"Se eu soubesse que Santa Luzia era a Padroeira de Mossoró, eu não tinha atacado."
Quando
minha avó, por parte de mãe, sentava em sua cadeira de balanço, sentávamos a
seus pés para ouvirmos as estórias de sua terra. Nascera na vila de Campo
Grande, cidade do Rio Grande do Norte, que passara a ser chamada de Augusto
Severo e hoje novamente Campo Grande.
Chamava-se
Maria Albertina Jácome e nasceu a 18 de março de 1900 e foi batizada pelo
Vigário Amaro Castor Brasil na Matriz desta Vila de Campo Grande a 15 de abril
do mesmo ano tendo por Padrinhos João Cícero Pereira e Silva e D. Maria Eugenia
de Medeiros.
Vinha
de uma família numerosa de mais onze irmãos, onde o chefe do clã chamava-se
Coronel Benvenuto Jácome, pequeno fazendeiro, tinha nascido em 14 de Maio de
1854 e falecido em 18 de setembro de 1919 e a matriarca Izolina Maria da Câmara
Jácome, nascida em 13 de abril de 1861 e falecida a 19 de agosto de 1926.
Quando
minha mãe, Maria de Lourdes Mascarenhas tinha três para quatro anos de idade, sua família mudou para a cidade
de Mossoró, onde Lampião, o Rei dos Cangaceiros, fizera uma invasão mal
sucedida e onde perdera dois cabras mais valentes de seu bando. Minha avó,
minha mãe e seus irmãos, fugiram de Lampião nessa invasão, e apenas na cidade
ficara seu esposo, Francisco de Assis Mascarenhas Filho, O Chico Santeiro,
filho de Francisco de Assis Mascarenhas e Rosa Verbolina de Carvalho, pois
ficara nos arranjos de proteção da cidade. Como voluntário ficou destacado para
a guarda da casa da Dona Ná Oliveira, que era muito grande e estava sem
proteção.
Uma
das estórias além da que descrevo acima, contava-nos que Lampião ao saber que
Santa Luzia era a padroeira de Mossoró, teria dito que se soubesse antes de seu
ataque à cidade, jamais teria feito aquilo pois era devoto dessa Santa, por
causa de seus males nos olhos.
Lampião
tinha problemas na visão (os diagnósticos de glaucoma, tracoma ou leucoma foram
algumas das hipóteses aventadas) e que ainda por cima ele teria sido ferido por
um espinho, acidente muito comum nessa região coberta de plantas espinhosas.
Conforme
as versões, o olho direito era parcial ou totalmente cego. É provável que tenha
havido inicialmente uma cegueira parcial, que se agravou com o tempo. Muito
raramente a doença ocular foi atribuída a um ferimento em combate, embora em
seu livro Lampião, senhor do sertão: vidas e mortes de um cangaceiro, Elise
Grunspan-Jasmin escreve em uma nota, que o sertanejo João Urbano Nazário de
Lucena afirma que Lampião perdeu seu olho durante um combate em Abóboras.
Cita
o artigo do Jornal Pequeno de 29 de março de 1926, descrevendo Lampião ao
ensejo de sua entrada triunfal em Juazeiro, insiste em seu "olhar
prescrutador", apesar de seus olhos estarem sempre "abaixados".
Um de seus olhos é cego e recoberto de um tipo de "pasta azulada cobrindo
quase todo o globo ocular".
Prossegue
Elise Grunspan-Jasmin dizendo que o escritor Joaquim Góis evoca “um [...] olho
apagado pela cegueira. O outro, no meio, um disco negro como carvão, brilho de
aço polido, de vidro ao sol, brilho insolente, provocante, sêco, dardejando
faiscas que, mal apontavam, morriam sob as pálpebras. [...] Um par de óculos
ordinários sobre o nariz reto, sem saliência notável, nariz feito para ser
apenas um nariz qualquer. Atrás daqueles dois vidros, um olho só brilhava,
esfolava, esquadrinhava, adivinhava intenções ocultas e pensamentos
disfarçados.“
Nas
narrativas, de Elise Grunspan-Jasmin essa doença ocular é percebida ora como um
atentado físico que deixa intactas e até mesmo redobra as suas forças, ora como
um sinal de debilidade e vulnerabilidade. O próprio Lampião nunca quis sofrer
com isso, afirmando que um único olho lhe seria suficiente para atingir o seu
alvo.
Transcrevo
abaixo os comentários de Elise Grunspan-Jasmin em seu livro:
“Esse
ponto de vista é compartilhado por seus companheiros e, até 1934, pelos
jornalistas do sertão: "Lá nos desertos sertanejos, quase cego, ferrado de
balas, naturalmente mais velho, é, sobretudo desfalcado dos 'bons cabras' do
Pajeú, tombados nas 'brigadas' de toda parte, ainda assim ele se mostra mais
audaz que os bandoleiros mexicanos...". O homem de quem se fala aqui é
guerreiro valoroso, e não um homem alquebrado, que sobrevive apesar dos
ferimentos. Por sua vez um discurso difundido pela imprensa do litoral do
Nordeste insiste em ressaltar a vulnerabilidade provocada por essa deficiência.
No
dia 30 de janeiro de 1927, um artigo do jornal O Ceará evoca, com o testemunho
do fazendeiro João Pontes Simões, residente na época em Barbalha, alguns
delitos marcantes perpetrados por Lampião no Estado do Ceará. As informações
dessas testemunhas visuais permitem ao jornalista confirmar, de "fonte
autorizada", o declínio do "chefe da horda malfazeja", bem como
a perda da sua invulnerabilidade causada pela degradação de seu corpo: Hoje em
dia, o bandoleiro "Lampião" não mais toma parte nos combates, nem mesmo
atira por estar completamente cego de um olho e paralítico de um braço. O
terrível malfeitor acompanha, apenas, o grupo, como um comandante, armado de
pistola parabelum".
Pode-se
perguntar se não se trata de um discurso conjuratório, destinado a tranquilizar
a sociedade do litoral, até então a salvo das perversidades de Lampião. Muitos
artigos de jornais insistem nos óculos que Lampião usava: uns falam de vaidade,
pois se trata de esconder o olho enfermo, outros da necessidade de melhorar sua
visão ou de atenuar sua fotofobia.
Um
artigo do jornal O Povo de Fortaleza, de 5 de agosto de 1928, descreve esses
óculos "com vidros esfumaçados, engastados em tartaruga e ouro, com o fim
de encobrir um extenso leucoma da córnea do olho direito". Quando a revista
A Noite Ilustrada de 2 de agosto de 1938 dá uma descrição física de Lampião com
base nas fotografias de Benjamin Abrahão, o jornalista sustenta que aqueles
óculos negros não somente permitiam a Lampião esconder seu olho direito na vida
cotidiana, mas principalmente lhe davam a possibilidade de esconder esse
defeito quando ele se expunha ao olhar dos outros na fotografia: As gravuras
reproduzem as ultimas fotografias de "Lampeão" e de sua amante,
feitas por um "camera-man" audacioso para um filme que não chegou a
ser exibido, mas nas quais aparecem as indumentárias típica dos bandoleiros.
O
bandoleiro apresenta bem visivel o defeito no olho direito, disfarçado, em suas
fotografias divulgadas pelo uso habitual dos oculos. Outra sutileza: Waldemar
Ferreira, a serviço da firma Fernandes Motta, conheceu Lampião em Queimada, BA,
em 22 de dezembro de 1929; diz ele que Lampião não usava óculos no dia-a-dia,
mas apenas para ser fotografado.
Isso
faz pensar que ele procurava esconder seu olho cego somente na frente da
objetiva, para preservar assim a imagem de um corpo intacto. Quando o poeta de
cordel João Martins de Athayde descreve Lampião fisicamente, em 1926, por
ocasião de sua entrada triunfal em Juazeiro, não deixa de fazer referência ao
seu olho "doente", esse olho cuja moléstia é preciso dissimular com a
utilização de óculos negros."
CONCLUSÃO:
Por tudo isso relatado a respeito do problema de visão que Lampião tinha, onde muitas vezes perdia a paciência, pois remelavam seus olhos e ele sentia-se descontente com isso, e por conta ficava cada vez mais perverso, acredito piamente no que minha avó me contava. Sim Lampião deve ter se arrependido muito de ter atacado uma cidade em que sua protetora era e é Santa Luzia, a Santa dos cegos e dos que têm problemas de visão.