Quem poderia chamar Lampião de cabra frouxo, adamado, besta idiota e outros adjetivos? Pode-se chama-lo de bandido, desalmado, perverso, e outras coisas. Mas de frouxo não tinha nada, e muito menos afeminado!
O seu maior inimigo, o Tenente José Lucena, chegou até mesmo a mostrar seu reconhecimento da
bravura desse cabra da peste. O caso se deu na primeira batalha entre os dois,
onde o Tenente José Lucena e Lampião ficaram temendo-se mutuamente.
De
sua parte José Lucena temendo e receando
a sagacidade de Lampião e o temível cangaceiro, respeitando a força do Tenente
pelo poderio.
Frederico Bezerra Maciel em sua sextologia
‘Lampião, Seu Tempo e Reinado’ no segundo livro ‘A Guerra de Guerrilhas’ citado
e apresentado artigo por mim escrito com o tema Lampiao, o guerreiro que corria atras do vento onde transcrevo Ipsis litteris um dos capítulos do livro para que os leitores sintam o grande estrategista que foi Lampião, onde encontramos esse testemunho do há época,Tenente José Lucena seu maior inimigo.
Tive
a curiosidade de ler o livro 'Lampião o mata sete', e encontrei-o muito repetitivo para quem quer escrever algo sobre Lampião. Não procurei puxar pela memória e nem pela
real história, para saber que as palavras contidas no livro, estão eivadas de impropérios particulares do autor contra o famigerado bandido. Não estou chamando o autor de mentiroso e longe de mim fazer isso com um juiz aposentado, que deve ter julgado muitos casos no sertão sergipano, contra bandidos. E de certo o magistrado deve ter julgado com honra e respeito até mesmo os piores bandidos que passaram em sua vara criminal, como homem civilizado que é.
Talvez o autor do livro tenha enveredado pelo ouvir dizer de pessoas comuns ou por aqueles que odiavam e ainda odeiam o cangaceiro Virgulino Ferreira. Como sabemos o ódio pode ser usado contra os inimigos em sua pior forma, o falso testemunho.
Quanto
ao cerne da questão, se Lampião possuía essa característica de 'homem
afeminado' não encontrei realmente nenhuma base histórica para a acusação que
assim se portava e nenhum indicativo de escritores e pesquisadores do cangaço,
indicados por ele.
Realmente
está mais para o disse me disse. Ele faz referência ao Saturnino inimigo de
Lampião e inimigo é capaz de tudo némesmo? O
autor usa e abusa de linguajar abusivo quando fala de Lampião, não como
historiador, mas como pessoa física que não aceita a bandidagem de Lampião, e
que está no seu direito de não gostar, assim como nós também não apoiamos
bandidos e não pela enaltecemos a Lampião como herói e quando escrevemos sobre ele, o fazemos simplesmente para desvendar feitos, estratégias, liderança, carisma, amores por sua mulher e por outras que por sua vida passaram assim como Ciça e Mailurde que cuidaram dos ferimentos de Lampião e lhe oferereceram seu amor, que foi bem recebido por seu bem-amado.
Gostamos de falar dele, para a história, por sermos sim, admiradores não de sua perversidade e sim pelas estórias da história da vida desse bandido idolatrado e temido no sertão nordestino. Por exemplo, quando lemos sobre o caso de seu ferimento que citei acima, que está no livro ‘Lampião, Seu Tempo e Reinado’ na página 126 do segundo da trilogia. Em meu artigo O Poder da Fé ali também posto que "durante todo esse tempo, Lampião era guardado por cangaceiros que, de espaço em espaço e em pontos estratégicos, montavam incessante e rigorosa sentinela, demonstrando assim seu apreço e estima ao grande Chefe. Nessa ocasião, recebeu Lampião, em caráter sigiloso, muitas visitas de "gente fina": do coronel Zé Pereira e seus correligionários, de autoridades, de doutores, de coronéis, de fazendeiros e até dos reverendos padres Floro Dinis, vigário e prefeito de Princesa, Eliseu Dinis e José Leal (vulgo Padre Bezeca), respectivamente esses dois últimos vigário e prefeito de Triunfo. Todos por solidariedade, cortesia ou curiosidade.
Como posso chama-lo de 'mariquinha' ou 'boiola' como se diz hoje, um homem que se desmanchou em amores físicos por essas duas mulheres, pois ainda não conhecia Maria Bonita? Durante sua convalescença, essas duas "esbeltas e despachadas caboclas, rivais em carnagem e beleza, Ciça e Mailurde, cuidavam de Lampião. A primeira, alta e alva, longos cabelos castanhos claros, lhe costurava as camisas, serzia a roupa, que também lavava e passava a ferro, entregando-a sempre perfumada com água de cheiro. A segunda, baixa, olhos esbugalhados e bunduda, amorena-da, lhe preparava papas, quitutes, o de comer. Ambas, cada qual por sua vez, lhe penteavam o cabelo, botando brilhantina para brilhar e cheirar.:. cortavam-lhe as unhas... num desvê-lo minucioso em tudo. Mormente, emprestavam-lhe todo o carinho e ternura feminina, sem restrição. Certa vez, houve entre as duas uma cena de coirana, apaziguada pela interferência de seu bem-amado. Os cangaceiros gostavam de ver que, nessas xumbregações, sutilezas e doçuras femininas do amor, a recuperação de seu Chefe se apressava". - escreveu o Padre Maciel.
A meu ver, o autor desse livro erra quando agride Lampião verbalmente e o chama de 'perobo'; 'boiola'; 'viadinho' e outros adjetivos. Ele cita o livro 'Lampião, senhor
do sertão: vidas e mortes de um cangaceiro' de Élise Grunspan-Jasmin na página
60 e não encontrei afirmativa nenhuma do Saturnino a não ser levantar que ele
tinha 'coisas de Lampião que não podia dizer'. Isso dito por um inimigo de
Lampião que a história conforme diz Rodrigo de Carvalho, citado por Élise,
dizendo que Saturnino era cruel,
ciumento e obstinado. Quer dizer; poderia ter dito essas palavras para levantar
falso a seu inimigo.
Ponho abaixo dados da referência da página 60 indicada no livro 'Lampião,
o mata sete' onde se refere ao grande livro dessa francesa que escreveu 'Lampião, senhor do sertão' e raciocinemos sobre o único indicativo desse livro eivado de barbaridades não históricas. Pois
costurar, e usar uma máquina de costura, temos o indicativo de alfaiate se for a tarefa feita por mãos de homem, no caso de Lampião por costurar, não poderia ser um indicativo de ter sido gay, afinal todos os cangaceiros costuravam suas roupas, quando em descanso de suas batalhas.
Definitivamente NÃO! LAMPIÃO não era o que esse livro do 'mata sete' diz.
Lampião,
Seu Tempo e Seu Reinado – A guerra de guerrilhas
Frederico Bezerra Maciel.
SERROTE
PRETO (22 fevereiro de 1925)
Arranchação
Fez parada Lampião na fazenda Serrote . Preto, distante
de Mata Grande quatro léguas e continuação do caminho do nascente no rumo de
Mariana (Manari).
Bateu na porta da casa de taipa de Constantino Fagundes,
vaqueiro do cel. José Malta de Sá. Estava ausente. Com a família, havia ido
fazer farinha na serra do Parafuso. Mas, as três moças da casa deram, "sem
dificuldade" e até prazenteiras, arranchação a Lampião. Que logo mandou
matassem quatro perus para o almoço. Enquanto os panelões de barro fumegavam
cozinhando os perus, o arroz e o feijão, e as grandes marmitas de flandes, em
forma de cones de vértice truncado, ferviam água para a farofa e .o café,
deitou-se Lampião numa boa rede de varanda, armada nos tornos de um quarto de
dormir, a modo de tomar uma madorna.
No quarto contínuo, deitado numa cama, Sabiá, gemebundo.
Os outros, na sala da frente, jogando "ouro" em cima duma esteira ou
descansando na sombra do oitão da casa ou dos pés de pau. Mais adiante, de
dentro do curral e trepado num pé alto e dominante de baraúna, a sentinela, que
se revezava de hora em hora.
O
bafo da onça
De madrugada ainda escuro, alvoroço nas forças
aquartela-las em Espírito Santo. Chegara esbaforido, montado num animal, que
não se sabe como agüentou o rojão da corrida, um positivo enviado pelo coronel
Juca Ribeiro pedindo socorro urgente contra Lampião, inclusive informando que o
Rei dos Cangaceiros só tinha vinte homens. No claro do dia, movimentaram-se as
volantes na direção de Mata Grande.
Ao meio-dia, chegaram na casa de Firmino Vintém, no pé da
serra do Parafuso. Desarriaram, para descanso e para os apreparos do de-comer.
Nisso ia passando um rapazelho montado numa besta de escancho, rudado-vermelho,
troteira, apenas forrado o lombo com um saco de estopa e governada por um
cabresto de corda de caroá. — "Pere aí, esse menino!" — gritou todo
-"ímpio" Chico Oliveira. E querendo ser delicado: — "Adonde vai
qui má progunto?" — "Vou pru roçado ali mais aguiente" —
respondeu. — "Dá notícia de Lampião pru essas banda?" O menino,
sobrinho de Constantino, instruído por Lampião, desembuchou tudo. Chico
Oliveira ouviu e sorriu de satisfação. Calculou: setenta e cinco praças bem
armadas e municiadas contra vinte cangaceiros comandados por um "chefe de
nada", como ele dizia. Não havia de que ter sobrosso. Soltou da bainha o
punhal que Zé Pereira lhe dera. Alisou-lhe a lâmina com os dois gumes afiados e
com a unha experimentou o tinido da ponta aguçada. Prelibando, na sua fantasia
imaginativa, o que iria acontecer a Lampião: o punhal lhe penetrando no vão ou
furando a veia jugular, a carótida... o sangue esguichando... o cabra aos
estertores até ficar inânime... e para completar, ele, Chico, não teria nojo,
mas satisfação de lamber o punhal... Estancou, extático, o riso sardônico, o
olhar distante... Terminou o devaneio vibrando nos ares, várias,a arma, no
gesto de quem apunhalava no invisível a imagem visível de sua alucinação...
Guardou o ferro e gritou para a tropa: — "Me acompanhe que hoje só tomo
café quando armuçá Lampião!..."
Deixaram a matutagem ali mesmo junto às trempes porque a
volta seria ligeiro para o de-comer, festejando a vitória.
Puseram-se em marcha batida. Chico na frente, depois
Adauto, enfim João Gomes.
Tomada
de posições
A sentinela do alto da baraúna dera o alarme. Num
continente movimentou Lampião a defesa. Primeiro retirou, catorze homens para
dar retaguarda sob o comando de seus irmãos Antônio e Livino. Uma das moças
acompanhou esses homens a fim de mostrar as águas. Recomendou aos irmãos se
dividissem em dois grupos no curral e no serrote, e só dessem o ataque de
retaguarda depois de meia hora de tiroteio, tempo que calculou para as forças,
entusiasmadas com o pequeno número de defensores de dentro de casa, mais se
aproximassem e se ajuntassem. Finalmente, atirassem de ponto, não desperdiçando
cartucho, pois as forças vinham poderosamente municiadas. De dentro de casa,
cuja frente dava para o sul, preparou a barricada, escorando a porta da frente
com um pesado pilão de baraúna, e a de detrás com as trempes da cozinha e um
grande banco de aroeira. Tirou o baleado da cama e o deitou no chão forrado por
uma esteira. O trabalho desse era municiar os fuzis e entregar a um cabra que,
por sua vez, passava aos defensores. As duas moças ficaram deitadas no chão do
outro quarto.
As volantes, cada qual com vinte e cinco soldados, puxados
pelo rapazote 'montado, assim que chegaram ao Serrote Preto, não vendo nenhum
movimento de gente, facilmente cercaram a casa, entrincheirando-se pelos pés de
pau, pensando iriam pegar Lampião de surpresa. A de Chico Oliveira postou-se
pela traseira. E pela frente as de Adauto e João • Gomes. Este, mais atilado,
dividiu os seus em três grupos, fazendo-os tomar posições diferentes.
O "almoço" do tenente Imediatamente abriram
fogo para cima da casa. Somente depois das primeiras descargas simultâneas dos
setenta e oito soldados, começaram, numa simulação de surpresa, os seis
defensores a resposta de dentro de casa, assim mesmo com tiros esparsos. Dentro
de meia hora os atacantes foram se aprochegando, apertando o cerco. E quando,
de inesperado, surgiram, simultaneamente contratacando, as duas retaguardas,
Livino com sete homens pela frente e Antônio com outros tantos por trás.
Cantando "Mulher Rendeira", berrando e insultando, arremeteram com
extrema violência, enquanto os defensores de dentro da casa intensificavam a
tiroteiação. Diante de tudo isso a soldadesca caiu em pânico, mas som poder
fugir cercados que estavam. Chico Oliveira, meio bêbado, endoidou. De punhal
sacado, avançou para a porta de detrás gritando: — "Lampião, filho da
peste, vou te sangrar!..." Ao ouvir os gritos de Chico, correu Lampião da
porta da frente, onde estava, para a porta de detrás. Retirou os
entrIncheiramentos colocados, abriu a porta, saiu, e, à queima roupa, com dois
tiros, abateu Chico Oliveira. O primeiro balaço o atingiu na boca fazendo
saltar a mandíbula inferior que ficou dependurada na pele da bochecha, o sangue
gorgolejando abundante, um esgar horrível. O segundo balaço lhe atingiu, a
caixa dos peitos, o coração. Chico foi se arreiando, dobrando os joelhos, o
braço direito esticado para o lado, duro, teso, sustentando 'o punhal... E caiu
pesadamente de costas junto às rodas de um carro de boi.
O cabo-ordenança que o acompanhava levou uma bala, tamu
bém, na caixa dos peitos. Piruteou três vezes sobre si mesmo, a modo de pião,
os braços abertos em cruz, urrando rouquenho: ui, ui, ui... indo cair emborcado
e escabujando a mil metro de distância da porta. Lampião, ao entrar, tropeçou
no batente da porta e quase caiu, recebendo nessa ocasião um tiro disparado
pelos inimigos, que lhe açoitou o peito esquerdo, de raspão, gretando lhe a
carne num rasgão de meio centímetro de profundidade por uma polegada de
comprimento. Num átimo, fechou a porta e chamou uma das moças que lhe trouxe
algodão chamuscado para deter o sangue. Continuou o tiroteio cada vez mais
acelerado e feroz, sustetado pelo capitão João Gomes. Mas, as retaguardas avançando,
os cabras sempre cantando, descompondo, gritando e azurrando quiném feras...
Debandada
total
Aproveitando o cafus das seis da tarde, a soldadesca
frechou numa carreira desabalada e louca, esbandaiados, rasgando caminho pelos
matos, pulando os bancos de macambira, rasgando-se nas unhas de gato,
ferindo-se nas juremas e rasga-beiço, deixando, na corrida até Mata Grande,
tudo que era de armamento, munição, bornais, cometas, quepes... Livino saiu em
perseguição deles, procurando lhes interceptar a fuga, seus cabras zurrando
feito jumento. E o que valeu não serem eles todos barrados e dizimados foi a
forte chuvada, embora de curta duração.
Após
a vitória
De candeeiro aceso, ordenou Lampião se arrastassem os
mortos de ao redor da casa para um valado, cavado pela erosão das águas, mais
distante, perto do riacho. Contavam-se catorze cadáveres de soldados, afora os
do tenente e do cabo. Com exceção do tenente, todos foram sepultados. Quanto ao
tenente Chico Oliveira, seu inimigo fidagal, Lampião, de primeiro, o despojou
das roupas e apetrechos que distribuiu com os seus. As apragatas lhe deram nos
pés, a modo que feitas de encomenda para ele. Ainda encontrou um conto e
oitocentos mil réis nos bolsos. Depois, mandou suspendê-lo por uma corda
amarrada aos pés num galho de caraibeira. Mantendo-o assim dependurado Pelas
pernas abertas e de cabeça para baixo, descarregou-lhe um tiro na testa, cujo
tampão da caixa craniana avoou longe espalhando os miolos. Em seguida, a fortes
golpes de facão lhe talhou o peito e as entranhas, deixando o corpo pendurado,
horrífico, balouçando... "pra servir de exemplo"! Poucos de seus
cabras estavam feridos, assim mesmo ao de leve. Além de armas, munições e
outros apetrechos deixados no campo pelos vencidos, algumas cuias se encheram
de cascas, ou cápsulas de bala, dando assim conta e avaliação do furor da luta.
Passou Lampião a noite na mesma casa. Todos cantando o
hino de guerra "Mulher Rendeira". Na euforia da espetacular vitória
nem sentiam o cansaço. Dançando, sambando, comendo os perus assados e outros
apreparos do de-comer, bebendo pra esfriar o corpo...
Até Sabiá, o cabra ferido, de alegria aparentava sensível
melhoria. Chegou mesmo a tomar um trago. Bem cedo descansaram um suficiente
para prosseguir em novas viagens e novas aventuras.
Sobrosso
em Mata Grande
Quando o povo de Mata Grande viu esturrarem, pelas ruas,
magotes de soldados, fugidos do desastre do Serrote Preto, tomou-se de pavor,
pânico e terror. Eram soldados sem armas, os dórmas rasgados e breados de
sangue e lama, arados de fome e babatando de fraqueza, os ânimos desmerecidos e
arriados... Sem falar das outras volantes, contavam-se apenas dezoito praças da
do capitão João Gomes. O restante, desaparecido. Mais de vinte feridos,
inclusive o tenente Adauto que, por causa da gangrena, teve sua perna amputada
pelo médico dr. Bastos. Mesmo assim não resistiu, aumentando o número de
mortos. Uma danação! Por felicidade, chegara uma força de sessenta praças
assegurando tranqüilidade ao povo que temia a volta de Lampião.
Lealdade
de amigo
Pagou Lampião os perus e o trabalho das meninas,
obrigando ao fazendeiro a receber determinada importância a título de
indenização pelo que sofrera sua propriedade. Reuniu o grupo, ainda não de todo
refeito do cansaço da refrega e da festa, e intimou seis homens daquela região
a carregar a rede do baleado que, desde Mata Grande, trazia de estrada fora.
Com uma légua de viagem, entrou na catinga. A dois
quilômetros acampou ao pé da serra dos Caibros. Deixando o grupo no
acampamento, saiu sozinho procurando o rancho de um velho cangaceiro seu amigo,
chamado Domingos Antônio. E com ele combinou: que ele, Lampião, de volta ao
acampamento, mandaria chamá-lo... que ao chegar o tratasse dando parte de não o
ter visto dantes... que, enfim, lhe negasse rancho... Assim foi feito. Mandou
Lampião, do acampamento, um dos paisanos, carregador da rede, chamar Domingos,
que, se bem combinou, melhor se desempenhou.
Após os cumprimentos, pediu-lhe Lampião, na frente de
todos, principalmente dos seis homens, licença para ficar ali uns dois ou três
dias descansando e preparando uma matutagern antes de ir s'imbora. De língua
passada, foi peremptório Domingos correndo Lampião de sua propriedade: que não
podia ficar uma só hora com ele, Lampião, ali... que o mundo estava cheio de
forças, só de Alagoas vinham quinhentos soldados, afora as forças pernambucanas
e paraibanas... que, no caso de permitir e as forças soubessem, iriam ser
mortos ele e toda a sua família de dez filhos, os quais estava ele ainda
criando... Fingindo-se conformado, respostou Lampião que não exigia sacrifício
de ninguém e iria subir para o alto sertão de Pernambuco.
Tática
genial de finta
Despediu-se de Domingos e viajou, à tarde, depois do
almoço, "pisando na macambira", isto é, por dentro- da catinga
evitando as estradas. As seis horas da tarde, avistou pés de caraibeiras,
árvores características do rio Moxotó. Agradecendo, deu vinte mil réis a cada
um dos seis carregadores da rede e recomendou contassem a verdade do que viram,
sob pena de morrerem. Prometendo assim fazerem, e despedindo-se, retornaram os
seis homens a suas terras. Vadeou Lampião o largo leito seco e arenoso do
Moxotó em direção da ribeira do Navio, deixando as pegadas bem firmadas e
visíveis, de, fácil pista para os rastejadores mais vulgares. Quatro léguas
adiante, enviou um positivo a vários de seus grupamentos táticos, distante
distribuídos, para entrarem, de ataque por toda parte, em ação de despistamento
durante dez dias. Em seguida, dividiu a tropa em grupos: dois de cinco,
inclusive num deles o ferido; dois de quatro; ficando ele, com seus dois irmãos
Antônio e Livino, formando o menor grupo. E, usando a velha tática sua de
esconder os rastos coei apragatas de lã de ovelha para não deixar pista, mandou
se espalhassem pela catinga, indo todos se juntarem no rancho de Domingos
Antônio, donde haviam saído há dois dias. Um percurso total, ida e volta, de
doze léguas. Todos chegados, ali no pé da serra, construíram com rapidez, no
que eram peritos, bibocas ou barracas de varas e palha.
Postadas as sentinelas, trataram de se refazerem das
lutas, descansando, consertando roupas e objetos de couro, azeitando as
armas...
Assim passou Lampião dez dias com seu grupo, enquanto
grandes volantes, no piseiro dos rastos encontrados, subiam o sertão à sua
procura!... De vez em vez, se ouvia que Lampião estava ali e acolá, em lugares
divergentes, desorientando e endoidando a polícia. Eram seus cabras atuando
simultaneamente em diversos pontos para despistar, desviar a atenção.
Tiro
de misericórdia
Mandou Lampião que Domingos Antônio fosse à farmácia do
Gerson Maranhão, em Mariana, comprar iodo e outros romédios para Sabiá que, dia
a dia, definhava. Não queria de forma alguma Lampião perdê-lo. Por isso, vinha
transportando-o já com dezesseis léguas. E todos os outros testemunhavam com
quanto desvelo Lampião cuidava dele com mezinhas e comida especial. O cabra só
vivia pedindo:
— "Acabe com isso, Capitão. Pra eu num tem jeito
não. Quando acaba, os macacos vão me matá. Prifiro que me mate logo".
Chegou mesmo a pedir por amor de Deus, da Senhora da Conceição e do Padim
Cirço.
Lampião sempre dizia:
—. "Tá doido, Sabiá. Você vai ficá bom". Mas,
nada. Ali estava ele cada vez pior. Não comia mais nada. Com muita dificuldade
tomava uns golpinhos de leite. E sempre pedindo:
— "Me mate! Me mate!"
Não queria Domingos Antônio ficar com ele. Se a polícia
descobrisse, ele, Domingos, e a família iriam sofrer. Perguntou mais uma vez
Lampião a Sabiá se queria morrer. Diante da afirmativa insistente, mandou que
ele encomendasse a alma a Deus. Quando ele disse: — "Pronto" e fechou
os olhos manejou Lampião o fuzil, aproximou-o da testa e espatifou-lho o crânio
com uma bala.
A modo de não deixar sinal de cova, cavou esta no sentido
vertical e enterrou o morto em pé, plantando, em cima, um banco de macambira.
Com sinceros agradecimentos, despediu-se Lampião de seu
velho e leal amigo Domingos, tendo antes matado uma novilha gorda, de cuja
carne, secada e retalhada, proveu todos os bornais do grupo para as novas
aventuras.
Prisão
do vaqueiro
Em dias da Semana Santa, passou Lucena com uma volante
pela casa de Domingos e prendeu-o porque suspeito de coiteiro. Não foi morto
por que, chamados por Lucena, sob indicação de Domingos, os seis homens,
condutores da rede, cujos testemunhos coincidiram com as respostas do
interrogatório ao prisioneiro. Era Sexta-Feira Santa. A velhinha mãe de
Domingos se valera de Gerson Maranhão. O qual mandara um bilhete a seu primo
Lucena pedindo soltar o preso, que, aliás, já havia sido liberto.
Diário
de Guerra
— Março: Gino. Demitido o tenente Gino do Comando Geral
das forças em Vila Bela, com ordem de se apresentar ao tenente Pedro Cavalcanti
Malta, em Triunfo.
Assumiu provisoriamente o comando geral o sargento Alípio
Pereira de Sousa.
O Governador do Estado, Sérgio Loreto, proibiu Gino de
penetrar no município de Vila Bela. Dada a Gino uma volante de apenas doze
praças. Temendo Lampião, que já se achava à sua procura, mandou Gino pedir
ajuda a Zé Pereira. Este escolheu dez de seus mais perigosos cangaceiros e os
enviou ao suplicante. Por ironia da sorte, Gino, que perseguia cangaceiros,
agora se valia deles e com eles andou ' mais de mês pelas catingas do Navio!
...
— 11 de março: Capturados, em Rio Branco, pelo tenente
João Luís, três cangaceiros do grupo de Lampião: Antônio Clementino, velacho
"Fato de Cobra", Joaquim Pedro e José Raimundo Cândido.
30 de março: Grupo de cangaceiros sob o comando de Zé Pequeno
assaltou novamente o município de Mata Grande.
13 de abril: Fazenda Água Branca, no município de Vila Bela.
Os cangaceiros Zé Paulo e Sabino Gomes atacaram a residência do rendeiro João
Alves Pereira. Renhido tiroteio. Saldo: mortos João Alves e Zé Paulo; feridos três filhos e
nora do rendeiro; Sabino com ferimentos graves.
15 a 20 de abril: Proximidade de Alagoa de Baixo (hoje
Sertãnia). Num tiroteio, Gino desbaratou pequeno grupo de cangaceiros.
30 de maio: Enviou Lampião, cartel a Pão de Açúcar
(Alagoas).
-- 15 de junho: No município de Buíque, encontro da
polícia com um grupo de Lampião comandado por Antônio Barbosa, velacho
Parafuso, que morreu.
NOTA: Lampião deu cabo dos quatro irmãos Oliveiras — Francisco,
Manuel, Cícero e José — tenentes da polícia paraibana.