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sábado, 13 de agosto de 2016

Lampião Azul

As volantes vinham bem "pertin", estava nos "casco" dos "cangacêro". Todos iam numa pisada só, como se corressem junto com o vento. Lampião na retaguarda e dona Maria na frente do grupo. Como um Lobo protegendo os seus, o "doca" ia vigiando o passar de vassoura de galhos feita por um dos seus que estava mais atrás apagando os rastros. 

Apaga rastros acolá e ali e chegam num grande lagêdo e ficou mió pros disfarce. Correram rente a um terço de Nossa Senhora, desenhado nas pedras quando ela passara a muito tempo por ali, e agora era como se fosse um aviso dizendo "venham por aqui".

Cansados chegaram a um local escondido por entre a caatinga branca. Estavam todos com suas vestimentas de mescla azulada qui nem o manto da Virgem. 

- Qui lugar é esse "meu capitão?" - disseram todos em uníssono.

Lampião com aquele olho bom, alumiou de espanto seu olhar e viu o branco das árvores retorcidas, secas como estivessem mortas. Olhou pro céu e viu aquelas nuvens grandes e brancas, tipo aquelas que enfeitavam os pés da Santa, um sinal de paz momentânea. A pureza do azul, cor do manto de Nossa Senhora, também era a cor da água, que espantado via naquele canto das pedras. Tinham se deparado com um oásis perdido naquele sertão quente e ressequido a Deus dará.

Muito ligado à natureza, Lampião mais que ninguém, assim como sertanejo calejado, carregava em sua indumentária as cores “puras” do universo; o vermelho do sangue, para ele o “encarnado” que lhes dava força, estava enrolado em seu pescoço em um belíssimo lenço de seda.  Como também todo homem do sertão, ele tinha uma relação de verdadeira adoração com a água, sempre tão escassa, o que fazia com que o azul fosse a cor do acalanto e da serenidade. Olhou para o sol, com a mão esquerda em pala e enxergou o amarelo, do ouro e da riqueza. Por vezes, todas as cores juntas, em combinações faziam-no manso.

- Aqui nóis se acoita hoje cabroeira! 

E todos aliviados daquela persiga feroz dos valentes nazarenos, trataram de descansar um pouco daquela sina maldita de perseguidos.

Ao cair a tardinha, ao tomar seu banho naquelas águas límpidas e azuis, sentiu um perfume delicioso, e um ouviu um som estranho e melancolicamente cadenciado, carregados pelo vento. Nunca tinha sentido tal perfume e ouvido aquela música. Era um ritmo cadenciado e choroso, como se quem estivesse cantando e tocando aquela viola estivesse chorando. Falava da desdita de viver nas agruras da caatinga, sem que ninguém tivesse um pouco de pena dele. 

Lampião foi se aproximando devagar, daquele local de onde provinha aquele som tristonho e de onde vinha aquele perfume. Viu um frasco caído e um líquido incolor a escorrer nas pedras do lagedo, quando de  repente deparou-se com um grande homem negro, acorrentado pelos pés a um tronco de baraúna. Estava com a viola na mão e dedilhava de forma compassada enquanto seu lamento saia de seus pulmões enfraquecidos pela desdita. Lampião olhando fixamente, ficou pasmo quando aquela imagem sumiu de repente de sua única vista boa. Esfumaçou-se instantaneamente. Ele pasmo, e consigo mesmo falando, gaguejava e dizia: ... esse local é encantado! Esse local é encantado!

Depois que a correria passou, e com alguns dias acoitados naquele local maravilhoso, Lampião e seu bando descansaram das refregas com as volantes. Ouviram sempre à mesma hora, aquela música tristonha e calmante, que faziam todos aqueles homens rudes pensarem na vida e acalmarem-se de sua violência com aquele perfume exalado das entranhas das rochas. 

Depois de saírem daquele local, nunca mais esqueceram aquele som maravilhoso e só depois de muito tempo vieram a saber que naquele local, há muitos anos atrás existia uma grande fazenda, que tinha muitos escravos, onde o seu Senhor vaidosíssimo não abria mão do seu perfume predileto; e que a música chamava-se Blue.

Acertaram entre si, que doravante em seus bailes perfumados, lembrariam dessa música e Lampião, vaidosíssimo, prometera a sua linda Maria, sempre usar o perfume que se tornou seu predileto também, o Fleurs D’Amour, da maison Roger & Gallet, fragrância essa criada em 1904 e, até o ano que aconteceu a grande tragédia de sua morte, e sempre vestir azul.


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