O jornalista e professor Luiz Antônio Simas conta-nos uma historia a respeito da Entidade Seu 7 da Lira, que encorporava na médium Cassilda de Assis e que abaixo, os amigos poderão ver algumas imagens em forma de documentário, trabalho do Núcleo de Estudos da Tenda de Umbanda Filhos da Vovó Rita sobre a ilustre médium e sacerdote de Umbanda que dedicou uma vida ao Seu 7 da Lira.
O professor Simas nos diz: Conheço poucos fuzuês brasileiros que se comparem ao que acontecia, na década de 1970, em Santíssimo, pertinho de Bangu. Em um galpão transformado em terreiro de umbanda, a médium Cacilda de Assis recebia Seu Sete da Lira, um exu fuzarqueiro e sedutor.
Os pontos eram tocados em ritmo de samba, ao som de tambores, pandeiros, chocalhos, cavaquinho e acordeão. Seu Sete, ao lado de dois mil médiuns e de multidões de clientes, aparecia em grande estilo, de cartola, capa, colete, garrafa de marafo na mão e o escambau. Dava passes, cuspia cachaça em todo mundo e atendia o povão, artistas e autoridades.
O sucesso foi tanto que Seu Sete baixou, ao vivo, nos programas do Chacrinha, na TV Globo, e de Flávio Cavalcanti, na TV Tupi. O jornal O Estado de São Paulo (03/09/1971) noticiou o babado da seguinte maneira: “A disputada mãe-de-santo Dona Cacilda de Assis transformou os estúdios da Globo e da Tupi em verdadeiros terreiros de macumba. Embora as apresentações diferissem, o espetáculo em si foi o mesmo: os umbandistas de 'Seu Sete' invadiram o palco (baianas, cantores, pessoas bem vestidas) num tumulto indescritível.”
Os leitores imaginem o furdunço: Chacrinha e Flávio Cavalacanti entrevistavam Seu Sete da Lira enquanto a curimba comia solta. Consta que câmeras, assistentes de palco, chacretes e mulheres da plateia recebiam entidades e davam passes via satélite.
Resultado da brincadeira: Os homens do regime militar interferiram no babado, a Globo e a Tupi tiveram que assinar um acordo de auto-censura e os milicos baixaram um decreto de censura prévia aos programas ao vivo. Criou-se um órgão federal controlador da umbanda e o governo abriu uma sindicância que culminou com o fechamento do terreiro e o fim da carreira de Dona Cacilda, sob acusação de exploração da crendice popular e propaganda do charlatanismo.
Correu à boca miúda que o verdadeiro motivo da cassação do exu teria sido outro. A primeira-dama do país, Cyla Médici, teria rodado na canjira e recebido Seu Sete enquanto assistia ao programa do Chacrinha, chegando a pedir cachaça e dar consultas para os empregados da residência oficial do governo.
Acho, por tudo isso, que os estudiosos da ditadura deveriam incluir o Rei da Lira na lista dos cassados. A dupla dinâmica Seu Sete e Abelardo Chacrinha foi demais para os sisudos censores e os carrancudos militares. Nem a esquerda, com seus materialismos importados da Europa, entendeu. O Brasil, todavia, desafiador em suas subversões pela festa, estava inteirinho ali.
Contadas por Luiz Antônio Simas
segunda-feira, 31 de março de 2014
A PELEJA DE SEU SETE CONTRA O GENERAL
Texto publicado originalmente no jornal O Dia, de 30/03/2014)
Um dos mais belos manifestos ecológicos e em defesa da natureza e do planeta, nas sábias palavras do bravo "Chefe Sealth" (Ts'ial-la-kum), mais conhecido atualmente como Chefe Seattle (ou ainda Sealth, "Seathle", Seathl ou See-ahth) ( 1786 — 7 de Junho de 1866), foi líder das tribos Suquamish e Duwamish, no que hoje é o estado americano de Washington. No ritmo vertical dos tambores indígenas o grande Erasmo Carlos complementa esse precioso legado, adaptando essa carta escrita em 1855 pelo Cacique Seattle - USA
Erasmo Carlos - A Carta do Índio
O grande chefe branco
Quer comprar as nossas terras
Quer nossa amizade
Mas não precisa dela
Tão certo como as estações do ano
Trarão armas na certa
Pela paz dos nossos filhos
Vamos pensar na oferta
Ninguém compra ou vende o céu
Nem o calor da terra
Como podem comprá-los de nós?
A ganância do homem branco
Empobrecerá a terra
Deixando desertos e sóis
Jamais se encontra a paz
Na cidade do homem branco
Não se ouve a primavera
Nem o crescer do campo
Porém, se aceitarmos a oferta,
Imporemos condições
Daremos nossas mãos
Homens, animais e árvores
Vivendo como irmãos
Mais depressa que outras raças
O branco vai fazer
A sua desaparecer
Restará o fim da vida,
Mulheres tagarelas,
E a luta pra sobreviver
[Como um recém-nascido
Ama o bater do coração de sua mãe
Se vendermos nossas terras
Ama-a, como nós a amávamos
Protege-a, como nós a protegíamos
Ferir a terra é demonstrar
Desprezo pelo criador
Com força, poder e coração
Conserva-a para teus filhos
Nosso Deus é o mesmo Deus
Esta terra é querida por ele
Nem mesmo o homem branco
Pode mudar o nosso destino comum
Cacique Seattle,
Tribo Duwamish,
Washington, 1855,
Estados Unidos da América do Norte
Em 1855, o cacique Seattle, da tribo Suquamish, do Estado de Washington, enviou esta carta ao presidente dos Estados Unidos (Francis Pierce), depois de o Governo haver dado a entender que pretendia comprar o território ocupado por aqueles índios. Faz mais de um século e meio. Mas o desabafo do cacique tem uma incrível atualidade. A carta:
"O grande chefe de Washington mandou dizer que quer comprar a nossa terra. O grande chefe assegurou-nos também da sua amizade e benevolência. Isto é gentil de sua parte, pois sabemos que ele não necessita da nossa amizade. Nós vamos pensar na sua oferta, pois sabemos que se não o fizermos, o homem branco virá com armas e tomará a nossa terra. O grande chefe de Washington pode acreditar no que o chefe Seattle diz com a mesma certeza com que nossos irmãos brancos podem confiar na mudança das estações do ano. Minha palavra é como as estrelas, elas não empalidecem.
Como pode-se comprar ou vender o céu, o calor da terra? Tal ideia é estranha. Nós não somos donos da pureza do ar ou do brilho da água. Como pode então comprá-los de nós? Decidimos apenas sobre as coisas do nosso tempo. Toda esta terra é sagrada para o meu povo. Cada folha reluzente, todas as praias de areia, cada véu de neblina nas florestas escuras, cada clareira e todos os insetos a zumbir são sagrados nas tradições e na crença do meu povo.
Sabemos que o homem branco não compreende o nosso modo de viver. Para ele um torrão de terra é igual ao outro. Porque ele é um estranho, que vem de noite e rouba da terra tudo quanto necessita. A terra não é sua irmã, nem sua amiga, e depois de exaurí-la ele vai embora. Deixa para trás o túmulo de seu pai sem remorsos. Rouba a terra de seus filhos, nada respeita. Esquece os antepassados e os direitos dos filhos. Sua ganância empobrece a terra e deixa atrás de si os desertos. Suas cidades são um tormento para os olhos do homem vermelho, mas talvez seja assim por ser o homem vermelho um selvagem que nada compreende.
Não se pode encontrar paz nas cidades do homem branco. Nem lugar onde se possa ouvir o desabrochar da folhagem na primavera ou o zunir das asas dos insetos. Talvez por ser um selvagem que nada entende, o barulho das cidades é terrível para os meus ouvidos. E que espécie de vida é aquela em que o homem não pode ouvir a voz do corvo noturno ou a conversa dos sapos no brejo à noite? Um índio prefere o suave sussurro do vento sobre o espelho d'água e o próprio cheiro do vento, purificado pela chuva do meio-dia e com aroma de pinho. O ar é precioso para o homem vermelho, porque todos os seres vivos respiram o mesmo ar, animais, árvores, homens. Não parece que o homem branco se importe com o ar que respira. Como um moribundo, ele é insensível ao mau cheiro.
Se eu me decidir a aceitar, imporei uma condição: o homem branco deve tratar os animais como se fossem seus irmãos. Sou um selvagem e não compreendo que possa ser de outra forma. Vi milhares de bisões apodrecendo nas pradarias abandonados pelo homem branco que os abatia a tiros disparados do trem. Sou um selvagem e não compreendo como um fumegante cavalo de ferro possa ser mais valioso que um bisão, que nós, peles vermelhas matamos apenas para sustentar a nossa própria vida. O que é o homem sem os animais? Se todos os animais acabassem os homens morreriam de solidão espiritual, porque tudo quanto acontece aos animais pode também afetar os homens. Tudo quanto fere a terra, fere também os filhos da terra.
Os nossos filhos viram os pais humilhados na derrota. Os nossos guerreiros sucumbem sob o peso da vergonha. E depois da derrota passam o tempo em ócio e envenenam seu corpo com alimentos adocicados e bebidas ardentes. Não tem grande importância onde passaremos os nossos últimos dias. Eles não são muitos. Mais algumas horas ou até mesmo alguns invernos e nenhum dos filhos das grandes tribos que viveram nestas terras ou que tem vagueado em pequenos bandos pelos bosques, sobrará para chorar, sobre os túmulos, um povo que um dia foi tão poderoso e cheio de confiança como o nosso.
De uma coisa sabemos, que o homem branco talvez venha a um dia descobrir: o nosso Deus é o mesmo Deus. Julga, talvez, que pode ser dono Dele da mesma maneira como deseja possuir a nossa terra. Mas não pode. Ele é Deus de todos. E quer bem da mesma maneira ao homem vermelho como ao branco. A terra é amada por Ele. Causar dano à terra é demonstrar desprezo pelo Criador. O homem branco também vai desaparecer, talvez mais depressa do que as outras raças. Continua sujando a sua própria cama e há de morrer, uma noite, sufocado nos seus próprios dejetos. Depois de abatido o último bisão e domados todos os cavalos selvagens, quando as matas misteriosas federem à gente, quando as colinas escarpadas se encherem de fios que falam, onde ficarão então os sertões? Terão acabado. E as águias? Terão ido embora. Restará dar adeus à andorinha da torre e à caça; o fim da vida e o começo pela luta pela sobrevivência.
Talvez compreendêssemos com que sonha o homem branco se soubéssemos quais as esperanças transmite a seus filhos nas longas noites de inverno, quais visões do futuro oferecem para que possam ser formados os desejos do dia de amanhã. Mas nós somos selvagens. Os sonhos do homem branco são ocultos para nós. E por serem ocultos temos que escolher o nosso próprio caminho. Se consentirmos na venda é para garantir as reservas que nos prometeste. Lá talvez possamos viver os nossos últimos dias como desejamos. Depois que o último homem vermelho tiver partido e a sua lembrança não passar da sombra de uma nuvem a pairar acima das pradarias, a alma do meu povo continuará a viver nestas florestas e praias, porque nós as amamos como um recém-nascido ama o bater do coração de sua mãe. Se te vendermos a nossa terra, ama-a como nós a amávamos. Protege-a como nós a protegíamos. Nunca esqueça como era a terra quando dela tomou posse. E com toda a sua força, o seu poder, e todo o seu coração, conserva-a para os seus filhos, e ama-a como Deus nos ama a todos. Uma coisa sabemos: o nosso Deus é o mesmo Deus. Esta terra é querida por Ele. Nem mesmo o homem branco pode evitar o nosso destino comum."