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sábado, 1 de outubro de 2016

Os dois lados do cangaço: o pitoresco e o agressivo.

"Regressando do assalto em Água Branca, Lampião entrou de surpresa em Nazaré. Era a primeira vez que o fazia desde a sua saída para Alagoas em outubro de 1919. Estava confiante no acordo de paz que propusera aos nazarenos através de "Sinhô" Pereira. De qualquer modo, os moradores do povoado estavam temerosos por se acharem desprovidos de armas e munições caso os bandoleiros quisessem efetuar vingança; todos sabiam o quanto Lampião era rancoroso e extremamente vingativo. 

Mas os bandoleiros não molestaram a ninguém, pois vinham bastante eufóricos pelos resultados obtidos no roubo de Água Branca. E neste ponto incidia o aspecto constrangedor e também comprometedor daquela visita. Manuel Flor relembrou aquele dia: "Dançaram muito a 'Mulher Rendeira', acompanhada do xaxado, que pela primeira vez presenciei, bem ritmado, em perfeita harmonia com a música. Tenho dúvidas se essa modalidade de dança foi criação do grupo de Lampião ou de Sebastião Pereira porque os principais dançarinos eram Baliza, Vereda, Mão-de-Grelha e outros veteranos de Sebastião. 

A dança foi realizada à tarde, sob uma quixabeira que à época existia no centro do povoado e a cuja sombra se realizava a feira. Foi um espetáculo que nos empolgou ver todos aqueles homens, chapéu de couro na cabeça, dançando e cantando

"Olé mulé rendêra 
Olê, muié rendá
Tu mí insina a faze renda 
Qui eu ti insino a namorá 
Olé mulé rendêra 
Olê, muié rendá 
Choro por mim não fica
Só si eu não vê chorá 
As piquena vai no bolso 
As maió vai no borná" 

Em Pernambuco, uma das primeiras pessoas a sofrer perseguição de Lampião, logo após o seu regresso de Alagoas, foi Clementino de Carvalho, abastado proprietário rural (era dono da fazenda Lagamar, situada às margens do Pajeú, entre Floresta e a vila de Santa Maria), Clementino compareceu à feira de Nazaré e o bando o aguardou nas imediações. Quando ele retornou  a trilha que o levaria de volta à fazenda, os bandoleiros investiram em sua direção; Clementino conseguiu safar-se graças à sua boa montaria, retrocedendo para o povoado em desabalada carreira. 

Os cangaceiros, no entanto, não estavam dispostos a perder sua valiosa presa e permaneceram à espera por longas horas nos arredores. A população do povoado ofereceu a Clementino Carvalho integral apoio, no sentido de evitar os vexames que o fazendeiro poderia sofrer nas mãos dos bandidos. 

Soube-se depois que Virgulino pretendia sequestrá-lo em troca de vultoso resgate; foi Lampião o primeiro cangaceiro a empregar o sequestro como meio de obter resgate em dinheiro — essa modalidade de crime era desconhecida no sertão pernambucano. 

Passaram-se vinte e quatro horas sem que Clementino pudesse regressar a Lagamar. Logo que a sua família foi informada do que acontecia em Nazaré, foi buscá-lo com uma escolta de vinte homens bem armados. Os cangaceiros chegaram a provocar a força de socorro, disparando suas armas; alguns dos mais audaciosos membros do grupo de Clementino fizeram menção de persegui-los mas foram impedidos pelo fazendeiro que não desejava mais violência. 

Em pouco tempo aconteceu a segunda tentativa de sequestro envolvendo outro rico fazendeiro dos Carvalhos, Florentino, dono da fazenda Entresserra, o qual foi submetido a cerco em sua propriedade. Apesar do forte tiroteio que marcou esse episódio, Virgulino teve mais uma vez frustradas suas intenções. Assim, os fazendeiros da região tiveram oportunidade de observar os dois lados do cangaço: o pitoresco e o agressivo."*

 * do livro O Canto do Acauã - Marilourdes Ferraz
O acauã é uma ave pertencente à ordem dos Falconiformes, da família Falconidae. É conhecida pelo seu canto característico e por se alimentar de serpentes.