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segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

Lampião e o Lazarento - A outra face.

Texto de Raul Meneleu

A marcha estava sendo exaustiva e o calor vindo por cima e exalando quentura por baixo fazia os cabras vez em quando cambalearem como mamulengos. Não dava para parar, as volantes com cabras dispostos, todos bem municiados, estavam quase em cima deles. E outra..., parar onde? Só o que se via eram pedras e areia misturados com aquelas hastes espinhosas dos mandacarus,  apontando para o céu onde não se via nuvens. Só não dava pra ver os inimigos por causa do emaranhado de galhos secos e de vez em quando um pezinho minrrado e desfolhado de umbu.
As alpercatas de Lampião, ardiam como fogo e quando olhava para os pés, via-os latejantes querendo saltar fora do couro da “precata”. Já não tinham água para aplacar a sede. E essa era combatida com pequenos pedaços de rapadura, que encontravam perdidos nos fundo do embornais. Vinham de longe, vagueando por aquelas regiões inóspitas, varrendo a terra como se vento fosse, e trazendo desolação pior que a seca do sertão.

Eram cachorros enlouquecidos, mas não ganiam, pois não queria chamar a atenção dos inimigos. Mas ai daquele que passasse na frente daquela matilha ensandecida. Com olhos injetados pelo sangue que subia às suas cabeças e que misturavam-se aos grãos de terra levantados em poeira naquela desembalada carreira. Mesmo assim com espantosa vivacidade e agilidade, encobriam seus rastros, evitando o faro de hiena dos rastreadores, que a soldadesca “emburacava” atrás para lançarem seu ataque mortífero.
Era um rastejar permanente daquele grupo comandado por Lampião. Assim como também era permanente o rastrear das volantes e seus valentes. Todos eles eram uma mistura provinda do mesmo caldo social estabelecido nos sertões nordestinos. Eram homens que no combate, se devoravam, entre as pedras e areias da caatinga. Lampião e seu bando, eram serpentes mortíferas, sibilando horrendamente  e vez em quando atacando os endinheirados do sertão,  abocanhando como áspides e derramando o veneno da morte e da destruição.

A noite já vinha chegando. Da quentura do dia, o sertão vira gelo na noite. Com as bocas ressequidas, Lampião e seus cangaceiros voavam no sereno, e procurando abrir as bocas nessa desembalada retirada, tentando sorver o orvalho que começara a descer como tênue manto de frescor. Mas a sede era maior que todo aquele sertão. Aliado a isso, a fome já também fazia-se surgir nas entranhas de cada um deles.
Mas com o avançar da noite, começaram a relaxar seus membros e articulações fatigados, e deixavam-se esmorecer e a pisar mais macio. O perigo tinha ficado pra trás, pensavam eles. A friagem da noite emanava seu alívio, com ventos frios e entorpecentes, que não deixavam de ser também um problema. Lá pras tantas, desse sertão sem lua, avistaram uma pequena luz bruxuleante. Era um desses casebres perdidos no meio do mato, isolado naquela triste paisagem. Bem que poderia ser um fugitivo da justiça, assim como eles pois desse tipo, o sertão com seus poderosos homens distintos, fabricavam constantemente da noite para o dia ou do dia pra noite.
 
Ao aproximarem-se, viram que se tratava de uma pequena cabana de pau a pique, onde via-se pelos buracos existentes entre o barro e as ripas, as chamas de uma lamparina dançar pelo efeito da aragem que zunia dentro do pequeno terreiro. Será que ali teriam pelo menos água? Aproximaram-se como onças para dar o bote, cautelosamente e silenciosos como os felinos fazem ao aproximarem-se de suas presas. Não pensavam em mais nada a não ser em água que lhes mataria a sede. Lampião bateu levemente na porta, como se a acariciasse, dizendo:  - Ô de casa... - A resposta não foi imediata. Insistiu... – Ô de dentro... – maior silêncio... – O bando aguardava. E Lampião pela terceira vez, rompeu a mudez emanada da rústica morada, gritando: Quem está ai dentro?
Então uma voz fantasmagórica, mas humana, debilmente sussurrou um já vai, espere ai, já vai, de forma tão sofrida que os cangaceiros estremecidos pela sede, já não lembravam dela. A lamparina moveu-se, a porta foi aberta por um vulto, como se fosse uma alma de outro mundo, talvez comparado até mesmo com a Morte, pois usava um capuz característico para esconder seu rosto; faltava apenas a foice, que fora substituída pelo fogo no pavio do bico de luz. - Que desejam a estas horas da noite? Lampião respondeu que apenas queriam um pouco de água para matar a sede dele e de seus homens. O bando todo, já tinha se chegado mais pra perto, curiosos em ver aquela cena que jamais nenhum deles esqueceria. O vulto encapuzado, escondendo sua face, balbuciou num murmúrio: Querem água...

Eu me chamo Virgulino Ferreira, conhecido como Lampião e estou vindo em paz pois apenas queremos matar a sede. O homem retrocedendo e abrindo passagem para Lampião e os seus, que entraram no casebre que mal cabia todos, viram sentados no chão, por cima de um resto de esteira e panos maltrapilhos, uma mulher com dois filhos, que ergueu-se e perguntou ao marido quem eram. Este respondendo disse-lhe que era Lampião e sua gente, de passagem e com sede. As crianças com medo, apertavam-se uma a outra, e a mulher disse para o marido que Lampião não deveria beber daquela água que eles tinham. E que se eles soubessem, não deveriam nem ter entrado na cabana.
Lampião com altivez disse-lhes que queria apenas água e não queria fazer mal a ninguém. O homem encapuzado com bastante jeito fez ver a Virgulino que eles tinham água, mas por conta de uma doença que tinha e que tinha sido escorraçado de sua cidade e vivia agora no mato não seria bom que bebessem. A doença era a lepra. Deixando cair o capuz, aquela pobre alma mostrou-lhes o rosto, onde parte dele estava carcomido pela doença.
 
O bando recuou amedrontado e deixou Lampião sozinho, e ele calado, imóvel, fitou aquele ser torturado e disse não saber de tão grande desgraça e que se soubesse não teria pisado naquelas brenhas perdidas. Perguntou se fazia muito tempo da doença e o homem respondeu-lhe que sim. - E a mulher e as crianças, por que aqui ficaram? Perguntou Virgulino. E o pobre Lazarento, quase chorando de sua dor física e d’alma respondeu-lhe que ela não o tinha abandonado e que mesmo assim ele não teria para onde mandar seus filhos.

Aqui encontramos a outra face do violento e destemido Rei dos Cangaceiros. A misericórdia rugiu forte em seu coração e ele saindo da cabana chamou um de seus cabras, que veio cauteloso de medo. Lampião retirando duas cédulas que passou à mulher dizendo: Prepare os meninos agora mesmo, que eles vão ser entregues ao meu padrinho no Juazeiro. E olhando para o cangaceiro, disse-lhe que levasse aquelas duas inocentes almas à casa do padre Cícero, lá no Ceará. E embrenhou-se novamente com seu bando, noite a dentro, sem tocar no pote e nem na caneca d’água do leproso. Nessa retirada, não comportava seu grito de guerra "Mulher Rendeira".

Essa é uma das estórias que encontramos quando nos aprofundamos na vida e nos atos da história de Lampião, O Rei do Cangaço, - ( Lampião - Nertan Macêdo - pgs 72-73) que em um episódio como esse, mostrava sua outra face, como que querendo redimir-se perante o criador. Imitava ao filho de Deus, mal comparando como se diz no sertão. Não curava, mas ajudava os cegos, aleijados e outros que tinham doenças terríveis como a lepra. Tudo dependia de sua outra face.

Do cangaço para a passarela


O artesão Espedito Velozo de Carvalho, 74 anos, cresceu ouvindo uma história curiosa do pai, um vaqueiro de Inhamuns, sertão cearense, conhecido pelas selas, chapéus e gibões de couro que costurava. Certa noite, ele trabalhava sob um alpendre iluminado por uma lamparina quando um “cabra” surgiu da escuridão e disse:
- Seu Raimundo, o senhor faz umas selas tão bonitas. Se eu trouxer o modelo de uma alpercata (sandália), o senhor faz?
- Rapaz, eu não sou bom nisso não, respondeu ele, tentando fugir do pedido.
O visitante misterioso insistiu um pouco mais. Tirou do bolso um papel todo “escangalhado” e mostrou. Era o modelo de uma sandália de solado quadrado, do tipo que quando a pegada fica no chão não dá pra saber para qual lado a pessoa vai. Pediu que fosse feito no número 39 e, diante da concordância um tanto atônita de seu Raimundo, disse que voltaria depois de 29 dias para buscar o calçado.
O pai de Espedito começou, então, a trabalhar. No prazo marcado, o visitante chegou e, contente com o resultado, encomendou novas mercadorias. Antes de ir embora, perguntou se seu Raimundo sabia para quem era a sandália:
- Rapaz, é pra você mesmo. Foi você quem me pediu.
- Pois não é não. É para o coronel Virgulino. 

A descoberta de que a encomenda era para Lampião, o temido rei do cangaço, deixou seu Raimundo apavorado. Tão apavorado que ele nem cobrou pelo serviço. “Meu pai foi se tremendo todo. Ficou até com vontade de fechar as portas e correr. Naquele tempo, todo mundo tinha medo de encontrar com Lampião”, diverte-se Espedito.
A família, unida em uma associação com quase 30 pessoas, que formam o corpo de funcionários, produz, entre 200 e 300 pares de sandálias por mês
Ele tinha apenas oito anos quando ouvia o pai contar o relato na oficina, agora na cidade de Nova Olinda, também no Ceará, onde a família vive até hoje. Muitos anos depois, o relato voltaria de sua lembrança, marcado pela chegada de uma mudança radical na vida de toda a família.
O artesão é herdeiro de uma longa linhagem de costureiros de selas de montar iniciada pelo bisavô, que pelo trabalho ficou conhecido como Antônio Seleiro, “sobrenome” que passaria adiante para o filho, Gonçalves Seleiro, e para o neto, Raimundo Seleiro, pai de Espedito Seleiro.
Seu Raimundo morreu em 1971 e, aos 31 anos, o primogênito se viu, de uma hora para outra, responsável pelo sustento dos irmãos, todos bem mais novos, e dos próprios filhos. Naquela época, a família só fabricava as peças para os vaqueiros e, a cada ano, as vendas diminuíam, afetadas pelo fim da tradição da profissão.
Até que um dia, no início da década de 1980, Alemberg Quindins, diretor da Fundação Casagrande, uma premiada organização educativa de Nova Olinda que capacita crianças da região, entrou na oficina com um desafio. Trazia nas mãos uma sandália que foi usada por Lampião e estava em exposição, ao lado de outras peças sobre o cangaço, na Fundação. Perguntou, então, se Espedito conseguia reproduzir o modelo, mas com detalhes, um tipo de rococó nordestino que ele já fazia nos gibões e nas selas.
O artesão se lembrou, então, da história contada pelo pai e, mesmo nunca tendo feito sandálias antes, topou. “Fiz uma bem mais bonita porque sou mais caprichoso”, brinca. O solado era normal, sem o formato quadrado que dificulta o andar. Alemberg gostou e Espedito viu a oportunidade de um novo negócio. Passou a produzir as sandálias de Lampião. A situação financeira melhorou, mas as vendas não decolaram porque sandálias de couro cru já existiam aos montes no mercado. “Eu chegava nas lojas e o povo dizia: ‘Já tenho. Só quero se for bem baratinha’. Eu me obrigava a vender porque precisava, mas não compensava nada, era uma mixaria.”
Desgostoso com o trabalho, mas sem querer desistir, ele resolveu que não venderia mais peças iguais as dos outros. Foi dormir pensando. Levantou às 4h do dia seguinte, começou a desenhar e decidiu que dali em diante só faria sandálias coloridas. Costurou, então, um monte de sapatos e levou para uma “loja bonita, grande”, de Juazeiro do Norte, cidade vizinha a Nova Olinda. Chegou e disse:
- Seu Pedro, trouxe doze pares de sapato para você comprar.
O dono da loja nem abriu a caixa e recusou a oferta.
- Aqui tá tudo cheio de sapato. Não vou comprar, não.
Espedito insistiu:
- Mas, homem, tem um monte de sapato, mas nenhum é igual ao meu.
Seu Pedro olhou meio por cima e, com um certo descaso, disse para ele deixar a caixa num canto, que se vendesse alguma coisa daria o dinheiro para o seleiro. “Era um dia de segunda-feira. Deixei a caixa de sapato lá e peguei um, que estava no capricho mesmo, e botei na tampa. Combinei de voltar na outra segunda-feira para ver se tinha vendido e, se não, pegar os sapatos de volta. Fui embora desgostoso porque chegar em casa sem dinheiro é ruim, né?, lembra ele.
Durante a semana, continuou a produção dos pares coloridos com o que restou do couro que tinha. Até que na segunda-feira, voltou na loja.
- Pronto, seu Pedro, vim buscar meu sapato.
- Não, rapaz, pois eu vendi foi tudo. E quero mais 50 pares, respondeu o comerciante.
Com a pequena oficina, ele não conseguiu atender o pedido, mas foi vendendo para seu Pedro as que conseguia fazer. Foi nesse período que as sandálias multicoloridas de Lampião começaram a fazer sucesso. Alemberg também ajudou a promover o produto, calçando os sapatos em entrevistas para a televisão. Artistas começaram a procurar os calçados e Espedito resolveu diversificar: começou a produzir sandálias da Maria Bonita, um modelo mais delicado em homenagem à mulher do rei do cangaço, bolsas, carteiras, cintos, botas, cadeiras, molduras para espelhos e até luminárias, tudo no couro colorido vivo que virou a marca registrada do seleiro.
A família, unida em uma associação com 22 pessoas que formam o corpo de funcionários, produz entre 200 e 300 pares de sandálias por mês.
Em 2006, ele foi convidado para fazer os calçados que a grife Cavalera usou no desfile de verão da São Paulo Fashion Week e causou burburinho no mundo da moda. Virou queridinho também entre os figurinistas de novelas e filmes, onde se tornou referência quando se retrata o cangaço. Às vezes, um ou outro artista famoso aparece de surpresa na oficina e a loja que ele abriu do outro lado da rua para organizar as vendas virou parada obrigatória dos guias turísticos da região, que trazem carros cheios, inclusive com estrangeiros.
O sucesso, no entanto, não o deslumbra. Apesar das reiteradas propostas que recebeu para montar uma fábrica de sapatos, ele não quer abandonar a manufatura. Muito menos Nova Olinda. No próximo mês de outubro, Espedito inaugurará em um anexo da oficina o Museu do Couro, que contará a história dos vaqueiros, da cultura nordestina e das peças usadas na região, incluindo a primeira sandália feita para Alemberg e a máquina de costura manual, que era do avó dele, onde o pai teria feito a peça para Lampião.
“O que eu acho bom na vida é isso aqui. É por isso que eu tenho 74 anos, mas só tenho mesmo é 18. Porque eu só faço o que eu gosto. Se der para eu ganhar 1.000 reais eu ganho. Se não der, eu ganho 100. Eu quero ficar do jeito que eu comecei. A vida só é boa quando você se conforma com ela.”
Artigo escrito por Talita Bedinelli para o El País

domingo, 1 de fevereiro de 2015

A vaca está com carrapatos, matemos os carrapatos.



Recentemente escrevi o artigo "A vaca está com carrapatos, MATA A VACA!" falando a respeito das regras desse grupo de estudiosos do tema Lampião, cangaço e nordeste, onde em suas regras diz que se evite postar assuntos fora do foco e propósito.

E é claro que todos nós apoiamos essas regras, pois como disse no artigo acima, "uma sociedade com regras, seus membros sentem-se mais a vontade em participar".

A regras desse grupo, foram e são claras e todos nós que entramos para participar dele, entramos com o propósito de nunca postar algo que saísse de seu tema.
 
 Infelizmente aconteceu um óbice não muito bem "pensado", por conta de pessoas que postam assuntos fora do estudo. Mesmo tendo bons propósitos, foi tomada a decisão, por um dos administradores, que as postagens dos participantes deveriam passar por uma "avaliação" e só depois desta, ser liberada para "aparecer" no site do grupo.

FELIZMENTE houve uma avaliação da parte dos administradores para que se voltasse atrás, e que o grupo continuasse com a liberdade de expressão.

Compete agora a todos nós, mantermos a fiscalização, mesmo que não tenhamos a qualificação de remover assuntos não condizentes com os assuntos postos no tema e regras do grupo.

Quero parabenizar, o líder do grupo, que usa o nickname de "VOLTA SECA" que avaliou por certo com seus administradores que mesmo com bons propósitos, cerceou-se a liberdade que existia e trouxe novamente ao grupo, o privilégio da liberdade de expor de imediato suas matérias e pôsteres.

Aproveito para mandar um abraço aos mais de oito mil participantes do grupo e enaltecer a liberdade retornada.