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domingo, 18 de setembro de 2016

OS HOLANDESES NO BRASIL

OS HOLANDESES
NO BRASIL
Os holandeses na Bahia
(1624-1625)

   A potência marítima que mais esforçadamente concorria com Portugal e Espanha na obra dos descobrimentos era a Holanda. Desde 1579, até meados do Século 17, os holandeses, afirmando a independência das Províncias Unidas [Países Baixos: Holanda, Bélgica e Principado de Luxemburgo], sustentaram uma guerra desesperada contra a política ambiciosa dos Felipes [Espanha]. Dispondo de grandes recursos navais, não se limitavam os batavos a resistir, na Europa, os ímpetos do inimigo: revidavam os golpes, perseguindo nos mares as embarcações que traziam a bandeira da Espanha [lembrar que, entre 1580 e 1640 Portugal estava sob domínio espanhol], e invadindo-lhes as colônias estabelecidas na América e na Ásia. Já vimos como Venner, associado a piratas ingleses, andara pelas costas do Brasil em 1595, pilhando e incendiando povoações indefesas, como o Recife, de onde saíram fartamente compensados da sua audácia.

    Tal era o terror que inspiravam esses salteadores dos mares, e tão desafrontados se mostravam no seu ofício que, naqueles tempos, mesmo comboiadas de navios de guerra, as embarcações mercantes da Espanha só raramente conseguiam escapar à infatigável vigilância e perseguições dos piratas. Em 1604, os holandeses penetram na Bahia e arrasam o Recôncavo, por onde fazem presas valiosas. E durante trinta anos, não deixam descanso às naus portuguesas e espanholas, ameaçando de forma continuada as mais prósperas povoações do nosso litoral. O sucesso desses ensaios animara os inimigos da Espanha, levando-os a conceber planos de ocupação efetiva do Brasil, até que, em princípios de 1624, parte para a América do Sul uma grande expedição, preparada pela Companhia das Índias Ocidentais. Compunha-se essa expedição de 36 navios e perto de quatro mil homens, sob o comando do almirante Jacob Willekens.

   Diogo de Mendonça Furtado, que em 1622 havia sucedido a D.Luís de Sousa no governo geral do Brasil, preveniu-se  como pôde do contra a iminência do ataque, pois a corte de Madri tratava com certa indiferença os negócios da colônia. Mas a demora da expedição fez acreditar, talvez, no fracasso da empresa. Assim, quando, finalmente, a 9 de maio de 1624, a esquadra holandesa se apresentou diante de Salvador, rompendo fogo contra a cidade e contra os navios ancorados, a resistência se tornou impossível. A despeito de alguma reação, a capital foi ocupada no dia seguinte, sendo Diogo de Mendonça [Governador Geral] preso e conduzido para a Holanda. No dia 11, o coronel Johan van Dorth assumia o governo da conquista em nome das Províncias Unidas, dirigindo um manifesto aos habitantes, convidando-os a confiar nas autoridades e a cooperar com os republicanos da Holanda, pela prosperidade de uma nova pátria.

    À primeira vista, os moradores da Bahia mostraram-se tão impressionados com aquela violência do ataque e posse da cidade, que os holandeses acreditaram piamente ter feito uma conquista definitiva. Aproveitando-se do êxito garantido, mais que tudo, pelo pânico instalado, os intrusos foram lançando suas vistas sobre outros pontos da costa. A maior parte dos navios holandeses deixou a Bahia, seguindo alguns para a Europa, carregados de despojos, e outros para o sul do Brasil, onde não encontraram as mesmas facilidades, sendo até repelidos energicamente no Espírito Santo. Entrementes, na Bahia, passado o primeiro susto, os moradores começaram a preparar a resistência.

    Segundo as vias de sucessão, na falta do Governador Geral, devia assumir o governo o capitão-mor de Pernambuco, Matias de Albuquerque. Na sua ausência, os patriotas nomearam como Governador o próprio Ouvidor Geral, mas, por falta de competência, este foi logo deposto e substituído pelo bispo D. Marcos Teixeira., que desenvolveu grande atividade e tornou-se a alma da reação. Por terra, de todos os lados, a cidade foi sitiada pelos brasileiros, que hostilizaram os holandeses a ponto de deixá-los numa situação desesperadora. A essa altura, já começava a chegar socorro de Pernambuco. O chefe holandês Van Dorth sucumbe, em luta com os sitiantes e seu substituto, logo depois, também teve a mesma sorte. A corte de Madri, afinal, resolve-se a agir e expede uma poderosa esquadra em socorro da Bahia. A esquadra compunha-se de forças espanholas e portuguesas, sob o comando de D. Fradique de Toledo e de D. Manuel de Menezes. Em fins de março de 1625, chega a expedição e estabelece o bloqueio. Os holandeses resistem mas, um mês depois, em 30 de abril, assinam a capitulação, retirando-se de volta à Europa apenas com suas armas de defesa e com víveres.

Os holandeses em Pernambuco (1630-1654)

   Logo depois da expulsão dos holandeses da Bahia, chegava uma esquadra de reforço para protegê-los. Sem se atrever a hostilizar a praça libertada, a esquadra flamenga, imediatamente, se fez vela para o norte. Quase pelo mesmo tempo, Pieter Heyn, de volta à pilhagem que fizera nas costas do sul, subiu de investida a São Salvador, assolando as imediações da cidade e aprisionando embarcações mercantes. Entretanto, sem recursos de guerra e desiludido, afinal de seus intentos, retirou-se para o mar das Antilhas, onde se tornou o flagelo dos espanhóis, arrebatando-lhes muitos navios carregados de tesouros.

    Os lucros fabulosos que a pirataria acabava de dar à Companhia das Índias, animaram os empresários a fazer novas tentativas nas costas do Brasil. Para isso, foi aparelhada uma poderosa esquadra de 70 navios, com uns seis mil homens de desembarque, sob o comando de Hendrik C. Lonck. O Brasil continuava quase que totalmente abandonado pela metrópole. O alvo da nova investida, agora, era Pernambuco e seu Governador, Matias de Albuquerque, se encontrava na Europa mas, assim que teve notícias do que planejavam os holandeses, voltara para o Brasil, sem, entretanto, trazer qualquer recurso de guerra. O Governador Geral era então D. Diogo Luís de Oliveira, mas dele não se podia esperar os necessários reforços. Os brasileiros, portanto, tiveram de cuidar da defesa por si próprios, cuidando de fortificar principalmente os portos de Recife,  Bahia e  Rio de Janeiro.

    A esquadra holandesa chegou, afinal, no dia 14 de fevereiro de 1630 e, no dia seguinte, o almirante ordenava a Olinda que se rendesse, enquanto o general Waerdenburch desembarcava um pouco acima, na praia do Pau Amarelo, com três mil homens. Como a vila de Olinda não se entregasse, foi atacada por mar e por terra. O terror se apoderou da população e Matias de Albuquerque compreendeu, logo, que a resistência seria inútil. Assim mesmo, em diversos pontos, o heroísmo dos pernambucanos se declarou numa luta desesperada de muitos dias, até que Recife caiu em poder dos assaltantes, como acontecera pouco antes com Olinda. Dominado o pavor da população, o general pernambucano fortifica-se sobre uma colina a cerca de uma légua para o interior, onde estabelece o Arraial do Bom Jesus.

    A grande alma de Matias de Albuquerque personificou, então, para brasileiros e portugueses, o espírito de pátria neste lado do Atlântico. Foi ele como que o primeiro grito de nacionalidade futura, gerada no sofrimento, a erguer-se da miséria colonial, fortalecida nas vicissitudes. Sem arrefecer de coragem ante os desastres, cuidou o chefe pernambucano de organizar a resistência. Criou as famosas companhias de emboscada, formidáveis quadrilhas de guerrilheiros, que não deixaram aos holandeses um momento de sossego. E aquela guerra que se vai travar teve caráter de uma verdadeira manifestação, forte e impressiva, do espírito novo que se criava na América, devido exclusivamente à aliança, nesse protesto, das três raças que contribuíram para a formação da pátria nascente: [o europeu, o índio e o negro.]

   Do Arraial do Bom Jesus, constituído em centro de reação aos intrusos, Matias de Albuquerque os hostilizava com repetidas refregas. Tendo recebido da Bahia um reforço de setecentos homens, ao mando do conde de Bagnuolo, tantos males causou aos holandeses que estes tiveram de abandonar Olinda e concentrar-se em Recife. Ao mesmo tempo, tanto no Rio Grande do Norte como na Paraíba, os usurpadores sofriam grandes reveses, o maior dos quais foi a derrota de sua esquadra pela de D. Antônio Oquendo. Para os holandeses, aquela conquista vai ser tormentosa, com que se há de, para sempre, castigar os seus intentos.

A heróica resistência dos pernambucanos

   A invasão holandesa [e nisso teve seu lado positivo] vem criar o período verdadeiramente épico da nossa história colonial. Pode-se dizer que, apesar de quase completamente desamparados pela metrópole, os pernambucanos não cessaram de protestar contra semelhante espoliação. Talvez com o intuito de desviarem de Pernambuco as atenções do governo geral, os holandeses iam atacando outras capitanias. O mau sucesso de seus intentos, porém, levou a ponto de desiludir a Companhia das Índias Ocidentais, até que, no meio de sua desfortuna, um bafejo inesperado de sorte vem reanimar os holandeses: foi a deserção de Calabar para o acampamento holandês. Natural de Porto Calvo [Alagoas], conhecendo perfeitamente a topografia daquelas paragens, o hábil guerreiro foi um poderoso auxiliar dos invasores.

    Guiados pelo desertor, os holandeses atacam, de noite e de surpresa, a povoação de Igaraçu [Pernambuco], tomando-a facilmente. Pouco depois, investem contra o forte do Rio Formoso [zona da mata] do qual também se apoderam, mas só depois de muitas lutas insanas, quando já não havia ali mais nenhum homem válido a combater. Estimulados com essas vitórias, atiraram-se contra o último reduto dos pernambucanos: o campo entrincheirado do Bom Jesus, em 14 de março de 1633. Todavia, foram dali repelidos e a audácia custou a vida de seu chefe Rembach, o qual sucedera Waerdenburch, quando este, ressentido com a Companhia, abandonara o comando geral das forças de terra. No lugar do chefe morto, assumiu Van Schkoppe, que ocupou Itamaracá, fazendo seguir um destacamento para Rio Grande do Norte, onde o forte dos Três Reis e outros postos foram conquistados.

    Os pernambucanos começavam a abater-se com tais derrotas e todas as vantagens do inimigo eram atribuídas a Calabar, alvo do ódio geral dos antigos camaradas. A não ser um pequeno revés na Paraíba, no mais, os holandeses iam, de sucesso em sucesso, avassalando toda aquela porção do Brasil, desde o Rio São Francisco até além do cabo de São Roque. O próprio Van Schkoppe, por fim, conquistou definitivamente a Paraíba e o domínio holandês parecia firmar-se em toda a vasta região. Só Matias de Albuquerque, com sua legião de insubmissos, continuava a afrontar o poderio dos inimigos no Arraial do Bom Jesus, no forte de Serinhaém, na fortaleza de Nazaré e em Porto Calvo,  Os pernambucanos tinham esperança de que lhes chegassem socorros da Europa, mas a frota capitaneada por Vasconcelos da Cunha foi desbaratada pelos holandeses e, dos seiscentos homens que vinham, apenas duzentos chegaram a Serinhaém.

    Em tão extrema conjectura, Matias de Albuquerque tentou ainda um esforço temerário, atacando Olinda, porém, não obteve sucesso. O esmagamento daquela bravura desesperada parecida inevitável. Porto Calvo [Alagoas] cai em poder do inimigo. O Arraial do Bom Jesus, ao cabo de três meses, tem de capitular, o mesmo acontecendo com a guarnição de Nazaré; apenas a posição de Serinhaém foi mantida, a custa de sacrifícios inauditos. Afinal, não sendo mais humanamente possível continuar naquele martírio inútil, o nobre chefe, desenganado pela imensa loucura, depois de ouvir em conselho os seus oficiais, deliberou a retirada para o sul, onde o conde Bagnuolo ainda se achava com alguma força.

    No dia 3 de julho de 1635 começou, pois, a retirada para Alagoas. Deixando terra e haveres, saíram então de Pernambuco quinhentos homens em armas e numerosas famílias, em número calculado de oito mil pessoas. Ainda assim, ao se aproximarem de Porto Calvo, foram atacados pelos holandeses, só que desta vez o inimigo foi derrotado. Em 22 de julho de 1635, Calabar é preso e punido cruelmente [foi enforcado]. Os emigrantes prosseguiram no seu êxodo para o sul. Com pouco mais de cinco anos de luta, os holandeses ficaram senhores daquele riquíssimo trecho do Brasil, compreendendo as capitanias de Pernambuco, Itamaracá, Paraíba e Rio Grande [do Norte].

Maurício de Nassau

   A corte de Madri parecia deliberada a dar tempo aos holandeses para firmarem no Brasil o seu domínio. Matias de Albuquerque já havia se retirado para o sul, quando chegou a expedição de D. Luís de Rojas y Borja, trazendo o novo Governador Geral.  Borja vinha com ordem de assumir o comando das tropas em lugar de Matias de Albuquerque, cujo devotamento à causa pátria não parecia agradar muito à Espanha. Matias de Albuquerque entregou o comando a Borja e foi enviado para a Europa, onde receberia o cárcere como prêmio de seu valor e abnegação. O general espanhol, por sua vez, foi imprudentemente tomando a ofensiva contra os holandeses, tendo a derrota como resultado, logo no primeiro encontro, com a morte do próprio comandante (combate de Mata Redonda).
    Nessa situação, Bagnuolo assumiu o comando das operações. Fortificou-se em Porto Calvo e dali dirigia tremendos bandos de guerrilheiros contra os intrusos que tanto dano lhes causavam. Nessa operação de guerrilhas, tornou-se famoso o negro Henrique Dias, o índio Antônio Felipe Camarão (Poti) e sua mulher Clara, além de muitos capitães de terra. Tão grave se afigurou aos empresários da Companhia das Índias essa situação a que se ia reduzindo a conquista, que julgaram indispensável uma pronta expedição de socorros e a investidura de um homem notável no governo do Brasil holandês. Esse homem foi Maurício de Nassau, que se fez, com efeito, uma das maiores figuras entre os que ficaram na história da colonização da América.

    O conde de Nassau chegou ao Recife no dia 23 de janeiro de 1637. Conforme as instruções que trazia, logo que assumiu o governo, marchou ele sobre Porto Calvo. Bagnuolo, por sua vez, fortificou-se nas imediações da vila de Olinda com cerca de quatro mil homens e, a 18 de fevereiro, os dois exércitos se encontraram. O combate, ali, tornou-se formidável, mas com prejuízo ao Brasil, já que Bagnuolo teve de capitular, retirando-se para a Bahia. Nassau ficou, portanto, senhor daquelas paragens, até o rio São Francisco e na foz deste, levantou o forte Maurício (cidade alagoana de Penedo). Voltando para Recife, deixou em Alagoas o infatigável Schkoppe, empenhado em perseguir os guerrilheiros de Bagnuolo.

    Enquanto cuidava dos negócios da administração, o governador ia recebendo notícias que lhe davam como iminentes novas e sérias agressões preparadas na Bahia e sua opinião, coincidente com a do Conselho dos Dezenove (que dirigia a Companhia das índias Ocidentais), era a de tentar alguma coisa contra a capital do domínio espanhol. Nassau tomou, portanto, a resolução de atacar São Salvador e para ali partiu, com quarenta navios e cerca de quatro mil homens de desembarque. Chegando à Bahia, tomou logo posição e sitiou a cidade, vendo-se, porém, continuamente hostilizado pelas temerosas quadrilhas de assalto.

    Finalmente, reunindo suas  forças, Bagnuolo vai socorrer a cidade em perigo, forçando Nassau a levantar o sítio e retirar-se para Recife. A essa altura, a corte de Madri começou a inquietar-se com o incremento que, no Brasil, iam tendo as conquistas da poderosa Companhia, já que os holandeses, estabelecidos nas quatro capitanias do norte, não deixavam de revelar seus intuitos de dominação. Assim, resolveu a metrópole espanhola nomear D. Fernando de Mascarenhas, conde da Torre, como Governador Geral do Brasil, dando-lhe incumbência especial de exercer uma ação enérgica e decisiva contra os intrusos.

A luta continua

   A 19 de janeiro de 1639, chegava à Bahia o conde da Torre, trazendo com ele uma boa esquadra de reforço. Além disso, fez reunir os navios e tropas disponíveis em diversos pontos da colônia e organizou uma poderosa esquadra de uns noventa navios bem guarnecidos. A expedição devia partir para Pernambuco ao mesmo tempo em que marchavam, por terra, as tropas destinadas a operar combinadamente com as forças do mar. O próprio conde da Torre assumiu o comando em chefe da esquadra. Já as forças de terra eram dirigidas pelos chefes Vidal de Negreiros [que mais tarde comandou a Insurreição Pernambucana], Felipe Camarão [o índio], e, entre outros mais, Luís Bezerra Barbalho.

    As duas esquadras se encontraram perto de Itamaracá, no dia 12 de janeiro de 1640, travando-se violenta batalha, tendo os flamengos [holandeses] não pequenos reveses, sendo que, logo no começo da ação, vítima da própria temeridade, morre o almirante Cornellison. Todavia, o impávido Huyghens, vice almirante, assume o comando da esquadra e persegue os navios brasileiros com uma coragem e tenacidade quase inverossímeis. Então, o conde da Torre tem de resistir aos ímpetos inimigos em diferentes pontos da costa, cada vez mais afastando-se para o norte. O último combate, travado junto à foz do rio Potengi [Ceará] foi uma verdadeira ruína.

    O Governador Geral, conde da Torre, mal conseguiu recolher-se de volta à Bahia. Alguns navios, perseguidos pelos holandeses, fugiram para o norte, indo uns poucos até o mar das Antilhas [América Central]. Uma nota de heroísmo destacou-se daquele desastre. Não podendo escapar da vigilância do inimigo, a guarnição de muitos dos navios batidos resolveu desembarcar num porto do Rio Grande [do Norte], dali seguindo por terra até a Bahia, sendo essa coluna comandada pelo capitão Luís Bezerra Barbalho. Em toda a longa e penosa marcha de quatrocentas léguas, aqueles bravos homens foram agredidos pelos inimigos e tiveram de resistir a constantes refregas, chegando à Bahia com um desfalque de apenas 100 homens, dos 1.500 ou 2.000 que saíram do Rio Grande do Norte.

    O conde da Torre, após esse fracasso, recebeu ordem de voltar a Lisboa, onde também foi encarcerado, na torre de São Julião. Em seu lugar, veio D. Jorge de Mascarenhas, marquês de Montalvão, não mais como governador, mas com o título de Vice-Rei e Capitão General de Mar e Terra. Trazia também, como primeiro empenho, a restauração do domínio. Porém, achando-se desprovido de recursos suficientes de guerra, procurou ganhar tempo e criar os elementos de que necessitava. Antes de tudo, tratou de sondar os ânimos, para ver se podia apoiar um grande plano de ataque, numa insurreição geral dos pernambucanos. O chefe holandês, porém, compreendeu logo a tática de Montalvão e burlou-lhe as maquinações, dissimulando-se habilmente com mostras de cordialidade, chegando até a propor-lhe um pacto de trégua.

    O conde Maurício de Nassau, apesar de todas as vitórias que havia alcançado, lutava também com certas dificuldades em Recife, as quais lhe eram causadas principalmente pela ganância dos empresários da Companhia das Índias. Nassau, desde muito, reclamava tropas de reforço e navios para a ronda da costa e o Conselho dos Dezenove, sem nunca atender a tais reclamos satisfatoriamente, insistia sempre em recomendar a conquista da Bahia. Quando o marquês de Montalvão [vice-rei] chegara à capital da colônia, em 1640, ainda havia vestígios das depredações que os holandeses fizeram por todo o Recôncavo, em obediência às ordens que lhe vinham da metrópole. Todos os intentos de Nassau contra a Bahia se limitaram a isso, pois, com os escassos recursos de que dispunha, não haveria de comprometer a sorte da conquista, aventurando-se em tentativas, cada vez mais perigosas, pois agora iria encontrar os baianos mais prevenidos.

A obra de Nassau

   Pode-se afirmar com segurança que, sem o conde de Nassau, os holandeses não teriam se conservado tantos anos no Brasil. As grandes qualidades deste homem chegaram a impor-se a uma boa parte das próprias populações violentadas. E não fossem os erros e a descarada ambição da Companhia das Índias, com a qual o príncipe se fizera logo incompatível, quem sabe lá quanto a fisionomia da política na América Oriental poderia ter-se modificado, sob a influência holandesa. Maurício de Nassau veio com o título de General de todas as forças de mar e terra, e Governador dos povos conquistados e dos que viesse ele próprio a conquistar. Todo o governo e administração do domínio se regia por uma espécie de constituição.

    Nos termos dessa constituição, a autoridade suprema era exercida por um Grande Conselho, presidido pelo príncipe. Essa assembléia, na qual até brasileiros dos mais notáveis tiveram assento, foi como um primeiro ensaio de sistema representativo na América do Sul. Como dissemos, Nassau era um homem de excelentes aptidões para a função de governo e, se tivesse vindo em outras condições, talvez teria se constituído no Brasil um regime conduzido pelo povo. É de se acreditar, mesmo, que as intenções de Nassau não andassem longe disso, e que o seu grande pensamento, ao vir para cá, seria criar uma segunda pátria, onde o gênio dos Orange [casa real] pudesse expandir-se amplamente. Entrou ele em nosso país, não se sabe se mais jubiloso que maravilhado: "É um dos mais belos países do mundo!" foi o que escreveu logo para a Europa. Espírito culto e liberal, mais patriarca que conquistador, começou ele o seu governo procurando inspirar aos povos uma razoável confiança na ordem de coisas que vinha instalar.

    Enquanto sustentava a guerra fora da colônia, certamente com o intuito de revelar sua força, afastando a possibilidade de agressões, mantinha a paz dentro de sua colônia tão bem quanto possível, de tal sorte que se estabeleceu uma certa concórdia entre holandeses e brasileiros. A par do notável impulso que tiveram logo todas as indústrias, e principalmente a lavoura e a criação, desenvolviam-se também as artes liberais e os estudos que, mais particularmente, interessavam ao país. O príncipe atraía da Europa homens de letras, pintores, escultores, mecânicos, arquitetos e naturalistas. A ilha de Antonio Vaz, que pela primeira vez foi ligada a Recife e à Boa Vista por pontes elevadas, que permitiam a passagem de embarcações pelo rio, sofreu transformações que lhe deram segurança e praticidade.

    Fez construir ali o primeiro observatório astronômico que se erigiu nesta parte do continente e, talvez, em toda a América. Num de seus palácios da cidade Maurícia, por ele construída e embelezada, fundou também um museu de história natural e uma espécie de academia de ciências e letras. Uma larga e magnífica alameda de palmeiras ligava os dois principais palácios. Naqueles paços monumentais, o príncipe tinha a sua corte de sábios e poetas. Na academia, celebravam-se sessões em que eram discutidos problemas vários, assim como teses científicas e literárias. Ali trabalhavam os artistas que ele protegia, e não foram poucas as obras que se produziram e que, mais tarde, quando ele se retirou, foram constituir na Europa sua única fortuna pessoal. Não era demais, portanto, que o Pernambuco daqueles tempos tivesse, pelo seu esplendor, se tornado famoso em todo o Brasil.

    No entanto, aquela prosperidade da Nova Holanda, milagre do espírito de um homem, ia ser em breve interrompida. A política liberal de Nassau descontentava a todos os especuladores e logo as intrigas começaram a se criar na Europa, entre os republicanos e a gananciosa Companhia, lançando suspeitas contra os verdadeiros intuitos do príncipe. O tremendo Conselho dos Dezenove mostrava-se cada vez mais autoritário, mais exigente e mais prevenido contra o vasto prestígio que Nassau ia firmando na América. Primeiro, o príncipe contemporizou, cedendo o mais que era possível, chegando a desmanchar muita coisa do que tinha feito; depois, quando sua paciência não podia ir mais longe, desgostoso, deliberou abandonar o posto. Em 1644, depois de haver passado o governo da colônia a uma Junta, Nassau retirou-se para a Europa, embarcando no porto da Paraíba em 22 de maio do mesmo ano, depois de sete anos de profícuo trabalho no Brasil. A retirada de Nassau marca a fase de decadência do domínio holandês. 

Restauração de Portugal

   O marquês de Montalvão, primeiro vice-rei do Brasil, acabava de chegar à Bahia, em 1640, e estudava, ainda, a situação dos negócios, quando se teve notícia da revolução que restaurara a soberania de Portugal, colocando no trono o duque de Bragança, sob o nome de D. João 4º. Só em princípios de 1641 chegava ao Brasil essa notícia, recebida com vivo entusiasmo por uns, mas com certa incredulidade e algum receio por outros. O vice-rei do Brasil mostrou-se um tanto indeciso, ou cauteloso demais, naquela conjuntura, cuidando sobretudo da atitude que viesse a assumir a tropa espanhola que nos fazia a guarnição. Com muito jeito, tomou providências no sentido de ir isolando essa tropa, sem dar muito à vista. Convocou, em seguida, um conselho de notáveis, para deliberar quanto à aclamação do novo rei.

    No Rio de Janeiro e em São Paulo, por influência dos Jesuítas, D. João 4º foi logo reconhecido, apesar de alguma hesitação. Em São Paulo, ao que parece, registrou-se até insinuações quanto a uma separação: foi nesta época que a astuciosa colônia espanhola animou os patriotas a aclamar Amador Bueno, rico e prestigioso chefe político, como seu rei. Este, porém, declarou-se fiel à monarquia e ao novo soberano e, assim, o partido da independência desanimou. Os padres, em muito contribuíram para essa decisão de Amador Bueno e, por isso, se tornaram alvo da antipatia e do ódio dos paulistas, a cujas hostilidades muito lhes custou resistir, sendo até expulsos de quase toda a capitania. Todavia, para ali voltaram mais tarde, amparados por D.João 4º, sem que, entretanto, conseguissem restaurar sua antiga ascendência sobre a população.

    Enquanto tudo isso se passava no sul, O vice-rei Montalvão, na Bahia, ia contemporizando. Queria ele, primeiro, sondar a reação dos holandeses com relação aos inesperados acontecimentos da península. Talvez chegasse mesmo a acreditar que a situação no Brasil se modificasse a favor dos portugueses, já que a Holanda [ex-colônia espanhola] dizia sempre que hostilizava a Espanha, e não Portugal. Maiores motivos teve para tais esperanças, quando viu o governador holandês receber gentilmente a comunicação que o vice-rei lhe fizera, por carta, de tudo quanto acabava de ocorrer na Europa. Nassau [ainda era ele quem governava] mostrou-se muito grato com aquela cortesia e, em honra ao novo monarca, deu ordem para que as fortalezas do Recife comemorassem com salvas de canhão.

    Com tais excessos de prudência, no entanto, Montalvão desagradou o partido dos nacionalistas radicais que queriam, ao mesmo tempo, que se reconhecesse o novo rei, e que se continuasse a guerra contra os holandeses. À frente desse partido exaltado estavam o bispo D. Pedro da Silva Sampaio e o jesuíta Francisco de Vilhena, aquele mesmo que, vindo de Portugal, se fez portador da carta régia, comunicando ao vice-rei o sucesso da revolução portuguesa. Vilhena e o bispo tramam contra Montalvão e este é deposto, preso e enviado para Lisboa. Organizou-se, então, uma Junta provisória, composta pelo próprio Bispo, mais Luís Barbalho de Bezerra, que era mestre de campo, e também Lourenço de Brito Correia, Provedor- Mor da Fazenda.

    Entram, então, as relações diplomáticas de Portugal com a Holanda, numa fase de dissimulações e dubiedades, que, embora acontecendo na Europa, não podiam deixar de ter seus efeitos políticos nos respectivos domínios aqui no Brasil. Enquanto, de um lado,  se firmava um tratado de aliança entre as duas nações, estabelecendo um armistício de dez anos, de outro, a insaciável Companhia das Índias dava ordem ao seu preposto no Brasil para que ampliasse as conquistas feitas, tirando proveito  da situação de fragilidade em que ficavam, momentaneamente, os domínios portugueses. Assim, não obstante a homenagem que Nassau prestara a D. João 4º, teve de desmentir sua boa fé, deixando que os holandeses avançassem para o sul, até as fronteiras da Bahia [até o rio Real, entre os Estados da Bahia e Sergipe]; para o norte, até o Ceará e o Maranhão.

Insurreição geral contra os holandeses

   Os brasileiros não se satisfaziam com a dúbia política que a metrópole aconselhava, e pior ficou quando viram a deslealdade com que os holandeses iludiam o tratado de suspensão de armas. O desgosto geral, porém, converte-se em verdadeira indignação quando se conheceram os termos desse tratado. Por ele, o rei de Portugal reconhecia o domínio holandês na América do Sul e ainda se estabeleciam odiosos privilégios e favores excepcionais em proveito daqueles mesmos que os independentes continuavam a considerar como simples intrusos. Aos holandeses era assegurado até o monopólio, senão do comércio, pelo menos da navegação. Quando aqui se soube de tudo isso, não foi mais possível conter a insurreição geral.

    Essa revolta começou em 30 de setembro de 1642, pelo Maranhão que, por fraqueza ou inépcia de Bento Maciel, caíra nas mãos dos usurpadores, e onde as populações sofriam toda sorte de violências e vexames. Antônio Muniz Barreiros, à frente de um bom número de patriotas, surpreende, de noite, o forte de Itapirucu, extermina-lhe a guarnição e proclama a guerra. Durante mais de um ano, luta-se ali desesperadamente. Falecendo o velho Muniz Barreiros, assume o comando dos revolucionários o sargento-mór Antônio Teixeira de Melo. Enquanto os intrusos recebiam auxílio dos seus, engrossavam as legiões de insurgentes com reforços que afluiam das capitanias vizinhas. Afinal, em 1644, os holandeses tiveram de se retirar para o Ceará e em seguida para o Rio Grande do Norte.

    A notícia deste primeiro sucesso espalhou-se por toda a parte como uma voz de repique, como se apenas se estivesse à espera daquele instante. Em lugar do marquês de Montalvão, tinha sido nomeado Governador Geral do Brasil o benemérito Antônio Teles da Silva, que tomou posse em 26 de agosto de 1642 e veio da Europa já prevenido contra os flamengos. Desta forma, passou a agir em acordo com muitos patriotas, entre eles um grande senhor de engenhos, João Fernandes Vieira, a quem se reservava um notável papel nas lutas da restauração. Com a vitória dos independentes no Maranhão, coincidia a retirada do conde de Nassau, ficando o governo da colônia holandesa entregue a pulsos menos firmes.

    Em junho de 1645, rompia a insurreição em Pernambuco. Logo no primeiro encontro, os patriotas alcançaram a vitória do monte das Tabocas. O desbaratamento dos holandeses foi completo e os que sobreviveram, aproveitando a noite, puseram-se em fuga desordenada para Recife [ainda capital da Nova Holanda]. Esta vitória produz entusiasmo geral entre os brasileiros. Fernandes Vieira é aclamado general da revolução e, reunindo-se a Vidal de Negreiros [herói de revoltas anteriores] leva a efeito uma tremenda ofensiva, em vários pontos, simultaneamente, o que assusta os inimigos. Em breve, rendem-se os fortes de Serinhaém, Nazaré, Santa Cruz, e a própria vila de Olinda não tardou em cair nas mãos dos insurgentes. Na Paraíba e em Alagoas, ganhava terreno a causa da libertação.

    Como centro de operações, formaram os pernambucanos um vasto arraial fortificado (Arraial Novo do Bom Jesus), onde se iam abrigar todos os brasileiros em cujo peito despertava, agora mais veemente, o amor da antiga pátria. Fernandes Vieira foi, então, solenemente, aclamado Governador de Pernambuco. É por esse tempo que Vieira, e outros grandes chefes da guerra, dão um brilhante exemplo de abnegação e altivez, resistindo a ordem impensada do Governador Geral, que mandava incendiar os canaviais, como expediente destinado a privar de recursos os inimigos. E isso fizeram aqueles heróis, reduzindo a cinzas as próprias lavouras!

Fim do domínio holandês

   Os independentes sitiam o Recife. Schkoppe, que tinha chegado em socorro dos seus, foi repelido em diversas investidas. Movendo-se apenas com suas forças navais, os sitiados procuraram dispersar a atenção dos revoltosos para outros locais e, nesse sentido, os holandeses atacaram vários pontos marítimos. Mas, inutilmente, Schkoppe se apoderou da ilha de Itaparica e assolou o recôncavo da Bahia. Foi-lhe necessário, logo depois, voltar apressadamente a Recife, onde se tornava cada vez mais crítica a situação de seus compatriotas. Somente agora o governo da Holanda se lembrou do acordo que fizera, e pôs-se a reclamar da corte portuguesa a fidelidade a esse tratado de paz. Pois aconteceu que o ingênuo rei D. João 4º deu razão aos holandeses e ordenou aos insurgentes brasileiros que cessassem as hostilidades!  Mas os pernambucanos não vacilam e desobedecem formalmente a ordem real, declarando que, depois de expulsar os intrusos, estariam prontos a sofrer o castigo pela sua desobediência.

    Como a Holanda se achava muito irritada e preparava grandes recursos bélicos destinados à proteção de sua conquista na América, tremeu o rei português e resolveu destituir Teles da Silva, nomeando como novo Governador Geral do Brasil, a Antônio Teles de Menezes, conde de Vilapouca de Aguiar. Ao mesmo tempo, no entanto, vinha o general Francisco Barreto de Menezes, incumbido de reconciliar alguns dos insurretos que andavam em divergência, o qual, após sofrer um desastre e de ser até aprisionado, conseguiu iludir a vigilância do inimigo e alcançar o acampamento pernambucano, onde, em 1648, assumiu o comando em chefe da insurreição. As vitórias que os patriotas conquistavam quase que diariamente iam desanimando os holandeses, reduzidos agora aos postos de Recife, Paraíba, Natal, Itamaracá e Fernando de Noronha, isto apesar dos sólidos e contínuos reforços que vinham recebendo da metrópole.

    Desesperado, Schkoppe reune uma grande coluna de cerca de cinco mil homens, rompe afoitamente o sítio de Recife e, em 19 de abril de 1648, a três léguas dali, nas imediações dos montes Guararapes, trava com os insurgentes uma batalha campal. Foi inútil. Os brasileiros infligem ao inimigo uma completa derrota. Schkoppe, ferido, retira-se para Recife e ali recompõe as forças flamengas, à frente das quais não demorou em marchar o coronel Brinke, incumbido de tomar de novo a ofensiva contra os rebeldes. Todavia, a segunda batalha dos Guararapes, ocorrida em 19 de fevereiro de 1649, dá ensejo a nova e ainda mais estrondosa vitória dos brasileiros. O domínio holandês no Brasil parecia, portanto, em vésperas de ruir. E, no entanto, completamente desamparados da sua metrópole, os patriotas de Pernambuco tinham ainda muitos anos de sacrifício a vencer.

    Em 1650, o conde de Villapouca de Aguiar foi substituído no governo geral por João Rodrigues de Vasconcelos e Sousa, conde de Castelo-Melhor. Nesta altura, a Holanda, assim como Portugal e Espanha, estava em conflito com outra potência, a Inglaterra e, por essa razão, não tinha condições de continuar a socorrer os intrusos. Por outro lado Portugal seguia o exemplo de outros países e estava organizando uma Companhia de Comércio que, entre outras atribuições, deveria proteger as colônias e o comércio marítimo do reino. De começo, os socorros que vieram aos insurgentes, de pouco valeram mas, em 1653 chegou Pedro Jacques de Magalhães com uma esquadra de sessenta navios, a qual imediatamente bloqueou Recife, enquanto os pernambucanos, por terra, apertavam o sítio. Foi Schkoppe sendo desalojado dos fortes que ainda ocupava e, por fim, concentrou na cidade os seus últimos elementos de resistência, protegido pela fortaleza de Cinco Pontas.

    O heróico Vidal de Negreiros, ferido diante daquela praça de guerra, ainda assim ordena e comanda o assalto, mas o general inimigo não podia mais se defender: propõe e consegue a capitulação, em 26 de janeiro de 1654. Os holandeses se retiram do Brasil no dia seguinte, para nunca mais voltar. Assim, os patriotas faziam a sua entrada solene e triunfal na terra libertada.


    Findara, depois de vinte e quatro anos, a ocupação holandesa, sem que se possa dizer, entretanto, que nos foi um grande mal, pois foi naquelas lutas que, incontestavelmente, se formou a consciência de nacionalidade, de uma pátria futura e que, se em algum momento vacilou, foi por circunstâncias meramente acidentais.

Fonte em http://www.pitoresco.com/