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domingo, 29 de janeiro de 2017

O DISTRATO


Quando fui solicitado a decidir sobre o que não sabia e a pessoa que solicitava uma decisão minha, não dizia qual era o assunto, eu não perguntava que assunto era, voltava do sonho e aquilo ficava martelando minha mente. Não foi uma e nem duas vezes que tive esse sonho e encontrava essa pessoa. Deixe-me contar esse sonho 'tin-tin por tin-tin'.

Mania sempre de ao deitar-me à noitinha, fazer intensa meditação sobre assuntos escolhidos, toda vez que escolhia sobre religião, entrava em transe profundo e sonhava com uma senhora, já de bastante idade porem bastante vivaz, com óculos de aro fino, caindo quase na ponta de seu nariz afilado e um pouco longo, que me fazia a pergunta: "O senhor quer desfazer o contrato?"

Talvez pela minha mudeza em querer saber que contrato era aquele que ela se referia, eu acordava e lembrava desse sonho, voltando a dormir novamente. Ao longo do dia ficava intrigado em saber que contrato era aquele, mas acabava que outros assuntos tomavam seu lugar à frente desse sonho e momentaneamente o esquecia. Diversas vezes tive esse sonho mas não respondia nada, se queria ou não fazer o distrato.

Mas teve um dia, que pensando no assunto, resolvi que na próxima vez, mesmo não sabendo que contrato seria aquele, eu iria dizer para aquela senhora que sim, eu queria desfazer o contrato, mesmo não tendo ciência de que se tratava. Ao longo de diversos transes, entendi que aquela era uma sala de Cartório e que a idosa era a Tabeliã. Sim eu iria concordar em desfazer o contrato só para ver o que me aguardaria se assim o fizesse.

Passaram-se alguns meses e chegou enfim o momento, não que fosse eu quem escolhesse sonhar com aquele momento. Lá estava eu na sala do cartório, sendo inquirido se queria desfazer aquele contrato que não sabia de que se tratava.

- O senhor que desfazer do contrato?

Essa pergunta, que conhecia tão bem, foi feita pela tabeliã, que me olhava fixamente. Exitei um pouco, mas estava determinado a dar a resposta, que estivera escondida de mim por tanto tempo.

- Sim!

Foi minha resposta. E aguardei que a senhora tabeliã me dissesse alguma coisa. Esse aguardo, creio, não durou nem um segundo pois, ao responder sim, quase que automaticamente, tornei do transe em que me encontrava e acordei. Nunca mais tive esse sonho. 

Hoje eu entendo aqueles sonhos que se deram em um momento crítico de minha vida. Era um religioso, com certa proeminência naquela organização religiosa que pertencia a maioria de meus irmãos carnais e minha mãe. Presidia uma congregação próspera e até mesmo tinha, com a ajuda dos membros dela, construído um bonito templo religioso. Participava em seus congressos e assembleias e discursava para milhares de pessoas. Era considerado como um Ancião - termo equivalente a Pastor, das igrejas evangélicas. 

Mas já há bastante tempo, não tinha mais uma fé religiosa pois não encontrava mais base para acreditar em alguns ensinos pregados pela organização. Não me sentia mais à vontade em estar à frente, pregando ensinos que não acreditava mais. E como não sou hipócrita, afastei-me dessa organização religiosa usando de bastante tato pois longe de mim, tentar desviar a fé de quem quer que seja. A decisão de desfazer o contrato era só minha.

Hoje sou um homem livre da religião, que é um dos maiores meios para outros homens dominarem sobre outros. Não quero dizer que todos são hipócritas pois tem muita gente honesta de bons propósitos dentro dela. Nem também de sair falando mal pois a religião para os que são mansos e humildes, mesmo dominando-os, afastam-nos de condutas indecentes em todos os níveis.

O esclarecimento estava se dando comigo. Não tinha mais a necessidade desse contrato, que agora eu sabia de que se tratava. Meu progresso não estava mas se dando no campo religioso e sim no espiritual, pois passei a compreender muito mais a humanidade, seus desvios e seus acertos. Vim a fazer progresso cientifico por ter acesso a conhecimentos inimagináveis. Era como uma amarra o contrato que desfizera sem que meu consciente soubesse de que se tratava e que felizmente o meu sub-consciente assumiu a responsabilidade de efetuar a decisão correta.

Hoje sou um homem agradecido pois me tornei um humano livre e preparado para o que vem. O que aconteceu comigo talvez seja plano das entidades superiores que nos protegem contra a ignorância. Nesse últimos cem anos, fizemos muito progresso no campo da ciência, desejo das autoridades superiores que querem um progresso mais rápido da raça humana. 

A conscientização chega-nos em forma de conhecimento, infelizmente a maioria está presa naquele contrato que tive o privilégio de distratar e não cair no cotidiano de insanidades. Renasci por encontrar as palavras que estão mantidas em segredo e que ainda estão seladas. Através delas, muitos se purificarão, se embranquecerão e serão refinados. A estrada para isso é estreita e poucos vão acha-la. O caminho largo e espaçoso está preenchido com muitos humanos, mantidos nessa escravidão pela falta de discernimento.

Continuo a crer, mas não em religião. Continuo a entender as coisas espirituais. Continuo a crer que os que têm discernimento brilharão tão claramente como os céus. Continuo a crer que temos guardiões e esses foram os que criaram a raça humana por meio da ciência. Continuo a crer que nós humanos cada dia que passa, estamos sendo modificados para a preservação da espécie. Cabe a cada um de nós, procurarmos o conhecimento, pois só o conhecimento transforma personalidades.

sexta-feira, 13 de janeiro de 2017

Maria Bonita - Bela, recatada e 'não do lar'

A polêmica frase "Bela, recatada e 'do lar' nos diz que "...são palavras muito específicas e que objetificam as mulheres." 

A autora (1) dessa frase faz comentários e diz que BELA, simbolicamente, toda mulher tem de ser bonita. Esse valor é algo muito forte tanto na sociedade ocidental quanto na oriental. Não importa o que aconteça, mesmo que a mulher tenha acabado de ter um filho, tem de estar com a barriga sarada duas semanas depois. 

O recatada e o 'do lar' vêm de encontro ao 'bela' para formar a imagem de mulher perfeita, que sabe se colocar no lugar dela e é submissa ao marido. É aquela velha história de que atrás de um grande homem sempre há uma mulher. Essa escolha de palavras segundo ela, foi muito infeliz. "Não me espanta a repercussão negativa que o perfil teve, embora no Brasil, ainda exista aquela imagem de que uma mulher foi estuprada porque estava de roupa curta", arremata.

No feminismo, o que se prega é que cada mulher pode fazer o que quiser. Se quer parar de trabalhar para cuidar dos filhos? Ok. Se quer casar com um homem mais velho? Ok. 

"Ela tem direito de ser quem quiser, mas não se pode criar uma simbologia de que a mulher perfeita deve seguir esses parâmetros."

Em uma sociedade escravagista como a nossa sempre foi perfil da mulher ser uma senhora de engenho, bonita, escolhida para casar, recatada, pois era preciso ser do lar, pois era onde as mulheres ficavam limitadas nessa época.

O livro Bonita Maria do Capitão (2) conta a história de mais uma mulher que se viu coagida por uma sociedade impositiva que fazia as mulheres serem "Belas, recatadas e preparadas para lar." - Maria Bonita preferiu sair do lar imposto pela sociedade, para fazer de seu lar, o mundo encantado do sertão.

Maria Bonita, mesmo sendo uma mulher pobre, não muito culta, e como quase todas as mulheres sertanejas daquela época, estava sendo preparada por seus pais para serem recatadas donas de casa, cuidar do marido e dos filhos. Mas algo aconteceu em sua vida que a retirou desse marasmo imposto por uma sociedade que olhava para as mulheres serem exclusivamente 'do lar'.


Mas essa Maria não se deixou dominar por isso e sem saber que passaria a ser famosa, "...abandona o anonimato para pertencer à história do mundo."


"No caso de Maria Bonita é diferente. Essa "Maria fez de si a própria entrega para a história. Ela deixa de ser uma promessa e concretiza-se em senhora de seu destino ao tomar a decisão de abandonar sua família para viver ao lado do mítico cangaceiro Lampião. Essa Maria é a do Capitão."

Não sei por que Joaquim Góis, ex-volante em seu livro intitulado Lampião: O último cangaceiro, que teve a oportunidade de conhecer Maria Bonita em sua casa, onde morava com seu primeiro marido, resolveu descrever a aparência física dela antes dela ser a companheira de Lampião! 

Lógico que devemos entender que aqui se aplica o velho ditado que diz que “não existe gente feia” pois a beleza ou feiura estão nos “olhos” daquele que ver.

Mas segundo ele, ao entrar na tenda do sapateiro Zé de Nenê, com o propósito de fazer algumas encomendas, notou uma mulher acabrunhada e sem beleza e escreveu que "... ao seu lado uma cabocla apagada, rosto de linhas inseguras, olhar vago e fugidio, corpo solto no desalinho e no mau gosto de 
um vestido barato, de chita ordinária, marcado de cores berrantes, costurado à moda de como costuram as mulheres de fim de rua das cidades pequenas. Pés grandes, esparramados dentro de duas sandálias grosseiras, e rosto comprido, moles, desbotadas; mãos de unhas sujas, mãos pequenas, descuidadas; duas argolas vermelhas de ouro duvidoso caíam-lhe das orelhas; cabelo de um castanho fosco, penteados em um volumoso cocó, bem aprumado, um pouco acima da 
nuca; pescoço curto, queixo atrevido, boca carnuda escondendo desejos; lábios corados como uma fruta entreaberta, pedindo caricias; seios bambos, caídos; quadris batidos; pernas fortes, semblante sem a beleza de um sorriso meigo, quase duro na sua expressão [...]. De mulheres vulgares como Maria de Déa, está cheio este sertãozão de meu Deus" 
(GÓES, 1966, p. 212). 

O que fez Góes mostrar uma pessoa que todos tinham como sendo uma bela mulher, dessa forma?
Lembremos-nos que “não existe gente feia” e que talvez naquele momento em que Góis entrou no recinto, Maria estivesse abatida talvez por uma situação de constrangimento e cansada pela vivência com o sapateiro, em constantes discussões, tivesse relaxado na indumentária e no semblante.

Vemos e podemos assimilar, que essa palavras, talvez até um pouco desconfortáveis, foi a visão momentânea do autor. Tudo bem que as sertanejas se arrumavam bem melhor aos domingos de Missa ou festinhas de largo ou algum outro evento. Mas se me permitem eu digo que foi uma maldade muito grande de Góes, retratar Maria Déa dessa forma.

Em reportagem do Correio da Manhã, do Rio de Janeiro, edição de 8 de abril de 1967 o jornalista Luis Carlos Rollemberg Dantas em reportagem sobre o livro de Góis, diz que além de "liquidar com as intenções de determinadas publicações que procuram mostrar Lampião como herói" também mostra "... Maria Bonita, figura transfigurada pela lenda, e restabelecida convincentemente na realidade" como se Góis retratasse Maria Bonita convincentemente como feia e desengonçada, e isso fosse a realidade.

Para contrapor essa ideia vejam essa foto tirada enquanto Maria estava "no lar" - antes de entrar no cangaço.

Uma bonita sertaneja com penteado simples e vestido comum, mas que realçava a beleza dessa mulher. Uma beleza que talvez não aparecesse em instantes de desconforto com a vida sem atrativos que levava.

Segundo as autoras do livro Bonita Maria do Capitão, o "... que se pode crer é que ela apresentava uma aparência comum, sem atrativos físicos que a colocassem em algum patamar de beleza."

Agora vejam essa foto feita no cangaço, mostrando o seu eu interior, livre e liberta dos dogmas criados pela falsa e puritana sociedade. Maria do Capitão em seu sorriso de alegria, cativou não só a Lampião, como a outros cangaceiros, que testemunharam sua índole. Essa morena realmente era uma Rainha de seu Rei. Ela era "Bela e Recatada" e seu Lar, a Caatinga do Sertão Nordestino! Seu "crime" foi querer viver livremente e podemos afirmar que ela encontrou a liberdade que almejava, nos braços de "uma fera perigosa" - mulher nova bonita e carinhosa... faz o homem gemer sem sentir dor!



NOTAS:

1 - Helena Jacob, coordenadora do curso de jornalismo da Faculdade Cásper Líbero e doutora em comunicação e semiótica pela PUC (Pontifícia Universidade Católica) de São Paulo

2 - Autoras: Vera Ferreira e Germana Gonçalves - Parte 1 Vida e Modos de Maria

Todas as frases em aspas estão nos livros e citações jornalísticas.