, pois desejava certificar-se se de fato ele havia morrido”.

A condição de amigo de Lampião ostentada por Joaquim Rezende aguçou os instintos do repórter, que começou a se perguntar o que teria levado um rico cidadão a “se tornar um afeiçoado do Rei do Cangaço”, quando era prefeito de uma cidade que poderia ser alvo das ações do bandido.

A narrativa a seguir é um valioso documento de como se davam as relações de Lampião com o poder político e econômico das regiões sertanejas vítimas do cangaço.

Com a palavra Melchiades da Rocha:

“Sem quaisquer etiquetas, pois nós sertanejos não somos, apenas, iguais perante a lei, apresentei-me ao Cel. Rezende e lhe disse à moda da terra:

— “Seu” Rezende, eu queria uma palavrinha do senhor!

— Pois não! — respondeu-me, amavelmente, o prefeito de Pão de Açúcar.

Momentos depois o Sr. Rezende e eu nos achávamos na sede da Prefeitura de Santana. Em poucas palavras relatei os meus propósitos ao cavalheiro que me fora apontado como sendo grande amigo de Lampião.

Após ter-me oferecido uma cadeira, o Sr. Rezende sentou-se e narrou, pormenorizadamente, como e por que se tornara amigo do Rei do Cangaço, amigo ocasional, bem entendido, pois não poderia ter sido de outro modo.”

O Coronel Rezende então fala ao repórter:

"Conheci Lampião em 1935, época em que me escreveu ele, pedindo mandasse-lhe a importância de quatro contos de réis, prometendo-me, ao mesmo tempo, tornar-se meu amigo se fosse atendido.

Em resposta à carta do terrível bandoleiro, mandei dizer-lhe pelo mesmo portador que lhe daria de muito bom grado o dinheiro, mas que só o faria pessoalmente.

Três dias depois Lampião mandou-me outro bilhete do seu próprio punho, dizendo-me que me esperava às 10 horas da noite na fazenda Floresta, município de Porto da Folha, em Sergipe, recomendando-me que fosse até ali, mas não deixasse de levar o dinheiro.

Não obstante os naturais receios que tive, à hora aprazada cheguei ao local do encontro, onde permaneci até uma hora da manhã, quando surgiu um cangaceiro que, ao ver-me, perguntou-me se eu era o moço que desejava falar ao capitão. Respondi que sim.

Dentro de poucos minutos, então, o Rei do Cangaço ali se apresentava acompanhado de quatro homens, “Juriti”, “Zabelê”, “Passarinho” e “Nevoeiro”. Ao ver o grupo aproximar-se, identifiquei logo Virgulino e a ele me dirigi, cumprimentando-o.

O famoso bandoleiro, ao contrário do que eu esperava, recebeu-me amavelmente e foi logo perguntando sobre o que lhe havia levado. Sabendo que o Rei do Cangaço gostava de beber, eu, que levava comigo três litros de conhaque, lhos ofereci.

A fim de que desaparecesse logo qualquer suspeita do bandoleiro, prontifiquei-me a ser o primeiro a provar a bebida. Encarando-me com olhar firme, Lampião me disse em tom natural: “Concordo em que o senhor beba primeiro, mas não é por suspeita e sim porque o senhor é um moço decente e eu sou apenas um cangaceiro”.

Tomamos, então, o conhaque e, em seguida, abordei o Rei do Cangaço sobre o dinheiro que ele me havia pedido. Como resposta, disse-me ele: “O senhor dá o que quiser, pois eu dou mais por um amigo do que pelo dinheiro”.

— Esse fato — disse o conceituado comerciante de Pão de Açúcar — teve lugar no mês de agosto de 1935, e a minha palestra com Lampião durou três horas, tendo ele me falado de vários assuntos, entre os quais o relativo à perseguição de que era alvo, acrescentando que, de todas as forças que andavam em seu encalço, a que mais o procurava era a do então Major Lucena, dada a velha inimizade que o separava desse oficial da polícia alagoana, a quem reconhecia como homem de fato e dos mais corajosos.

Quanto às forças dos outros Estados, disse-me Lampião que se arranjava “a seu gosto…”, fazendo nessa ocasião graves acusações a vários oficiais dos que andavam em sua perseguição.

— Aí está como foi o meu primeiro encontro com o Rei do Cangaço. — Depois — acrescentou o prefeito de Pão de Açúcar — Lampião mandou pedir-me bebidas, charutos e também objetos de uso doméstico. Mais tarde, porém, fui informado de que ele estava empregando esforços no sentido de matar o Sr. José Alves Feitosa, ex-prefeito de minha terra que, como eu, o esperara muitas vezes ali, a fim de fazer-lhe frente, pois foi das mais terríveis a ação de Virgulino em nosso município.

Tratando-se de um amigo meu o homem que estava destinado a morrer às mãos de Lampião, procurei um pretexto para me avistar com este e não me foi difícil encontrá-lo. Todavia, após uma série de considerações, em que fui até exigente demais, Lampião, dizendo ao mesmo tempo que só fazia tal “sacrifício” para me satisfazer, prometeu-me sustar a realização de sua sanguinária intenção, declarando-me naquele momento que já tinha em campo dois homens para fazer o “serviço” lá mesmo na cidade de Pão de Açúcar, já que o visado andava resguardado, não saindo para parte alguma.

Tal conhecimento com Lampião, deixou-me, aliás, em situação crítica, pois inimigos meus denunciaram ao Coronel Lucena que eu era um dos coiteiros do celerado cangaceiro.

Ao ter ciência de tal acusação, dirigi-me ao referido oficial e lhe expus as razões que me levaram a ter contato com o Rei do Cangaço, após ter andado prevenido contra ele, longo tempo. Jamais faria isso se não fosse a situação em que, como muitos outros sertanejos, me encontrei durante longo tempo.

Intercedi, depois disso, em favor de várias firmas comerciais de Maceió e Penedo, cujos representantes teriam caído às garras do bando sinistro se não fora a minha intervenção junto a Lampião. Há dois meses passados, fui forçado, do que não guardei reserva ao Coronel Lucena, a intervir novamente em defesa de algumas vidas preciosas, no que fui feliz, conseguindo que Virgulino desistisse dos seus sinistros propósitos.”

Após este depoimento, Joaquim Rezende continuou a conversar informalmente com o repórter e revelou que Lampião confessara a ele que tinha uma filha fruto da relação com Maria Bonita. A menina, então com 12 anos, estava sob a guarda de um vaqueiro no município de Porto da Folha, que a adotara.

Lampião também disse a ele que entrou para o cangaço aos 16 anos de idade, aderindo ao grupo do bandoleiro Antônio Porcino. Tinha a intenção de vingar a morte do pai e de um irmão, que tombaram num choque com a Polícia alagoana.

Joaquim Rezende contou ainda que Lampião tinha vontade de abandonar o cangaço para se dedicar à pecuária, pois gostava da vida no campo. O cangaceiro disse ainda que havia adquirido duas fazendas no município de Porto da Folha pela quantia de nove contos de réis e comprado dois belos cavalos em Xorroxó, na Bahia, arreando-os luxuosamente.

Diante da possibilidade apresentada pelo prefeito de Pão de Açúcar de negociar a sua rendição às autoridades de Alagoas, poupando-lhe a vida, Lampião achou boa a ideia, mas argumentou que seria impossível isso acontecer por considerar que os governos da Bahia e de Pernambuco fariam tudo para eliminá-lo.

“Não tenho dúvidas de que Lampião, se tivesse podido, havia mudado de meio de vida, pois sei que nestes últimos tempos ele não atacava senão quando se via forçado a assim proceder”, concluiu Joaquim Rezende.

A filha de Lampião citada por Joaquim Rezende era Expedita Ferreira Nunes, que foi criada em Porto da Folha pelo casal Manoel Severo e Aurora, que também tomavam conta de duas fazendas — provavelmente as que Lampião citou como suas, mas que são citadas como de Juca Tavares, padrinho de Expedita.

Quando Lampião morreu, Expedita tinha cinco anos e nove meses. Isso indica que a informação de Joaquim Rezende sobre a idade da filha, 12 anos, estava errada. é possível que tenha Lampião tenha falado 2 anos e não 12.

Expedita, depois dos 8 anos, foi viver com seu tio João Ferreira da Silva, o Joca Ferreira.

CANGACEIROS

Também entrevistei a Sra. Enalva Soares Pinto, filha do cangaceiro Cristino Cleto o Corisco e dona Maria  Francisca e que foi entregue ao Padre Soares Pinto, que a deixou com seu tio, o fazendeiro Antônio Soares Pinto para cria-la. Veja a entrevista nesse link

A filha de Corisco que reside em Pão de açúcar/AL, que foi criada pela tradicional família SOARES PINTO chama-se ENALVA SOARES PINTO, é filha de um relacionamento amoroso que Corisco manteve com Francisca Alves, natural de Águas Belas/PE. Está lúcida com 84 anos. No mês ter a criança o próprio Corisco trouxe a jovem Francisca para Pão de açúcar, assim que a criança nasceu foi entregue ao padre José Soares Pinto que no momento encontrava-se em Maceió, foi chamado às pressas por Telegrama para vir a pão de açúcar receber um presente. O padre José Soares Pinto (1884-1939) ainda faleceu jovem no Rio de Janeiro, com a morte do padre , a criança ENALVA passa para os cuidados do irmão do padre o fazendeiro totonho Soares Pinto.

A senhora Enalva, teve 12 filhos, inclusive um deles é Padre em São Paulo, o Padre Enubio. Conheci desta prole apenas dois deles, o senhor Antônio Pinto, Escritor e Artista Plástico, que nesta minha visita a Pão de Açucar fez o lançamento do livro "Lampião - A sua verdadeira morte" e que fez uma caminhada tipo procissão para instalar um Cruzeiro no túmulo do Senhor João Novato, acreditado por parte da comunidade como sendo Lampião. (Link) e o Senhor Heitor Pinto, proprietário de uma Academia de Ginástica e de um Restaurante tipo Museu a Céu aberto que conta a história da cidade com seus personagens mais importantes. (Link) Esse museu a céu aberto, está instalado na periferia da cidade de Pão de Açúcar no Estado de Alagoas, banhada pelo Rio São Francisco. Também é restaurante e tem um bar temático. Tudo rústico como era o sertão no século 19. O proprietário é o Professor Heitor Soares Pinto, Neto do famoso cangaceiro Corisco.

Desde menino conviveu com o Sr. João Novato, que para algumas pessoas era o famoso cangaceiro Lampião, que depois de fugir baleado do combate do Angico, depois de andar escondido por muitos anos, aportou novamente na cidade de Pão de Açúcar-AL no início dos anos 60.

Por conta da pandemia do COVID-19 ainda não voltei a Pão de Açúcar para prosseguir com minhas pesquisas, que inclui a vida de Expedita Ferreira, a filha de Lampião quando menininha criada na região, as fazendas que provavelmente Lampião era proprietário, uma pesquisa de outro filho de Corisco, criado por um membro proeminente da cidade, o relato de um cangaceiro que fugiu baleado do Fogo do Angico e que foi tratado no hospital da cidade sergipana de Nossa Senhora da Glória, onde chegou a escrever na parede do ambulatório suas iniciais e também entrevistar alguns membros do bloco carnavalesco Os Cangaceiros, fundado por um filho de cangaceiro juntamente com João Novato. (Link)

João Novato (seta) e Dona Maria Rita

quinta-feira, 16 de abril de 2020

quarta-feira, 25 de março de 2020

Parlamentares tentaram incluir combate a Lampião na Constituição de 1934



Reportagem: Ricardo Westin, da Agência Senado

Colaboração: Celso Cavalcanti, da Rádio Senado

Pesquisa: Arquivo do Senado

Publicado em 2/7/2018



Ao longo das décadas de 1920 e 1930, Virgulino Ferreira da Silva, vulgo Lampião, espalhou o terror pelo Nordeste. Com seu bando, percorreu o sertão atacando vilas, matando inocentes, saqueando mercearias, achacando fazendeiros, roubando gado, trocando tiros com a polícia, marcando a pele de inimigos com ferro em brasa.

A carreira do criminoso brasileiro mais célebre de todos os tempos chegou ao fim há 80 anos. Descoberto numa fazenda em Sergipe, Lampião foi executado pela polícia a tiros de metralhadora, ao lado de outros dez cangaceiros, incluindo Maria Bonita, sua companheira. Até o New York Times deu a notícia, no histórico 28 de julho de 1938.


Jornal A Noite noticia morte de Lampião em julho de 1938 e publica fotos do cangaceiro, de uma vítima do bando marcada com ferro em brasa e do comandante da ação policial, tenente João Bezerra (imagem: Biblioteca Nacional)

Os senadores e os deputados da época olhavam o cangaço com preocupação. Documentos guardados nos Arquivos do Senado e da Câmara mostram que os parlamentares trataram do tema na tribuna em inúmeras ocasiões. Em 1926, o senador Pires Rebello (PI) discursou:

— Quem vive nesta capital da República [Rio de Janeiro], poderá achar que o governo tem feito a felicidade completa dos brasileiros. Ofuscados pelos brilhos da luz elétrica, é natural que os cariocas não saibam que naquele vasto interior existem populações aquadrilhadas fora da lei que zombam da Justiça e ridicularizam governos.

Muitos cangaceiros haviam assustado o Nordeste antes de Lampião, como Cabeleira, Jesuíno Brilhante, Antônio Silvino e Sinhô Pereira, mas nenhum foi tão temido quanto o rei dio cangaço. As investidas de Lampião eram tão brutais que, na Assembleia Nacional Constituinte de 1934, deputados nordestinos — a Assembleia não teve senadores — redigiram pelo menos cinco propostas para que a nova Constituição previsse o combate ao cangaço como obrigação do governo federal.

A repressão cabia às volantes, batalhões itinerantes das polícias dos estados. O que parte dos constituintes desejava era que o Exército reforçasse a ação das volantes. O deputado Negreiros Falcão (BA) afirmou:

— Os Lampiões continuam matando, roubando, depredando, desvirginando crianças e moças e ferreteando-lhes o rosto e as partes pudentas sem que a União tome a menor providência. Os estados por si sós, desajudados do valioso auxílio federal, jamais resolverão o problema.

Com seu bando de cangaceiros, Lampião aterrorizou o sertão nas décadas de 1920 e 1930 (foto: Biblioteca Nacional)

O deputado Teixeira Leite (PE) lembrou que os governos estaduais eram carentes de verbas, armas e policiais:

— A força policial persegue os bandoleiros, prende-os quando pode e mata-os quando não morre. Hostilizados de todos os lados, recolhem-se à caatinga e se tem a impressão de que o bando se extinguiu. Mera ilusão. O vírus entrou apenas num período de latência. Cessada a perseguição, os facínoras repontam mais violentos e sequiosos de sangue e dinheiro, apavorando os sertanejos e a polícia.

Leite explicou por que seria diferente com o Exército em campo:

— Que bando se atreveria a aproximar-se de uma zona onde estacionassem tropas do Exército, com armas modernas, transportes rápidos e aparelhos eficientes de comunicação? Para provar que apenas as forças e a intervenção do governo nacional poderão extirpar esse banditismo, basta citar que faz mais de dez anos que Lampião tranquilamente impera na região limítrofe de cinco estados do Brasil.


Outra vantagem das tropas federais era que podiam transitar de um estado a outro. As polícias estaduais não tinham tal liberdade — e os cangaceiros tiravam proveito disso. Uma vez encurralados em Alagoas, por exemplo, os bandidos escapavam para Sergipe, Bahia ou Pernambuco, estados nos quais as volantes alagoanas não podiam atuar.

Nenhuma das propostas que davam responsabilidade ao governo federal vingou, e a Constituição de 1934 entrou em vigor sem citar o cangaço.

— Na nova Constituição, vamos invocar o nome de Deus. Vamos também constitucionalizar Lampião? — ironizou o deputado Antônio Covello (SP).

O deputado Carlos Reis (MA) concordou:

— Se no Brasil temos por toda parte bandoleiros como Antônio Silvino e Lampião, nos Estados Unidos existem os gangsters e não me consta que na Constituição norte-americana haja qualquer medida de repressão ao banditismo ali organizado com esse caráter.

Para o deputado Francisco Rocha (BA), o cangaço exigia “remédio social”, e não “remédio policial”:

— As causas do cangaceirismo são a falta de educação, estrada e justiça e a organização latifundiária preservando quase intactas as antigas sesmarias coloniais, para não mencionar a estúpida ação policial dos governos.

Governo da Bahia espalhou cartazes oferecendo recompensa a quem capturasse Lampião (imagem: reprodução)

Segundo o jornalista Moacir Assunção, autor do livro Os Homens que Mataram o Facínora, sobre os inimigos de Lampião, o cangaço surgiu na Colônia, provocado pelo isolamento da região:

— O sertão ficava separado do litoral e mantinha uma ligação muito tênue com Lisboa e, depois, com o Rio. O que prevalecia não era a justiça pública, mas a justiça privada. Era com sangue que o sertanejo vingava as ofensas. Muitos aderiram ao cangaço em razão de brigas de família ou abusos das autoridades. Uma vez cangaceiros, executavam a vingança contando com a proteção e a ajuda do bando.

Lampião entrou no cangaço após a morte de seu pai pela polícia, em 1921.

— O cangaceiro não era herói. Era bandido mesmo — esclarece Assunção. — A aura de herói tem a ver com um atributo valorizado pelo sertanejo do passado: a valentia. O cangaceiro enfrentava a polícia sem medo, de peito aberto. Isso era heroísmo.

Em 1935, com a nova Constituição já em vigor, o senador Pacheco de Oliveira (BA) apresentou um projeto de lei que destinaria 1,2 mil contos de réis aos estados nordestinos para repressão ao cangaço. O dinheiro sairia do orçamento da Inspetoria Federal de Obras contra as Secas, responsável pela abertura de açudes, poços e estradas no sertão.

A grande preocupação de Oliveira eram os criminosos que atacavam os trabalhadores e atrasavam as obras:

— Não há muito, um engenheiro avisou sobre o risco que corria seu pessoal. Como não lhe chegassem recursos, lançou mão do único expediente que lhe era praticável: armou os trabalhadores.

Os cangaceiros matavam os operários por terem ciência de que a chegada do progresso ao sertão colocaria em risco o futuro das quadrilhas nômades.

O historiador Frederico Pernambucano de Mello, autor do livro Quem Foi Lampião, diz que havia motivos não confessos para que o governo federal e os estados pouco fizessem para acabar com o rei do cangaço de uma vez por todas:

— Lampião vivia fora da lei, mas mantinha um excelente relacionamento com os poderosos. Era protegido por coronéis e políticos. O governador de Sergipe, Eronildes Ferreira de Carvalho, tinha amizade com Lampião e lhe fornecia armamento e munição.

O poder público chegou a se aliar oficialmente aos cangaceiros. Em 1926, o bando de Lampião foi contratado para combater a Coluna Prestes no Nordeste. Comandado por Luís Carlos Prestes, o movimento foi uma marcha político-militar que percorreu o país enfrentando o governo e mobilizando a população contra a opressão política da República Velha.

A boa vida de Lampião acabou quando Getúlio Vargas deu o golpe de 1937 e instaurou o Estado Novo. Uma das bandeiras da ditadura era a modernização do país. Nesse novo Brasil, que deixaria de ser agrário para se tornar urbano e industrial, o cangaço era uma mancha anacrônica a ser apagada com urgência.

Getúlio Vargas e sua política modernizante foram decisivos para o fim do cangaço (foto: CPDOC/FGV)

A gota d’água foi um documentário mudo que revelou ao país a rotina do bando de Lampião na caatinga. O que se via eram cangaceiros despreocupados, alegres, bem vestidos e com joias. Nem pareciam fugitivos. Sentindo-se afrontado, Vargas ordenou aos governadores do Nordeste que parassem de fazer vista grossa e aniquilassem o rei do cangaço.


Assim se fez. Lampião e seus subordinados foram mortos e decapitados em 1938, e o governo expôs as cabeças em cidades do Nordeste. Bandidos de outros grupos correram para se entregar, de olho na anistia prometida a quem delatasse companheiros.

Corisco, o último pupilo de Lampião, foi morto em 1940, e o cangaço enfim se tornou passado.

Sem perspectivas no Nordeste, muitos dos ex-cangaceiros migraram para o Rio e São Paulo. Policiais que atuavam nas volantes perderam o emprego e engrossaram o êxodo nordestino.

Corisco, o último dos cangaceiros, foi morto pela polícia em 1940 (foto: reprodução)
Senado Notícias







sábado, 22 de fevereiro de 2020

O CANGACEIRO VAMPIRO

O escritor Ely Pereira de Ávila, traz um relato bastante significativo para aqueles que estudam e pesquisam o Cangaço ao relatar parte da história do cangaceiro Galo Branco, que iniciou-se no cangaço com apenas 13 anos de idade por conta do assassinato de seu pai por uma Volante que perseguia Antônio Silvino, um dos mais temíveis cangaceiros. Passamos a mostrar um dos capítulos (partes) de seu livro “FERNANDO DE NORONHA – Da Ilha Maldita ao Paraíso”. Esta ilha que foi usada como presídio, pelas autoridades brasileiras, desde de 1844, para os revolucionários da Revolução Farroupilha, para presos comuns, e até mais recentemente foi usada para presídio dos que foram contra o golpe militar de 1º. de abril de 1964. Tomei como título desse artiguete, O CANGACEIRO VAMPIRO, por apenas um pequeno detalhe trazido à nossa atenção no final do capítulo.


O CANGACEIRO GALO BRANCO

João Martins de Souza nasceu em 1890 na cidade sergipana de Itabaiana. Seu pai nasceu logo após a Revolução Farroupilha', a guerra em que os gaúchos fundaram uma nova república no Rio Grande do Sul e depois a estenderam até Santa Catarina. Sua mãe era uma imigrante italiana que chegou ainda criança com os pais à região de Bento Gonçalves/RS, em meados do século passado. Lá se conheceram e terminaram por demandar o nordeste, fixando residência no Estado de Sergipe. Ali o pai de João Martins foi morto covardemente por uma volante, o que transformou o filho, ainda com 13 anos, num cangaceiro.

Vivendo entre jagunços, procurava descontar a raiva que passou a sentir dos policiais. Para ele, os macacos não prestavam, eram uns bandidos e só mereciam a morte. Por isso, seguiu Antônio Silvino, um dos mais temíveis dos cangaceiros. Foi entre eles que, devido à sua estatura e coragem, recebeu o apelido de Galo Branco. Pelos seus cálculos, matou perto de uns quarenta macacos ao longo dos dezessete anos que viveu no cangaço. O suficiente para vingar o pai. Nunca mais viu a mãe. Mas numa passagem por Sapé, no agreste paraibano, conheceu dona Flora Maria Conceição, com quem teve três filhos: Manoel, Severina do Carmo e José Martins.

Depois de conviver com o crime e a vida sem morada certa, vendo a mulher e os filhos uma vez por mês, ou até menos, durante quase vinte anos, Galo Branco cansou daquela vida e, em 1920, entregou-se à Forca Pública em Sapé. Ali, foi preso e condenado. Acabou recambiado, não muito tempo depois, para a ilha de Fernando de Noronha, aonde chegou a bordo do navio Belmonte junto com a família e com outros presos, após três dias de viagem.

Após aportar na Esmeralda, a família foi morar com familiares de outros presidiários, enquanto Galo Branco seguiu para a Aldeia. Depois, João Martins conseguiu uma casa para ele e a família. Dona Flora e a menina Severina ficaram encarregadas da lavagem de roupa de guardas, enquanto Galo Branco pescava e pegava caranguejo. Em seguida, foi trabalhar no curral. Ali, precisava pegar boi, matar e embalar a carne quando o navio chegava à ilha para levar o produto para o continente. Mais adiante, foi promovido à guarda de primeira classe.

Ele trabalhava até as últimas horas do dia e era obrigado a dormir em casa, exceto quando não tirava guarda. Às 20 horas, as luzes da ilha se apagavam e aquele pedaço de terra, no meio do oceano, era um silêncio só. Nessa época, envolveu-se em muitas brigas. Certa vez, recebeu de um subordinado um golpe de facão que feriu gravemente seu braço, levando-o para a usar tipoia.

Na adolescência, o filho José Martins trabalhou como baitereiro(3). Trabalhava no Ais France, ou seja, quando chegavam navios com mantimentos e equipamentos para os franceses, ele auxiliava no descarrego. O irmão Manoel trabalhava na mercearia do seu Teixeira. Já Severina do Carmo, além de lavar roupa com a mãe, trabalhava em casa. Em 1941, o filho mais novo, José Martins, com o fim da pena do pai e precisando servir o Exército, foi para Recife. O caçula se apresentou no 149ª. Regimento de Infantaria, no Bairro do Socorro em Jaboatão dos Guararapes-PE. Galo Branco esposa seguiram para a capital pernambucana um ano depois.
Mas o destino levaria o ex-cangaceiro para o Ceará. Lá, abriu uma bodega onde vendia
cachaça e cigarros na cidade de Missão Velha. Permaneceu um longo período em terras
cearenses. Anos depois, o velho jagunço estaria de volta a Itabaiana, onde nasceu. Só quando soube que o filho Zé Martins estava de volta à ilha é que retornou para a Esmeralda.

Nisso já corria o ano de 1956 e muitas coisas haviam acontecido com o filho caçula. Após ficar servindo no 14° RI, em Jaboatão, Zé, que era soldado armeiro, foi voluntário para ir para a Guerra, na Itália. O treinamento foi extremamente puxado. Faziam maneabilidades como ficar sem comer, andar sem orientação para chegar a um destino pré-determinado, fazer marchas, entre outras atividades. Só embarcou com a tropa para a Itália no final de 44. O Navio Bagé ainda passaria no Rio de Janeiro antes de seguir para a Europa. Em Monte Castelo, enfrentaram frio intenso, só esquentado pelo calor do fogo alemão. Sua função era preparar as armas e separar a munição de cada combatente. Mesmo sem lutar, participou da tomada do famoso morro italiano. Ali, viu vários amigos morrer.

José Martins diz que quinze dias depois de estar na Guerra, cada um só pensava em si, acabavam-se as amizades. Após oito meses na Itália e a rendição do Eixo, ele voltaria no navio Siqueira Campos. Lembra-se que o cais do porto ficou lotado de repórteres, familiares e curiosos que agitavam bandeirinhas na chegada dos pracinhas ao Recife. Após a guerra, o seu tempo no Exército terminou e Zé Martins foi licenciado sem direito a nada. O retorno para Noronha, um ano depois, o levaria a trabalhar na oficina mecânica.
No seu retorno à ilha, na década de 50, Galo Branco foi trabalhar no quarentenário com
vacas que vieram da India para o Brasil e ficaram em Noronha aguardando a manifestação de alguma doença. A função do ex-cangaceiro era dar ração para o gado. Depois que os bovinos foram embora, passou a se dedicar à agricultura. Morava com o filho na Vila dos Remédios no local onde está localizada hoje a casa de Nilton Flor, filho de dona Tassiana. Ele possuía um roçado na área da Aeronáutica, próximo aos galpões onde eram guardadas as bombas. Para ali se mudou alguns anos depois com o objetivo de ficar mais perto do roçado. Sua plantação ficava nas proximidades da atual residência de dona Sabina, na Vila da Coréia. Plantava milho, feijão, jerimum, batata e macaxeira. Galo Branco morou um tempo com o neto Antônio de Carmo, filho de dona Severina, na Vila dos Trinta.

Em 1975 o caçula José Martins conseguiu a aposentadoria do Exército, com 25 anos de serviço, como ex-combatente. Logo depois foi para o Recife morar no Jordão. Em seguida, voltou para Fernando de Noronha passando a trabalhar no local onde os americanos
faziam suas refeições quando estiveram na ilha. Já o velho cangaceiro não estava mais tão bem de saúde assim. A idade já pesava bastante. Não foram poucas as estripulias em que havia se metido ao longo dos já 85 anos.
Em 79, resolve morar com o filho no Recife, contudo, mais uma vez, não resiste e acaba voltando para a Esmeralda, onde falece em setembro de 1986, em consequência de uma trombose que atingiu primeiro os seus membros inferiores e depois os superiores.
O filho Zé voltou a Noronha em 87, a convite do Governador Mesquita, a fim de trabalhar na oficina que mudou para a Vila do Trinta.
Sua situação financeira melhoraria com a lei do ex-combatente, aprovada pela Constituição de 68. Dessa forma, Martins foi promovido a 2º. tenente da reserva, recebendo como tal. Retornou ao Recife em 95 e mora atualmente no Bairro do lpsep.

O velho cangaceiro, enquanto viveu em Noronha, nunca deixou de usar suas sandálias e o chapéu do cangaço. Também sempre usava uma bengala e uma bolsa a tiracolo.  Era agricultor, mas não desgrudava do punhal chamado “Santo Jesus Vai Comigo". Caracterizava- se por andar a pé pela ilha. Dizem os nativos, os mais antigos, que ele adorava beber o sangue de pequenos animais que caçava na ilha.

1 - Alguns fugitivos dessa revolta permaneceram um período em Noronha, aonde chegaram a bordo de um navio que iria levá-los à Bahia, mas seguiu mais para o norte.
2 - Policiais.
3 - Remador de um pequeno bote.
Foto: Novidades da tia Gilva

sábado, 4 de janeiro de 2020

Lampião: Sou cangaceiro e não capanga


Raul Meneleu
A bela e aprazível cidadezinha da Chapada Diamantina de Lençóis, na década de 20 era considerada a "capital das Lavras". Com seu vice-consulado da França, era apontada como "Vila Rica da Bahia". Depois de todo esse progresso, porém, a região transformou-se no maior centro do coronelismo e da jagunçada na região da Bahia, com sua complexa estrutura de poder, que geralmente tinha início no plano municipal, exercido com hipertrofia privada  – a figura do coronel  – sobre o poder público — o Estado —, e tendo como caracteres secundários o mandonismo,  o filhotismo (ou apadrinhamento), a fraude eleitoral e a desorganização dos serviços públicos — e abrange todo o sistema político do país, durante a República Velha.
A década de 20 foi o auge do barbarismo na região, pouco afeitos à civilidade e à lei: uma época dos chamados "cabras valentes", onde o modo de resolver conflitos era na base do "revólver na cinta" e das gatas-bravas (mulheres guerrilheiras). Foi nesse cenário, que Lampião esteve nessa cidade, quando de passagem pela Bahia, conhecendo cada palmo de terreno para a sua guerra que sabia por certo, viria.

Segundo depoimentos, Lampião "variando as posições de perspectiva, deslumbrava-se, extático, diante do fantástico espetáculo nunca por ele contemplado" e hoje penso em minhas visitas na década de 70, apenas 42 anos nos separando desse passado, antes do auge do barbarismo nessa região.

Ver este vasto território da Chapada Diamantina, onde aliava meu trabalho, com minhas pesquisas sobre os escravos, filhos de escravos, religiosidade, etc. O via também como Lampião deve ter visto e se assombrado com os enormes aglomerados de gigantescas elevações de granito, "corcovadas e rotundas, tabuladas e bizarras, às vezes mal-assombradas como o morro do Pai Inácio, tomando a forma de castelos feudais, fortalezas medievais, majestosas proas de embarcações, mirantes e promotórios ciclópicos, uma acrópole erguida pela natureza para os deuses da mitologia!".

Vi sim! Todo esse cenário visto tanto pelo Padre Escritor quanto por Lampião. Me deleitei em desbravar essa terra linda e maravilhosa. Banhei-me em suas cascatas e cachoeiras. E como Lampião, me deleitei com as flores silvestres sendo visitadas pela lindas e majestosas borboletas.

Frederico Bezerra em seu relato poético sobre o momento em que Lampião viu essa força divina trabalhando perante seus olhos, disse: "Causariam espanto, qual mundo lunar, aquelas paisagens vagueiras, de impressionante solidão, não fosse o condão de fada ter atapetado os convales e prados de miríades de flores silvestres, variegadas e multicoloridas, sobre as quais esvoaçavam inquietas e ligeiras, enxames de borboletas de todos os matizes.

Os cangaceiros achavam muita graça quando Lampião, por várias vezes, a modo de criança, saía colhendo pelo campo umas florzinhas muito abundantes, de cor azul, campanuladas, parecendo pequenas açucenas de estames amarelos, popularmente chamadas milondas, e, as mãos cheias, jogava-as contente para o alto em agradecimento ao Criador de tanta beleza imensamente grande! De certo, naqueles momentos, se lembrava com ternura e saudade do seu "tempo de inocente", quando "brincava nos cerrados" do seu "sertão sorridente". Recordava, embevecido, a Serra Vermelha, doirada à luz do sol nascente e enfogueirada nos arrebóis... a caatinga florida e cheirosa no inverno... os areiais brancos do riacho São Domingos em cujas águas mergulhava e nadava feito peixe... as noites inconsúteis cheias das doces claridades do luar... tanta e tanta lembrança tão longínqua!"

E o Padre arremata: "Ah! deve de existir, recalcado, algo de monstruoso no espírito vesgo daqueles que consideram esse homem um monstro! Como é fácil condenar! Por que não enxergam nele, com olhos alimpados, a delicadeza de seus sentimentos artísticos e humanos?"

Voltemos aos homens valentes daquela região e vejamos o que já foi sinônimo de jagunço. Lutador por ideal ou profissão, jagunço não era o mesmo que cangaceiro. Era "soldado" porque serviam a um "coronel" sertanejo, a serviço de uma causa e de um chefe, cujo mando era a força, não a lei ou o reconhecimento da população, que, segundo o mito, desconhecia o medo no campo de batalha. No entanto, era apenas mais um pobre, excluído, da história do Brasil, servindo ao poder local, muitas vezes contra a lei e o Estado de Direito. Mas as notícias jamais chegavam ao governo central. Não era de interesse para os coronéis a não ser as que lhes interessavam! É tanto que, até hoje, há forças no Nordeste brasileiro que enaltecem os coronéis, como se isso fosse motivo de orgulho para o país. Fazem isso por interesse pessoal, já que muitas vezes são descendentes daqueles oligarcas que conseguiam e se mantinham no poder pela violência, o assassinato e o roubo.

Horácio de Matos, que dominou a região das Lavras Diamantinas, foi o último e o maior de todos os chefes dos jagunços. O próprio governo de Epitácio Pessoa foi obrigado a assinar com ele um acordo de pacificação, e a Coluna Prestes teve de sair do país depois que invadiu os seus domínios, tal como sempre ocorre com os governos brasileiros, que não podem contra as milícias particulares até a presente data.

O interesse de Lampião em ganhar a Chapada Diamantina, não eram as belezas assoberbadas e pitorescas da natureza; de seus sentimentos artísticos e humanos e nem  das Lavras Diamantinas, com suas zonas de mineração  e nem a procura de pedras preciosas nos "veios" ou linhas de diamantes. Nesse ponto lembrei de uma de minhas passagens pela Chapada Diamantina, quando em conversa com um dono de pequeno restaurante onde parei para almoçar. Falava ele dos tempos gloriosos dos diamantes. Disse-me que, "cansou de levar as "pedras" para os EUA e as escondia no cós de sua camisa de linho indiano. Que ainda tinha um garimpozinho e convidou-me a ir até lá. Era o ano de 1975 e eu sozinho naquelas pairagens, estudando e pesquisando os hábitos daquela região, tive receio de ir. Perdi a oportunidade, mas quem sabe o que ganhei?

Pois bem... Lampião sabia o que queria. Tem pessoas que acham que ele queria ficar rico. Nada disso! Lampião era um guerreiro valente em busca de alcançar o vento. Ali era a terra dos coronéis que mandavam na Bahia. Não eram os coroneizinhos das caatingas. Ali residiam os jagunços "mandiocas" do coronel Horácio de Matos, de Lençóis, e os "mosquitos" do coronel Fabrício de Oliveira, estava nas terras de antigas lutas de conquista onde giravam as famosas "gatas bravas", guerrilheiras masculinizadas, cabelos cortados à escovinha, chapéu de couro, armadas de punhal e pistola, sobre as quais Lampião, talvez com o tempo, quando da entrada no cangaço das mulheres, lembrasse que eram inferiores às cangaceiras, de vez que aquelas, perderam as características e os sentimentos de feminilidade, já as cangaceiras, entre elas a famosa e bonita Maria do Capitão, tão linda, feminina e faceira, eram superiores pelo carinho e amor a seus homens!
Seu interesse era duplo: tático e político. Era um General. Conhecer o território para campo de ação e refúgio; estabelecer contatos com os coronéis-chefões para lhes obter o apoio em dinheiro e material bélico.

Em seu livro "Lampião, Seu Tempo e Seu Reinado" O Padre diz: "Foi assim que, de primeiro, atacou a cidade de Morro do Chapéu, cometendo depredações. E dai, sempre bordejando a cordilheira do Sincorá, atingiu Palmeiras, às margens do riacho Grande, Mais adiante tomou refrescante banho salutar nas águas limpíssimas do "engrunhado" ou rio subterrâneo que corta a gruta de Pratinha, uma das muitas, pequenas ou imensas, todas encantadoras e misteriosas, existentes nos recôncavos das serras. Em Lençóis, esteve com seu grande amigo, o coronel Horácio, o maioral dos garimpos e o mais poderoso chefão de jagunços da Bahia, que, em desde os primeiros dias de setembro de 1928, lhe vinha dando proteção. É evidente que isto por política do famanaz coronel Horácio a modo de dividir a atenção das autoridades quanto às lutas de conquista das lavras diamantíferas. Por seu lado, beneficiava-se Lampião deste jogo, de parte a parte consciente.
Nessa oportunidade, o coronel convidou Lampião para se engajar como chefe de toda a sua jagunçada. A resposta foi dada com altivez:
- "Sou cangaceiro e não capanga!"

Admitia assim, Lampião, a diferença de conceito entre os dois termos. Descendo, entrou nas terras de Andaraí, onde imperava o coronel Aurélio Gondim, passou ao largo da grande quantidade de "montoeiras" de antigas lavragens, em Mucugê, do coronel Douca Medrado." E daí ganhou o mundo baiano, fazendo estripulias.

Aracaju, 04 de janeiro de 2020

Bibliografia:
- A Campanha da Bahia, Frederico Bezerra Maciel
Os Grandes Diamantes Dos Coronéis, Maria Helena Guedes