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sexta-feira, 14 de agosto de 2020

Pão de Açúcar - Celeiro do Cangaço

Pão de Açúcar - Celeiro do Cangaço

Por Raul Meneleu

Estive recentemente na cidade alagoana de Pão de Açúcar nas barrancas do Velho Chico onde muitas histórias de Coronéis e Cangaceiros se misturaram com autoridades policiais.

Fui especialmente para acompanhar o lançamento de um livro do escritor Antônio Pinto, que fala sobre um dos antigos residentes da cidade e que este era Lampião.

O livro "Lampião - A sua verdadeira morte" narra a história do Senhor João Novato, que chegou à cidade no início dos anos 60 e fixou residência. Vinha acompanhado de sua esposa, que se chamava Maria Rita.

Mas fora desta história entrevistei algumas pessoas (link) e existem outras que precisam ser expostas (link).

Fico imaginando por que essa região foi praticamente esquecida pela maioria dos pesquisadores da grande saga que desenrolou-se no Nordeste brasileiro e mais ainda nesta região. Podemos citar a Professora Luitgarde de Oliveira Cavalcanti Barros, nascida nessa região alagoana como um destaque em falar sobre a saga e o jornalista Melchiades da Rocha.

Vamos elencar aqui alguns vultos representativos destas três vertentes: coronelismo, autoridades policiais e cangaceiros, e no bojo destas três vertentes, pistoleiros e capangas.

Coronéis:

A conversa do Coronel Joaquim Rezende com Lampião

Joaquim Rezende (à esquerda) conversa com Melchiades da Rocha. Foto: Maurício Moura – Jornal A Noite.

No dia 30 de julho de 1938 em Santana do Ipanema, Alagoas, onde as cabeças iriam ser expostas, estava o prefeito recém-eleito de Pão de Açúcar, Joaquim Rezende, identificado por alguns como sendo coiteiro e amigo de Lampião.

O Coronel Joaquim Rezende foi prefeito de Pão de Açúcar entre 1938 e 1941. Este Morreu assassinado em 1954, quando ocupava o cargo de delegado de Polícia. Os assassinos formam os irmãos Elísio e Luiz Maia. Elísio era então prefeito do município.

Melchiades da Rocha, em seu livro Bandoleiros das Catingas, lançado em 1942, recorda do encontro que teve com Joaquim Rezende em Santana do Ipanema.

Ele se refere ao prefeito de Pão de Açúcar como sendo “um abastado proprietário em seu município” e que ele estava em Santana também “à espera da cabeça de Lampião, pois desejava certificar-se se de fato ele havia morrido”.

A condição de amigo de Lampião ostentada por Joaquim Rezende aguçou os instintos do repórter, que começou a se perguntar o que teria levado um rico cidadão a “se tornar um afeiçoado do Rei do Cangaço”, quando era prefeito de uma cidade que poderia ser alvo das ações do bandido.

A narrativa a seguir é um valioso documento de como se davam as relações de Lampião com o poder político e econômico das regiões sertanejas vítimas do cangaço.

Com a palavra Melchiades da Rocha:

“Sem quaisquer etiquetas, pois nós sertanejos não somos, apenas, iguais perante a lei, apresentei-me ao Cel. Rezende e lhe disse à moda da terra:

— “Seu” Rezende, eu queria uma palavrinha do senhor!

— Pois não! — respondeu-me, amavelmente, o prefeito de Pão de Açúcar.

Momentos depois o Sr. Rezende e eu nos achávamos na sede da Prefeitura de Santana. Em poucas palavras relatei os meus propósitos ao cavalheiro que me fora apontado como sendo grande amigo de Lampião.

Após ter-me oferecido uma cadeira, o Sr. Rezende sentou-se e narrou, pormenorizadamente, como e por que se tornara amigo do Rei do Cangaço, amigo ocasional, bem entendido, pois não poderia ter sido de outro modo.”

O Coronel Rezende então fala ao repórter:

"Conheci Lampião em 1935, época em que me escreveu ele, pedindo mandasse-lhe a importância de quatro contos de réis, prometendo-me, ao mesmo tempo, tornar-se meu amigo se fosse atendido.

Em resposta à carta do terrível bandoleiro, mandei dizer-lhe pelo mesmo portador que lhe daria de muito bom grado o dinheiro, mas que só o faria pessoalmente.

Três dias depois Lampião mandou-me outro bilhete do seu próprio punho, dizendo-me que me esperava às 10 horas da noite na fazenda Floresta, município de Porto da Folha, em Sergipe, recomendando-me que fosse até ali, mas não deixasse de levar o dinheiro.

Não obstante os naturais receios que tive, à hora aprazada cheguei ao local do encontro, onde permaneci até uma hora da manhã, quando surgiu um cangaceiro que, ao ver-me, perguntou-me se eu era o moço que desejava falar ao capitão. Respondi que sim.

Dentro de poucos minutos, então, o Rei do Cangaço ali se apresentava acompanhado de quatro homens, “Juriti”, “Zabelê”, “Passarinho” e “Nevoeiro”. Ao ver o grupo aproximar-se, identifiquei logo Virgulino e a ele me dirigi, cumprimentando-o.

O famoso bandoleiro, ao contrário do que eu esperava, recebeu-me amavelmente e foi logo perguntando sobre o que lhe havia levado. Sabendo que o Rei do Cangaço gostava de beber, eu, que levava comigo três litros de conhaque, lhos ofereci.

A fim de que desaparecesse logo qualquer suspeita do bandoleiro, prontifiquei-me a ser o primeiro a provar a bebida. Encarando-me com olhar firme, Lampião me disse em tom natural: “Concordo em que o senhor beba primeiro, mas não é por suspeita e sim porque o senhor é um moço decente e eu sou apenas um cangaceiro”.

Tomamos, então, o conhaque e, em seguida, abordei o Rei do Cangaço sobre o dinheiro que ele me havia pedido. Como resposta, disse-me ele: “O senhor dá o que quiser, pois eu dou mais por um amigo do que pelo dinheiro”.

— Esse fato — disse o conceituado comerciante de Pão de Açúcar — teve lugar no mês de agosto de 1935, e a minha palestra com Lampião durou três horas, tendo ele me falado de vários assuntos, entre os quais o relativo à perseguição de que era alvo, acrescentando que, de todas as forças que andavam em seu encalço, a que mais o procurava era a do então Major Lucena, dada a velha inimizade que o separava desse oficial da polícia alagoana, a quem reconhecia como homem de fato e dos mais corajosos.

Quanto às forças dos outros Estados, disse-me Lampião que se arranjava “a seu gosto…”, fazendo nessa ocasião graves acusações a vários oficiais dos que andavam em sua perseguição.

— Aí está como foi o meu primeiro encontro com o Rei do Cangaço. — Depois — acrescentou o prefeito de Pão de Açúcar — Lampião mandou pedir-me bebidas, charutos e também objetos de uso doméstico. Mais tarde, porém, fui informado de que ele estava empregando esforços no sentido de matar o Sr. José Alves Feitosa, ex-prefeito de minha terra que, como eu, o esperara muitas vezes ali, a fim de fazer-lhe frente, pois foi das mais terríveis a ação de Virgulino em nosso município.

Tratando-se de um amigo meu o homem que estava destinado a morrer às mãos de Lampião, procurei um pretexto para me avistar com este e não me foi difícil encontrá-lo. Todavia, após uma série de considerações, em que fui até exigente demais, Lampião, dizendo ao mesmo tempo que só fazia tal “sacrifício” para me satisfazer, prometeu-me sustar a realização de sua sanguinária intenção, declarando-me naquele momento que já tinha em campo dois homens para fazer o “serviço” lá mesmo na cidade de Pão de Açúcar, já que o visado andava resguardado, não saindo para parte alguma.

Tal conhecimento com Lampião, deixou-me, aliás, em situação crítica, pois inimigos meus denunciaram ao Coronel Lucena que eu era um dos coiteiros do celerado cangaceiro.

Ao ter ciência de tal acusação, dirigi-me ao referido oficial e lhe expus as razões que me levaram a ter contato com o Rei do Cangaço, após ter andado prevenido contra ele, longo tempo. Jamais faria isso se não fosse a situação em que, como muitos outros sertanejos, me encontrei durante longo tempo.

Intercedi, depois disso, em favor de várias firmas comerciais de Maceió e Penedo, cujos representantes teriam caído às garras do bando sinistro se não fora a minha intervenção junto a Lampião. Há dois meses passados, fui forçado, do que não guardei reserva ao Coronel Lucena, a intervir novamente em defesa de algumas vidas preciosas, no que fui feliz, conseguindo que Virgulino desistisse dos seus sinistros propósitos.”

Após este depoimento, Joaquim Rezende continuou a conversar informalmente com o repórter e revelou que Lampião confessara a ele que tinha uma filha fruto da relação com Maria Bonita. A menina, então com 12 anos, estava sob a guarda de um vaqueiro no município de Porto da Folha, que a adotara.

Lampião também disse a ele que entrou para o cangaço aos 16 anos de idade, aderindo ao grupo do bandoleiro Antônio Porcino. Tinha a intenção de vingar a morte do pai e de um irmão, que tombaram num choque com a Polícia alagoana.

Joaquim Rezende contou ainda que Lampião tinha vontade de abandonar o cangaço para se dedicar à pecuária, pois gostava da vida no campo. O cangaceiro disse ainda que havia adquirido duas fazendas no município de Porto da Folha pela quantia de nove contos de réis e comprado dois belos cavalos em Xorroxó, na Bahia, arreando-os luxuosamente.

Diante da possibilidade apresentada pelo prefeito de Pão de Açúcar de negociar a sua rendição às autoridades de Alagoas, poupando-lhe a vida, Lampião achou boa a ideia, mas argumentou que seria impossível isso acontecer por considerar que os governos da Bahia e de Pernambuco fariam tudo para eliminá-lo.

“Não tenho dúvidas de que Lampião, se tivesse podido, havia mudado de meio de vida, pois sei que nestes últimos tempos ele não atacava senão quando se via forçado a assim proceder”, concluiu Joaquim Rezende.

A filha de Lampião citada por Joaquim Rezende era Expedita Ferreira Nunes, que foi criada em Porto da Folha pelo casal Manoel Severo e Aurora, que também tomavam conta de duas fazendas — provavelmente as que Lampião citou como suas, mas que são citadas como de Juca Tavares, padrinho de Expedita.

Quando Lampião morreu, Expedita tinha cinco anos e nove meses. Isso indica que a informação de Joaquim Rezende sobre a idade da filha, 12 anos, estava errada. é possível que tenha Lampião tenha falado 2 anos e não 12.

Expedita, depois dos 8 anos, foi viver com seu tio João Ferreira da Silva, o Joca Ferreira.

CANGACEIROS

Também entrevistei a Sra. Enalva Soares Pinto, filha do cangaceiro Cristino Cleto o Corisco e dona Maria  Francisca e que foi entregue ao Padre Soares Pinto, que a deixou com seu tio, o fazendeiro Antônio Soares Pinto para cria-la. Veja a entrevista nesse link

A filha de Corisco que reside em Pão de açúcar/AL, que foi criada pela tradicional família SOARES PINTO chama-se ENALVA SOARES PINTO, é filha de um relacionamento amoroso que Corisco manteve com Francisca Alves, natural de Águas Belas/PE. Está lúcida com 84 anos. No mês ter a criança o próprio Corisco trouxe a jovem Francisca para Pão de açúcar, assim que a criança nasceu foi entregue ao padre José Soares Pinto que no momento encontrava-se em Maceió, foi chamado às pressas por Telegrama para vir a pão de açúcar receber um presente. O padre José Soares Pinto (1884-1939) ainda faleceu jovem no Rio de Janeiro, com a morte do padre , a criança ENALVA passa para os cuidados do irmão do padre o fazendeiro totonho Soares Pinto.

A senhora Enalva, teve 12 filhos, inclusive um deles é Padre em São Paulo, o Padre Enubio. Conheci desta prole apenas dois deles, o senhor Antônio Pinto, Escritor e Artista Plástico, que nesta minha visita a Pão de Açucar fez o lançamento do livro "Lampião - A sua verdadeira morte" e que fez uma caminhada tipo procissão para instalar um Cruzeiro no túmulo do Senhor João Novato, acreditado por parte da comunidade como sendo Lampião. (Link) e o Senhor Heitor Pinto, proprietário de uma Academia de Ginástica e de um Restaurante tipo Museu a Céu aberto que conta a história da cidade com seus personagens mais importantes. (Link) Esse museu a céu aberto, está instalado na periferia da cidade de Pão de Açúcar no Estado de Alagoas, banhada pelo Rio São Francisco. Também é restaurante e tem um bar temático. Tudo rústico como era o sertão no século 19. O proprietário é o Professor Heitor Soares Pinto, Neto do famoso cangaceiro Corisco.

Desde menino conviveu com o Sr. João Novato, que para algumas pessoas era o famoso cangaceiro Lampião, que depois de fugir baleado do combate do Angico, depois de andar escondido por muitos anos, aportou novamente na cidade de Pão de Açúcar-AL no início dos anos 60.

Por conta da pandemia do COVID-19 ainda não voltei a Pão de Açúcar para prosseguir com minhas pesquisas, que inclui a vida de Expedita Ferreira, a filha de Lampião quando menininha criada na região, as fazendas que provavelmente Lampião era proprietário, uma pesquisa de outro filho de Corisco, criado por um membro proeminente da cidade, o relato de um cangaceiro que fugiu baleado do Fogo do Angico e que foi tratado no hospital da cidade sergipana de Nossa Senhora da Glória, onde chegou a escrever na parede do ambulatório suas iniciais e também entrevistar alguns membros do bloco carnavalesco Os Cangaceiros, fundado por um filho de cangaceiro juntamente com João Novato. (Link)

João Novato (seta) e Dona Maria Rita

quinta-feira, 22 de setembro de 2016

LAMPIÃO - SANGUE EM BELMONTE (Em 3 versões)

As versões dos acontecimentos variam de uma forma contundente na história de Lampião e seus inimigos. Para um leitor desatento, que não registre em sua memória o que leu em diversos livros sobre os episódios vividos por aqueles da época e narrados pelos escritores, por certo ao conversar sobre os assuntos, em algum momento, poderá ouvir outra versão do acontecido. Temos disparidades e citarei aqui apenas três ou quatro livros, de autores que merecem todo o nosso respeito, e que colheram informações de fontes diferentes.

Em O Canto do Acauã, na página 157 da sua segunda edição, revista e ampliada, temos a narrativa do histórico episódio sobre Ioiô Maroto e a morte do coronel Gonzaga, narrada por sua autora, Marilourdes Ferraz, que nos conta: "... Apenas quatro meses depois do grande assalto à Água Branca o olho de lince de Virgulino mirou a riqueza de Luís Gonzaga Lopes Gomes Ferraz, residente em São José do Belmonte. Esse senhor gozava do apreço e admiração das pessoas da terra por sua capacidade de trabalho e probidade. Igual à imensa maioria dos sertanejos, teve um difícil começo na vida; foi almocreve e iniciou suas atividades comerciais junto a seu pai, Cândido, e ao seu irmão, João, ainda na vila de São Francisco. 

Quando ali não foi mais possível permanecer, os comerciantes partiram e entre eles estavam Gonzaga e Francisco Pita, mais conhecido por Chico Pita. Este, transformar-se-ia em industrial no agreste pernambucano, mas Gonzaga não foi tão longe, ficando ali mesmo no sertão, em São José do Belmonte, onde seria atingido pela violência na segunda quinzena de outubro de 1922. 

Ampliando suas atividades comerciais, Gonzaga conseguiu reunir bens consideráveis depois de longos anos de extenuante trabalho, movido pelo desejo de assegurar o futuro de sua família. Além de comerciante, era também fazendeiro, industrial, proprietário de uma usina de beneficiamento de algodão e de armazéns. Efetuava transações com couro de caprinos e com algodão, prestava assistência aos agricultores da região através de pequenos financiamentos e não se recusava a auxiliar parentes e amigos. Foi ele que ofereceu uma boa quantia como ajuda financeira para a construção da igrejinha de Nazaré. 

Gonzaga há muito tempo vinha atendendo às exigências dos cangaceiros, fornecendo-lhes dinheiro, tecidos e objetos, para ser deixado em paz, até que sobreveio o incidente que o levou a cair no desagrado dos bandoleiros. Estava ausente de casa quando chegou um mensageiro com uma relação de pedidos a serem atendidos; sua esposa, indignada, negou-se a atender às exageradas solicitações, com um comentário final que o irritou: "Que fossem trabalhar como meu marido sempre o fizera". 

Antes mesmo desse episódio, ainda em maio daquele fatídico ano de 1922, parte do grupo de Sebastião Pereira, incluído Lampião, interceptou na estrada um comboio de tecidos para Gonzaga, proveniente de Arcoverde; a mercadoria foi arrebatada e fartamente distribuída entre os componentes do bando e moradores das proximidades a fim de silencia-los enquanto outra parte foi queimada. O comerciante sofreu com isso enormes prejuízos; depois disso, temendo outros assaltos e como medida de precaução, reuniu um grupo de homens armados para a sua segurança. Foi então que ocorreu outro fato desagradável.

O tenente Montenegro, comandante de uma força volante do Ceará que estava no encalço de Sebastião Pereira em terras pernambucanas, recebeu uma carta falsamente escrita em nome de Gonzaga,(vejam a segunda versão*) na qual se denunciava Crispim Pereira, mais conhecido por "Yoyô Maroto", como colaborador dos cangaceiros. Esse oficial, sem pistas ou sem informações sobre o grupo, foi levado a acreditar na carta-denúncia e antes de regressar ao Ceará passou pela casa de "Yoyô", procedendo a uma rigorosa arguição que levou "Maroto" a passar por sério vexame. 

Inconformado com o acontecido, Gonzaga logo entrou em contato com "Maroto" para explicar-lhe a sua inculpabilidade no caso. Este simulou acreditar na inocência de Gonzaga, tanto que dias depois lhe tomou emprestada uma máquina de descaroçar algodão. Foi nesse tempo que o comerciante resolveu dispensar o pessoal armado que se encontrava à sua disposição encarando com incredulidade um boato que então corria sobre um suposto ataque contra ele, promovido por seu compadre "Yoyô Maroto" juntamente com Lampião. 

E o ataque aconteceu realmente. No dia 20 de outubro, às cinco horas da manhã, a residência de Gonzaga estava cercada por numeroso grupo de cangaceiros liderados por Lampião e "Yoyô Maroto". Gonzaga pelejou com todo empenho ouvindo os golpes de machados contra as portas, que foram arrebentadas. Quando os facínoras conseguiram entrar, Gonzaga refugiou-se no sótão, mas uma tábua do assoalho cedeu e ele caiu no meio da horda, que o liquidou friamente. Seguiu-se o saque, estendido a um armazém vizinho pertencente a Gonzaga; as mulheres da casa foram violentamente despojadas de suas jóias. 

Foi então que o cangaceiro Zé Terto, apelidado de "Cajueiro", vendo aquela situação constrangedora para as mulheres, reuniu-as num compartimento e postou-se à entrada em guarda, não permitindo que os companheiros tentassem outras violências. Aliás, era esse o comportamento habitual de "Cajueiro" durante os assaltos, proteger as mulheres contra ataques sexuais; dizia relacionar essa atitude com seus próprios sentimentos de respeito à sua mãe. 

Os cangaceiros aquartelados na casa invadida respondiam agora ao tiroteio do bravo sargento José Alencar de Carvalho, que mesmo enfermo estava à frente de seu pequeno destacamento composto por oito soldados, tentando impedir que o assalto se estendesse a outras casas e estabelecimentos comerciais. Também extraordinária foi a atuação do parente e vizinho de Gonzaga, Manuel Gomes de Sá; juntamente com os filhos, João e Antônio, também sustentou a resistência, disparando contra os cangaceiros desde o início. O bando não conseguiu suportar por muito tempo o tiroteio cerrado do famoso sargento Alencar e bateu em retirada; deixava três mortos (Antônio "da Cocheira", "Baliza¹" e "Berdo") e seis feridos (entre os quais "Yoyô Maroto" e Cícero Costa). 

A facção contrária perdeu, além de Gonzaga, o soldado Heleno; houve um ferido, João Gomes de Sá. O trauma provocado pelo trágico desaparecimento de Gonzaga levou sua esposa, Martina, a retirar-se do sertão com sua família, fixando residência no Sudeste do país. Com ela seguiu a família de seu cunhado, João Lopes Gomes Ferraz. Gonzaga, que foi também prefeito de São José do Belmonte, deixou os seguintes filhos: José, médico na Marinha Mercante (falecido); Napoleão, químico (falecido); Laércio, funcionário do Banco do Brasil; Ramiro e Otacílio, dentistas; e as filhas Nair, Diva, Maria de Lourdes e Edy (as duas últimas falecidas)."

¹ - Segundo Baliza (Dic. Biográfico Cangaceiros e Jagunços pg 66 - Renato Luís Bandeira

* A segunda versão:  

Já no livro de José Bezerra Lima Irmão, Lampião a Raposa das Caatingas, a tratativa entre Gonzaga e o tenente Montenegro deu-se não por causa de carta anônima, e sim por um conchavo, pois a política afasta até mesmo irmãos, quanto mais compadres. 

Nos tópicos "Lampião faz justiça à sua maneira" na pg 122 sobre o "Desagravo a loiô Maroto e a morte do coronel Gonzaga, o autor cita sua fonte no escritor Billy Jaynes Chandler em seu livro Lampião o rei dos cangaceiros.**

Desagravo a Ioiô Maroto a morte do coronel Gonzaga 

"Dando seguimento ao seu projeto de vingança, o próximo passo de Lampião foi o cumprimento da promessa feita a Sinhô Pereira, com relação aos maus-tratos infligidos à família de Crispim Pereira de Araújo, conhecido como Ioiô Maroto. O episódio era ainda resquício das desavenças históricas entre as famílias Pereira e Carvalho. Ioiô Maroto, fazendeiro em Belmonte, Pernambuco, parente de Sinhô Pereira, havia tido um problema com o coronel Luís Gonzaga Gomes Ferraz (coronel Gonzaga), prefeito (intendente) daquela cidade, ligado à família Carvalho, porque, apesar de serem compadres e amigos, Ioiô votara contra sua chapa na eleição para prefeito. 

Aborrecido com o fato, Luís Gonzaga aproveitou o ensejo da passagem de uma força policial do Estado do Ceará que tinha andado por Pernambuco à procura de jagunços de Zé Inácio do Barro e fez um conchavo com o comandante, o tenente Peregrino Montenegro, para que a volante fosse à fazenda São Cristóvão, de Ioiô Maroto, e desse uma surra nele. Os soldados fizeram mais que isso: saquearam a casa, maltrataram o fazendeiro e fizeram propostas obscenas às mulheres da família. Ioiô, profundamente desgostoso, sentindo-se desmoralizado, deixou de ir à cidade, não tirava a barba nem cortava o cabelo. 

Lampião procurou Ioiô Maroto e disse ao que vinha. Maroto ponderou que não queria vingança, entregava tudo a Deus. Lampião insistiu: — Eu prumiti a Sinhô Perera que risurvia esse negoço, e vou risorvê. Vá tirá essa barba e corta esse cabelo, seu Maroto! Quero qui o sinhô vá cumigo, pra vê a coisa! Vão se arrependê do dia qui pensaro qui o sinhô nun era home! 

O coronel Luís Gonzaga, também conhecido como Major Gonzaga, além de fazendeiro era também comerciante, dono do maior armazém da cidade, vizinho da sua residência, na praça da igreja. Lampião entrou em Belmonte com uns 70 cangaceiros na madrugada de 20 de outubro de 1922. Levava em sua companhia o jovem Tiburtino Inácio de Sousa, vulgo Gavião, filho de Zé Inácio do Barro, amigo de todas as horas de Sinhô Pereira. Chovia muito. Gonzaga e os vizinhos acordaram com uns estrondos, que a princípio pensaram ser trovões — eram os cangaceiros derrubando o portão do muro e em seguida a porta da cozinha a golpes de machado. 

Um vizinho foi correndo avisar ao sargento José Alencar de Carvalho Pires, conhecido como Sinhozinho Alencar, tido como sujeito valente, dotado de uma pontaria invejável. Embora na cidade só houvesse 7 soldados, alguns moradores se juntaram à polícia e logo começaram a atirar dos telhados e janelas das casas próximas. Os primeiros a entrar na casa foram Livino e Cajueiro. Na sala de jantar, toparam com dona Martina, mulher de Luís Gonzaga. — Cadê o Majó Gonzaga? — perguntou Livino. — Tá aí... — respondeu a mulher, assustada. Os cangaceiros espalharam-se pela casa, vasculhando cada cômodo — casarão enorme, com um corredor central, quartos de um lado e do outro. 

Livino entrou no quarto do casal, olhou atrás da porta, debaixo da cama, escancarou os armários. Nada do homem. Ao ouvir um ruído no sótão, Livino subiu a escada, forçou a porta e meteu a cabeça para espiar lá dentro. Mas o sótão era muito escuro. Gonzaga, de pijama, com uma pistola Browning na mão, recuou para o fundo do compartimento. Por azar, uma tábua do assoalho arrebentou e ele estatelou-se no chão, na sala da frente. Com uma perna quebrada, ele entrou num quarto e tentou saltar a janela, mas foi agarrado e arrastado de volta à sala. 

Ioiô Maroto aproximou-se manejando o rifle cruzeta. Gonzaga arregalou os olhos, levantou os braços, as mãos espalmadas e trementes, suplicando clemência. Ioiô deu-lhe três tiros — dois no coração e um no meio da testa. Lampião abaixou-se, tirou a aliança do coronel e enfiou nela o próprio dedo médio. Contemplou a valiosa joia e calculou: — Esta vale pelo meno um conto de réis... Jogou em cima do corpo roupas e lençóis, e tocou fogo. Dona Martina despejou um balde de água sobre o corpo, debelando as chamas, de modo que o morto ficou apenas chamuscado. 

Um cangaceiro chamado Vereda ia arrastando Abgail (Biga), filha de Gonzaga, para um quarto, mas foi impedido por Cajueiro: — Você nun vai fazê isso, Vereda, só se me matá premero. Quais foi as orde qui nóis recebeu? Depois disso, dona Martina e a filha foram postas na despensa, e o cangaceiro Fiapo foi encarregado de protegê-las até o momento da retirada."

** A terceira versão: 

Trago agora para os amigos, a obra apontada pelo autor do livro Lampião: Raposa das Caatingas, como referência, essa é terceira versão que comento. Billy Jaynes Chandler em seu livro Lampião o rei dos cangaceiros, na referência que faz ao assassinato de Luis Gonzaga, diz que não se sabe ao certo se Maroto pediu a Lampião para - se vingar, ou se Lampião, ao ouvir o que tinha acontecido a seu amigo acorreu e induziu-o a agir, pois contam as duas histórias. Uma versão conta que Sebastião Pereira, antes de deixar o cangaço, pediu a Lampião, na despedida, para matar Gonzaga. 

"Lampião... Uns dois meses depois, matou, de novo, por vingança, desta vez em Pernambuco. Foi um dos crimes mais famosos do princípio de carreira, pois a vítima foi um chefe político muito conhecido, Coronel Luís Gonzaga de Souza Ferraz.*¹º 

Gonzaga, que morava na cidade Belmonte, em Pernambuco, perto da fronteira com Ceará, não era inimigo pessoal de Lampião, mas este ajudou a matá-lo, por causa do amigo, Ioiô Maroto. 

Maroto era parente de Sebastião Pereira, que um dos companheiros de Lampião no cangaço, enquanto que Gonzaga pertencia à família dos Carvalho, inimigos tradicionais de Pereira. Durante anos, Gonzaga viveu armando intrigas contra os Pereira, também morou em São Francisco, a cidade natal de Sebastião Pereira. Mas o que realmente provocou o assassinato, foram os maus tratos que Maroto sofreu nas mãos de uma força da polícia do Ceará, que tinha vindo para Pernambuco, para caça aos bandidos. Em Belmonte, o comandante fez amizade com Gonzaga. No caminho de volta ao Ceará, os soldados passaram por São Cristóvão, a fazenda de Maroto e o maltrataram, bem como à sua família. Além de saquear a casa e dependências, eles insultaram Maroto e fizeram propostas obscenas às mulheres da família. Maroto pôs a responsabilidade da afronta a Gonzaga." 

E continua Billy Jaynes: 
"Não se sabe ao certo se Maroto pediu a Lampião para - se vingar, ou se Lampião, ao ouvir o que tinha acontecido a seu amigo acorreu e induziu-o a agir, pois contam as duas histórias. Uma versão conta que Sebastião Pereira, antes de deixar o cangaço, pediu a Lampião, na despedida, para matar Gonzaga.  

De qualquer modo, Lampião e Maroto, à frente de setenta homens, chegaram a Belmonte, uma pitoresca cidadezinha situada num planalto, numa região de serras, na madrugada do dia 20 de outubro. Ao entrarem na cidade ainda adormecida, pensaram que não precisavam se preocupar, pois haviam só sete soldados no destacamento da polícia. O bando então se encaminhou para a casa de Gonzaga, situada na praça principal. A futura vítima era um fazendeiro abastado, e homem de negócios, e seu armazém, o maior da cidade, ficava pegado à casa. 

É evidente que o assalto foi por vingança, mas uma vingança que trazia lucro. Ao tentarem entrar na casa, os cangaceiros foram recebidos à bala. Isto serviu para alertar a polícia e outras pessoas na cidade. Seguiu-se, então, um tiroteio que durou umas quatro a cinco horas. Quando terminou, Gonzaga estava morto e seu armazém tinha sido saqueado. Maroto estava vingado. Terminado o trabalho, o bando teve que abrir seu caminho à bala, porém, com vítimas: quatro ou cinco cangaceiros morreram. 

Maroto nunca pagou pelo crime. Na confusão que se seguiu, a polícia não estava em condições de processá-lo, e portanto, ele continuou a viver em paz, e bem protegido, na sua fazenda, a uns dez quilômetros da cidade. Quando as condições melhoraram e finalmente foi aberto um processo contra ele, deixou a região e se refugiou na casa dos Feitosa, em Inhamuns, Ceará. Os Feitosa tinham adquirido a fama de dar proteção aos fugitivos da lei, de mais prestígio. 

Alguns anos antes, mais ou menos em 1905, os Feitosa tinham também dado proteção a vários membros da família de Antônio Silvino, quando estavam sendo perseguidos pela polícia de Pernambuco. Seus descendentes, assim como os de Maroto, ainda vivem em Inhamuns. Os descendentes de Maroto se misturaram com os Feitosa."

* 10 - A narração da morte de Gonzaga se baseia principalmente numa entrevista com João Primo de Carvalho, Belmonte, 30 de julho de 1975. O Diário de Pernambuco deu uma pequena nota, no dia 21 de outubro de 1922. Ver também Wilson: Vila Bella P 338-340. 

Vemos assim três versões mais ou menos iguais, se complementando em informações, mas com alguns conflitos. Nessa avaliação não me arvoro em opinar o que está certo ou errado, pois sei que até mesmo grandes historiadores e pesquisadores, colhem suas investigações na procura da verdade, buscando-as nas indagações a pessoas que viveram à época ou que ouviram a história de quem esteve presente, também averiguando jornais, revistas, e livros, explorando e indagando. E que a mente humana é falha em guardar os acontecimentos ao longo dos anos que se passaram.