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quinta-feira, 1 de novembro de 2018

Um sono de dois minutos

Dizem os ribeirinhos do Velho Chico, que tem uma hora que ele para para dormir. Dorme apenas dois minutos. O Professor, escritor e memorialista Luiz Antonio Simas em seu livro
"Pedrinhas miudinhas: ensaios sobre ruas, aldeias e terrenos" nos fala de sua alma que... "Nos dois minutos de sono do rio, os peixes se aquietam, as cobras perdem a peçonha e a mãe d´água se levanta para pentear os cabelos nas canoas. Os que morreram afogados saem do fundo das águas em direção às estrelas. Esse sono do rio não deve ser, de maneira alguma, interrompido, sob pena de endoidecer quem despertou as águas."

E prossegue dizendo que anda matutando,  como sujeito alumbrado que é  pelas brasilidades caboclas – a respeito do que os ribeirinhos ensinam sobre o descanso do rio e conclui que vez por outra é mesmo necessário adormecer no tempo e sossegar como as águas.

Tem razão o Professor! Ando pensando em também parar por dois minutos. De preferência nessa linda e hospitaleira cidade alagoana, fronteira com o meu Sergipe. Banhada pelas águas desse belo rio.

E ele, não o rio, prossegue, banhando as margens mentais de todos que o escutam, dizendo: "Por isso é preciso, vez por outra, adormecer feito o rio ao abandono das horas, se aluar em águas paradas e abandonar os desatinos da felicidade (o brinquedo que não tem). O sono do São Francisco, o desapego dos peixes e o silêncio das cachoeiras me fazem crer que a expectativa da felicidade, da forma como a sociedade de consumo lida com ela, é das coisas mais brutais que existem. O sujeito acha que tem que ser bem sucedido no amor, no trabalho e nas relações pessoais. Precisa viajar pelo menos duas vezes por ano, trocar de carro de quando em vez, não pode ficar doente e não pode conceber a morte. Acontece que não é assim que o rio segue seu curso e descansa no fim do dia.

Como ninguém é capaz de atingir essa tal felicidade de shopping center que é vendida por aí, formamos aos montes um bando de depressivos, uns sujeitos infantilizados que não conseguem lidar com o fracasso e se entopem de remédios para dormir, acordar, trabalhar, trepar… Parece paradoxal, mas é isso mesmo: a expectativa da felicidade é uma fonte poderosa de angústias e depressões.

Que os caboclos do Brasil, portanto, me iluminem para que eu respeite o sono do rio, o repouso dos peixes e o voo dos afogados. Que o país imaginado, e em mim recolhido, me ensine a viver na síncopa, no drible, na dobra do tambor, na oração dos romeiros, na dança lenta de Oxalufã, nas delicadezas do Reizado, nas rodas de cirandas, nas oferendas do Divino, na suavidade dos sons."

O Professor cita um poema,

A lição do sono do rio

Meia-noite o rio dorme
Mais ou menos dois minutos
Pra nós é um tempo curto
Pra Uiara é um tempo enorme
(Uiara. Paulo César Pinheiro)

Então meus amigos... pensem nisso. Procurem também parar por dois minutos.

https://youtu.be/hF5Gj-e1CV8