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sábado, 2 de abril de 2016

ATROCIDADES DE LAMPIÃO E SEUS CABRAS

Muitas estórias contadas e a se contar sobre os métodos que Lampião usava para aterrorizar a população sertaneja e principalmente para aquelas almas infelizes que de algum modo insurgiram-se contra ele. Ressalto que muitos eram inverídicos e foram usados para acelerar os governos estaduais e federal a tomarem providências e incitar a repulsa da população contra o bandoleiro. Exemplos não faltam.

Quando irrompeu a revolução de 1930, Lampião aproveitou-se para vingar-se de duas cidades de Sergipe, porque as populações dessas cidades que tinham sido invadidas assim que o bandoleiro e seu sequazes saíram delas, pediram providências ao Governador do Estado. Quando soube disso, ameaçou voltar e castigar severamente a todos. 

Mas não o fez. Deixou essa vingança para depois, aguardando uma oportunidade para "descontar" essa "traição" considerada por ele, após tais citadinos incluindo autoridades, os ter recebido bem na primeira visita. O tempo corre à espera de oportunidade, não cansa de esperar pelo momento de ferir os cidadãos dessas duas cidades. Durante quase um ano não esqueceu a ameaça.  O dia finalmente chegara.

Aproveitando-se que o sertão estava desguarnecido por causa da revolução, dirigiu-se para essas cidades, chegando no povoado Cajueiro, cerca de três quilômetros da cidade sergipana de Aquidabã, e às duas horas da manhã, bateu à porta de João Custodio de Oliveira, conhecido por José do Papel.

Aberta a porta, o cangaceiros Zé Baiano o agarrou e ameaçando-o de morte e intima-o a dar o dinheiro que possuísse. José Custodio deu-lhe o que tinha — 850$000. Os bandidos saquearam sua casa, levando roupas, anéis e objetos de uso. Um deles ao fitar um dos filhos menores de José, a dormir na rede, diz: 

— Está este pestinha aqui drumindo; táva bom de suspendê na ponta do punhá. 

Um companheiro intercede em favor da criança.

Interessante que estória semelhante foi contada para as pessoas que visitavam o bandido Jararaca na prisão da cidade de Mossoró, pela boca do próprio meliante, há três anos antes pois o ataque a Mossoró deu-se em 1927. 

Quando entraram na vila de Aquidabã, tomaram de assalto o quartel de polícia, que naquelas horas não havia soldados. José Custódio ficou sob a vigilância de Lampião, Volta-Seca e Moderno, espalharam-se pelas ruas e os demais cangaceiros arrombarem as casas e surravam todas as pessoas com palmatória e chicote. Alguns batem às portas, e, quando estas mal se abrem irrompem, inopinadamente, pelo interior, de chicote erguido, a desferir golpes sobre golpes. Ferozes de cólera louca. Senhoras e moças fogem em trajes menores para o mato, desvairadas de pavor. A vila desperta toda enovelada num tumulto de feira, de onde emerge um pânico que imbeciliza os moradores. 

O nome de Lampião corre como um rastilho da casa mais abastada ao casebre das pontas de ruas miseráveis, pondo tremuras nos corpos, como uma sezão maligna. Saqueiam o comércio e as casas particulares, carregando jóias, roupas, objetos. 

Na residência de José Xavier, o quadro é atroz. Depois de roubado metem-lhe "bolos" de palmatória. A mulher, animosa e valente, intercede e os chama de bandidos. Lampião ordena que a castiguem também. Os "bolos" estalam, brandida a palmatória pelo braço forte do negro Mariano. O marido pede. A mulher se indigna com a fraqueza do esposo e continua a xingar os miseráveis. E continua a apanhar. 

Um certo Souza de Manuel do Norte, pobre maluco, tipo de rua de cidade do interior, aparece entre eles e vendo-os entregues ao arrombamento das casas, pede-lhes, com a sua falta de juízo, que não façam tal. Os cobras se exasperam e o insultam. Souza, na sua inconsciência, lhes replica que também é homem, puxando de uma faquinha de marinheiro, sem ponta, um deles o abate logo a "parabellum", em plena praça do comércio!

É um quadro que aterroriza e faz nascer indignação inominável. Dispersos pelas ruas, não param no saque. O velho Aurélio, agricultor, nega-se a dar dinheiro, apesar da insistência de Moderno. Este, afinal, que se vinha mantendo calmo, embravece e grita-lhe que não "viera ali para alisar homem", batendo-lhe a face a pano de punhal, enquanto "Volta-Seca", por detrás, "pepina-o" sadicamente.

Numa esquina, Volta-Seca põe abaixo, sozinho, a porta de uma venda e vasculhando as gavetas e nada encontrando, derriba, numa cólera selvagem, toda sua prateleira de louça, que se esfarelou no chão com ruído formidável de desabamento. Nada lhes resiste à fúria de possessos. Trazem para a rua o cofre de ferro do negociante Clementino Azevedo e o abrem, a golpes de marretas, conseguidas numa tenda de ferreiro próximo, dele retirando três contos, que foram mesmo ali repartidos entre eles. Calcula-se em vinte e cinco contos o que levaram em dinheiro e jóias. As moedas de níquel e prata atiravam na rua, desdenhosos.

Depredada toda a vila, arranjam, sob ameaça, animais selados. Antes da partida, José Baiano aproxima-se de José Custodio e lhe diz: — Vou deixá uma lembrança p'ra você não emprestá mais rifle p'ra esperá Lampião. Lança-o em seguida por terra e o espanca a vergalho. Não satisfeito, propõe matá-lo. Moderno, porém, que vinha chegando, impede, levando-o para junto de Lampião. 

Aí desenrola-se outra cena monstruosa. Um dos bandidos, depois de esbordoar a coice de fuzil o roceiro Eduardo Mello, cortou-lhe a facão uma das orelhas, que se despegou com metade da face, mor-rendo o rapaz após um mês de padecimento. No ato da mutilação, um deles grita ao companheiro cruel: 

— Não corte tudo, deixe o quinhãozinho do delegado.

O mesmo bandido, com as mãos sangrentas, volta-se para José Custódio e o previne de que ia deixar-lhe outra lembrança e logo decepa-lhe a orelha, atirando-a ao chão. Acode-lhe o seu irmão Antonio Custódio, rogando a Lampião que não o deixe matar. Mas um dos cabras agarra-o e dizendo: deixe vê a sua também, faz-lhe o mesmo. Depois de mutilado José Custódio, sangrando, a inspirar dó, Lampião o chama e diz que vai lhe dar um remédio, obrigando-o a beber um litro de cachaça. O homem cai sem sentidos. Após todos estes crimes e tropelias partiram para Capela, onde pretendiam fazer o mesmo. 

A cidade de Capela-SE. teve mais sorte pois os moradores e apenas alguns soldados valentes, prepararam-se para enfrentar os cangaceiros. Naquela época, devido à revolução que "pipocava" no Brasil inteiro, apenas a cidade de Propriá e Vila Nova, estavam ocupadas pela força pública para evitar a passagem dos revoltosos. Em Vila Nova, hoje atual Neópolis, uma companhia de polícia fora batida por uma patrulha de reconhecimento dos revolucionários que, em lancha, pelo rio São Francisco, se avizinhou do lugar "Passagem". Metralhados, dispersaram-se, fugindo do ataque, direcionaram-se na fuga para a cidade de Capela, chegando antes do ataque dos cangaceiros. 

Escaparam de um perigo e caíram em outro. Circulou a notícia da vinda de Lampião, e esta "heróica" tropa tratou de "correr" para lugar mais seguro, mesmo com os argumentos da população e com pedidos e promessas de dinheiro, para que ela ficasse defendendo a cidade. Fugiram levando armas e munições, deixando apenas pequena quantidade. Mas daquela tropa, nem todos eram covardes; cinco deles ficaram, unindo-se aos civis para o combate que estava iminente.

Envergonhados da fraqueza anterior, quando da primeira visita dos bandidos, tinham resolvido os opor séria resistência a Lampião e que não haveria, de novo, de macular com a sua presença ignóbil, as ruas de sua cidade querida. 

No povoado "Oiteiro Alto", já perto de Capela, o grupo de cangaceiros, todos montado, esbarrou à porta da bodega do comerciante Sr. Alvino, pedindo dinheiro e bebida. O bodegueiro deu bebida mas negou que tivesse dinheiro. Lampião invadiu-lhe a casa e rebuscou gavetas e baús, encontrando dois contos em uma latinha, debaixo de um tulha de algodão. Ficou enfurecido com o achado. Vinga-se da mentira, espancando-o e violentando-lhe a mulher, ordenando aos cabras que fizessem o mesmo. 

Esta desgraçada senhora, casada de pouco, recebera certa educação e era estimadíssima em Capela. Foi estrupada por Lampião que a derribou, e manteve "a pulso" com a desditosa senhora, a ignominiosa relação sexual, que a fez os sentidos, nada mais vendo nem sentindo até o fim de tal ato vil. Sobreveio-lhe grande hemorragia, mandando Lampião que um cangaceiro, com o fim de fazê-la cessar, entupisse a vagina com areia, o que foi feito, a socar com o cabo do punhal. Esta pobre criatura, nunca mais apareceu a pessoa alguma, vivera metida nos quartos internos de sua casa, com evidentes sinais de desequilíbrio mental, pelo resto de sua vida.

Continuando a marcha ao passarem pelos engenhos S. Felix, Pedras, Tabocal e Recurso aprisiona os proprietários para o escudarem na entrada da cidade. Foram eles: o coronel Felix da Motta Cabral, José Cabral Filho, José Xavier Andrade, Jucundino Calasans, Manuel de Mello Cabral Filho. 

Foi enviado um emissário para dissuadir os defensores da resistência. reuniram-se os principais do lugar para tão grave decisão. Vacilaram a princípio. Alguém lembrou que seria melhor deixá-lo entrar sem luta, a cidade padeceria os horrores que Aquidabam sofrera, mas, em compensação, se salvariam as vidas dos que os acompanhavam.

Resolveram ao contrário, porém, os próprios parentes e amigos dos reféns. Sucedesse o que sucedesse não era possível se deixar de hostilizar o bandido. Tomam seus postos os defensores civis: Josias Motta, Ardoaldo Campos, Galileu Lima, Ivo de tal, Accioly Menezes, Xavier Padeira, Náo Dória, Floriano Rocha, Osório Ribeiro, Aurélio Alves e muitos outros. 

Estala o tiroteio. A confusão do início da luta proporcionou a fuga aos prisioneiros. Os cangaceiros aos gritos de "Valei-me padim pade Ciço" e rinchando, xingando, latindo, escondidos nos portais e esquinas, indo de um ponto a outro a rolar pelo chão e aos saltos para "enganar" as balas dos adversários, bem entrincheirados nas casas, sustentam um fogo que dura quase duas horas.

Vendo que nada conseguiriam, Lampião usa de seu famoso apito, dando sinal de retirada, e a vociferar, furioso com a derrota, diz para os cabras: 

— Vamo embora. Terra desgraçada esta, até os santo atira na gente. É que alguns atiradores haviam se postado nas torres da Matriz.

Nesses relatos encontrados no livro "Lampião" do médico sergipano Ranulfo Prata, encontramos esses covardes atos de atrocidades que foram impetrados por Lampião e seus cangaceiros, por pura vingança.