Pão de Açúcar - Celeiro do Cangaço
Por
Raul Meneleu
Estive recentemente na cidade alagoana de Pão de Açúcar nas barrancas do Velho Chico onde muitas histórias de Coronéis e Cangaceiros se misturaram com autoridades policiais.
Fui
especialmente para acompanhar o lançamento de um livro do escritor Antônio
Pinto, que fala sobre um dos antigos residentes da cidade e que este era
Lampião.
O
livro "Lampião - A sua verdadeira morte" narra a história do Senhor
João Novato, que chegou à cidade no início dos anos 60 e fixou residência.
Vinha acompanhado de sua esposa, que se chamava Maria Rita.
Mas fora desta história entrevistei algumas pessoas (link) e existem outras que precisam ser expostas (link).
Fico
imaginando por que essa região foi praticamente esquecida pela maioria dos
pesquisadores da grande saga que desenrolou-se no Nordeste brasileiro e mais
ainda nesta região. Podemos citar a Professora Luitgarde de Oliveira Cavalcanti
Barros, nascida nessa região alagoana como um destaque em falar sobre a saga e
o jornalista Melchiades da Rocha.
Vamos elencar aqui alguns vultos representativos destas três vertentes: coronelismo, autoridades policiais e cangaceiros, e no bojo destas três vertentes, pistoleiros e capangas.
Coronéis:
A
conversa do Coronel Joaquim Rezende com Lampião
Joaquim Rezende (à esquerda) conversa com Melchiades da Rocha. Foto: Maurício Moura – Jornal A Noite.
No
dia 30 de julho de 1938 em Santana do Ipanema, Alagoas, onde as cabeças iriam
ser expostas, estava o prefeito recém-eleito de Pão de Açúcar, Joaquim Rezende,
identificado por alguns como sendo coiteiro e amigo de Lampião.
O
Coronel Joaquim Rezende foi prefeito de Pão de Açúcar entre 1938 e 1941. Este Morreu
assassinado em 1954, quando ocupava o cargo de delegado de Polícia. Os
assassinos formam os irmãos Elísio e Luiz Maia. Elísio era então prefeito do
município.
Melchiades
da Rocha, em seu livro Bandoleiros das Catingas, lançado em 1942, recorda do
encontro que teve com Joaquim Rezende em Santana do Ipanema.
Ele
se refere ao prefeito de Pão de Açúcar como sendo “um abastado proprietário em
seu município” e que ele estava em Santana também “à espera da cabeça de
Lampião, pois desejava certificar-se se de fato ele havia morrido”.
A
condição de amigo de Lampião ostentada por Joaquim Rezende aguçou os instintos
do repórter, que começou a se perguntar o que teria levado um rico cidadão a
“se tornar um afeiçoado do Rei do Cangaço”, quando era prefeito de uma cidade
que poderia ser alvo das ações do bandido.
A narrativa a seguir é um valioso documento de como se davam as relações de Lampião com o poder político e econômico das regiões sertanejas vítimas do cangaço.
Com
a palavra Melchiades da Rocha:
“Sem
quaisquer etiquetas, pois nós sertanejos não somos, apenas, iguais perante a
lei, apresentei-me ao Cel. Rezende e lhe disse à moda da terra:
—
“Seu” Rezende, eu queria uma palavrinha do senhor!
—
Pois não! — respondeu-me, amavelmente, o prefeito de Pão de Açúcar.
Momentos
depois o Sr. Rezende e eu nos achávamos na sede da Prefeitura de Santana. Em
poucas palavras relatei os meus propósitos ao cavalheiro que me fora apontado
como sendo grande amigo de Lampião.
Após
ter-me oferecido uma cadeira, o Sr. Rezende sentou-se e narrou,
pormenorizadamente, como e por que se tornara amigo do Rei do Cangaço, amigo
ocasional, bem entendido, pois não poderia ter sido de outro modo.”
O
Coronel Rezende então fala ao repórter:
"Conheci Lampião em 1935, época em que me escreveu ele, pedindo mandasse-lhe a importância de quatro contos de réis, prometendo-me, ao mesmo tempo, tornar-se meu amigo se fosse atendido.
Em
resposta à carta do terrível bandoleiro, mandei dizer-lhe pelo mesmo portador
que lhe daria de muito bom grado o dinheiro, mas que só o faria pessoalmente.
Três
dias depois Lampião mandou-me outro bilhete do seu próprio punho, dizendo-me
que me esperava às 10 horas da noite na fazenda Floresta, município de Porto da
Folha, em Sergipe, recomendando-me que fosse até ali, mas não deixasse de levar
o dinheiro.
Não
obstante os naturais receios que tive, à hora aprazada cheguei ao local do
encontro, onde permaneci até uma hora da manhã, quando surgiu um cangaceiro
que, ao ver-me, perguntou-me se eu era o moço que desejava falar ao capitão.
Respondi que sim.
Dentro
de poucos minutos, então, o Rei do Cangaço ali se apresentava acompanhado de
quatro homens, “Juriti”, “Zabelê”, “Passarinho” e “Nevoeiro”. Ao ver o grupo
aproximar-se, identifiquei logo Virgulino e a ele me dirigi, cumprimentando-o.
O
famoso bandoleiro, ao contrário do que eu esperava, recebeu-me amavelmente e
foi logo perguntando sobre o que lhe havia levado. Sabendo que o Rei do Cangaço
gostava de beber, eu, que levava comigo três litros de conhaque, lhos ofereci.
A fim de que desaparecesse logo qualquer suspeita do bandoleiro, prontifiquei-me a ser o primeiro a provar a bebida. Encarando-me com olhar firme, Lampião me disse em tom natural: “Concordo em que o senhor beba primeiro, mas não é por suspeita e sim porque o senhor é um moço decente e eu sou apenas um cangaceiro”.
Tomamos,
então, o conhaque e, em seguida, abordei o Rei do Cangaço sobre o dinheiro que
ele me havia pedido. Como resposta, disse-me ele: “O senhor dá o que quiser,
pois eu dou mais por um amigo do que pelo dinheiro”.
—
Esse fato — disse o conceituado comerciante de Pão de Açúcar — teve lugar no
mês de agosto de 1935, e a minha palestra com Lampião durou três horas, tendo
ele me falado de vários assuntos, entre os quais o relativo à perseguição de
que era alvo, acrescentando que, de todas as forças que andavam em seu encalço,
a que mais o procurava era a do então Major Lucena, dada a velha inimizade que
o separava desse oficial da polícia alagoana, a quem reconhecia como homem de
fato e dos mais corajosos.
Quanto
às forças dos outros Estados, disse-me Lampião que se arranjava “a seu gosto…”,
fazendo nessa ocasião graves acusações a vários oficiais dos que andavam em sua
perseguição.
—
Aí está como foi o meu primeiro encontro com o Rei do Cangaço. — Depois —
acrescentou o prefeito de Pão de Açúcar — Lampião mandou pedir-me bebidas,
charutos e também objetos de uso doméstico. Mais tarde, porém, fui informado de
que ele estava empregando esforços no sentido de matar o Sr. José Alves
Feitosa, ex-prefeito de minha terra que, como eu, o esperara muitas vezes ali,
a fim de fazer-lhe frente, pois foi das mais terríveis a ação de Virgulino em
nosso município.
Tratando-se
de um amigo meu o homem que estava destinado a morrer às mãos de Lampião,
procurei um pretexto para me avistar com este e não me foi difícil encontrá-lo.
Todavia, após uma série de considerações, em que fui até exigente demais,
Lampião, dizendo ao mesmo tempo que só fazia tal “sacrifício” para me
satisfazer, prometeu-me sustar a realização de sua sanguinária intenção,
declarando-me naquele momento que já tinha em campo dois homens para fazer o
“serviço” lá mesmo na cidade de Pão de Açúcar, já que o visado andava
resguardado, não saindo para parte alguma.
Tal
conhecimento com Lampião, deixou-me, aliás, em situação crítica, pois inimigos
meus denunciaram ao Coronel Lucena que eu era um dos coiteiros do celerado
cangaceiro.
Ao
ter ciência de tal acusação, dirigi-me ao referido oficial e lhe expus as
razões que me levaram a ter contato com o Rei do Cangaço, após ter andado
prevenido contra ele, longo tempo. Jamais faria isso se não fosse a situação em
que, como muitos outros sertanejos, me encontrei durante longo tempo.
Intercedi, depois disso, em favor de várias firmas comerciais de Maceió e Penedo, cujos representantes teriam caído às garras do bando sinistro se não fora a minha intervenção junto a Lampião. Há dois meses passados, fui forçado, do que não guardei reserva ao Coronel Lucena, a intervir novamente em defesa de algumas vidas preciosas, no que fui feliz, conseguindo que Virgulino desistisse dos seus sinistros propósitos.”
Após
este depoimento, Joaquim Rezende continuou a conversar informalmente com o
repórter e revelou que Lampião confessara a ele que tinha uma filha fruto da
relação com Maria Bonita. A menina, então com 12 anos, estava sob a guarda de
um vaqueiro no município de Porto da Folha, que a adotara.
Lampião
também disse a ele que entrou para o cangaço aos 16 anos de idade, aderindo ao
grupo do bandoleiro Antônio Porcino. Tinha a intenção de vingar a morte do pai
e de um irmão, que tombaram num choque com a Polícia alagoana.
Joaquim
Rezende contou ainda que Lampião tinha vontade de abandonar o cangaço para se
dedicar à pecuária, pois gostava da vida no campo. O cangaceiro disse ainda que
havia adquirido duas fazendas no município de Porto da Folha pela quantia de nove
contos de réis e comprado dois belos cavalos em Xorroxó, na Bahia, arreando-os
luxuosamente.
Diante
da possibilidade apresentada pelo prefeito de Pão de Açúcar de negociar a sua
rendição às autoridades de Alagoas, poupando-lhe a vida, Lampião achou boa a
ideia, mas argumentou que seria impossível isso acontecer por considerar que os
governos da Bahia e de Pernambuco fariam tudo para eliminá-lo.
“Não tenho dúvidas de que Lampião, se tivesse podido, havia mudado de meio de vida, pois sei que nestes últimos tempos ele não atacava senão quando se via forçado a assim proceder”, concluiu Joaquim Rezende.
A
filha de Lampião citada por Joaquim Rezende era Expedita Ferreira Nunes, que
foi criada em Porto da Folha pelo casal Manoel Severo e Aurora, que também tomavam
conta de duas fazendas — provavelmente as que Lampião citou como suas, mas que
são citadas como de Juca Tavares, padrinho de Expedita.
Quando
Lampião morreu, Expedita tinha cinco anos e nove meses. Isso indica que a
informação de Joaquim Rezende sobre a idade da filha, 12 anos, estava errada. é
possível que tenha Lampião tenha falado 2 anos e não 12.
Expedita, depois dos 8 anos, foi viver com seu tio João Ferreira da Silva, o Joca Ferreira.
CANGACEIROS
Também entrevistei a Sra. Enalva Soares Pinto, filha do cangaceiro Cristino Cleto o Corisco e dona Maria Francisca e que foi entregue ao Padre Soares Pinto, que a deixou com seu tio, o fazendeiro Antônio Soares Pinto para cria-la. Veja a entrevista nesse link
A filha de Corisco que reside em Pão de açúcar/AL, que foi criada pela tradicional família SOARES PINTO chama-se ENALVA SOARES PINTO, é filha de um relacionamento amoroso que Corisco manteve com Francisca Alves, natural de Águas Belas/PE. Está lúcida com 84 anos. No mês ter a criança o próprio Corisco trouxe a jovem Francisca para Pão de açúcar, assim que a criança nasceu foi entregue ao padre José Soares Pinto que no momento encontrava-se em Maceió, foi chamado às pressas por Telegrama para vir a pão de açúcar receber um presente. O padre José Soares Pinto (1884-1939) ainda faleceu jovem no Rio de Janeiro, com a morte do padre , a criança ENALVA passa para os cuidados do irmão do padre o fazendeiro totonho Soares Pinto.
A
senhora Enalva, teve 12 filhos, inclusive um deles é Padre em São Paulo, o
Padre Enubio. Conheci desta prole apenas dois deles, o senhor Antônio Pinto,
Escritor e Artista Plástico, que nesta minha visita a Pão de Açucar fez o
lançamento do livro "Lampião - A sua verdadeira morte" e que fez uma
caminhada tipo procissão para instalar um Cruzeiro no túmulo do Senhor João
Novato, acreditado por parte da comunidade como sendo Lampião. (Link) e o
Senhor Heitor Pinto, proprietário de uma Academia de Ginástica e de um
Restaurante tipo Museu a Céu aberto que conta a história da cidade com seus
personagens mais importantes. (Link) Esse
museu a céu aberto, está instalado na periferia da cidade de Pão de Açúcar no
Estado de Alagoas, banhada pelo Rio São Francisco. Também é restaurante e tem
um bar temático. Tudo rústico como era o sertão no século 19. O proprietário é
o Professor Heitor Soares Pinto, Neto do famoso cangaceiro Corisco.
Desde menino conviveu com o Sr. João Novato, que para algumas pessoas era o famoso cangaceiro Lampião, que depois de fugir baleado do combate do Angico, depois de andar escondido por muitos anos, aportou novamente na cidade de Pão de Açúcar-AL no início dos anos 60.
Por
conta da pandemia do COVID-19 ainda não voltei a Pão de Açúcar para prosseguir
com minhas pesquisas, que inclui a vida de Expedita Ferreira, a filha de
Lampião quando menininha criada na região, as fazendas que provavelmente
Lampião era proprietário, uma pesquisa de outro filho de Corisco, criado por um
membro proeminente da cidade, o relato de um cangaceiro que fugiu baleado do
Fogo do Angico e que foi tratado no hospital da cidade sergipana de Nossa Senhora
da Glória, onde chegou a escrever na parede do ambulatório suas iniciais e
também entrevistar alguns membros do bloco carnavalesco Os Cangaceiros, fundado
por um filho de cangaceiro juntamente com João Novato. (Link)
João
Novato (seta) e Dona Maria Rita