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sexta-feira, 7 de novembro de 2014

O MATUTO DO MEU SERTÃO


A originalidade do matuto é uma coisa fascinante, a forma do vestir, do andar, de se comunicar, vejamos:  Se lhe perguntam sobre uma distância qualquer ele troca o quilômetro por léguas, põe a mão na testa em forma de concha e responde: Daqui pra a umas cinco léguas daquelas que o diabo mediu de cócoras.

Na meteorologia sua experiência é miraculosa, ele olha para o céu como quem quem faz uma pergunta a Deus e responde cheio de convicção: Hoje a noite vai cair muita água, pode preparar e coIocar na goteira o purrão (Pote de Barro em tamanho maior do que o normal, geralmente comprado na feira do povoado vizinho.

Não dispensa  um cavalo para seus afazeres, sua montaria é transporte para todas as ocasiões. Bom vaqueiro, bom tangerino, bom carreiro, e por que não "Bom cachaceiro'', não dispensa o cigarro de fumo de rolo envolvido na palha de milho. Dorme cedo e acorda cedo, principalmente em dia de feira, que para o matuto é dia de fazer compras, rever os compadres, abençoar seus afilhados, tomar sua pinga, fazer uma fezinha nos jogos de azar.

Matuto evidentemente não tem férias, não conhece civilização. É muito dado para fazer amizades, honesto por demais. Um dos seus utensílios inseparáveis: o saco e o facão de 18”. Veste-se tradicionalmente, com calça e camisa de brim nas cores caqui ou mescla, principalmente para os dias de quermesses e para os forrós.

A linguagem do matuto é muito peculiar, mas rica culturalmente: - mode - Cuma - adonde - palavras chaves nas suas conversas, nos seus bate -papos, sabe de tudo, mas nunca admite que sabe, espera acontecer, matuto não conhece celular, computador, que dirá transação on-line e cartão de crédito, no máximo sabe escrever o próprio nome para votar no coroné.

Na farmacopéia é um grande conhecedor da medicina natural se utiliza da umburana de cheiro, quixabeira, banha de cobra, bálsamo maravilhoso enfim em seu laboratório não falta a matéria prima. Com esses elementos cura todos os tipos de doenças atípicas do seu mundo, da dor de cabeça ao reumatismo.

Cara fechada, mas muito bem humorado , contador de causo, de anedotas, e não dispensa uma boa conversa e se deleita ao falar do passado. Se o assunto é cangaço? geralmente ele teve um parente no bando de Lampião ou na polícia.

Muito católico, em casa é um pai de família exemplar, repassa seu estatuto para os filhos, que inclui a benção três vezes ao dia., não dormir antes de rezar o pai-nosso, não levantar da mesa antes de agradecer a Deus  pela  alimentação recebida.
Matuto não lê jornais, mesmo assim tá muito bem atualizado sobre a cidade grande, através do seu radio AM. Aliás, nem ler ele sabe, mas declama de cabeça um cordel de cabo à rabo. Na música tem predileção pelo seu astro maior Luiz Gonzaga.
Jaleco, chapéu de couro, um roló fazem parte de sua indumentária. O Catingueiro não conhece shopping, praia, teatro, não discute coisa fora do seu mundo, modernidade pouco lhe interessa. Ele gosta é da sua feira no dia de sábado, onde vende, compra e troca; dia de descontração e movimento para o matuto.
Seu banho é em uma latada no fundo da casa, no tanque ou barreiro, onde ele também pesca e nada livremente. Matuto não conhece aquecimento global, efeito estufa, transgênicos, agrotóxicos, estas coisas não fazem parte do seu cotidiano.
Ele contempla com gratidão uma noite de verão com o clarão da lua "alumiando" o sertão que é território dele. Um bom inverno, uma boa caçada na mata, uma boa pescaria de preferência nas épocas de trovoadas.
Na alimentação é um grande  admirador do cardápio à sertaneja, uma boa buchada de bode, fava, baião de dois, sarapatel com miúdos de porco, uma boa galinha caipira, requeijão feito na casa do coroné onde o leite tem com fartura.
Época de seca ele sofre, mas não perde a esperança no Criador do Universo. Faz seus pedidos ao seu intercessor o Padim  Cíço do Juazeiro, pelo qual o matuto tem grande devoção.
Matuto não se aperta quando está no meio da caatinga, se farta água pra beber, apela para o gravatá que sempre tem um reservatório de água, ou recorre à batata de umbu; de sempre encontra um refrigério.
Se está com fome, bom caçador que é encontra logo uma solução com sua espingarda: abate um coelho, um preá, um mocó, uma nambú, etc.
Na labuta diária tem no jumento um funcionário dedicado, no transporte da água em corotes, pra trazer as compras e levar uma mercadoria como cereais e os mangaios de sua roça pra vender na feira.
No alpendre de sua casa não falta um cortiço com mel, várias espécies de abelhas que produzem esta especiaria para o consumo da família, para presentear amigos de fé e é claro pra negociar. Em época de inverno, sua casa é só fartura, A safra foi muito boa? Tá sobrando  até um dinheirinho da venda dos cereais? Ah! então tem destino certo: comprar as roupas dos filhos e da mulher e aguardar as festas de fim de ano.
Na casa do sertanejo os móveis são rústicos, cama de varas, panelas de barro, fogão a lenha, bancos de madeira feito por ele mesmo, uma boa rede e enfeites para os cantos de parede.
Matuto não nasceu para cidade grande, ele se sente fora de seu habitat, sente falta do orvalho das manhãs sertanejas, do umbuzeiro na frente ou no fundo da casa, o cacarejar das galinhas no poleiro feito por ele, o latido do cachorro, o cantar do galo, o miado do gato no telhado, sente falta dos bate-papos do compadre nos fins da tarde. Longe tudo isso da violência e da poluição.
O matuto não frequenta encontros culturais onde ele tema explorado, o matuto do sertão infelizmente ainda serve de plataforma pra políticos da pior  qualidade, serve de alvo para campanhas de solidariedade, para estudo de pesquisadores e no entanto é um elemento totalmente sofredor e esquecido, excluído pelo poder.
Matuto do meu sertão, você é a glória, a beleza, o desenho pintado pela mão do Senhor Criador do Universo, você é o orgulho de uma raça, representa uma nação, você é uma bandeira que tem de ser hasteada não em festa cívica e nem somente em dias comemorativos e sim todos os dias. Você é o hino maior do nosso sertão, que tem cantado a toda hora, a todo instante.

Você é a estrela que está sempre brilhando, junto com o luar do sertão, é enxurrada de fim de ano, é fartura, é seca, é esperança desse sertão sofredor. Acima de tudo um belo. Matuto tu és um emblema desse mundo maravilhoso que é o nosso nordeste brasileiro.

Homenagem minha a você meu irmão, que sempre está com a mão estendida para ajudar a quem precisa.
                                               José Clenaldo