A alegoria da caverna, também conhecido como parábola da caverna, mito da caverna ou prisioneiros da caverna, foi escrita pelo filósofo grego Platão e encontra-se na obra intitulada A República (Livro VII). Trata-se da exemplificação de como podemos nos libertar da condição de escuridão que nos aprisiona através da luz da verdade, onde Platão discute sobre teoria do conhecimento, linguagem e educação na formação do Estado ideal.
O diálogo de Sócrates e Glauco
Trata-se de um diálogo metafórico onde as falas na primeira pessoa são de Sócrates, e seus interlocutores, Glauco e Adimanto, são os irmãos mais novos de Platão. No diálogo, é dada ênfase ao processo de conhecimento, mostrando a visão de mundo do ignorante, que vive de senso comum, e do filósofo, na sua eterna busca da verdade.
Sócrates imagina a maneira como segue o estado da nossa natureza relativamente à instrução e à ignorância. Imagina homens numa morada subterrânea, em forma de caverna, com uma entrada aberta à luz; esses homens estão aí desde a infância, de pernas e pescoço acorrentadas, de modo que não podem mexer-se nem ver senão o que está diante deles, correntes os impedem de voltar a cabeça; a luz chega-lhes de uma fogueira acesa numa colina que se ergue por detrás deles; entre o fogo e os prisioneiros passa uma estrada ascendente. Imagina que ao longo dessa estrada está construída um pequeno muro, semelhante às divisórias que os apresentadores de títeres armam diante de si e por cima das quais exibem as suas maravilhas.
Seu amigo Glauco diz que está vendo, e Sócrates diz que agora ele imagine que ao longo desse pequeno muro, homens que transportam objetos de toda espécie, que o transpõem: estatuetas de homens e animais, de pedra, madeira e toda espécie de matéria; naturalmente, entre esses transportadores, uns falam e outros seguem em silêncio.
Glauco diz que é um quadro estranho e estranhos prisioneiros e Sócrates diz que assemelham-se aos dois. E, para começar, diz Sócrates; achas que, numa tal condição, eles tenham alguma vez visto, de si mesmos e dos seus companheiros, mais da que as sombras projetadas pelo fogo na parede da caverna que lhes fica defronte?
Glauco em resposta diz que, se são obrigados a ficar de cabeça imóvel durante toda a vida, como?
Acompanhemos o diálogo dos dois:
Sócrates — E com as coisas que desfilam? Não se passa o mesmo?
Glauco — Sem dúvida.
Sócrates — Portanto, se pudessem se comunicar uns com as outros, não achas que tomariam por objetos reais as sombras que veriam?
Glauco — E bem possível
Sócrates — E se a parede do fundo da prisão provocasse eco, sempre que um dos transportadores falasse, não julgariam ouvir a sombra que passasse diante deles?
Glauco — Sim, por Zeus!
Sócrates — Dessa forma, tais homens não atribuirão realidade senão às sombras dos objetos fabricados. Glauco — Assim terá de ser.
Sócrates — Considera agora o que lhes acontecerá, naturalmente, se forem libertados das suas cadeias e curadas da sua ignorância. Que se liberte um desses prisioneiros, que seja ele obrigado a endireitar-se imediatamente, a voltar o pescoço, a caminhar, a erguer as olhos para a luz: ao fazer todos estes movimentos, sofrerá, e o deslumbramento impedi-lo-á de distinguir os abjetos de que antes via as sombras. Que achas que responderá se alguém lhe vier dizer que não viu até então senão fantasmas, mas que agora, mais perto da realidade e voltado para objetos mais reais, vê com mais justeza? Se, enfim, mostrando-lhe cada uma das coisas que passam, o obrigar, à força de perguntas, a dizer o que é? Não achas que ficará embaraçada e que as sombras que via outrora lhe parecerão mais verdadeiras do que as objetos que lhe mostram agora?
Glauco — Muito mais verdadeiras.
Sócrates — E se a forçarem a fixar a luz, os seus olhos não ficarão magoados? Não desviará ele a vista para voltar às coisas que pode fitar e não acreditará que estas são realmente mais distintas do que as que se lhe mostram?
Glauco — Com toda a certeza.
Sócrates — E se o arrancarem à força da sua caverna, o obrigarem a subir a encosta rude e escarpada e não o largarem antes de o terem arrastado até a luz do Sol, não sofrerá vivamente e não se queixará de tais violências? E, quando tiver chegado à luz, poderá, com os olhos ofuscados pelo seu brilho, distinguir uma só das coisas que ora denominamos verdadeiras?
Glauco — Não o conseguirá, pelo menos de Inicio.
Sócrates — Terá, creio eu, necessidade de se habituar a ver os objetos da região superior. Começará por distinguir mais facilmente as sombras; em seguida, as imagens dos homem e dos outros objetos que se refletem nas águas; por último, os próprios objetos. Depois disso, poderá, enfrentando a claridade dos astros e da Lua, contemplar mais facilmente, durante a noite, os corpos celestes e o próprio céu da que, durante o dia, o Sol e a sua luz. Glauco — Sem dúvida.
Sócrates — Por fim, suponho eu, será o Sol, e não as suas imagens refletidas nas águas ou em qualquer outra coisa, mas o próprio Sol, no seu verdadeiro lugar, que poderá ver e contemplar tal como é.
Glauco — Necessariamente.
Sócrates — Depois disso, poderá concluir, a respeito do Sol, que é ele que faz as estações e os anos, que governa tudo no mundo visível e que, de certa maneira, é a causa de tudo o que ele via com os seus companheiros, na caverna.
Glauco — E evidente que chegará a essa conclusão. Sócrates — Ora, lembrando-se da sua primeira morada, da sabedoria que aí se professa e daqueles que aí foram seus companheiros de cativeiro, não achas que se alegrará com a mudança e lamentará os que lá ficaram?
Glauco — Sim, com certeza, Sócrates.
Sócrates — E se então distribuíssem honras e louvores, se tivessem recompensas para aquele que se apercebesse, com o olhar mais vivo, da passagem das sombras, que melhor se recordasse das que costumavam chegar em primeiro ou em última lugar, ou virem juntas, e que por isso era o mais hábil em adivinhar a sua aparição, e que provocasse a inveja daqueles que, entre os prisioneiros, são venerados e poderosos? Ou então, como o herói de Homero, não preferirá mil vezes ser um simples criado de charrua, a serviço de um pobre lavrador, e sofrer tudo no mundo, a voltar às antigas ilusões e viver como vivia?
Glauco — Sou da tua opinião. Preferirá sofrer tudo a ter de viver dessa maneira.
Sócrates — Imagina ainda que esse homem volta à caverna e vai sentar-se no seu antigo lugar não ficará com os olhos cegos pelas trevas ao se afastar bruscamente da luz do Sol?
Glauco — Por certo que sim.
Sócrates — E se tiver de entrar de novo em competição com os prisioneiros que não se libertaram de suas correntes, para julgar essas sombras, estando ainda sua vista confusa e antes que os seus olhos se tenham recomposto, pois habituar-se à escuridão exigirá um tempo bastante longo, não fará que os outros se riam à sua custa e digam que, tendo ido lá acima, voltou com a vista estragada, pelo que não vale a pena tentar subir até lá? E se a alguém tentar libertar e conduzir para o alto, esse alguém não o mataria, se pudesse fazê-lo?
Glauco — Sem nenhuma dúvida.
Sócrates — Agora, meu caro Glauco, é preciso aplicar, ponto por ponto, esta imagem ao que dissemos atrás e comparar o mundo que nos cerca com a vida da prisão na caverna, e a luz da fogo que a ilumina com a força do Sol. Quanto à subida à região superior e à contemplação dos seus objetos, se a considerares como a ascensão da alma para a mansão inteligível, não te enganarás quanto à minha ideia, visto que também tu desejas conhecê-la. Só Deus sabe se ela é verdadeira. Quanto a mim, a minha opinião é esta: no mundo inteligível, a idéia do bem é a última a ser apreendida, e com dificuldade, mas não se pode apreendê-la sem concluir que ela é a causa de tudo o que de reto e belo existe em todas as coisas; no mundo visível, ela engendrou a luz e o soberano da luz; no mundo inteligível, é ela que é soberana e dispensa a verdade e a inteligência; e é preciso vê-la para se comportar com sabedoria na vida particular e na vida pública.
Glauco — Concordo com a tua opinião, até onde posso compreendê-la.
Sócrates — Pois bem! Compartilha-a também neste ponto e não te admires se aqueles que se elevaram a tais alturas desistem de se ocupar das coisas humanas e as suas almas aspiram sem cessar a instalar-se nas alturas. Isto é muito natural, se a nossa alegoria for exata.
Glauco — Com efeito, é muito natural
Sócrates — Mas como? Achas espantoso que um homem que passa das contemplações divinas às miseráveis coisas humanas revele repugnância e pareça inteiramente ridículo, quando, ainda com a vista perturbada e não estando suficientemente acostumado às trevas circundantes, é obrigado a entrar em disputa, perante os tribunais ou em qualquer outra parte, sobre sombras de justiça ou sobre as imagens que projetam essas sombras, e a combater as interpretações que disso dão os que nunca viram a justiça em si mesma?
Glauco — Não há nisso nada de espantoso.
Sócrates — No entanto, um homem sensato lembrar-se-á de que os olhos podem ser perturbados de duas maneiras e por duas causas apostas: pela passagem da luz à escuridão e pela da escuridão à luz; e, tento refletido que o mesmo se passa com a alma, quando encontrar uma confusa e embaraçada para discernir certos objetos, não se rirá tolamente, mas antes examinará se, vinda de uma vida mais luminosa, ela se encontra, por falta de hábito, ofuscada pelas trevas ou se, passando da ignorância à luz, está deslumbrada pelo seu brilho demasiado vivo; no primeiro caso, considerá-la-á feliz, em virtude do que ela sente e da vida que leva; no segundo, lamentá-la-á e, se quisesse rir à sua custa, as suas zombarias seriam menos ridículas do que se se dirigissem à alma que regressa da mansão da luz. Glauco — E a isso que se chama falar com muita sabedoria.
Sócrates — Se tudo isto é verdadeiro, temos de concluir o seguinte: a educação não é o que alguns proclamam que é, porquanto pretendem introduzi-la na alma onde ela não está, como quem tentasse dar vista a olhos cegos.
Glauco — Mais uma verdade.
Sócrates — Ora, o presente discurso demonstra que cada um possui a faculdade de aprender e o órgão destinado a esse uso e que, semelhante a olhos que só poderiam voltar das trevas para a luz com todo o corpo, esse órgão deve também afastar-se com toda a alma do que se altera, até que se tome capaz de suportar a vista do Ser e do que há de mais luminoso no Ser. A isso denominamos o bem, não é verdade? Glauco — É.
Sócrates — A educação é, pois, a arte que se propõe este objetivo, a conversão da alma, e que procura os meios mais fáceis e mais eficazes de o conseguir. Não consiste em dar visão ao órgão da alma, visto que já a tem; mas, como ele está mal orientado e não olha para onde deveria, ela esforça-se por encará-lo na boa direção.