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sexta-feira, 2 de setembro de 2016

Boêmio desde menino em Fortaleza e no mundo

Sempre soube que era diferente dos meninos de minha idade. Pensa que eu era menino de andar com eles? Que nada! Eu andava com adultos. Era precoce em tudo...

Gostava do que meninos não gostavam, embora gostasse de coisas que eles gostavam. Gostava de brincar de bila (gude), de esconde esconde, de cowboy, de índios, de arraia (pipa) e nadar na piscininha ali na praia de Iracema, vizinho ao Estoril. Quando criei mais um pouco de marra, escorria de peito (jacarés) nas ondas espumantes da ponte metálica. Ia parar somente na areia, pertinho das pedras.

Mas como dizia... era precoce. Vejam que eu já fazia farras. Os namorados de minhas irmãs, jovens rapazes que faziam serenatas para elas e para as meninas da Praia de Iracema eram minhas companhias preferidas. O Fábio, o Zé Carlos, o Lucinon, o Dedé, o Chiquinho, o Silvio Carlos, o Antonino, o Braga, o Lolô, o Toinho do Violino, o Roberto Pimenta, todos jovens de mais idade, era a turma que gostava de andar. Fazia junto com eles serenatas. Mais crescido um pouco, já dedilhava violão em serenatas também.

Era um menino metido a rapaz. Frequentava o Farol com suas boites de luz vermelha com o amigo Antonino, que tinha um xodó com uma prostituta chamada Dulce, que era minha amiga e de quem nunca esqueço, inclusive quando escrevo agora, parece que ela está na minha frente. Lembro que teve um dia que bebíamos em seu cabaré e de repente alguém veio avisar que uma blitz do Juizado de Menores estava dando batida na boite vizinha e ela me escondeu em seu quarto. Depois que foram embora, continuamos a gargalhar e ouvir músicas.

Eu era mesmo um bom "filho da mãe metido a escrôto" - Fazia e aprontava quando menino de meus doze anos. Meus pais não sabiam mais o que fazer. Vinham queixas de escola, de vizinhos... da rua. Era eu um menino de rua. Com meus 13 anos já era o que brigava com qualquer um. Tinha uma família que morava perto, que tinha dois garotos e um deles era meu espelho. Brigávamos sempre. Seu apelido era Maninho. Era até boa gente... mas sabe como é né? Tínhamos que pegar corda dos com mais idade que nós. A negada passava um risco no chão e diziam que nossas mães eram representadas pelos espaços de ambos os lados. Daí a gente ficava cuspindo nesses espaços como se cuspíssemos nas madres que nos criaram. Dizendo palavrões com elas e daí o pau cantava. Que tolos éramos!

Já com meus 14 anos, frequentava as rodas de samba e chorinho do "seo" Cirilo que ficava em frente de minha casa, na rua Dom Joaquim, 36, no Seminário da Prainha, confluência com avenida Monsenhor Tabosa. Eles iniciavam a brincadeira dominical com essa música, Pedacinho do Céu:



Dona Péta, esposa de "seo"Cirilo, um caboclo idoso, avermelhado e aloirado de cabelo pixaim, taciturno e amável conosco, preparava em sua cozinha, uns quitutes de tira-gosto e uma cachacinha de "mão nos beiços", comprada no Mercado dos Pinhões, ali pertinho de onde morávamos. De vez em quando um dos coroas levantava e ia lá atrás, dar uma bicada e voltava com olhos avermelhados de satisfação. Todos eram exímios instrumentistas. Violões, Cavaquinhos, pandeiros, e caixas de fósforos roncavam badalando com seus sons característicos de uma verdadeira roda de samba e chorinhos gemendo ali na minha frente, e eu embevecido com aquilo tudo, pasmo de satisfação, assistia por horas aquelas apresentações. Quem eram os meninos de minha idade para assistir aquilo? Só eu. Só eu mesmo. Era precoce e boêmio. Ali naquela rodinha de chorinho e sambas, estava Zé Guilherme, com seu terno branco domingueiro, assim como os demais, era tio de minha amada Quinha Flor, com quem iria me casar aos dezoito anos, e até hoje faz minha alegria.

Quando antes de completar dez anos, meu pai contratou um professor para dar umas aulas de violão pra uma de minhas irmãs e eu ficava de junto. Olhos grelados nas mãos do professor. Queria aprender. Minha saudosa mãe, que Deus a tenha, ralhava comigo quando terminada a aula e o professor ia embora, eu pegava o violão e fazia aquelas posições de dedos todinhas, não errava uma. Não queria que eu aprendesse. Já sabia o filho que tinha. Era um futuro boêmio.

Interessante que depois de já estar casado, e com filhos, morando na velha e querida Bahia de São Salvador, ela gostava... ia pra toda parte conosco, bebendo todas junto comigo, em farras descomunais levadas a tira-gosto de Lambretas... mas isso já é outra, das outras histórias, desse menino precoce que menino até hoje é. Depois conto mais...