Artigos Variados

sábado, 22 de fevereiro de 2020

O CANGACEIRO VAMPIRO

O escritor Ely Pereira de Ávila, traz um relato bastante significativo para aqueles que estudam e pesquisam o Cangaço ao relatar parte da história do cangaceiro Galo Branco, que iniciou-se no cangaço com apenas 13 anos de idade por conta do assassinato de seu pai por uma Volante que perseguia Antônio Silvino, um dos mais temíveis cangaceiros. Passamos a mostrar um dos capítulos (partes) de seu livro “FERNANDO DE NORONHA – Da Ilha Maldita ao Paraíso”. Esta ilha que foi usada como presídio, pelas autoridades brasileiras, desde de 1844, para os revolucionários da Revolução Farroupilha, para presos comuns, e até mais recentemente foi usada para presídio dos que foram contra o golpe militar de 1º. de abril de 1964. Tomei como título desse artiguete, O CANGACEIRO VAMPIRO, por apenas um pequeno detalhe trazido à nossa atenção no final do capítulo.


O CANGACEIRO GALO BRANCO

João Martins de Souza nasceu em 1890 na cidade sergipana de Itabaiana. Seu pai nasceu logo após a Revolução Farroupilha', a guerra em que os gaúchos fundaram uma nova república no Rio Grande do Sul e depois a estenderam até Santa Catarina. Sua mãe era uma imigrante italiana que chegou ainda criança com os pais à região de Bento Gonçalves/RS, em meados do século passado. Lá se conheceram e terminaram por demandar o nordeste, fixando residência no Estado de Sergipe. Ali o pai de João Martins foi morto covardemente por uma volante, o que transformou o filho, ainda com 13 anos, num cangaceiro.

Vivendo entre jagunços, procurava descontar a raiva que passou a sentir dos policiais. Para ele, os macacos não prestavam, eram uns bandidos e só mereciam a morte. Por isso, seguiu Antônio Silvino, um dos mais temíveis dos cangaceiros. Foi entre eles que, devido à sua estatura e coragem, recebeu o apelido de Galo Branco. Pelos seus cálculos, matou perto de uns quarenta macacos ao longo dos dezessete anos que viveu no cangaço. O suficiente para vingar o pai. Nunca mais viu a mãe. Mas numa passagem por Sapé, no agreste paraibano, conheceu dona Flora Maria Conceição, com quem teve três filhos: Manoel, Severina do Carmo e José Martins.

Depois de conviver com o crime e a vida sem morada certa, vendo a mulher e os filhos uma vez por mês, ou até menos, durante quase vinte anos, Galo Branco cansou daquela vida e, em 1920, entregou-se à Forca Pública em Sapé. Ali, foi preso e condenado. Acabou recambiado, não muito tempo depois, para a ilha de Fernando de Noronha, aonde chegou a bordo do navio Belmonte junto com a família e com outros presos, após três dias de viagem.

Após aportar na Esmeralda, a família foi morar com familiares de outros presidiários, enquanto Galo Branco seguiu para a Aldeia. Depois, João Martins conseguiu uma casa para ele e a família. Dona Flora e a menina Severina ficaram encarregadas da lavagem de roupa de guardas, enquanto Galo Branco pescava e pegava caranguejo. Em seguida, foi trabalhar no curral. Ali, precisava pegar boi, matar e embalar a carne quando o navio chegava à ilha para levar o produto para o continente. Mais adiante, foi promovido à guarda de primeira classe.

Ele trabalhava até as últimas horas do dia e era obrigado a dormir em casa, exceto quando não tirava guarda. Às 20 horas, as luzes da ilha se apagavam e aquele pedaço de terra, no meio do oceano, era um silêncio só. Nessa época, envolveu-se em muitas brigas. Certa vez, recebeu de um subordinado um golpe de facão que feriu gravemente seu braço, levando-o para a usar tipoia.

Na adolescência, o filho José Martins trabalhou como baitereiro(3). Trabalhava no Ais France, ou seja, quando chegavam navios com mantimentos e equipamentos para os franceses, ele auxiliava no descarrego. O irmão Manoel trabalhava na mercearia do seu Teixeira. Já Severina do Carmo, além de lavar roupa com a mãe, trabalhava em casa. Em 1941, o filho mais novo, José Martins, com o fim da pena do pai e precisando servir o Exército, foi para Recife. O caçula se apresentou no 149ª. Regimento de Infantaria, no Bairro do Socorro em Jaboatão dos Guararapes-PE. Galo Branco esposa seguiram para a capital pernambucana um ano depois.
Mas o destino levaria o ex-cangaceiro para o Ceará. Lá, abriu uma bodega onde vendia
cachaça e cigarros na cidade de Missão Velha. Permaneceu um longo período em terras
cearenses. Anos depois, o velho jagunço estaria de volta a Itabaiana, onde nasceu. Só quando soube que o filho Zé Martins estava de volta à ilha é que retornou para a Esmeralda.

Nisso já corria o ano de 1956 e muitas coisas haviam acontecido com o filho caçula. Após ficar servindo no 14° RI, em Jaboatão, Zé, que era soldado armeiro, foi voluntário para ir para a Guerra, na Itália. O treinamento foi extremamente puxado. Faziam maneabilidades como ficar sem comer, andar sem orientação para chegar a um destino pré-determinado, fazer marchas, entre outras atividades. Só embarcou com a tropa para a Itália no final de 44. O Navio Bagé ainda passaria no Rio de Janeiro antes de seguir para a Europa. Em Monte Castelo, enfrentaram frio intenso, só esquentado pelo calor do fogo alemão. Sua função era preparar as armas e separar a munição de cada combatente. Mesmo sem lutar, participou da tomada do famoso morro italiano. Ali, viu vários amigos morrer.

José Martins diz que quinze dias depois de estar na Guerra, cada um só pensava em si, acabavam-se as amizades. Após oito meses na Itália e a rendição do Eixo, ele voltaria no navio Siqueira Campos. Lembra-se que o cais do porto ficou lotado de repórteres, familiares e curiosos que agitavam bandeirinhas na chegada dos pracinhas ao Recife. Após a guerra, o seu tempo no Exército terminou e Zé Martins foi licenciado sem direito a nada. O retorno para Noronha, um ano depois, o levaria a trabalhar na oficina mecânica.
No seu retorno à ilha, na década de 50, Galo Branco foi trabalhar no quarentenário com
vacas que vieram da India para o Brasil e ficaram em Noronha aguardando a manifestação de alguma doença. A função do ex-cangaceiro era dar ração para o gado. Depois que os bovinos foram embora, passou a se dedicar à agricultura. Morava com o filho na Vila dos Remédios no local onde está localizada hoje a casa de Nilton Flor, filho de dona Tassiana. Ele possuía um roçado na área da Aeronáutica, próximo aos galpões onde eram guardadas as bombas. Para ali se mudou alguns anos depois com o objetivo de ficar mais perto do roçado. Sua plantação ficava nas proximidades da atual residência de dona Sabina, na Vila da Coréia. Plantava milho, feijão, jerimum, batata e macaxeira. Galo Branco morou um tempo com o neto Antônio de Carmo, filho de dona Severina, na Vila dos Trinta.

Em 1975 o caçula José Martins conseguiu a aposentadoria do Exército, com 25 anos de serviço, como ex-combatente. Logo depois foi para o Recife morar no Jordão. Em seguida, voltou para Fernando de Noronha passando a trabalhar no local onde os americanos
faziam suas refeições quando estiveram na ilha. Já o velho cangaceiro não estava mais tão bem de saúde assim. A idade já pesava bastante. Não foram poucas as estripulias em que havia se metido ao longo dos já 85 anos.
Em 79, resolve morar com o filho no Recife, contudo, mais uma vez, não resiste e acaba voltando para a Esmeralda, onde falece em setembro de 1986, em consequência de uma trombose que atingiu primeiro os seus membros inferiores e depois os superiores.
O filho Zé voltou a Noronha em 87, a convite do Governador Mesquita, a fim de trabalhar na oficina que mudou para a Vila do Trinta.
Sua situação financeira melhoraria com a lei do ex-combatente, aprovada pela Constituição de 68. Dessa forma, Martins foi promovido a 2º. tenente da reserva, recebendo como tal. Retornou ao Recife em 95 e mora atualmente no Bairro do lpsep.

O velho cangaceiro, enquanto viveu em Noronha, nunca deixou de usar suas sandálias e o chapéu do cangaço. Também sempre usava uma bengala e uma bolsa a tiracolo.  Era agricultor, mas não desgrudava do punhal chamado “Santo Jesus Vai Comigo". Caracterizava- se por andar a pé pela ilha. Dizem os nativos, os mais antigos, que ele adorava beber o sangue de pequenos animais que caçava na ilha.

1 - Alguns fugitivos dessa revolta permaneceram um período em Noronha, aonde chegaram a bordo de um navio que iria levá-los à Bahia, mas seguiu mais para o norte.
2 - Policiais.
3 - Remador de um pequeno bote.
Foto: Novidades da tia Gilva