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quarta-feira, 6 de abril de 2016

"Como dei cabo de Lampião" - Capitão João Bezerra

Na leitura do livro "Como dei cabo de Lampião" de João Bezerra, o militar que comandou as volantes no fogo do Angico, e que me foi presenteado com uma dedicatória de punho, pelo filho dele, o pesquisador Paulo Britto, nos mostra que tal, foi iniciado por seu pai logo após o combate de Angico, com anotações que a mente lhe trazia, para passar às pessoas, segundo ele, que estudam a sociologia do cangaço terem o conhecimento de sua visão para avaliarem juntamente com outros escritos sobre o cangaço que se abatia pelo sertão nordestino, e tirarem conclusões.

Qual o filho não teria orgulho de seu pai? E em razão mais que aceita por todos os filhos, que sentiriam-se também orgulhosos, mesmo sem o histórico de matador de onça e exterminador do ícone da violência daquela época, como foi o Coronel João Bezerra. Logo no introdutório feito por ninguém menos que um dos maiores pesquisadores da saga nordestina do cangaço, o ilustre historiador Frederico Pernambucano de Mello, autor de clássicos sobre o cangaço, hoje com mais de quarenta e cinco anos de estudos e pesquisas, abordando com segura exposição, a vida desse militar alagoano.

Mostra-nos que, desde cedo, esse personagem entrou na história brasileira e porque não dizer mundial, pois o cangaço é estudado sociologicamente em muitas universidades no mundo. Como bem disse Frederico Pernambucano, num bovarismo explicável pelo impacto da fatalidade de um destino aventureiro que desde jovem o dominava e como em uma corrida tipo "steeaple-chase" tenha vencido todos os obstáculos de sua vida até então e ter-lhe caído às mãos o aniquilamento do Rei do Cangaço.

Maktub, é uma palavra em árabe que significa "já estava escrito" ou "tinha que acontecer" - essa palavra, considerada como sinônimo de "destino", expressa alguma coisa que estava predestinada ou um acontecimento que já estava "escrito nas estrelas". Neste caso, apesar de possuirmos o livre arbítrio, as coisas que acontecem já estavam destinadas a acontecer. Coisa que não acredito muito.

Tal expressão "tinha de acontecer", poderia ter sido considerada com qualquer daqueles comandantes de volantes que perseguiam Lampião. Mas fez a ocasião que João Bezerra estivesse ali naquele cenário onde tudo conspirou contra o chefe cangaceiro. Os fatos que contribuíram para o êxito daquela investida fulminante todos sabem. Não tem necessidade d'eu entrar em detalhes.

A conspiração podemos dizer, não foi planejada por homens. Foi consequência de diversos fatores que contribuíram para o acontecimento; e todos esses atos conspiratórios foram aproveitados pelo então Tenente João Bezerra e por aqueles que comandara e participaram na mais ousada campanha militar daquela época. Alguns autores da Saga Cangaceira procuraram mostrar, os desvios da tropa, pois bebiam muito, e até mesmo a conduta do Tenente João Bezerra sobre ser amigo do cangaceiro chefe e por isso existir a versão de ter sido usado veneno para acabar com Lampião. As dúvidas se abatem até os dias de hoje. Mas pergunto: e daí? Se tivesse sido usado, diminuiria em alguma coisa aquele grandioso ato em livrar a sociedade dos tantos males trazidos pelo cangaço e por Lampião? Não seria tido como estratégia?

O Mestre Frederico Pernambucano de Mello magistralmente nesse livro que não tinha lido ainda para ter um entendimento melhor da grande questão do Angico, mostra como se diz "tin-tin-por-tintin" as causas que contribuíram para a derrota de Lampião e que incluo também as técnicas rudimentares, vamos dizer assim, da força bruta, aplicadas pelo Tenente Bezerra e seus comandados ao investigarem junto a coiteiros, onde se encontrava Lampião e seu bando.

O mais importante levantado nesse livro é que temos de reconhecer: João Bezerra obedeceu as ordens de seus superiores e cumpriu as ordens passadas. No momento que o destino "maktub" o teve "como seu agente e ponta de lança, dando-lhe a chance de virar uma das páginas mais expressivas da história do Nordeste rural" ele deu o seu voto de garantia e foi para a guerra.

Já li diversos livros tais como "Lampião, o rei dos cangaceiros" de Billy Jaynes Chandler, onde na página 249 diz que João Bezerra propôs retardar a investida contra os cangaceiros, mas o oficial Francisco Ferreira de Melo lhe disse que mesmo se Bezerra desistisse ele iria com seus homens efetuar o ataque, fazendo que o Tenente João Bezerra voltasse a concordar com o plano estabelecido, assim não tirando seu valor.

Li também os livros de homens e mulheres que saíram à cata de estabelecer um juízo mais próximo da verdade dos fatos, como por exemplo Billy Jaynes, Oleone Coelho, Luitgarde Oliveira, entre outros, que atestam o conluio de autoridades em proteger e fornecer armas e munições aos bandidos, fora aqueles que participaram no combate a Lampião, como Optato Gueiros que contou os milagres mas não disse quem eram os santos.

Luitgard que entrevistou testemunhas vivas dessa história, afirma em seu livro "A Derradeira Gesta" pg 244-245 sobre o relato do coiteiro Bié das Emendadas, fazendeiro da beira do São Francisco que foi intimado pelo então Major Lucena porque fora denunciado como coiteiro. 

Manoel Aquino, que estava com a volante de Lucena e entrevistado pela autora, fornece depoimento, coincidindo com outro depoimento, o do senhor Wilson Lucena Maranhão, sobre o mesmo acontecimento testemunhado pelo Padre Bulhões e sua mãe dona Sofia que hospedaram Bié e depois chamaram o major Lucena que repetiu o que lhes tinha sido contado, que "muitas noites Lampião e o Tenente João Bezerra, se esqueciam do mundo jogando carteado até altas horas." e que tinha amizade com Lampião ao ponto de jogarem cartas a noite inteira, apostando dinheiro. 

Nesses relatos identificam as pessoas que lhes testemunharam. Infelizmente encontramos esses relatos atestados por comprovantes testemunhais como o relatado por essa historiadora. E também tem as entrevistas dela com o senhor Francisco Rodrigues em Piranhas, que ajudou a desvelar o intricado relacionamento da família Brito de Propriá-SE com os cangaceiros.

Muitas estórias, e muitas mais iremos ouvir, mas "no trilho da causalidade histórica implacável foi ter no Angico" conforme nos diz Frederico; velhice e doença juntamente com armas bélicas modernas e o cansaço de Lampião fazendo-o mais indolente, e auxiliados pelas forças da natureza, fizeram que bastasse apenas quinze minutos de tiroteio. Pra que mais?

O livro de João Bezerra traz para nós, alguns fatores que ficam como sendo sua história e sua defesa, desses tempos em que imperava Lampião e os Coronéis. Serve também para cruzarmos informações valiosas para termos um retrato mental dos acontecimentos que levaram João Bezerra ser o escolhido dessa grande conspiração aleatória a vontades humanas, para terminar com a vida de Lampião. Valeu a pena ler o livro.